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DESPATRIMONIALIZAÇÃO E CONSTITUCIONALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES OBRIGACIONAIS


Autoria:

Flávio Murad Mafud


Estudante de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Atualmente cursando o 5º período.

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Resumo:

Abordagem sobre a nova estrutura das relações subjetivas no direito das obrigações, dando importância à aplicação de princípios constitucionais antes deixados a uma atuação indireta nos casos concretos.Relação com a despatrimonialização.

Texto enviado ao JurisWay em 04/08/2009.

Última edição/atualização em 23/11/2012.



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INTRODUÇÃO

 

A relação obrigacional sempre foi compreendida e formulada pela doutrina tradicional a partir do seu perfil estritamente patrimonial, através da perspectiva estrutural e objetiva, deixando de lado o perfil subjetivo e comportamental das partes e ainda das ações de terceiros que possam interferir na relação. Nesse sentido, a análise e aplicação das normas supraconstitucionais teriam uma importância secundária, raras vezes utilizadas de forma expressa para resolução concreta de casos.

Diante da importância das partes em uma prestação, devem-se analisar, para a resolução de uma lide, todos os mecanismos que possam trazer equilíbrio e equidade de forma geral a todos os envolvidos, dando maior mérito à personalização dos elementos tratados na obrigação, com a finalidade de se chegar ao resultado útil e esperado de forma justa por ambas as partes conflitantes. A constitucionalização do direito civil se revela de extrema importância como tendência normativo-cultural que visa ampliar o entendimento acerca da patrimonialidade das prestações.

Nesse sentido, a obrigação começa a ser entendida a partir do viés teleológico, ou seja, a tentativa de se entender as finalidades as quais as partes perseguem com o cumprimento da obrigação, descaracterizando dessa forma o pensamento estritamente patrimonial das relações.

 

1.      CONSTITUCIONALIZAÇÃO E PRINCÍPIOS

 

1.2. Constitucionalização como meio

            Historicamente o direito no âmbito obrigacional-contratual se pautava sob a égide da autonomia contratual revelada pela liberdade de celebrar um contrato. A interferência estatal nesse meio era destacada como uma ofensa à autodeterminação, que era garantida por vezes pela ideia de intangibilidade do pacto firmado. Essa concepção pode ser esclarecida conforme a seguinte sistematização: a) o contrato faz lei entre as partes; b) as partes convencionam o que lhes interessa; c) a vinculação contratual não atinge terceiros, mas apenas as partes.

Face ao processo de constitucionalização e integração do ordenamento jurídico, a ideia da autonomia da vontade e seus segmentos começam a sofrer importantes modificações na esfera obrigacional. Nesse sentido observa-se um limite natural às liberdades antes consideradas intocáveis:

A livre determinação do conteúdo do regulamento contratual encontra-se condicionada à observância das regras e dos princípios constitucionais, o que significa, no quadro de valores apresentado pela Constituição brasileira, conceber o contrato como um instrumento a serviço da pessoa, sua dignidade e desenvolvimento. (NEGREIROS Teresa. 2002, p.107)

Destarte, a constitucionalização das relações obrigacionais tende a ser, na atualidade, um meio de se alcançar a forma contratual dotada de justiça, solidariedade, proteção às partes, igualdade social. Dessa forma, diferentemente da concepção tradicional, o foco passa a ser não só o inadimplemento e seus resultados, mas também o adimplemento e suas consequências extra partes. A aplicação de princípios constitucionais como o da Dignidade da Pessoa Humana servirá de base para a finalidade almejada não só entre as partes, mas também meio para atingir interesses comuns e gerais, decorrendo daí princípio como o da Função Social do Contrato e o Dirigismo Contratual.

1.2. Boa-fé objetiva: Resultado dos princípios constitucionais

Atualmente a boa-fé no novo Código Civil surge não apenas como direcionador das condutas das partes, mas agora se apresenta como uma verdadeira norma de conduta, na qual determina o que deve ou não ser feito, se impondo aos contratantes e não facultada a eles como mero critério de interpretação das vontades ou como princípio valorativo que poderia ser relativizado. É estabelecida no artigo 422 do Código a obrigação de seguir os ditames da boa-fé na conclusão, como na execução de um contrato, do que podemos concluir que ela atua em todas as ocasiões de uma relação obrigacional, seja na fase pré-contratual, seja na fase pós-contratual, limitando e impondo deveres e direitos às partes e a terceiros que, mesmo indiretamente, atuem na relação.

