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A Influência do Estado Puerperal na Parturiente


Autoria:

Marcela Carvalho


Estudante de Direito do 10º semestre do Instituto de Ensino Superior de Brasília.

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Resumo:

O objetivo principal do presente artigo é abordar o tema indefinido, que é a real influência do estado puerperal no delito de Infanticídio.

Texto enviado ao JurisWay em 15/06/2007.

Última edição/atualização em 25/07/2007.



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a influência do estado puerperal NA Parturiente.

 

 

 

 

Aluno: Marcela Almeida Nogueira Carvalho

 

Orientador: Márcio Evangelista

 

 

 

 

Resumo

O objetivo principal do presente artigo é abordar o tema indefinido, que é a real influência do estado puerperal no delito de Infanticídio.

Pretende-se apresentar a tese de que todas as mulheres enfrentam o estado puerperal quando entram em trabalho de parto, fato comprovado pela medicina, existindo realmente uma alteração hormonal forte nesta fase final da gestação, mas o que se quer esmiuçar é até que ponto o estado puerperal pode levar a parturiente a matar seu próprio filho e se este estado biológico tem a capacidade de deixar a parturiente incapaz ao ponto de não ter noção que está cometendo um grave delito.

Palavras-chave: Gestação, transtornos psiquiátricos, fatores de risco, tratamento, infanticídio, psicose puerperal

                                        Abstract

The main objective of the present article is to approach the subject indefinite, that is the real influence of the puerperal state in the delict of Infanticide. One intends to present the thesis of that all the women face the puerperal state when they enter in childbirth work, fact proven for the medicine, existing really a strong hormonal alteration in this final phase of the gestation, but what if it wants to look it is until point the puerperal state can take the woman in labor to kill its proper son and if this biological state has the capacity to leave the woman in labor incapable to the point not to have notion that is committing a serious delict.

Word-key: Psychiatric gestation, upheavals, factors of risk, treatment, infanticide, puerperal psychosis

 

 

 

 

 

Introdução

 

O infanticídio é um homicídio privilegiado cometido pela mãe contra o recém nascido, estando esta em condições fisiológicas especiais. O legislador, porém, entende que o delito descrito no art. 123 do CPB é de fato menos grave que o homicídio simples, que é tipificado no art. 121 do CPB.  Merecendo, então, o infanticídio um tratamento diferenciado do homicídio.

 

Este delito é praticado em todos os continentes e por diferentes classes sociais, com incidência maior em famílias de baixa renda e pouco estudo.

 

Na bíblia existe o primeiro relato histórico de um possível infanticídio na sociedade, este está descrito no livro do Gênesis a respeito do sacrifício de Isaac, filho de Abrão.  No império Romano e entre algumas tribos bárbaras o infantícídio era uma prática aceita com naturalidade, pois a oferta de alimentos era pouca e o infanticídio era uma das formas de diminuir a população.

 

Se a criança infortunamente nascesse com alguma deformidade física ou até mesmo se o pai tivesse algum outro  motivo, o recém nascido seria abandonado e morreria por falta de alimento. Assim, a prática do Infanticídio não era vista como um delito grave nos primórdios da sociedade.

 

Ser mãe no Brasil dos séculos XVII e XVII, era muito complicado, a maioria das relações eram irregulares, vistas com rejeição pela sociedade, contrariando as normas estabelecidas pela Igreja,  pois grande parte das mulheres pobres estava inserida num cenário familiar caracterizado pela ausência dos maridos, companheiros instáveis, mulheres chefiando seus lares e crianças circulando em outras casas e sendo criadas por comadres, vizinhas e familiares.

 

Muitas mulheres viviam também do relacionamento concubinário,  surgindo filhos ilegítimos e pela honra e falta de condições de criar o recém-nascido, crianças eram abandonadas nas ruas como lixo.  

 

"No século XVIII, houve um crescimento da população livre e pobre e junto com ele o abandono de crianças, ao desamparo pelas ruas e lugares imundos, segundo os Anais do Rio de Janeiro de 1840." (DEL PRIORE, 1993)

 

A Igreja defendia que (DEL PRIORE, 1993) ao aceitar ocuparem-se com esses frutos de outros ventres, as mães terminavam por aceitar outras formas de convívio sexual que a Igreja não admitia, nascendo assim o infanticídio no Brasil baseado na honoris causae ou causa nobre. Mas a honoris causae não é mais aceita, sendo apenas a influência do estado puerperal  na parturiente a única elementar do infanticídio.

