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O USO DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS NO TRIBUNAL DO JÚRI


Autoria:

Rodrigo De Souza Rezende


Advogado especializado em direito criminal e direito eleitoral, pós-graduado em Direito Eleitoral pela Universidade Anhanguera-UNIDERP, professor concursado de direito constitucional no CEETEPS.

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Resumo:

O presente artigo trata do uso dos antecedentes criminais pela acusação perante o conselho de sentença. Aborda o aspecto da configuração do "direito penal do autor", bem como a possibilidade da interpretação extensiva do novo art. 478 do CPP.

Texto enviado ao JurisWay em 14/12/2009.



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A utilização dos antecedentes criminais do réu pela acusação durante a sustentação oral nos julgamentos do Tribunal do Júri é causa de nulidade absoluta, de modo que influi indevidamente na formação do convencimento dos jurados, caracterizando, tal prática, verdadeiro “direito penal do autor”.
Sobre o conceito de “direito penal do autor”, a mais balizada doutrina ensina que:
Nos dizeres de Zaffaroni e Pierangeli: Um direito que reconheça, mas que também respeite a autonomia moral da pessoa, jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o próprio direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação (...)”[1]
Nilo Batista também preconiza que: “O que é vedado pelo princípio da lesividade é a imposição de pena (isto é, a constituição de um crime ) a um simples estado ou condição desse homem, refutando-se , pois, as propostas de um direito penal de autor e suas derivações mais ou menos dissimuladas (tipos penais de autor, culpabilidade pela conduta ao longo da vida, etc.).”[2]
É cediço que o atual ordenamento jurídico brasileiro é concebido para que o acusado seja condenado pelos fatos narrados na denúncia, que estão sob a ótica de um “restrito” processo e conseqüente julgamento, não por aquilo que ele é (ou, ao menos, que a acusação diz ser) ou fez no passado.
Assim, trabalha-se com um direito penal do fato e, até mesmo por força constitucional, repele-se um possível “direito penal do autor”.
Ocorre que alguns resquícios do “direito penal do autor” ainda sobrevivem, indevidamente, no ordenamento jurídico vigente, como é o caso do artigo 59 do Código Penal, que impõe ao Magistrado, na aplicação da pena base, que, dentre outras circunstâncias, leve em consideração os “antecedentes” do agente; bem como no caso da circunstância agravante genérica contida no artigo 61, inciso I, também do Código Penal, que diz sempre agravar a pena, quando não constituir o próprio delito ou qualificá-lo, a “reincidência”.
Deve-se frisar que os exemplos acima ilustrados, que persistem no ordenamento vigente, além de caracterizarem algo nefasto que é o “direito penal do autor”, configuram, ainda, um “bis in idem”, uma vez que o agente já foi processado penalmente pelos delitos anteriores e, muitas vezes, cumpriu integralmente a pena que lhe foi imposta, respondendo, novamente, por uma dívida que já havia quitado.
No mais, percebe-se que os “antecedentes” e a “reincidência” devem ser levados em conta tão somente no momento de aplicação da pena pelo juiz togado e não para a formação do juízo de culpabilidade. O magistrado, possuidor de elevado conhecimento técnico-jurídico, é plenamente capaz de ignorar os antecedentes do réu sem etiquetá-lo para a formação do juízo de condenação, levando-os em conta apenas no momento da aplicação da pena, entretanto, os juízes leigos – JURADOS – no mais das vezes, não têm o mesmo discernimento, pois não necessitam de formação jurídica e suas decisões sequer necessitam ser fundamentadas.
Guilherme de Souza Nucci ensina que “Equiparar o julgamento realizado pelos juízes leigos, muito influenciados pela aparência, pelos mínimos gestos, pelas palavras mais singelas e pelo comportamento apresentado em plenário por qualquer das partes, especialmente pelo réu, ao realizado pela magistratura togada é, no mínimo irresponsável. O juiz tem condições de separar em sua mente – ainda que seja difícil, pois também é ser humano e, por isso, falível – o mau comportamento de um réu em audiência da prova de sua culpa (...) Não porque o magistrado seja superior aos jurados, mas porque seu conhecimento técnico fornece-lhe os instrumentos para fazê-lo (...)”[3]
O certo é que o conhecimento dos antecedentes criminais do réu pelos jurados influencia sim a formação de seus juízos de culpabilidade, sendo certo que muitas vezes não condenam pelo crime doloso contra a vida que lhes é apresentado, mas condenam a pessoa do acusado em face de seus antecedentes.
Tais premissas, que repelem o julgamento do “ser” da pessoa, entretanto, permeiam tão somente o universo teórico, haja vista que, na prática, é o contrário que ainda prevalece, pois diuturnamente os antecedentes criminais do acusado são trazidos à baila e enaltecidos pelo órgão acusador durante os julgamentos no Tribunal do Júri.
