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CONCEITOS GERAIS DE DIREITO PROCESSUAL


Autoria:

Gustavo Rodrigo Picolin


Advogado, graduado pela UNIRP (Centro Universitário de Rio Preto), Pós Graduado em Direito Tributário Pela Unisul - SC

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Texto enviado ao JurisWay em 22/09/2009.



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                                                 Conceitos gerais de direito processual
 
 Partes – relação jurídica processual
 
                            O Código de Processo Civil estabelece, no art. 2º, que a tutela jurisdicional somente será prestada “quando a parte ou o interessado a requerer”.
                            Referido dispositivo consagra o chamado princípio da ação, ou princípio da demanda, segundo o qual, conforme as lições de Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Grinover e Cândido Dinamarco[1], compete à parte a “iniciativa de provocar o exercício da função jurisdicional”, ou seja, “a jurisdição é inerte e, para sua movimentação, exige a provocação do interessado”.
                            Nesse sentido, portanto, o conceito de parte pode ser definido como aquela pessoa “que se situa num dos pólos da relação jurídica processual”[2], valendo este conceito tanto para as relações processuais contenciosas quanto para as voluntárias:
Mesmo na jurisdição voluntária, aquele que pede, acionando a jurisdição, é parte autora. Resta a verificação da existência da parte ré, já que inexiste litígio, contraditório, ou possibilidade deste (se bem que certas discordâncias possam ser admitidas). Pondere-se que os ditos “interessados”, em processo de jurisdição voluntária, nunca têm o mesmo interesse. Não há litígio, mas há diversidade de situações, de interesses, portanto, os “interessados” não se encontram em um só pólo da relação processual, mas em pólos distintos, pelo que incide, até mesmo na jurisdição voluntária, o princípio da bilateralidade das partes.[3]
 
                            Para Athos Gusmão Carneiro, prevalece a idéia segundo a qual o conceito de parte deve ser ligado à atividade tutelar do Estado através dos órgãos do Poder Judiciário, ou seja, sempre que alguém buscar a jurisdição como forma de solução para alguma situação adversa, haja ou não conflito de interesses, essa pessoa, na qualidade de autora, já será parte:
Cuida-se, esclareceu José Francisco Lopes de Miranda Leão, ‘de conceito pura e eminentemente processual. Não se trata de perquirir a relação de direito material, nem mesmo de analisar a legitimidade ou ilegitimidade do interessado em razão desta; o autor é parte, neste sentido, desde o momento em que ajuíza sua demanda, e parte será até o final, mesmo que a sentença venha a declará-lo parte ilegítima. Ilegítima, mas parte’. E o réu, este adquire a qualidade de parte pela citação, ‘e a adquire queira ou não queira’ (Sentença declaratória, Malheiros Ed., 1999, n. 5.1).[4]
 
                            Com isto, resta claro que apenas o autor será considerado parte já no ajuizamento da ação, eis que não obstante a pessoa do réu ser indicada desde a petição inicial, este somente alcançará a qualidade de parte com a citação válida. E é também com a citação válida que a relação jurídica processual alcançará a completude imprescindível ao desenvolvimento regular e válido do processo.
                            Esta imprescindibilidade decorre do princípio da dualidade das partes, aplicável aos casos de jurisdição contenciosa, segundo o qual “o processo supõe necessariamente a dualidade de partes, autor e réu, para perfeita integração da relação processual em ângulo”, conforme esclarece Athos Gusmão Carneiro[5].
                            Ovídio Araújo Baptista discorre com inigualável propriedade sobre a importância do princípio da dualidade das partes, no sentido de que sua inobservância impossibilita a formação de uma relação processual válida e eficaz:
A relação processual (...) oferece esta peculiaridade fundamental: os destinatários do ato final do processo, aqueles a quem a sentença se dirige, como norma imperativa de comportamento, ou seja, as partes, contribuem com sua atividade para o desenvolvimento da relação processual e para formação da sentença.
Daí a necessidade de que toda relação processual se angularize, depois de sua formação linear entre autor e Estado, mediante a convocação daquele que figura no outro pólo da relação jurídica litigiosa, para que venha integrá-la, na condição de demandado (réu). Não há relação processual sem a participação de, no mínimo, três pessoas, ou três sujeitos: autor, réu e juiz. Esta contingência levou os juristas medievais a declarar que a relação processual era um actum trium personarum, ou seja, uma relação formada por esses três sujeitos. [6]
                            No entanto, permitimo-nos ressaltar que, em se tratando de processo de jurisdição voluntária, a relação jurídica tornar-se-á completa mesmo sem a citação do réu. Teremos uma relação processual linear, ou seja, apenas entre autor e juiz, tal como pode ocorrer, por exemplo, na separação consensual, em que são interessados apenas os cônjuges, não havendo nenhum outro sujeito a ser citado.
                            Finalmente, cumpre-nos destacar que, a teor do art. 7º do CPC, só podem atuar diretamente como parte as pessoas que se encontrarem em pleno exercício de seus direitos, ou seja, só podem ser partes as pessoas plenamente capazes. Assim, havendo interesse de incapazes, ou relativamente incapazes, a ser aduzido perante o Judiciário, serão estas pessoas, nos termos do art. 8º do CPC, “representados ou assistidos por seus pais, tutores ou curadores”.
 