 

Até mesmo nos dias de hoje, mas precisamente na China, por causa da restrição da prole (duas crianças por casal) e da pressão pelo sexo do recém nascido (primogênito deve ser homem), vários recém-nascidos são abandonados, mortos ou jogados no lixo.  E ninguém responde por este delito.

 

1 Tipologia do Infanticídio no Direito Penal

 

O verbo matar  é igual o do homicídio, mas o legislador diferencia o crime de infanticídio unicamente pela especial situação do sujeito próprio do delito, ou seja, a mãe do recém-nascido ou nascente.

A honoris causa, antigamente utilizada como elementar do infanticídio fora excluída na legislação atual, optando unicamente pelo sistema fisiopsicológico ou fiosiopsíquico, que tem como base o estado puerperal.

O estado puerperal, esta alteração hormonal na parturiente, seria o direfencial para tipificar o delito em infanticídio.

O presente artigo terá por tema a influência do estado puerperal no crime de infanticídio, o qual pretende explicar o estado psicológico que sofre a parturiente por um período de tempo durante o parto ou logo após, chamado puerpério, onde pode ocorrer até mesmo a total incapacidade por psicose puerperal.

 

1.1 estado puerperal

 

O Estado Puerperal é uma das elementares do infanticídio, é aquela que envolve a mãe durante a expulsão da criança do ventre, podendo ter profundas alterações psíquicas e físicas, transtornando a parturiente, deixando-a sem plenas condições de compreender o que está realmente fazendo.

O estado puerperal é uma hipótese de semi-imputabilidade que foi abordada pelo legislador com a criação de um tipo especial diferente do homicídio simples, que possui apenas a elementar matar, encontrada também no infanticídio.

O puerpério é o período que se estende no momento em que a placenta da mãe arrebenta até a volta do organismo às condições pré-gravidez.

Neste artigo será tratado a influência do estado puerperal no infanticídio e como o corpo da parturiente reage a essas alterações hormonais, que podem ser fracas ou fortíssimas.

“No estado puerperal se incluem os casos em que a mulher, mentalmente sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstétrico, fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem a sofrer um colapso do senso moral, uma liberação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho. De um lado, nem alienação mental, nem a semi-alienação (casos estes já regulados genericamente pelo Código). De outro, tampouco frieza de cálculo, a ausência da emoção, a pura crueldade (que caracterizam o homicídio). Mas a situação intermediária, podemos dizer até normal, da mulher que, sob o trauma da parturição e denominada por elementes psicológicos peculiares, se defronta com o produto talvez não desejado, e temido, de suas entranhas.” (Almeida e J. B. O. Costa Jr, 1998)

 

2 Epidemiologia

Apesar de a chegada do recém nascido ser tipicamente considerada uma dádiva para mulher, isto não a afasta dos transtornos de humor, que pode alterar bruscamente na fase do puerpério.

Confirma-se uma maior prevalência de depressão na gravidez quando a gestação alcança seu estágio final. Nas adolescentes, a depressão é duas vezes mais forte que nas gestantes adultas, tendo em vista a imaturidade emocional e a falta de segurança num relacionamento

A disforia no pós-parto, conhecida como “Maternity Blues”, inclui sintomas depressivos leves e pode ser identificada em 50% a 85% das puerpérias, dependendendo dos critérios diagnósticos utilizados, já a psicose puerperal, quadro mais raro, a incidência foi entre 1,1 e 4 para cada 1.000 nascimentos. (Cantilino, 2003)

As pessoas com maior tendência a depressão pós parto são aquelas com idade inferior a 18 anos, história de transtorno psiquiátrico prévio, eventos estressantes ocorridos na gestação, conflitos conjugais, ser solteira ou divorciada, estar desempregada e aprensentar pouco suporte da família. Verificou-se também que mulheres com escolaridade mais alta e melhor rendimento financeiro apresentavam menor risco de cometer infanticídio. Foi levantanda também a hipótese de que a existência prévia de um transtorno mental pode ser o mais importante fator associado a depressão no final da gestação.