Inúmeros são os casos em que, ainda que não haja qualquer prova concreta, no processo, relativa aos fatos nele apurados, o julgamento encaminha-se para um veredicto condenatório, pois o promotor de justiça, muitas das vezes, utiliza-se, quase que exclusivamente, dos antecedentes criminais do acusado em sua sustentação oral e, no mais puro e claro exemplo de “direito penal do autor”, o Conselho de Sentença decide pela condenação, ou seja, o réu não é condenado pelo que fez, mas sim pelo que supostamente é, uma vez que a acusação, enaltecendo os antecedentes criminais do acusado, o demoniza, investindo-o numa figura de “criminoso contumaz”, o que, obviamente, é repudiado pelo corpo social representado no Conselho de Sentença, que, diante disso, o condena.
A condenação não é imposta porque foi comprovada a autoria de uma ação tipificada na lei, mas sim porque o réu foi cabalmente etiquetado como criminoso em decorrência de seus antecedentes. Não se pune os fatos, pune-se o ser (o ladrão, o estuprador, o traficante, ou seja lá qual for o estigma que os antecedentes fazem pesar sobre o acusado).
Algo semelhante ocorria com a utilização, como “argumento de autoridade”, da decisão de pronúncia, acórdãos que confirmaram a pronúncia, da decisão que mantinha o uso das algemas no réu durante o julgamento, ou ainda com o silêncio do réu em seu interrogatório, para pleitear a condenação, o que, atualmente, graças à recente reforma processual penal trazida pela Lei 11.689/08, está expressamente proibido, conforme se denota da leitura do artigo 478 e seus consectários do Código de Processo Penal.
Inobstante à salutar inovação legislativa retro ilustrada, o legislador silenciou no tocante às referências aos antecedentes criminais do acusado na sustentação oral em plenário, o que permite a perpetração da absurda injustiça ilustrada anteriormente nos julgamentos pelo Tribunal do Júri.
Nesse ponto, operando-se uma hermenêutica embasada na interpretação sistemática do artigo 478 do Código de Processo Penal, sobretudo à luz das garantias constitucionais e internacionais constantes dos Tratados de Direitos Humanos, resta a indagação: “é possível, respaldado em todo o sistema jurídico vigente, inclusive os Tratados Internacionais de que o Brasil é signatário, defender a vedação da utilização dos antecedentes criminais como fundamento para a formação da opinião do Conselho de Sentença?”
Entendemos que sim, pois a interpretação do artigo 478 do Código de Processo Penal deverá ser “extensiva”, ou seja, o legislador disse menos do que deveria.
O artigo 3º do Código Processual Penal preconiza que “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”.
Ademais, no atual Estado Constitucional e Transnacional de Direito, o papel do juiz vai muito além que a mera observância pacífica do direito posto, ou seja, da lei, ele deve garantir a prevalência dos princípios, sobretudo daqueles que se referem à dignidade da pessoa humana. Neste ponto, deve-se trazer à baila a lição de Luiz Flávio Gomes e Rodolfo Luiz Vigo:
“A evolução do Estado de Direito legal para o Estado de Direito constitucional e transnacional implica uma marcante mudança de paradigma: do juiz legalista-positivista (“ser inanimado”, como dizia Montesquieu) chega-se ao juiz constitucionalista; do método meramente subsuntivo (formalista) passa-se para o ponderativo (razoabilidade). Se no Estado liberal de Direito a primazia era do legislador, se no Estado social de Direito a preponderância era do Executivo, no Estado constitucional e transnacional de Direito a proeminência reside indiscutivelmente no juiz.”[4]
Para fundamentar a conclusão acima, analisemos, de forma lógica, alguns dispositivos legais e princípios gerais do direito que poderão ser invocados para coibir essa prática cotidiana e indevida, perpetrada de forma contumaz em todos os tribunais do júri do país.
A atual Constituição erigiu como princípio fundante da República Federativa do Brasil a “dignidade da pessoa humana”, mega-princípio que tem como corolário grande parte, senão a totalidade, das garantias fundamentais trazidas no rol do artigo 5º da Magna Carta, bem como das garantias insculpidas nos inúmeros tratados internacionais de Direitos Humanos.
“A dignidade humana, sem sombra de dúvida, é a base ou o alicerce de todos os demais princípios constitucionais penais. Qualquer violação a outro princípio afeta igualmente o da dignidade da pessoa humana.”[5]
À luz do sobredito princípio, não há como aceitar a realização de um julgamento com base no “direito penal do autor”, porquanto se estaria derrubando por terra todas as conquistas da humanidade na seara dos direitos humanos, as quais visam justamente coibir as arbitrariedades e injustiças cometidas em épocas passadas.
A “Santa Inquisição”, por exemplo, dava o rótulo de herege ou bruxo a um cidadão, condenava-o à morte e retirava todos os seus bens, ainda que jamais tivesse cometido qualquer ação que pudesse ser considerada ilegal. Poder-se-ia, ainda, elencar inúmeros outros exemplos, como a escravidão dos séculos XVIII e XIX que condenava determinados povos a trabalhos forçados, tratando-os como “coisas” e não pessoas; o nazismo que condenou à escravidão e depois à morte milhares de judeus etc. Em todos esses casos – similares ao direito penal do autor -, não se punia uma ação considerada ilegal, mas punia-se simplesmente o “ser” (o herege ou bruxo; o negro africano; o judeu; etc.).