 Capacidade – legitimatio ad processum
 
                            Já dissemos que o CPC apenas autoriza a atuação processual per si, como parte, das pessoas que se encontrarem no exercício pleno de seus direitos, nos termos do art. 7º daquele diploma. Em outras palavras, apenas as pessoas capazes podem atuar em juízo, na qualidade direta de parte.
                            No entanto, conforme advertido por Thereza Alvim[7], “a capacidade civil e a processual são capacidades distintas, podendo, teoricamente, receber tratamento diverso por parte do legislador”.
                            E complementa a ilustre processualista:
De acordo com a legislação processual civil, só tem capacidade para estar em juízo os que se acham no exercício de seus direitos (art. 7º, do Código de Processo Civil). Esta é correspondente à capacidade plena, tal como disciplinada pelo Direito Civil (art. 9º, do Código Civil). No entanto, é necessário acrescentar aqui, que esta capacidade se estabelece pela existência dos requisitos estabelecidos pela lei processual.[8]
 
                            Exemplos práticos que podem aclarar a distinção entre a capacidade civil de direito material e a capacidade processual são as hipóteses do art. 8º da Lei 9.099/95, segundo o qual “não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil”.
                            Ora, as pessoas indicadas no caput do art. 8º da Lei 9.099/95 estão expressamente vedadas de pleitearem seus interesses com fundamento em referida lei, ou seja, o legislador não conferiu às pessoas ali indicadas a capacidade processual para atuarem como parte, tampouco podem ter a capacidade integrada por eventuais representantes, tutores ou curadores, tendo em vista a ausência de previsão legal neste sentido.
                            No campo processual, então, estamos diante de uma capacidade especial, qual seja, a legitimatio ad processum, ou seja, a “capacidade de exercício dos atos jurídicos processuais”, que “corresponde, no campo processual, à capacidade civil tal como regulada pelo direito material”[9].
                            Neste sentido, tal como ocorre no campo do direito material, os atos processuais praticados pelos incapazes carecem de validade.
                            Trata-se a capacidade, portanto, de um dos pressupostos de existência da relação jurídica processual, conforme entende Arruda Alvim:
Para a validade da relação jurídica processual, de molde a que o juiz possa útil e validamente entrar no mérito do processo, exige a lei que tenha o autor capacidade.(...)
A capacidade de ser parte é pressuposto pré-processual, pois antecede ao próprio processo. É a capacidade de ter direitos e obrigações.[10]
 
                            Com isto, podemos afirmar que o processo poderá existir a partir da propositura da demanda, mas será válido somente se o autor tiver a capacidade de ser parte, ou seja, somente se o autor for autorizado, na forma da lei processual, a exercer sua pretensão em juízo.
                            Do contrário, não tendo o autor, ou o réu, capacidade processual, o processo deverá ser extinto, sem julgamento do mérito, na forma do art. 267, IV, do CPC.[11]
                            Todavia, o CPC autoriza, em certos casos, a integração da capacidade, a fim de que os incapazes possam ter seus direitos devidamente tutelados.
                            Com efeito, quando determinada pessoa, total ou relativamente incapaz, buscar a satisfação ou a defesa de seu interesse em juízo, com fundamento nas normas do CPC, ela terá sua capacidade integrada por seu representante, tutor, curador ou curador especial, nos termos dos arts. 8º e 9º do citado código.
                            Esta integração se dará na forma da lei civil, de modo que, por exemplo: a) os filhos menores serão representados por seus pais (art. 1.634, IV, do CC); b) os menores, conforme o caso, serão representados por seus tutores (art. 1.470 do CC); c) no caso de cônjuges incapazes em processo de separação judicial, serão eles representados pelo curador, pelo ascendente ou pelo irmão (art. 1.576, parágrafo único, do CC).
  
