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Desconsideração - uma teoria positivada no ordenamento brasileiro


Autoria:

José Lourenço Torres Neto


Advogado. Professor da UNINASSAU Graças Recife. Doutorando em Direito na UNICAP Recife. Mestre pela UFPE em Teoria e Dogmática do Direito. Bacharel e Especialista em Direito Processual pela UNINASSAU-Recife/PE. Membro do GP de Linguagem e Direito da PPGD da Universidade Católica de PE (UNICAP)coordenado pela Dra. Virgínia Collares.

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Resumo:

Na hipótese de fraude ou abuso de direito esta teoria pode e deve ser aplicada. Veja sua história e aplicação do Código Civil e no código de Defesa do Consumidor.

Texto enviado ao JurisWay em 06/06/2007.

Última edição/atualização em 12/09/2011.



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Introdução

 

            A pessoa jurídica, ou as sociedades personificadas, como um dos institutos mais importantes dentro do mundo jurídico, foi criada com um variado leque de finalidades, entre elas, o incentivo da atividade econômica, a criação de um mecanismo que possibilite ao Estado o aumento da arrecadação tributária e, como função social básica, a produção de empregos formais.  Como resultado, as comunidades ganharam a segurança ilusória do desenvolvimento econômico e social.

            No exercício da atividade econômica e, em destaque, a atividade empresarial, por meio da personificação jurídica, o empresário ou sociedade empresária ganhou de forma supernal a garantia da limitação dos prejuízos ao exercer de forma profissional uma atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, produzindo, em contrapartida, relações obrigacionais e de consumo.

            Como resultado indesejado, o uso inadequado deste instituto, gerou conflitos no mesmo meio social que o instituiu.  Algumas pessoas jurídicas se permitiram extrapolar seus direitos e se permitiram uma série de fraudes e de abusos.  Essa conduta indesejada, produziu no meio doutrinário, e depois no ordenamento jurídico, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, com suas implicações e efeitos.

 

Histórico

 

            Como visto inicialmente, a constituição da personalidade jurídica veio para possibilitar um melhor exercício da atividade do empresário e da atividade empresarial que em face dos riscos teria minimizados os seus prejuízos.  Para isso, a separação dos patrimônios dos sócios e da empresa era imprescindível.  É o que veio a ser o princípio da autonomia patrimonial, garantindo a separação dos patrimônios em vista da separação das atividades, apesar das figuras fáticas se confundirem.

            É dos Estados Unidos que vem o primeiro relato em que o renomado Juiz Marshall percebeu um certo abuso dos sócios e fez o levantamento do véu da pessoa jurídica no caso Bank of Unitef States vs. Deveaux no ano de 1809.  Na Inglaterra encontramos o leading case da aplicação da desconstituição da personalidade jurídica (Disregard Doctrine) no caso Salomon vs. Salomon Co.  em 1897.  Após transferir seu fundo de comércio individual para uma sociedade anônima fechada, Aaron Salomon, depois de mais de trinta anos de uma administração exemplar, contraiu dividas que levaram a empresa a um estado de insolvência cuja liquidação deixou os credores com seus títulos insatisfeitos.  As duas primeiras instâncias daquele estado desconstituíram a personalidade jurídica de sua sociedade imputando-lhe a responsabilidade pelos débitos assumidos.  Decisões que foram reformadas ao privilegiar a autonomia dos patrimônios, mas que inscreveram na jurisprudência o fato da desconsideração.

            Por incrível que possa parecer, apesar dos avanços de proteção das relações dos devedores e credores nos países do common law por cerca de cem anos, o ordenamento jurídico brasileiro se prestou a dogmatizar a autonomia patrimonial em seu Código Civil de 1916 ao afirmar em seu art. 20 – “As pessoas jurídicas tem existência jurídica distinta da dos seus membros”.  Além disso, instituiu uma legislação falimentar que dava privilégios exclusivos ao devedor, que de má-fé, instituiu um mercado de falências para penalizar os credores menos experientes sem ter tocado o seu patrimônio pessoal que ao invés de continuar aumentando, poderia satisfazer as obrigações assumidas (Decretos-lei 3689/41 e 7661/45).

              Não poderíamos deixar de destacar a importância histórica do marco magistral que veio trazer a redação do art. 28 e seus parágrafos no Código de Defesa do Consumidor de 11 de setembro de 1990 (Lei nº 8078), corrigindo um desvio mais que secular desta teoria da desconsideração, bem como do segmento confirmatório que constituiu o Código Civil de 2002 em seu artigo 50, sobre os quais falaremos adiante.

