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A Carta Testemunhável no Processo Penal Brasileiro


Autoria:

Isabelle De Freitas Caetano


Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará

Resumo:

O presente trabalho debruça-se sobre a Carta Testemunhável, recurso previsto no Código de Processo Penal, abordando as hipóteses de cabimento, aspectos procedimentais e efeitos, bem como outras particularidades atinentes a essa espécie de recurso.

Texto enviado ao JurisWay em 21/11/2016.

Última edição/atualização em 23/11/2016.



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O Código de Processo Penal, no art. 639 e seguintes, prevê a Carta Testemunhável como espécie de recurso que tem por objetivo reexaminar determinada decisão que denegou o recurso interposto, ou não deu seguimento a este. Possui caráter subsidiário, haja vista somente será cabível quando não houver algum outro instrumento previsto pela legislação com a finalidade de rever a decisão denegatória do recurso. Ilustra-se como exemplo a hipótese de a decisão ter denegado apelação, pois, neste caso, caberá recurso em sentido estrito, consoante disposto no art. 581, XV, do CPP.

Nucci (2015, p. 848) conceitua a Carta Testemunhável como “o recurso destinado a provocar o conhecimento ou o processamento de outro para tribunal de instância superior, cujo trâmite foi indevidamente obstado pelo juiz”. Apesar de sua origem antiga, remontando ao período do Império, quando servia para evitar que os juízes se esquivassem de receber os recursos, possui pouca utilidade prática, sendo ainda desconhecida por muitos operadores do direito.

Possuem legitimidade para a interposição da Carta Testemunhável as partes do processo que poderiam interpor o recurso originário, que foi denegado ou teve seu seguimento obstado. Ainda quanto aos pressupostos de admissibilidade deste recurso, verifica-se o interesse pelo fato da parte testemunhante vir a ser prejudicada pelo não recebimento do seu recurso, violando-se o princípio do duplo grau de jurisdição.  

 

1.      Hipóteses de cabimento e aplicação do Princípio da Fungibilidade Recursal

 

São duas as hipóteses de cabimento da Carta Testemunhável expressas no art. 639 do CPP, sendo cabível quando houver decisão que denegue o recurso ou que obste o seu seguimento.

 

Art. 639.  Dar-se-á carta testemunhável:

I - da decisão que denegar o recurso;

II - da que, admitindo embora o recurso, obstar à sua expedição e seguimento para o juízo ad quem.

 

Em outras palavras, Távora e Alencar (2013, p. 982) definem a Carta Testemunhável como um recurso residual cabível “(1) contra decisão denegatória de recurso cuja competência seja de órgão imediatamente superior ao juízo recorrido; ou (2) contra decisão que impedir o processamento desse recurso que, embora admitido, não tenha sido remetido ao tribunal”.

Importante salientar que a razão pela qual se denegou ou não foi dado seguimento ao recurso não é determinante para a interposição da carta testemunhável. Ou seja, quer tenha sido por falta de interesse de agir, por intempestividade ou ilegitimidade da parte, a carta testemunhável será recebida, desde que presentes as hipóteses anteriormente citadas.

Todavia, conforme já comentado, a carta testemunhável somente será utilizada subsidiariamente quando não houver outro recurso com a mesma finalidade previsto em lei. Além da previsão do recurso em sentido estrito contra decisão que denega apelação, também não é cabível a carta testemunhável para atacar decisão que não recebeu ou negou seguimento ao Recurso Extraordinário ou ao Recuso Especial, caso em que caberá Agravo de Instrumento, nem contra decisão que não acolheu os embargos declaratórios, infringentes ou de nulidade, pois estes devem ser atacados pelo agravo regimental, em regra, conforme estabelecido pelos regimentos internos dos Tribunais.