 Legitimidade – legitimatio ad causam
 
                            O art. 3º do CPC estabelece que só pode atuar em juízo, no pólo ativo ou passivo, aquele que tiver interesse e legitimidade.
                            Embora o termo “legitimidade” empregado no art. 3º do CPC se refira tanto à legitimatio ad processum quanto à legitimatio ad causam, neste tópico iremos abordar algumas questões inerentes apenas à legitimatio ad causam, eis que as relativas à ad processum já fora vistas no tópico precedente.
                            Inicialmente, é importante frisarmos que estes pressupostos processuais diferem bastante entre si.
Com efeito, a legitimatio ad causam “é a capacidade de ser parte de uma determinada relação litigiosa”, ao passo que a legitimatio ad processum corresponde à “capacidade para estar em juízo, ou legitimação processual, que é a capacidade para a prática de atos processuais, ou para tomar ciência de atos processuais”[12]:
Os menores podem ser partes numa determinada controvérsia que lhes diga respeito e, neste caso, terão legitimatio ad causam, porém somente através de seus representantes podem estar em juízo, o que significa dizer que a legitimatio ad processum a estes corresponde, e não a seus representados.[13]
 
                            A legitimidade, destaca Donaldo Armelin[14], “tem sua posição definida na teoria geral do direito, como pressuposto de eficácia do ato jurídico”, sendo certo, ainda que “legitimidade e capacidade são institutos afins, principalmente por se constituírem ambos em pressuposto do ato jurídico”, porém, os efeitos decorrentes da ausência de uma ou outra são distintos, no que tange ao ato em si:
Enquanto a incapacidade afeta intrinsecamente o ato, eivando-o de invalidade, a ilegitimidade do agente somente repercute nos efeitos do ato, inibindo a regular produção destes. Este critério tem o condão de manifestar que a legitimidade é pressuposto que não diz respeito à essência do ato jurídico, mas sim às conseqüências deste, ou seja, aos reflexos, no mundo jurídico, de sua efetivação.[15]
 
                            Diferentemente da legitimatio ad processum, que elenca o rol dos pressupostos processuais, trata-se a legitimatio ad causam de uma das condições da ação, ou seja, tem a legitimatio ad causam o condão de conferir eficácia aos atos processuais, enquanto que a legitimatio ad processum pressupõe a verificação dos requisitos de validade.
                            Porém, seja por falta de validade, seja por falta de eficácia decorrentes da ausência, respectivamente, de qualquer um dos pressupostos processuais ou de qualquer uma das condições da ação, o processo será extintos, sem julgamento do mérito, na forma do art. 267, IV e VI, do CPC, conforme afirma Humberto Theodoro Júnior:
(...) Para que o processo seja eficaz para atingir o fim buscado pela parte, não basta, ainda, a simples validade jurídica da relação processual regularmente estabelecida entre os interessados e o juiz. Para atingir-se a prestação jurisdicional, ou seja, a solução do mérito, é necessário que a lide seja deduzida em juízo com observância de alguns requisitos básicos, sem cuja presença o órgão jurisdicional não estará em situação de enfrentar o litígio e dar às partes uma solução que componha definitivamente o conflito de interesses. (...)
Vale dizer: a existência da ação depende de alguns requisitos constitutivos que se chamam “condições da ação”, cuja ausência, de qualquer um deles, leva à “carência de ação”, e cujo exame deve ser feito, em cada caso concreto, preliminarmente à apreciação do mérito, em caráter prejudicial.[16]
 