A aplicação da boa-fé como norma de conduta pode suscitar o problema da interpretação, visto que sua observância pode não ser clara em muitos casos. Para Gustavo Tepedino

A idéia de que os negócios jurídicos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé objetiva significa que os contratos e os negócios jurídicos unilaterais devem ser interpretados de acordo com o seu sentido objetivo, aparente, salvo quando o destinatário conheça a vontade real do declarante, ou quando devesse conhecê-la, se agisse com razoável diligência; quando o sentido objetivo suscite dúvidas, dever-se-á preferir o significado que a boa-fé aponte como o mais razoável. (TEPEDINO, 2000, p.196)

            Ressalta-se assim a ideia de garantir o que foi estabelecido, ou o que aparentemente representa para os envolvidos na relação, assegurando razoabilidade quando suscitada dúvidas na interpretação contratual. A partir dessa afirmação a boa-fé pode ser considerada um resultado de princípios constitucionais como o da Proteção da Confiança e da Proporcionalidade e Razoabilidade, além de ser amparada pela Teoria da Aparência.

            Com efeito, é possível inferir que a boa-fé é parte integradora do ordenamento ao conciliar valores éticos e principiológicos ao direito privado, tantas vezes carecedor de tais modelos de conduta. A fundamentação da boa-fé é assentada principalmente aos valores consagrados constitucionalmente que objetivam a valorização e a igualdade da pessoa em detrimento à autonomia da vontade, no momento em que esta passa a ser objeto de desigualdade e desequilíbrio.

 

2.      DESPATRIMONIALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES OBRIGACIONAIS

 

 

            Relevante questão levantada sobre as relações obrigacionais compreende-se no momento de se definir se o objeto da obrigação se constitui no comportamento devido do devedor (teoria não-patrimonialista), ou no bem prometido esperado pelo credor (teoria patrimonialista).

            Para a corrente patrimonialista o interesse do devedor só deve ser levado em conta quando não prejudique o elemento essencial da obrigação que seria a satisfação do interesse do credor. Tal concepção levava em situações extremas a considerar que haveria uma “relação entre patrimônios”, ou seja, a pessoa não deve à pessoa, mas o patrimônio deve ao patrimônio, considerando os envolvidos na relação como partes que podem representar os bens. A corrente patrimonialista estaria assim retirando a relevância da relação subjetiva, a relação na qual há uma atividade pessoal que está ligada ao equilíbrio das partes, à boa-fé e à cooperação social que deve trazer um contrato. Revela-se dessa forma uma insuficiência em conduzir as relações obrigacionais ao estimular e enfatizar um caráter indiferente à pessoa humana.

            Do outro lado encontra-se a corrente não-patrimonialista, também chamada de personalista, que enfatizou o processo de despatrimonialização/funcionalização do direito civil. A despatrimonialização das relações obrigacionais teria por objetivo primordial retirar do centro do direito obrigacional as questões apenas patrimoniais para dar maior importância à pessoa humana e assim protegê-la. Na jurisprudência já se observa a utilização do termo despatrimonialização como uma forma de se rever as funções e finalidades das relações obrigacionais como no seguinte acórdão proferido pelo Desembargador Antônio Bispo:

Sob inspiração deste ideal, surgem como princípios basilares do Direito Civil a solidariedade social, buscando conciliar as exigências coletivas com os interesses dos particulares; a boa-fé objetiva, materializando uma necessária compreensão ética das relações privadas; e a função social, apontada pela doutrina mais moderna como despatrimonialização, com o escopo de reequilibrar as relações sociais. (TJMG, 15ª C.C., Ap. Cív. 10702.06.304836-8/001, Rel. Des. Antônio Bispo, julg. 12/03/2009)

            A doutrina mais atual reconhece que o exame da estrutura de uma relação obrigacional não pode ser feita apenas sob seu aspecto objetivo-patrimonial, mas deve se destacar que é necessário examinar as finalidades concernentes ao que as partes de uma relação buscam. A tutela pelo Direito de tais relações determina que haja uma análise da legitimidade das finalidades buscadas pelos envolvidos, seja na esfera do interesse do credor ou do devedor

Para cabal compreensão do conceito de obrigação, é preciso ter em conta para que esta serve. Todo direito tem uma função, ou finalidade, que justifica a sua existência e a sua tutela jurídica. A finalidade da obrigação é a satisfação de um interesse do credor, mas que tem de ser legítimo, isto é, sério e útil (NORONHA, 2003, p.16).