Deve-se atentar, porém, para o Princípio da Fungibilidade Recursal, em que poderá ser considerado válido um recurso inadequado em determinada hipótese, em substituição a outro, quando houver dúvida quanto ao recurso cabível, na doutrina e na jurisprudência. O art. 579 do CPP prevê que “salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro”.  Nesse sentido, há a possibilidade, por exemplo, de aceitar-se Carta Testemunhável em lugar de Recurso em Sentido Estrito, quando aquela foi utilizada para impugnar decisão para a qual havia outro recurso legalmente previsto. Contudo, os tribunais pátrios têm afastado a aplicação do princípio da fungibilidade diante da existência de erro grosseiro ou quando não estão presentes os demais requisitos de admissibilidade, como a tempestividade, conforme se depreende dos seguintes julgados:

 

CARTA TESTEMUNHÁVEL. IRRESIGNAÇÃO CONTRA O NÃO RECEBIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. VIA INADEQUADA. PREVISÃO DE RECURSO ESPECÍFICO (ARTIGO 581, INCISO XV, DO CPP). PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL (ARTIGO 579, DO CPP). INAPLICABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA OU JURISPRUDENCIAL QUANTO AO RECURSO A SER AFORADO ANTE O DECISUM PROLATADO. NÃO CONHECIMENTO.

Não obstante a existência de autorização legal à aplicação do Princípio da Fungibilidade Recursal (art. 579, do Código de Processo Penal), a sua incidência, in casu, resta prejudicada por existir previsão legal de recurso específico da decisão judicial que denega a apelação ou a julga deserta, qual seja, recurso em sentido estrito (artigo 581, inciso XV, do CPP). Deste modo, em face a ausência de qualquer dúvida sobre o recurso correspondente à decisão proferida, a interposição de Carta Testemunhável no caso concreto caracteriza a figura do "Erro Grosseiro", que por si só afasta a incidência do princípio da fungibilidade. (grifos nossos)

 

(TJSC, Carta Testemunhável n. 2013.061466-5, de Xanxerê, rel. Des. José Everaldo Silva, Primeira Câmara Criminal, julgado em 15/10/2013).

 

Nessa mesma linha, veda-se interpor Carta Testemunhável contra decisão que denegou Recurso Especial, hipótese para a qual é previsto o Agravo de Instrumento. Além da existência de previsão legal de outro recurso, não é possível a aplicação da fungibilidade quando o recurso adequado possui requisitos específicos que não são atendidos pelo recurso interposto em seu lugar:

 

AGRAVO REGIMENTAL. CARTA TESTEMUNHÁVEL RECEBIDA NA ORIGEM COMO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ERRO GROSSEIRO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. INAPLICABILIDADE. INSTRUÇÃO DEFICIENTE DO AGRAVO. AUSÊNCIA DE PEÇA OBRIGATÓRIA. ART. 544, § 1º, DO CPC. PROCURAÇÃO. APLICAÇÃO DA LEI N.º 12.322/2010. IRRETROATIVIDADE DE LEI PROCESSUAL.

1. Ausente dúvida de que o recurso cabível contra decisão do Tribunal a quo que inadmite recurso especial é o agravo de instrumento, constitui-se erro grosseiro a interposição, na hipótese, de carta testemunhável. Indevidamente aplicado o princípio da fungibilidade pelo Tribunal de origem. 2. Ainda que fosse possível a aplicação do princípio da fungibilidade, o exame do presente recurso por esta Corte deve ser feito com o mesmo rigor com que são analisados os agravos de instrumento corretamente interpostos. [...] 4. In casu, não foi constatada a juntada aos autos da cópia da procuração outorgada ao advogado do agravante o que demanda o não conhecimento do agravo de instrumento. [...]

 

(STJ - AgRg no Ag: 1424524 SP 2011/0208093-1, Relator: Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), Data de Julgamento: 17/11/2011,  T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/11/2011)

 

Por sua vez, merece destaque o entendimento do doutrinador Aury Lopes Jr. (2015, p. 972), que considera a posição dos tribunais de sujeitar a eficácia do Princípio da Fungibilidade Recursal à inexistência de erro grosseiro uma limitação excessiva, devendo tal princípio ser aplicado da maneira mais ampla possível.