                            Assim, estando os sujeitos do processo legitimados ao exercício de suas pretensões em juízo, seja no pólo ativo ou passivo, serão eles os legitimados processuais, ativos (legitimação ativa) ou passivos (legitimação passiva), respectivamente.
                            E sendo autor e réu legitimados ad causam, os atos por eles praticados no processo gozarão de plena validade e eficácia, de modo que a sentença de mérito produzirá efeitos e acarretará direitos e obrigações para ambos.
                            Por outro lado, a sentença meramente terminativa, fundamentada no art. 267, IV e VI, do CPC, que extingue o processo sem resolver as questões de mérito, também produzirá efeitos a ambas as partes, mas quem sofrerá os efeitos negativos (ônus da sucumbência) será sempre o autor, ao passo que o réu permanecerá na mesma situação em que se encontrava antes de ser demandado.
                            Isto porque a análise dos pressupostos processuais e das condições da ação se dá previamente à análise do mérito da causa e, ausente qualquer um dos pressupostos ou condições, seja em relação ao autor, seja em relação ao réu, o juiz estará autorizado a, até mesmo de ofício, pôr fim à relação jurídica processual iniciada pelo autor, que será condenado ao pagamento dos honorários advocatícios, na forma dos arts. 20 e 28, do CPC.
 
Substituição processual
 
                            O fenômeno da substituição processual pode ser qualificado como uma espécie do gênero legitimação extraordinária, que encontra autorização legal no art. 6º do CPC, segundo o qual “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.
                            A legitimação extraordinária difere-se da ordinária à medida que, em se tratando desta última modalidade, “terá legitimação aquele que preenche o pressuposto da capacidade para estar em juízo, podendo agir processualmente em defesa (sentido lato) de afirmação de direito seu”[17].
A legitimação extraordinária é instituto jurídico de uso excepcional, portanto, limitado às hipóteses previstas em lei. Isso em razão de, no pólo ativo, alguém poder ir a juízo, em seu próprio nome, exercendo o direito de ação de outrem e agindo no processo por ele, postulando sua afirmação de direito, alcançando a decisão da lide e a autoridade da coisa julgada material que sobre ela recai, atingindo exatamente aquele que, normalmente, não está presente no processo.
No pólo passivo, o legitimado extraordinário só não exerce o direito de ação do “legitimante” mas por ele defende-se da pretensão do autor, por ele atua no processo, onde será proferida decisão de mérito, sobre a qual pesará a coisa julgada material alcançando aquele por quem atuou.[18]
                           
                            A substituição processual, portanto, nos termos do art. 6º do CPC, se dá à media que a lei confere legitimidade a alguém para que atue, em nome próprio, na defesa de direito alheio, conforme aponta José Frederico Marques:
Prevê-se, aí, a chamada substituição processual, a qual ocorre justamente quando alguém, em nome próprio, pleiteia direito alheio. Não coincidindo o sujeito da relação processual com o da relação substancial, verifica-s caso de legitimação ad causam extraordinária. Por esse motivo, a substituição processual depende sempre de previsão expressa da lei, como o preceitua, claramente, o citado art. 6º do Código de Processo Civil.
O substituto processual é parte no processo, tendo, assim, o direito de ação ou o de defesa. Ele atua no próprio interesse, tanto que age em nome próprio, como diz a lei. E isto em virtude da relação entre o direito alheio e o direito do substituto: por intermédio do direito do substituído é que o substituto satisfaz direito próprio.[19]
 
A substituição processual não se confunde com a representação, eis que o representante atua em nome do representado, ou seja, atua em nome alheio na defesa do direito alheio.
Também se difere a substituição processual da sucessão de partes. O sucessor atua em nome próprio na defesa de direito próprio, pois ingressa na relação processual como sujeito legitimado pela relação de direito material de que se tornou titular.
Podem ser destacadas como exemplos de substituição processual as seguintes hipóteses: a) o terceiro que promove ação de consignação em pagamento (art. 890, caput, do CPC); b) o gestor de negócios, que atua em juízo na defesa dos interesses do gerido (art. 861, do CC); c) a seguradora líder do co-seguro, em relação às demais seguradoras (art. 761, do CC)[20]; d) “a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas”, nos termos do art. 81, do Código de Defesa do Consumidor-CDC, cujos legitimados são o Ministério Público, as pessoas de direito público, entidades e órgãos da administração pública e associações privadas, conforme estabelece o art. 82 do mesmo Código; e) nos casos de ação civil pública (art. 5º da Lei nº 7.347/85), em que são legitimados o Ministério Público, a União, os Estados e Municípios, as autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e determinadas associações.
Finalmente, em relação aos efeitos provenientes das decisões proferidas no âmbito das relações processuais em que atuam os legitimados extraordinários (substitutos), temos que também são atingidos os legitimados ordinários (substituídos), mesmo se não atuarem diretamente em juízo.
Em outras palavras, “em havendo a legitimação extraordinária, aquele que não participou do processo é alcançado pela decisão judicial e pela coisa julgada material, que, sobre ela recairá”.[21]
Neste sentido, o magistério de Cândido Rangel Dinamarco:
Tratando-se de demanda proposta por legitimado extraordinário, a sentença que a julgar improcedente terá autoridade também sobre os demais co-legitimidados: é inerente ao instituto da substituição processual ficar o substituído vinculado à coisa julgada material produzida na causa conduzida pelo substituto, sendo óbvio que atingirá igualmente os demais substitutos. O expediente representado pela extensão subjetiva da coisa julgada concorre eficientemente para evitar o mal do conflito de julgados, guardando boa relação de complementariedade com a unitariedade do litisconsórcio e oferecendo solução satisfatória nos casos em que este não é, ao mesmo tempo, também necessário.[22]
 