Justamente com o fito de se evitar tamanha barbárie, os ordenamentos jurídicos modernos trazem inúmeras normas e princípios que visam implementar um direito penal justo, sem que o mesmo invada a esfera do “ser”, impondo normas de conduta que limitam e regulam exclusivamente a esfera da “ação”.
Logo, não se pode julgar – muito menos condenar – uma pessoa pelo que ela supostamente é ou foi, o seu jeito de ser; mas sim suas atitudes e atos descritos na denúncia, desde que contrários a uma lei previamente estabelecida no universo jurídico, a qual deverá também trazer uma pena prevista para tal violação. Conclui-se, portanto, ser o “direito penal do fato” aquele que atende aos anseios sociais hodiernamente estabelecidos – à custa de muita luta e muitas vidas, como já dito alhures -, não se podendo sequer cogitar sobre algo diferente disto.
 Nesse viés, o direito penal pátrio traz expressamente o princípio da legalidade e da anterioridade, insculpidos no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição, com repetição literal no artigo 1º do Código Penal, que assim diz: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Igualmente, corroborando a tese de que o “direito penal do fato” foi o eleito no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da não culpabilidade que vem consagrado no inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal aduz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Nesse ponto, deve-se ressaltar, culpabilidade difere, e muito, de periculosidade!
A culpabilidade refere-se ao fato, enquanto a periculosidade refere-se ao autor. O princípio da lesividade, da mesma forma, afasta a apreciação da periculosidade para a formação de um juízo condenatório, sendo este o entendimento de Nilo Batista citando o mestre argentino Raúl Eugênio Zaffaroni.
Levada às ultimas conseqüências, essa função do princípio da lesividade implica excluir do campo do direito penal as medidas de segurança, uma vez que como acentua Zaffaroni, um direito penal fundamentado na perigosidade é um direito penal de autor.”[6]
Ainda nesta linha, a periculosidade do autor, se utilizada para imposição da pena, fere completamente o princípio da culpabilidade, conforme se depreende da lição de Alice Bianchini, Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes.
“Um direito Penal baseado (integralmente) na periculosidade do autor é incompatível com o princípio da culpabilidade. Dentre outras razões porque a culpabilidade faz referência ao passado, ao fato cometido, enquanto que a periculosidade aponta para o futuro, às possibilidades de ulterior prática de fatos puníveis que se revelam na análise da personalidade do sujeito.”[7]
Por derradeiro, deve-se trazer à baila o princípio da correlação, segundo o qual a sentença deverá obrigatoriamente se vincular à acusação, não podendo, em hipótese alguma, extrapolá-la. Deve haver congruência entre a condenação e a imputação. Esse é o comando do “caput” do artigo 460 do Código de Processo Civil: “é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”.
Diante de todo o exposto, seja pela vedação inexorável da aplicação do “direito penal do autor”, bem como por não ter os antecedentes criminais correlação com o fato “sub judice”, não se pode, de forma alguma e sob pena de nulidade absoluta, fundamentar a tese acusatória, durante a sustentação oral perante o Conselho de Sentença, nos antecedentes criminais do acusado, requerendo, assim, sua condenação. São as provas constantes nos autos que deverão formar a opinião dos jurados e, tendo o Estado – Polícia e Ministério Público – fracassado na produção de tais provas para levar o julgamento a um veredicto condenatório, não poderá valer-se de subterfúgios para tal mister, no caso, a exposição dos antecedentes que ostenta o acusado.
Logo, conclui-se que uma interpretação “extensiva” do artigo 478 do Código de Processo Penal, nos levará a incluir no rol de vedações também os antecedentes criminais do réu, devendo, inclusive, a Folha de Antecedentes Criminais e as respectivas Certidões Criminais, quando requeridas, serem encartadas em autos apartados para utilização exclusiva do Juiz Presidente, tão somente, em casos de condenação, para aplicação da pena, não podendo delas se valer ou fazer menção o órgão acusador.
 
 


[1] ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2008. v.1, p.107.
[2] BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 9.ed. Rio de Janeiro: Renavan, 2004, p.93-94.
[3] Nucci, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais. 1 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 158.
[4] Gomes, Luiz Flávio e Vigo, Rodolfo Luiz. Do Estado de direito constitucional e transnacional: riscos e precauções: (navegando pelas ondas evolutivas do Estado, do direito e da justiça). 1 ed. São Paulo: Premier Máxima, 2008, p. 104-105.
[5] Bianchini, Alice; Molina, Antonio García-Pablos de; Gomes, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais. 2 ed. São Paulo: RT, 2009, p. 221.
[6] Op. cit., p. 94.
[7] Op. cit., p. 381.
 
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