Também foi estudado que mulheres portadoras de transtorno bipolar afetivo apresentam o maior risco de se contrair a psicose puerperal, mostrando agressividade em relação ao recém-nascido. Sendo em cada mil partos com gestantes bipolares, 260 delas apresentavam quadro de psicose puerperal, enquando mulheres saudáveis no máximo duas em cada mil partos ficavam neste estado perturbador.

3  Etiologia

A causa da depressão puerperal ainda não é totalmente conhecida, mas além do que foi mostrado, temos que levar em conta os fatores hormonais, pois estão no limiar da questão discutida.

Na gravidez os níveis de progesterona e de estrógenos são bem elevados comparado aqueles encontrados em mulheres fora do período gestacional e esse ponto pode ser a chave para tamanhos transtornos de humor no final da maternidade, pois a queda brusca desses níveis de hormônios estão realmente ligados com a depressão puerperal, causando variação de humor, que dependendo da sensibilidade fisiológica e psíquica da mulher, pode ser brusco ou ameno.

Os transtornos psiquiátricos puerperais são classifacados como: disforia do pós-parto (puerperal blues), depressão pós-parto e psicose puerperal.

A puerperal blues costuma atingir as parturientes nos primeiros dias após o parto, tendo como pico o quarto ou quinto dia depois do nascimento do bebê, nesta fase ocorre cenas de choro fácil, labilidade do humor, nervosismo e um comportamento agressivo em relação aos familiares e acompanhantes. Este quadro não é muito grave e não precisa de intervenção farmacológica, o tratamento e os cuidados se baseiam no apoio da família em compreender a situação, que se findará em no máximo duas semanas.

Os sinais de depressão pós-parto são parecidos com a puerperal blues, com a inclusão de mais elementos, como a culpa, a perda de interesse pelas atividades diárias e a falta da capacidade de concentração. Existe também a queixa de dores no corpo infundadas e alguns sintomas neurovegetativos, incluindo insônia e a perca de apetite. Mas este estado é mais difícil de se identificar pelo fato de a parturiente ocultar esses sintomas, pois nela existe o receio de ser oprimida por não estar  feliz com esta maravilhosa fase de sua vida.

Na depressão pós-parto existe uma maior ansiedade mental e uma infinidade de pensamentos negativos com relação ao recém-nascido, pois as mulheres com depressão pós-parto criam idéias obsessivas com relação a criança, mostrando uma certa agressividade, independente da gravidade do estado em que se encontra.

Neste estado a ação de medicamentos anti-depressivos demoram bem mais para atuar no organismo, tendo que haver sempre um acompanhante com a parturiente e cuidados redobrados com a segurança do bebê, porque a farmacoterapia é a única forma que existe que pode realmente suprimir estes sintomas agressivos na mãe.

A psicose puerperal, normalmente, tem início mais abrupto. Pesquisas verificaram que 2/3 das mulheres que foram acometidas deste estado iniciaram sintomatologia nas primeiras semanas após o nascimento de seus filhos. Os sintomas são delírios, confusão mental, alucinações, quadros depressivos e maníacos. As mulheres apresentam comportamento desorganizado, fora da realidade e delírios que envolve o recém-nascido, com pensamentos de lhes provocar algum dano.

O suicídio é raro nesta fase, mas é necessário a rápida intervenção hospitalar, para a própria segurança da criança, pois o infanticídio é quase certeza de ocorrer na psicose puerperal, pois a mãe não consegue controlar de forma alguma seus atos, se tornando débil e insana.

Por isso a mulher portadora de psicose puerperal, que comete infanticídio, necessita mais de tratamento e reabilitação do que de punição legal,  com a finalidade de se evitarem outras fatalidades decorrentes da gravidade do  seu quadro.

3.1  métodos utilizados para a detecção de parturientes com depressão pós-parto

A escala utilizada para a detecção de depressão durante e após a gravidez é a EPDS – Postnatal Depression Scale e um questionário com dezoito ítens denominado Pregnancy Risk Questionnaire, que lista fatores de risco psicossociais para depressão pós-parto . Outra também utilizada é o Postpartum Depression Predictors Inventory, que é um checklist que idealmente deve ser preenchido em cada um dos três trimestres de gestação, acessando também fatores psicossociais.