Litisconsórcio
 
                            Vimos até agora alguns conceitos elementares acerca dos partícipes da relação jurídica processual (autor e réu) notadamente os requisitos inerentes ao desenvolvimento regular e válido do processo, tais como a legitimidade, a capacidade o interesse e o fenômeno da substituição processual.
                            Nem sempre, no entanto, teremos uma única pessoa no pólo ativo ou passivo da relação processual (principal ou secundárias, tal como ocorre nos casos de intervenção de terceiros), sendo possível a atuação conjunta de diversas pessoas num mesmo pólo da relação jurídica processual.
                            Com efeito, o CPC, art. 46, autoriza a reunião de mais de uma pessoa para que atuem em conjunto, em juízo, no mesmo pólo da relação jurídica processual.
                            Eis o instituto denominado litisconsórcio, “que vem a ser a hipótese em que uma das partes do processo se compõe de várias pessoas[23].
                            Temos, assim, com o litisconsórcio, a idéia de pluralidade de partes (autor ou réu) atuantes em um mesmo processo.
                            Havendo pluralidade de autores, teremos o chamado litisconsórcio ativo; havendo vários réus, o litisconsórcio será passivo; havendo pluralidade em ambos os pólos, o litisconsórcio será recíproco[24] ou misto[25].
                            Em relação ao momento da formação do litisconsórcio, ele poderá ser inicial ou incidental.
                            Será inicial quando sua formação coincidir com a propositura da ação por vários autores, ou contra vários réus; incidental quando surgir durante o desenvolvimento do processo, posteriormente à propositura da ação, tal como ocorre com as hipóteses dos arts. 42 e 43 do CPC (substituição das partes durante o curso do processo, em razão de venda do bem litigioso ou da morte de uma das partes), art. 47, parágrafo único (determinação judicial ao autor para que promova a citação dos litisconsortes necessários) e art. 74 (quando a denunciação for promovida pelo autor, o denunciado assumirá a posição de litisconsorte do denunciante e poderá, inclusive, aditar a petição inicial).
                            No que tange à vontade das partes na formação do litisconsórcio, ele poderá ser necessário ou facultativo.
                            Será necessário quando não puder ser negado ou recusado nem mesmo por acordo de vontades dos litigantes; será facultativo quando se estabelecer por vontade das partes e subdividir-se-á em irrecusável e recusável.
Diz-se que o litisconsórcio é facultativo irrecusável quando, embora não sendo obrigatória a proposição conjunta das demandas cumuladas, se os autores se coligarem em litisconsórcio, ou um segundo réu pedir o seu ingresso como demandado, ao lado do réu originário, a parte adversa não pode recusá-lo. Ao contrário, o litisconsórcio será facultativo recusável quando sua formação depender do acordo expresso ou tácito dos litigantes.[26]
 