 

[…] Essa construção é um grande limitador da eficácia da fungibilidade, com a qual não concordamos, pois pensamos que não é razoável nem realista.

 

O normal é que a parte interponha o recurso que julgue ser o correto, no prazo que a lei lhe determina. Exigir outra conduta é ilógico, mas infelizmente é assim que muitos tribunais ainda tratam da matéria. Pensamos que a fungibilidade deve ter maior eficácia, afastando-se sua aplicação apenas quando - escancaradamente - a parte estiver usando um recurso manifestamente errado, para remediar a perda do prazo do recurso correto. (LOPES JR., 2015, p. 972)

 

Por fim, para solidificar o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência, a seguinte fundamentação foi utilizada pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que negou provimento ao Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1101745/PI, em decorrência de previsão expressa do art. 581, XV do CPP, para cabimento do Recurso em Sentido Estrito:

 

1. Conforme registrado nas decisões precedentes, não se afigura possível a substituição da interposição de Recurso em Sentido Estrito contra a decisão que não recebeu a Apelação, por Carta Testemunhável, pois tal recurso, em razão de seu caráter subsidiário, somente é cabível quando não esteja previsto em lei outro recurso apto a impugnar a decisão judicial, como se dá na espécie, nos termos do art. 581, XV do CPP.

2. Assim, in casu, a existência de previsão expressa no Código de Processo Penal quanto ao recurso cabível, nos termos de entendimento consolidado nesta Corte Superior, afasta a incidência do Princípio da Fungibilidade Recursal. (grifos nossos)

 

(STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1101745/PI, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 26/10/2010, publicado em 29/11/2010).

 

Tem-se, portanto, que a aplicação da fungibilidade recursal está sujeita, além da ausência de má-fé, à inexistência de erro grosseiro, caracterizado quando não há dúvida objetiva sobre qual é o recurso correto a ser interposto. Nesse diapasão, o erro grosseiro é o “[...] que evidencia completa e injustificável ignorância da parte, isto é, havendo nítida indicação na lei quanto ao recurso cabível e nenhuma divergência doutrinária e jurisprudencial, torna-se absurdo o equívoco, justificando-se a sua rejeição [...]” (NUCCI, 2015, p. 881). Assim, se a lei expressamente prevê o recurso cabível, sem divergências na doutrina e na jurisprudência, não se admite a substituição do recurso adequado por outro, sendo este o entendimento predominante na doutrina e jurisprudência.

Em suma, compreende-se que a Carta Testemunhável, por seu caráter subsidiário, somente é cabível para atacar decisão que denega ou bloqueia o seguimento do recurso interposto quando este tratar-se de Recurso em Sentido Estrito ou de Agravo em Execução, haja vista a lei não prever outro instrumento específico nestas hipóteses.

 

2.      Da estrutura, prazos e procedimento da Carta Testemunhável previstos no Código de Processo Penal e no Regimento Interno do TRF-5

 

A forma de interposição da Carta Testemunhável está prevista no art. 640 do CPP, devendo esta ser requerida ao escrivão ou ao secretário do tribunal nas 48 (quarenta e oito) horas seguintes à denegação do recurso. O requerente deve indicar na petição as peças do processo a serem trasladadas para formação do instrumento.

Quanto ao prazo, Aury Lopes Jr. (2015, p. 1061) possui o seguinte entendimento:

 

Ainda que não seja dito, entendemos que a carta testemunhável deverá ser requerida ao escrivão por escrito [...], no prazo de 2 dias (ainda que o dispositivo estabeleça 48h, os prazos não são computados em horas, portanto, vale a regra dos 2 dias), indicando as peças (formação do instrumento). Esse prazo é contado da data da intimação da decisão que denegou o recurso ou obstou o seu seguimento.