Encontrando a suspeita de possível depressão pós-parto ou psicose puerperal, a mãe é encaminhada a um tratamento psiquiatrico, podendo utilizar-se de farmacoterapia, para diminuir a sintomalogia, protegendo assim a criança de possível ataque materno.

No nosso sistema público de saúde, onde os médicos se vêem diante de uma grande demanada de pacientes a serem examinados, as escalas são de grande valia para identificação de Maternity Blues e Puerperal Blues, pelo fato de serem fácil de se aplicar e de baixo custo, tornando totalmente viável a sua utilização em serviços de atenção primária a saúde.

Com esta praticidade, as escalas EPDS (criada em 1987) e Postpartum Depression Screening Scale (PDSS – criada em 2000), já possuem tradução para o português e validação no Brasil, sendo o PDSS utilizado em hospitais públicos. (Cantilino, 2003)

4  Opções de tratamento

Os médicos, após identificarem o quadro de depressão puerperal, utilizam tratamento psicofarmacológico, psicossocial, psicoterápico e tratamento hormonais, além de eletroconvulsoterapia (ECT), sendo esta última utilizada para casos mais graves ou refratários.

O tratamento é  altamente eficaz, oprimindo o sentimento de negatividade da parturiente com relação ao nascituro, assim evitando conseqüências drásticas como o infanticídio e até mesmo a vontade causar dano a si própria.

O mais comum é associar o uso de medicamentos com psicoterapia, mas a mulher com quadro depressivo não assume a si mesmo a própria incapacidade temporal e tenta fugir ao máximo de todo e qualquer tratamento oferecido, sendo assim necessário uma intervenção forte da família e do obstetra responsável pela gestação da parturiente.

Gestantes profundamente deprimidas, com idéias suicidas, catatonia, psicose e quadros de mania necessitam de internação e somente o tratamento com medicamentos e terapia não basta,  sendo realmente necessário a aplicação da eletroconvulsoterapia (ECT).

5       Estado Puerperal como Elementar

O art. 123 do Código Penal Brasileiro foi bem conciso ao definir que a influência do estado puerperal no infanticídio é  uma elementar, levando o autor do delito, que se encontre débil por causa do puerperal blues (devidamente identificado na perícia médico-legal),  a não ser enquadrado no art. 121 do Código Penal Brasileiro (artigo que rege o homicídio simples).

            A legislação atual abordou como atenuante no crime de infanticídio o conceito biopsíquico do " estado puerperal ", como apresentado na exposição de motivos do Código Penal, que explica o infanticídio como delictum exceptum.

 

 

Sobre a luz do art. 123 do Código Penal Brasileiro:

“Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:  Pena - detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.” (grifo nosso)

Percebe-se que a honoris causae, que era considerada no crime de infanticídio no Código Penal Brasileiro de 1980 fora abolida de vez na legislação atual.

O art. 116 do código penal suíço também não considera a defesa da honra na tipificação do infanticídio. Veja a tradução do artigo:

Art. 116 - A mãe que, durante o parto se encontra sobre a influência do puerpério é punida com uma pena detentiva de 1 (um) a 3 (três) anos juntamente com uma pena pecuniária a ser determinada” (grifo nosso)

 

No Peru a visão do infanticídio e o estado puerperal estão altamente conjugados conforme o artigo transcrito:

“Art. 110 - La madre que mata a su hijo durante el parto o bajo la influencia del estado puerperal, será reprimida con pena privativa de libertad no menor de uno ni mayor de cuatro años, o con prestación de servicio comunitario de cincuentidós a ciento cuatro jornadas.” (grifo nosso)

 

 

O código penal de Portugal é um dos que possui a pena mais árdua para o delito de infanticídio, pois a pena é cumprida com reclusão.

“Art. 136 -  A mãe que matar o filho durante ou logo após o parto e estando ainda sob a sua influência perturbadora, é punida com pena de prisão de 1 a 5 anos.”