Pese ser a lei omissa no que tange à figura do litisconsórcio facultativo recusável, Celso Agrícola Barbi, com costumeira propriedade, aponta no inciso IV do art. 46 do CPC a existência deste instituto de direito processual:
Deve-se entender que o réu pode impugnar o litisconsórcio fundado no item IV, demonstrando a inferioridade em que ficará para a defesa, porque essa situação viola o princípio da igualdade das partes. E o juiz tem poderes para atender a essa impugnação, com base no art. 125, o qual lhe atribui competência para tomar providências destinadas a assegurar às partes igualdade de tratamento e para rápida solução do litígio.
Desse modo, não haverá mais para o réu o simples poder de recusar o litisconsórcio (...). Mas, desde que o réu demonstre que a formação do litisconsórcio quebra o princípio da igualdade das partes e retarde o andamento da causa, o juiz pode atendê-lo e mandar separar as ações em tantos processos quantos necessários. Essa é a solução que atende aos textos legais e aos reclamos da prática.[27]
 
                            Temos, assim, que o acolhimento da recusa do litisconsórcio facultativo pelo réu, quando for o caso, terá o condão de atender aos ditames de alguns dos princípios processais, dentre eles a igualdade entre as partes, a economia e celeridade processuais e a ampla defesa.
                            Há ainda outras classificações para o litisconsórcio.
                            Sob o ângulo da uniformidade ou identidade da sentença diante dos litisconsortes, o litisconsórcio será unitário ou simples,
                            Será unitário quando a decisão da causa for uniforme, idêntica, para todos os litisconsortes; será simples quando a sentença, ainda que proferida no mesmo processo, for diferente entre os litisconsortes.
                            Importa ressaltar que pecou em sua definição o legislador ao explicar o litisconsórcio unitário sob a nomenclatura de litisconsórcio necessário[28], ao afirmar haver “litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes”.[29] Com efeito, para o primeiro (litisconsórcio unitário) a decisão deverá ser uniforme a todos os litisconsortes. Já o litisconsórcio necessário configura hipótese em que não pode haver ausência de nenhum litisconsorte, sob pena de nulidade do processo.
                            Nem sempre o litisconsórcio unitário será necessário, sendo previsíveis casos em que o resultado do julgamento de uma lide será obrigatoriamente idêntico a todos aqueles que poderiam legitimamente atuar como parte, mas cuja presença não se faz obrigatória (tal como ocorre na hipótese do art. 890 do CPC – litisconsórcio facultativo unitário).
                            Assim, vale destacar que, nos termos da segunda parte do art. 47 do CPC, havendo litisconsórcio necessário (não necessariamente unitário), “a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo”.
                            O litisconsórcio ativo necessário será sempre resultado de exigência legal, tal como ocorre, por exemplo, nas hipóteses do art. 10 do CPC (casos em que marido e mulher devem litigar em conjunto).
                            Assim, considerando que a segunda parte do art. 47 do CPC fala em “citação”, referido dispositivo aplica-se apenas aos casos de litisconsórcio passivo necessário, eis que, conforme bem adverte Humberto Theodoro Júnior[30], “como regra geral, o direito é avesso a constranger alguém a demandar como autor (o direito de ação é faculdade e não obrigação)”.
Assim, segundo Humberto Theodoro Junior, a teoria que mais se harmoniza à boa técnica processual é aquela que admite a realização de citação dos litisconsortes apenas para composição do pólo passivo, pois a citação é o ato de chamamento destinado ao réu para defender-se em juízo, sendo imprestável para obrigar determinada pessoa a figurar como parte autora de uma demanda.
Diante disso, caberá ao autor promover a citação de todos os litisconsortes necessários, sob pena de a sentença final não produzir efeito algum para nenhuma das partes, pois o processo que tiver curso sem o comparecimento de todos os litisconsortes necessários será nulo.[31]
No entanto, permanecendo inerte o autor, caberá ao juiz determinar a citação dos litisconsortes a fim de se evitar a nulidade do processo, conforme determina o parágrafo único do art. 47 do CPC, segundo o qual “o juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo”.
A citação dos demais litisconsortes, todavia, se dará apenas àqueles que integrariam o pólo passivo, eis que “a melhor interpretação do Código é no sentido de só permitir a integração quando for caso de litisconsórcio necessário passivo”, conforme adverte Celso Agrícola Barbi[32].
E continua o eminente processualista:
Em primeiro lugar porque tanto o final do art. 47 como o seu parágrafo falam em citação, o que, em regra, se faz a réu, para defesa, e não a pessoa para agir como autor. (...)
Acresce que o direito, tradicionalmente, é avesso a constranger alguém a demandar como autor. A propositura de uma ação implica em um prévio exame das suas possibilidades de êxito, da disponibilidade de provas em dado momento, além de uma avaliação das despesas processuais – custas, honorários de advogados etc. – em caso de derrota. Tudo isto faz com que a propositura de uma ação deva ficar a critério do interessado, não podendo ele ser constrangido a isso.[33]
 