 

Conceitos

 

            Quando falamos de desconsideração da personalidade jurídica queremos dizer que a responsabilidade pelos atos da pessoa jurídica é ampliada para a pessoa dos sócios que poderão ter seus patrimônios particulares atacados caso a mesma não consiga fazer jus à suas obrigações.  Paulo Nader define assim a desconsideração: é “o ato de abstração da personalidade jurídica da pessoa jurídica e a concomitante extensão da responsabilidade aos administradores ou sócios da pessoa jurídica” (2004. p.245).  É necessário frisar que desconsideração é diferente de despersonalizar ou dissolver.  Despersonalizar é anular a personalidade jurídica.  Dissolver, segundo Rizzatto Nunes é considerá-la extinta, mandar apura haveres, etc (2005, p. 683).   Na desconsideração, o juiz agirá apenas como se a pessoa jurídica não representasse limite na autonomia patrimonial.  Tal entendimento não se entenderá material ou temporalmente já que é uma previsão episódica e pontual no caso específico para suspender a constituição societária e sua conseqüente autonomia patrimonial utilizada de forma fraudulenta.

Em resumo, podemos reduzir a aplicação desta teoria à observância de seus pressupostos lógicos, como sejam: a existência de uma pessoa jurídica; que se configure a fraude ou abuso de direito relacionado à autonomia patrimonial; e que não se trate de responsabilização direta do sócio, por ato próprio do particular.  Entendamos que a fraude e o abuso de direito engloba o desvio de função ou finalidade da pessoa jurídica (o abuso da personalidade e fraude à lei) e confusão patrimonial (quando há identidade entre o interesse particular do sócio e o da sociedade por má-fé), seja por abuso de direito ou por excesso de poder, fatores que estudaremos melhor em cada um dos dispositivos legais.

 

Aplicação no Código Civil de 2002

 

            A título de lembrete, já vimos anteriormente que o Código Civilista de 1916 positivou a autonomia patrimonial em seu artigo 20 dando existência distinta tanto como à empresa quanto aos seus membros, contudo não sendo seguida pela matéria civilista em 2002, que nem explicitou essa questão, mas instituiu alguns limites introduzindo os princípios da teoria da desconsideração.  Veja-se, por exemplo, a redação do art. 47 do CC que obriga a pessoa jurídica aos atos dos seus administradores dentro dos limites definidos em seu estatuto.  Fora desses limites, mesmo os atos administrativos de caráter empresarial, levará a uma desconsideração pontual da personalidade jurídica, a fim de que o administrador responda com seu patrimônio.

            A letra da lei civilista em seu artigo 50 descreve as possibilidades de cabimento da referida teoria da desconsideração, embora esta esteja implícita no texto e não seja tão claramente referida como no Código de Defesa do Consumidor.  Vejamos:

 

Art. 50: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.

 

            O artigo em destaque ressalta o abuso da personalidade jurídica como razão suficiente para que os efeitos de determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos sócios da empresa.  Embora seja um direito da empresa se utilizar da personalidade jurídica para enfrentar determinados riscos, seu exercício excessivo pode causar dano a outrem.   A lei também descreve o desvio de finalidade e a confusão patrimonial como indícios deste abuso da personalidade.  Aquele, quando uma pessoa jurídica altera o fim ou a finalidade de sua atividade regular; e este, quando há identidade entre o interesse particular do patrimônio do sócio e o da sociedade jurídica, muitas vezes por má-fé.

            Diante disso, a lei não deseja extinguir a pessoa jurídica, mas em face das evidências promove a desconsideração estendendo os efeitos de determinadas obrigações aos sócios e administradores, coibindo no que pode, os abusos.

 

Hipóteses de Aplicação no Código de Defesa do Consumidor

 

            Já dissemos que o CDC representou um grande avanço na positivação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no Brasil, reconhecendo a fragilidade dos credores nas relações econômicas e a hipossuficiência dos consumidores nas relações consumeristas, antecedendo mesmo o Código Civil que só em 2002 reiterou tal tese.

            O CDC elenca assim tal dispositivo:

 

Art. 28 – “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

    §  1º (vetado)

    §  2º -  As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

    §    -  As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.

    §    -  As sociedades coligadas só responderão por culpa.

    § 5º - Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”

           

            O Curso de Rizzatto Nunes, mesmo sem trazer um conceito claro, tendo seu pensamento compartilhado também com Guilherme Fernandes Neto, apresenta as hipóteses exemplificativas do caput para a desconsideração como segue:  a)  caso de abuso de direito ou excesso de poder; b) infração da lei ou existência de fato ou prática de ato ilícito;  c) violação do estatuto ou do contrato social; e d) falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica, provocados por má administração.” (Op. Cit., p. 684)    Como já referido anteriormente o abuso de direito é o exercício não regular de um direito e o excesso de poder é a prática administrativa de atos para os quais não se tem poder. 