Sob o ponto de vista jurídico, a condição de estado puerperal ou puerperal blues,  levanta uma outra questão, a de qual seria a capacidade de imputação da examinanda.

Percebe-se que realmente a parturiente com psicose puerperal é totalmente débil e incapaz, mas quando esta apenas passa por quadros mais leves de maternity blus e puerperal blues, a capacidade mental não fica totalmente comprometida, restando-lhe bem o discernimento de saber o que é certo e o que é errado.

Se o agente não praticou o delito em estado grave,  se a privação de sentidos não foi integral, restará uma parcela de responsabilidade por parte do agente criminoso. Trata-se, então, de uma delinqüente semi-imputável, e que deve ser penalizada pela ordem jurídica.

A maternity blues, puerperal blues e psicose puerperal são identificadas pela perícia médica através das tabelas EPDS e PDSS, devendo o obstetra ao desconfiar de uma possível predição da gestante ao infanticídio já intervir com um tratamento para que não ocorra possíveis delitos no futuro.

“O infanticídio é o crime da genitora, da puérpera. É, portanto a mãe que se acha sob a influência do estado puerperal. A respeito da situação do sujeito ativo, variam as leis: umas adotam o sistema psicológico e outras o fisiopsicológico. O primeiro assenta-se no motivo da honra (CP argentino, art. 81 parágrafo 2º - foi derrogado -, e italiano, art. 578), isto é, na gravidez fora do matrimônio – a solteira, a viúva ou a casada com esposo de impotência generandi – quando é imperioso ocultar o fruto da concepção, o que faz a mulher viver estado de angústia e tormento moral. O segundo sistema, ao revés, não cinge ao motivo (CP suíço, art. 116), mas leva em conta o desequilíbrio fisiopsíquico, oriundo do parto, conquanto não desconheça que o móvel pode entrar no complexo desencadeante desse desequilíbrio. Adotou o último a nossa lei, já que invoca o estado puerperal” (Noronha, 1991).

 

6  O Estado Puerperal e o Infanticídio na Jurisprudência Brasileira

Não apenas se pode basear pela doutrina e pela medicina ao encarar o estado puerperal, deve-se olhar para a nossa própria jurisprudência e pela forma que os juristas brasileiros põem em prática a conjunção de fontes que tem em mãos, que é a doutrina, a medicina e os costumes com relação ao infanticídio.

Configuração do infanticídio - TJPR: “Ocorre infanticídio com a morte do recém-nascido causada logo após o parto pela mãe, cuja consciência se acha obnubilada pelo estado puerperal, que é estado clínico resultante de transtornos que se produzem no psíquico da mulher em decorrência do nascimento do filho” (RT 548/349).

Infanticídio por Omissão – TACRSP: “Responde por infanticídio a progenitora que, após o nascimento do filho, não presta os cuidados indispensáveis à criança, deixando de fazer a ligadura do cordão umbilical seccionado” (JTACRIM 49/187).

Com a TACRSP: JTACRIM 49/187, levanta-se a possibilidade do infanticídio por omissão, não apenas existindo o infanticídio em que a genitora comissivamente mata seu filho, haja vista,  o estado puerperal pode afetar psicológicamente de uma outra forma, que impede a genitora de ter disposição para dar os cuidados especiais que todo recém-nascido necessita, ou seja, a mãe não faz mal ao filho, mas também não cuida para que este possa se desenvolver.

Influência do Estado Puerperal – TJSP: “ Se toda a ação da acusada se verifica durante o estado puerperal, agiu ela, em tais circunstâncias, em estado transitório de desmoralização psíquica. É do temor à vergonha da maternidade ilegítima, motivo que levou o legislador a admitir em casos tais um abrandamento da pena, no que teve em conta os princípios da criminologia moderna sobretudo os postulados dos iluministas. Por isso o infanticídio é um delictum exceptum, um delito previlegiado” (RT 442/409).

TJPR: “ O estado puerperal existe sempre, mas nem sempre ocasiona perturbações emocionais na mulher que o possam levar à morte do próprio filho. O processo do parto, com suas dores, a perda de sangue e o enorme esforço muscular pode determinar facilmente uma momentânea perturbação da consciência. É esse estado que torna a morte do próprio filho um homicídio privilegiado. É claro que essa perturbação pode ocorrer mais facilmente se se trata de mulher nervosa ou angustiada, ou que dê à luz filho ilegitimo” (RT 462/403).