                            Finalmente, vale destacar os efeitos decorrentes da atuação dos litisconsortes no processo.
                            O art. 48 do CPC prevê que “salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos”, sendo certo que “os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros”.
                            Ovídio Araújo Baptista da Silva nos esclarece que do princípio contido no art. 48 “decorre o outro contido no art. 49, segundo o qual o litisconsorte tem o direito de promover o andamento do processo independentemente da aquiescência ou da colaboração dos demais.”[34]
A regra da independência dos litisconsortes, prevista no art. 48 do CPC, (...) aplica-se, por excelência, aos casos de litisconsórcio facultativo e de litisconsórcio necessário simples. Com referência ao litisconsórcio necessário unitário vigoram outros princípios, como logo veremos.
O princípio da independência entre os litisconsortes implica o seguinte: a) deverá estabelecer-se para cada um deles separadamente a existência dos pressupostos processuais; b) se um deles não contestar a ação, será considerado revel, embora a revelia, neste caso, não acarrete o julgamento antecipado da lide, como impõe o art. 320, I, do CPC; c) cada litisconsorte deverá produzir as provas com que conta fundar a sua ação ou a sua defesa; d) as provas produzidas por cada litisconsorte, em princípio, devem ter sua eficácia limitada à relação jurídica existente entre ele e seu adversário; e) a confissão feita por um litisconsorte não prejudicará os demais
(art. 350 do CPC); f) o recurso por um interposto não se estende aos litisconsortes que não hajam recorrido; g) cada um dos litisconsortes pode desistir do recurso sem a aquiescência dos demais. (...)
Se tais são os princípios que regulam a atividade de cada litisconsorte nesses casos, bem diverso é, no entanto, o regime do litisconsórcio unitário. Se a hipótese for de litisconsórcio necessário unitário, vigoram os seguintes princípio: a confissão só será eficaz quando feita por todos os litisconsortes; b) não haverá revelia, a não ser que todos os litisconsortes permaneçam omissos sem contestar a ação, pois, se qualquer deles o fizer, a defesa aproveita também aos litisconsortes ausentes que, como dizia o art. 90 do Código de 1939 – reproduzindo o § 62 da ZPO alemã -, consideram-se representados pelos demais; c) a ausência de um pressuposto processual atinente a qualquer dos litisconsortes impede a apreciação do mérito da causa com relação a todos; d) nenhum litisconsorte pode desistir sozinho da demanda; e) o recurso por um dos litisconsortes interposto aproveita aos demais (art. 509 do CPC).[35]
 
 
Em tempo, convém relembrar que quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, gozarão de prazos em dobro para contestar e recorrer e, de um modo geral, para falar nos autos (art. 191 do CPC).