            A despatrimonialização pode soar algumas vezes como uma defesa do inadimplemento porque surgiria a dúvida: como compatibilizar a despatrimonialização da relação obrigacional à garantia da tutela protetiva do credor? A questão colocada não pode servir de fundamento negativo ao conceito de despatrimonialização porque a função da nova estrutura é apenas destacar a complexidade da relação obrigacional, dando-lhe caráter mais humano e assim proteger não só a relação, mas também os sujeitos. A relação entre credor e devedor continua a ser analisada basicamente num direito do credor em receber a prestação e num dever de prestar do devedor. Alguns pontos podem ser mais discutidos em face da pessoa do credor e do devedor como colocado pelo jurista Mário Júlio de Almeida Costa

Discute-se, todavia, se o sujeito passivo não terá ao mesmo tempo o dever de efectuar a prestação e o direito a que o seu credor faça o necessário para recebê-la, ou seja, a que lhe torne possível o cumprimento. Isto equivaleria a integrar na estrutura da obrigação um dever do credor de receber (COSTA, 2006, p.94)

Este seria um exemplo de que mesmo o credor possui obrigações dentro da relação, podendo ser considerado também como uma espécie de “devedor”, ou seja, para que a relação seja em sua totalidade completa, o credor deve agir em conformidade com normas de conduta impostas (o credor tem deveres como os da informação, esclarecimento, colaboração, cooperação, segredo, cuidado e etc.), podendo dar causa de anulação da relação se não observadas.

            De modo geral podemos refletir que a despatrimonialização das relações obrigacionais tem estreita relação com a constitucionalização do direito privado.  Aquela só será possível quando baseada nesta, o que significa que sua eficácia depende da observância dos valores e princípios arraigados na Constituição.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Muitas são as questões que se poderia discutir em relação aos novos paradigmas aqui analisados. O presente estudo destina-se a traçar alguns pontos relevantes que possam ser objeto de reavaliação nos atuais modelos do direito privado. De modo geral pode-se concluir que a finalidade maior da obrigação não é apenas o adimplemento, mas também a formação de uma relação em que se deve ter em vista uma cooperação mútua entre as partes e por sua vez deve prevalecer antes, durante e após o estabelecimento da relação jurídica.

            Outro ponto relevante destacado diz respeito à finalidade da relação obrigacional. Esta deve ser legítima, passível de tutela pelo direito, objetivando garantir a liberdade contratual limitada pelas diretrizes da boa-fé, oriundas dos princípios constitucionais mais basilares. Assim se procedendo, estar-se-á assegurando um direito em conformidade com os pressupostos constitucionais, sem, no entanto, ofender a autonomia de agir daqueles que se propõem estabelecer atos jurídicos recíprocos.

            A obrigação a partir deste momento passa a ser um processo dinâmico e complexo, no qual deverá ser observada a solidariedade e a lealdade assim como obrigações recíprocas que garantam a preservação, o fortalecimento e a promoção da igualdade e dignidade da pessoa humana, entendida não como ser individual, mas como ente coletivo. 

REFERÊNCIAS

 

BITTAR, Carlos Alberto. Direito dos Contratos e dos Atos Unilaterais. 2ª edição, Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2004. 204 p.

COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das Obrigações. 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2006. 1070 p.

MARQUESI, Roberto Wagner. Os princípios do contrato na nova ordem civil . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2009.

MENEZES, Rinaldo Mendonça Biatto de. Os modernos princípios contratuais e o Código Civil de 2002. A boa-fé objetiva e a função social dos contratos. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 468, 18 out. 2004. Disponível em: . Acesso em:02 jul. 2009.

 

NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: Novos Paradigmas. 1ª edição, Renovar, Rio de Janeiro, 2001. 552 p.

NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações, vol. 1. 1ª edição, Saraiva, São Paulo, 2003.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. 2. 22ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 2009. 415 p.

TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil-Constitucional. 1ª edição, Renovar, Rio de Janeiro, 2001, 590 p.

TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado, vol. 1. 2ª edição, Renovar, Rio de Janeiro, 2007. 790 p.

TJMG.APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0702.06.304836-8/001. Disponível em: http://www.tjmg.jus.br/juridico/jt_/inteiro_teor.jsp?tipoTribunal=1&comrCodigo=702&ano=6&txt_processo=304836&complemento=1&sequencial=0&palavrasConsulta=despatrimonialização&todas=&expressao=&qualquer=&sem=&radical= Acesso em: 12 jul. 2009.

VENOSA, Silvio de Salvo Venosa. Novo Código Civil. 4ª edição, Atlas, São Paulo, 2009, 928 p.

 

 

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