Percebe-se que o jurista dá ênfase as parturientes angustiadas, nervosas ou que dêem à luz a filhos ilegítimos, mostrando uma maior possibilidade de acontecer infantícidio, pois a perturbação mental é mais elevada devido a pressão da sociedade com relação à filhos ilegítimos e uma pré-disposição maior à alteração hormonal,  no caso de mulheres com histórico depressivo.

Reconhecimento do estado puerperal e prova pericial – TJSP: “Apresenta-se de relativo valor probante a conclusão para verificação do estado puerperal, assumido relevo também as demais circunstâncias que fazem gerar a forte presunção de delictum exceptum” (RT 506/362).

A TJSP RT 506/362 reafirma a idéia de que o estado puerperal não é a única vertente que deve ser analisada em um caso de infanticídio, devendo também nos virarmos para outros fatores, como a questão da honra, da moral, do psicológico da genitora e de suas condições financeiras.

“O reconhecimento do estado puerperal deve ser interpretado de maneira suficientemente ampla, de modo a abranger o variável período do choque puerperal. A influência deste estado é efeito normal e corriqueiro de qualquer parto e, dada a sua grande freqüência, deve ser admitido sem maior dificuldade.” (TACRIM-SP – AC – Rel. Fernandes Braga – JUTACRIM 83/383)

Infanticídio por motivo de honra – TJSP: Só se admite e compreende o infanticídio como delictum exceptum, punido diversamente do homicídio comum e com pena mitigada, quando há motivo de honra e a vítima é o recém-nascido (RT 581/291).

Na jurisprudência brasileira a honoris causa, que fora retirada do código penal, ainda tem forte peso no julgamento de casos de infanticídio, não tendo o jurista analisado somente o estado puerperal, e sim, a situação completa que envolve a genitora e o recém-nascido.

Homicídio e não infanticídio – TJSP: “Se não se verificar que a mãe tirou a vida do filho nascente ou recém-nascido sob a influência do estado puerperal, a morte praticada se enquadrará na figura típica de homicídio” (RT 491/293).

Depois da análise da RT 491/293, percebe-se a diferença entre homicídio e infanticídio, em que o elo entre os dois é a influência do estado puerperal na parturiente. Esta será a vertente principal para a devida tipificação do delito.

“O simples fato de demorar o recém-nascido para morrer não desnatura, por si só o delito de infanticídio. Se assim fosse, tratar-se-ia de comum homicídio” (TACRIM-SP – AC – Rel. Octávio Roggiero – JUTACRIM 33/229”

“O infanticídio é, inegavelmente e antes de tudo, um delito social, praticado na quase totalidade dos casos (e é fácil a comprovação pela simples consulta dos repertórios de jurisprudência), por mães solteiras ou mulheres abandonadas pelos maridos e pelos amásios. Raríssimas vezes, para não dizer nenhuma, têm sido acusadas desses crimes mulheres casadas e felizes, as quais, via de regra, dão à luz cercadas do amparo do esposo e do apoio moral dos familiares. Por isso mesmo, o conceito fisiopsicológico do infanticídio – “sob a influência do estado puerperal” – introduzido no nosso Código Penal para eliminar de todo o antigo conceito psicológico – a causa da honra – vai, aos poucos, perdendo sua significação primitiva e se confundindo com este, por força de reiteradas decisões judiciais” (TJSP – Rec. – Rel. Silva Leme – RT 421/91).

Na TJSP – RT 421/91 mostra a influência do estado puerperal na mãe conjugada com fatores psicossociais e elementos da honoris causa, se entrelaçando no delito de infanticídio, sendo confundidos, porque além de uma perturbação mental  existem os lados social e emocional envolvidos no delito de infanticídio, principalmente em parturientes que não possuem o devido apoio familiar nessa fase delicada.

Conclusão

Os transtornos psiquiátricos ocorridos na gestação e no puerpério são realmente capazes de estimular a mãe a matar seu próprio filho, pelo fato de ocorrer pensamentos obsessivos e não controláveis nesta fase.