[1] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria geral do processo, 17. ed., São Paulo, Malheiros, 2001, pp. 57-58.
[2] ALVIM, Thereza, O direito processual de estar em juízo, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1996, p. 12.
[3] Idem, p. 12.
[4] CARNEIRO, Athos Gusmão, Intervenção de terceiros, 14. ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 5.
[5] Idem, p. 7.
[6] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, Curso de processo civil, vol. 1, 6. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 15.
[7] ALVIM, Thereza, O direito processual de estar em juízo, citl, p. 15.
[8] Idem, p. 15.
[9] CARNEIRO, Athos Gusmão, Intervenção de terceiros, cit., p. 17.
[10] ALVIM, Arruda, Mantual de direito processual civil, vol. 1, 7. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2001, p. 521.
[11] É importante lembrarmos que na falta dos demais pressupostos processuais (de existência da relação processual e de validade da relação processual), bem como das condições da ação, o processo será igualmente extinto. São pressupostos processuais de existência da relação processual: a) jurisdição; b) citação; c) capacidade postulatória; e d) petição inicial. São pressupostos processuais de validade da relação processual: a) petição inicial apta; b) citação válida; c) capacidade processual (legitimatio ad processum); d) competência do juiz (inexistência de incompetência absoluta: material ou funcional); e e) imparcialidade do juiz. São condições da ação: a) legitimidade das partes (legitimatio ad causam); b) interesse processual; e c) possibilidade jurídica do pedido.
[12] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, Curso de processo civil, vol. 1, cit., p. 241.
[13] Idem, p. 241.
[14] ARMELIN, Donaldo, Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1979, pp. 14 e 29.
[15] Idem, p. 15.
[16] THEODORO JUNIOR, Humberto, Curso de direito processual civil, vol. 1, 24. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, pp. 51-52.
[17] ALVIM, Thereza, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 80.
[18] Idem, pp. 91-92.
[19] MARQUES, José Frederico, Manual de direito processual civil, vol. 1, Campinas, Bookseller, 1997, pp. 342-343.
[20] Sobre a posição processual da co-seguradora líder, Fábio Konder Comparato nos esclarece que “o art. IV precisa a função do segurador-líder, no cosseguro, como representante necessário dos demais, em juízo ou fora dele” (Notas explicativas ao substitutivo ao capítulo referente ao contrato de seguro no anteprojeto de código civil, in RDM 5/147). Além disso, conforme asseverado pela doutrina especializada, “a sentença condenatória fará coisa julgada oponível a todas as co-seguradoras e, uma vez liquidada, será título ensejando execução forçada contra as mesmas (substituta e substituídas), respeitando-se para os atos executivos a proporção de suas respectivas cotas” (TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flavio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton, O Contrato de Seguro de acordo com o Novo Código Civil brasileiro, 2. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 58).
[21] ALVIM, Thereza, O direito processual de estar em juízo, cit., p. 89.
[22] DINAMARCO, Cândido Rangel, Litisconsórcio, 4. ed., São Paulo, Malheiros, 1996, pp. 190-191.
[23] THEODORO JUNIOR, Humberto, Curso de direito processual civil, vol. 1, cit., p. 105.
 
[24] BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao código de processo civil, vol. 1, 10. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 191.
[25] Ovídio Araújo Baptista, Curso de processo civil, vol. 1, cit., p. 249.
[26] Idem, p. 249.
[27] BARBI, Celso Agrícola, Comentários ao código de processo civil, vol. 1, cit. pp. 193-194.
[28] “O litisconsórcio unitário é aquele em que o destino que tiver um dos litisconsortes haverá de ser consentâneo com o que será dado aos demais (...) Por isso é que, ali, os atos e omissões que beneficiarem a um hão de beneficiar invariavelmente a todos na mesma medida, não se permitindo que se criem situações desfavoráveis a um dos litisconsortes, sem que sejam desfavoráveis a todos eles. Tal é o regime especial caracterizado como litisconsórcio unitário, presente sempre que for incindível a relação jurídico-material que figura como res in judicio deducta. (...) É ponto pacífico, entre nós, a possibilidade de um litisconsórcio necessário que não seja unitário e, inversamente, do litisconsórcio facultativo unitário”. (DINAMARCO, Cândido Rangel, Litisconsórcio, cit., pp. 68-69).
[29] “(...) dizer que o litisconsórcio é necessário significa negar a legitimidade de uma só pessoa para demandar ou ser demandada isoladamente, carecendo de ação o autor que insistir na demanda isolada. (...) nos casos em que a lei não dita a necessariedade (e não cabe ao juiz criá-la, impondo o litisconsórcio onde a lei não o exige), o litisconsórcio é facultativo, ficando a critério exclusivo do autor, ou autores, a propositura conjunta de demandas. É o ato de iniciativa do processo que determinará soberanamente (desde que admissível o litisconsórcio e ressalvadas as hipóteses de litisconsórcio ulterior) se o processo se fará entre só um autor e só um réu, ou entre três ou mais pessoas” (DINAMARCO, Cândido Rangel Dinamarco, cit., pp. 66-67).
[30] THEODORO JUNIOR, Humberto, Curso de direito processual civil, vol. 1, cit., p. 110.
[31] STF, RE 69.653, rel. Min. Xavier de Albuquerque, j. 12.03.74, in  RTJ, 71/72; no mesmo sentido, RE 61.744, rel. Min. Xavier de Albuquerque, j. 09.06.72, in RTJ 61/377).
[32] Comentários ao código de processo civil, vol. 1, cit., p. 206.
[33] Idem, p. 206.
[34] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da, Curso de processo civil, vol. 1, cit., p. 265.
[35] Idem, pp.265-266.
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