            Como os direitos e poderem dos administradores são definidos pela lei, estatuto ou contratos sociais, as hipóteses das letras b e c é uma redundância taxativa que leva alguns doutrinadores a reunir em uma mesma hipótese os casos das letras de a a c.  Dizemos redundantes, por anteriormente já existirem leis que regulamentavam as responsabilidades dos sócios e administradores.[1]

            Com relação à segunda parte do caput deste art. 28, que versa sobre a hipótese de falência, insolvência e encerramento das atividades em vista da má administração, por pouco, não torna o dispositivo inaplicável.  Isso porque a definição do que seja má administração é vago, abstrato e subjetivo.    Contudo, Fábio Ulhoa Coelho define má administração como a conduta do administrador eivada de erros, por desatender as diretrizes técnicas da ciência da administração.  Estes dois casos, descritos nos dois últimos parágrafos, são considerados por muitos doutrinadores como casos que se desvirtuam do conceito da teoria da desconsideração propriamente dita, já que são de difícil constatação e demonstração.

            A redação dos parágrafos 2º, 3º e 4º não elencam hipóteses de aplicação da teoria, já que repetem dispositivos de responsabilidade civil solidária e subsidiária, e culpa, descritos em nosso Código Civil e outras legislações especiais, mas que para os interesses do consumidor tem sua importância no se reafirmar cada tipo de responsabilidade confirmando a consideração.

            Depois deste verdadeiro parêntesis, o parágrafo 5º retoma as hipóteses de incidências desta teoria afirmando que sempre que tal personalidade for óbice para o ressarcimento de prejuízos para o consumidor se aplicará a teoria da desconsideração.  É claro que se aplicada uma interpretação literal ter-se-ia desvirtuada a desconsideração já que um simples prejuízo, antes de uma desconsideração, chamaria a si uma execução de obrigação pura e simplesmente.  De forma mais cuidadosa, podemos repetir o que disse Alberton ao afirmar que quando a personalidade jurídica for óbice ao justo ressarcimento do consumidor (1993, p. 29) deve se aplicar a desconsideração, já que tal personalidade está sendo indevidamente utilizada e impede o cumprimento da obrigação.

 

Conclusão

 

            Concluímos assim, que diante do confronto de institutos tão importantes como o da personalidade jurídica e os interesses dos credores ou consumidores, a lei brasileira, ao longo de sua história recente, veio normatizar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica para evitar o seu uso abusivo nas relações obrigacionais e consumeristas, que junto com alguns dispositivos tributários e, mais recentemente, falimentares, busca fechar o cerco às fraudes no mercado econômico e na atividade empresarial.  Nisto destacamos a importância monumental o Código de Defesa do Consumidor como marco nessa positivação, que apesar de suas inconsistências e ambigüidades, deu o primeiro passo.

 

BIBLIOGRAFIA  SUGERIDA

 

ALBERTON, Genecéia da Silva.  A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Código de Defesa do consumidor – Aspectos Processuais. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo nº 7, p.7-29, jul-set/93.

 

COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Comercial, v. 2, p. 51

 

-------------,  O Empresário e os Direitos do Consumidor.São Paulo: Saraiva, 1994.

 

-------------,  Desconsideração da Personalidade Jurídica.  São Paulo: RT, 1989.

 

FERNANDES NETO, Guilherme.  O Abuso do Direito no Código de Defesa do Consumidor: Cláusulas, Práticas e Publicidades Abusivas.  Brasília: Brasília Jurídica, 1999.

 

MATTOS, Francisco José Soller de. Disregard of legal entity no Código de Defesa do Consumidor . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: . Acesso em: 15 mai. 2007 .

 

NADER, Paulo.  Curso de Direito Civil, parte geral – vol. 1  Rio de Janeiro: Forense. 2.ed. 2004. 660 pp.

 

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto.  Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: parte material.  São paulo: Saraiva, 2000.

 

--------------,  Curso de Direito do Consumidor: com exercícios.  2. ed. rev modif. e atual.  São Paulo:  Saraiva, 2005.  806 pp.

 

OLIVEIRA, Edilson Mariano de. Desconsideração da Personalidade Jurídica da Empresa: Uma abordagem à luz do CDC e do Código CivilBoletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 145. Disponível em: Acesso em Acesso em: 16  mai. 2007.

 

TOMAZETTE, Marlon. A desconsideração da personalidade jurídica: a teoria, o CDC e o novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: . Acesso em: 14 mai. 2007 .



[1] Decreto nº3708/19 arts. 10 e 16; Lei 6404/76, art. 158; Código Civil/16 art. 159.

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