Dependendo do organismo, da classe social e da própria cultura que a parturiente tem, podem ser mais fracos esses sintomas, não influindo em nada na sua relação com seu filho, mas quando a mãe tem histórico depressivo, classe social baixa, lar desarmonioso, falta de estudo e  uso de narcóticos no passado,  a sintomatologia do estado puerperal se agrava, levando- a realmente a incapacidade total de seus atos.

Cabe o sistema judiciário brasileiro não só analisar somente a taxa de hormônios no resultado da perícia médica da possível agente do infanticídio, mas também os fatores psicossociais, para que haja a determinação correta da capacidade de imputação da agente. Pois a partir do momento em que a agente aprensentar uma razoabilidade no discernimento do certo e do errado, não seria justo, com a criança morta e a sociedade, colocar a mãe como imputável.

É necessário o acompanhamento de toda gestante no curso da gravidez, pois assim encontrando fatores psicossociais negativos e uma pré-disposição a qualquer tipo de depressão, a gestante diretamente será redirecionada a um tratamento específico, evitando-se assim futuras tragédias.

Muito mais comum do que imaginamos são os transtornos psiquiátricos na gestação e no puerpério, mas o que ocorre é a falta de conhecimento sobre o tema e a disponibilidade de a gestante comparecer ao obstetra com freqüência. Normalmente, no interior do Brasil e nas famílias de baixa renda, as gestantes só comparecem ao hospital na hora de dar a luz, o que é muito prejudicial para identificar fatores depressivos na parturiente em um curto lapso de tempo.

Acaba que a maioria das tentativas de infanticídio ocorrem quando a mãe chega em sua residência com o recém- nascido e se ver sozinha, sem nenhuma pessoa por perto, fazendo os pensamentos negativos com relação a criança aumentarem e se tornarem incontroláveis. Mas se por acaso, a gestante estivesse comparecido ao obstetra no curso da gravidez e recebido o acompanhamento correto,  diminuiria em sua totalidade a chance de a mãe cometer o infanticídio.

Então o que se pode ser feito para previnir o infanticídio,  é fazer uma maior publicidade sobre a necessidade das gestantes fazerem o pré-natal,  irem com freqüencia ao obstetra e mostrar o que pode acontecer se não acompanharem o corpo e a mente nesta delicada fase, tornando-se público os efeitos do estado puerperal na parturiente.

Referências

ALMEIDA e J. B. O. Costa Jr,  Lições de Medicina Legal. 22ª Edição Nacional 1998, p. 382

CANTILINO, A. - Tradução para o português e estudo de validação da Postpartum Depression Screening Scale na população brasileira. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2003.

CANTILINO, A. et al. - Validação da Escala de Depressão Pós-parto de Edinburgh (versão em postuguês) no Nordeste do Brasil. In: Resumos do XXI Congresso Brasileiro de Psiquiatria. XXI Congresso Brasileiro de Psiquiatria, 2003, Goiânia.

DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil colônia. Rio de Janeiro: José Olympo, 1993.

DSM-IV Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4ª Edição Artmed 1995, pp 409-411.

FRANÇA, GV: Medicina Legal- 5ª Edição Guanabara Koogan 1998; p 240.

JESUS, DE: Direito Penal - parte especial - Vol. 2 - Editora Saraiva 2001; pp 105-110.

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MIRABETE, JF: Manual de Direito Penal - 19ª Edição Atlas 2002; pp 88-90.

MIRABETE, JF: Código Penal Interpretado – 2º Edição Atlas 2001; pp 786-789.

NORONHA, E. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1991, v. 2 p. 40 e 41

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (ORG.). Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Tradução de Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas, p. 191, 1993.

PRADO, LR: Comentários ao Código Penal – 2º Edição Revista dos Tribunais 2003; pp 535 -537

 

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Comentários e Opiniões

1) Hilton (23/10/2009 às 01:26:53) IP: 189.10.154.198
LI TEU TRABALHO MUITO BOM OBRIGADO.
2) Donnaguerrera (15/03/2010 às 13:05:26) IP: 187.90.32.203
Excelente artigo.Muito completo e atual.Parabéns a autora.


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