 

O art. 641 e seguintes do Código de Processo Penal descrevem o procedimento desta espécie de recurso. Assim, após o requerimento pela parte testemunhante, o servidor da justiça (escrivão ou secretário do tribunal), ao recebê-lo, dará recibo da petição à parte, devendo entregar a carta devidamente conferida e concertada ao recorrente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias.

 

Justifica-se a interposição ao servidor da justiça, pois é um recurso anômalo, visando ao combate da decisão que não permite o recebimento ou o seguimento de outro recurso de uma das partes. Seria, pois, inócuo apresentar a carta diretamente à autoridade que negou a interposição do primeiro recurso. Poderia fazê-lo de novo, denegando-lhe seguimento, o que iria provocar uma interposição após outra, sem solução. Encaminha-se, então, ao escrivão ou secretário do tribunal, conforme o caso, para que este envie a carta ao tribunal competente a analisá-la, sob pena de responsabilidade funcional. (NUCCI, 2015, p. 849)

 

Nesse sentido, o serventuário deve encaminhar a Carta Testemunhável ao tribunal competente, do contrário, caso se negue a dar o recibo ou, sob qualquer pretexto, deixe de entregar a carta, sofrerá sanção administrativa, ficando suspenso por 30 (trinta) dias (art. 642). Ressalte-se que tal sanção somente será aplicada após o decurso do processo administrativo que apura a conduta do servidor de justiça, respeitado o contraditório e a ampla defesa.

Ademais, se mesmo depois de tomada esta medida, a Carta Testemunhável não for entregue, a parte testemunhante poderá reclamar ao presidente do tribunal ad quem, ao qual caberá avocar os autos para que possa realizar o julgamento da Carta e, também, para impor a sanção ao servidor de justiça.

O art. 643 do Código de Processo Penal estabelece que o procedimento a ser seguido, após extraída e autuada a Carta Testemunhável, será o mesmo do Recurso em Sentido Estrito. Nesta toada, deverá o recorrente apresentar razões no prazo de 2 (dois) dias, intimando-se a parte testemunhada para apresentar contrarrazões em prazo igual. Os autos do recurso serão, então, encaminhados ao juiz para que este possa retratar-se, reformando ou mantendo a decisão que denegou ou impediu o seguimento do recurso. Caso se retrate, receberá o recurso denegado, determinando sua subida ao tribunal ad quem.

Todavia, na hipótese de não haver retratação, as autos da Carta seguirão para o tribunal competente, que mandará processar o recurso ou poderá apreciar, de logo, o mérito da questão abordada no recurso obstado, caso a Carta Testemunhável esteja suficientemente instruída (art. 644 do CPP). A mesma previsão é encontrada no art. 217 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que dispõe sobre a Carta Testemunhável, in verbis:

 

Art. 217. A Turma a que competir o julgamento da carta, se a ela der provimento, mandará processar o recurso ou, se estiver suficientemente instruída, desde logo o decidirá.

 

O procedimento da Carta na instância superior é igual ao estabelecido para o recurso denegado (art. 645 do CPP). No mesmo sentido, o art. 216 do Regimento Interno do TRF-5 prevê que “na distribuição, processo e julgamento da carta testemunhável, requerida na forma da lei processual penal, observar-se-á o estabelecido para o recurso denegado”.

 

3.      Dos efeitos

 

Entende-se que a Carta Testemunhável possui efeito meramente devolutivo, possibilitando a revisão da matéria impugnada pelo tribunal superior. Aury Lopes Jr. (2015, p. 1062) leciona tratar-se de efeito devolutivo misto, por ser “regressivo no primeiro momento e devolutivo propriamente dito no segundo”. É regressivo quando o juiz que prolatou a decisão que denegou ou obstou o seguimento do recurso reexamina sua decisão, podendo retratar-se ou não.

Por vedação expressa do art. 646 do CPP, não possui efeito suspensivo, não impedindo, portanto, o prosseguimento do processo principal.

 

 

Referências Bibliográficas

 

LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 12. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

 

TÁVORA, N.; ALENCAR, R. R. Curso de direito processual penal. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Jus Podivm, 2013.

 

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