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A eficácia e validade da convenção de arbitragem no processo falimentar


Autoria:

Gabriel Del Manto


Advogado, Contencioso Cível e Arbitragem.

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Resumo:

Com o advento da Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005), surgiu a discussão de um novo horizonte que a aplicação da arbitragem, qual seja: a falência da empresa compromissada à convenção de arbitragem,

Texto enviado ao JurisWay em 15/11/2016.

Última edição/atualização em 23/11/2016.



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1.     INTRODUÇÃO

1.1.  O INSTITUTO DA FALÊNCIA NO DIREITO BRASILEIRO

 

O instituto da falência pátrio, outrora regulamentado pela revogada Lei de Falências e Concordatas[1], era traduzido na ausência de pagamento, pelo empresário, sem relevante razão de direito, de obrigação líquida e vencida, constante em qualquer título legítimo para propositura de ação executiva, independente de seu valor[2], o que voltava o direito falimentar a mera liquidação das dívidas dos credores, visando, tão somente, o pagamento do passivo empresarial, ainda que mínimo, e desconsiderando o grau de importância da empresa face aos seus empregados, fornecedores, assim como para a economia e o mercado, como um todo.

Todavia, o viés simplesmente econômico começou a perder sua razoabilidade após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, haja vista a Lei Maior instituir no direito nacional o princípio da função social da propriedade[3], determinando que a propriedade privada, embora resguardada como garantia fundamental pelo texto constitucional[4], deverá ser exercido em observância às finalidades econômicas e sociais, preservando-se o bem comum.

Como não poderia deixar de ser, a alteração da Carta Magna acarretou mudanças na seara cível, pois ainda que tenha sido idealizado antes mesmo da nova constituinte, mas a instituição de um novo Código Civil Brasileiro, em 2002, incorporou, os princípios advindos da Constituição à esfera do direito civil e comercial, tornando expresso no Diploma que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato[5] e que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais, de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas[6]. E no âmbito comercial, o Conselho de Justiça Federal, durante a I Jornada de Direito Civil, expandiu a interpretação da função social às normas relativas à empresa[7], a despeito da falta de referência expressa.

Por conseguinte, o conceito falimentar arcaico anteriormente tido, quando visto sob a óptica proporcionada pelas mudanças legislativas acima comentadas, não fazia jus frente à realidade do direito nacional, face à patente incompatibilidade com os novos princípios constitucionais e direitos fundamentais.

Nesse quadro, por derradeiro, chegamos à Lei de Falências e Recuperação Judicial[8], que veio para modernizar a interpretação dada ao instituto, determinando que a falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa[9]. Portanto, passou-se a compreender que “a falência não é uma sanção de um fracasso na busca do lucro, mas o meio de limitar e de reparar, na medida do possível, e de sancionar o prejuízo causado aos terceiros e à sociedade[10], não podendo visar apenas a mera liquidação da empresa, mas sim buscar a sua recuperação, opção que a nova lei nos fornece, mas, em último caso, minimizar os impactos sociais e econômicos no insucesso empresarial.

 

1.2.  O INSTITUTO DA ARBITRAGEM NO DIREITO BRASILEIRO

 

Com o natural avanço tecnológico, a crescente internacionalização das relações jurídicas passou a necessitar de soluções cada vez mais práticas e rápidas para a resolução de conflitos oriundos dos negócios jurídicos cotidianos, seja pela agilidade de comunicação e informação, nos dias atuais, seja pelo viés econômico, mas necessitando-se, em todo caso, de vias alternativas aos processos e procedimentos judiciais, inclusive por dependerem de burocráticos e abarrotados Judiciários, tanto em aspecto nacional, como internacional.

Nesse diapasão, com a demanda cada vez maior de soluções extrajudiciais inovadoras para os conflitos particulares, surgiu o conceito de arbitragem, como um procedimento pelo qual as partes convencionam expressamente outorgar a um terceiro imparcial (árbitro), de sua mútua confiança, o poder jurisdicional de dirimir as questões e conflitos suscetíveis do objeto do contrato, vinculando-se ao veredito por ele proferido, dotado dos mesmos efeitos de uma sentença judicial, mas não se sujeitando ao crivo do Judiciário, e consequentemente, garantindo de maneira indiscutível a resolução mais célere do litígio.

Seguindo a vanguarda internacional, o Brasil, após diversas reviravoltas no ordenamento jurídico quanto à validade ou não da justiça arbitral, regulamentou e entendeu pela constitucionalidade do instituto na Lei de Arbitragem[11], a fim de possibilitar às pessoas civilmente capazes a adoção de juízo arbitral para decidir questões relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis[12].

Pautada na autonomia da vontade das partes, a Arbitragem apresenta-se como um mecanismo privado e voluntário de solução de litígios, por meio do qual pessoas físicas e jurídicas aptas a contratar, optam, numa relação contratual, por submeter o conflito, no âmbito dos direitos patrimoniais disponíveis (via de regra), à jurisdição arbitral, por consequência afastando a jurisdição estatal.

Apesar das diversas peculiaridades que permeiam o instituto da arbitragem, destacamos os principais elementos caracterizadores desta:

I)                Objeto: limitado aos direitos patrimoniais disponíveis;

II)              Escolha da regra de direito a ser aplicada: partes podem optar por qualquer regra de direito desde que não viole os bons costumes e a ordem pública do ordenamento brasileiro;

III)            Necessidade de expressa menção à poção pela Arbitragem: se aplica à clausula compromissória, que deve ser estipulada por escrito, contendo redação clara e precisa e também ao compromisso arbitral, em que será celebrado por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal.

IV)           Prazo definido para proferimento da sentença arbitral: a lei prevê o prazo de 06 (seis) meses para o término da demanda com a necessária prolação da sentença arbitral, salvo disposição das partes em contrário, podendo haver prorrogação do prazo nos termos do art. 23 da Lei de Arbitragem.

V)             Sentença arbitral que não admite recurso e não precisa ser homologada pelo Poder Judiciário: nos termos dos artigos 18 e 31, ambos da Lei de Arbitragem, a sentença arbitral não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário e, caso seja condenatória, equivale a titulo executivo judicial.

A convenção de arbitragem, forma pela qual a arbitragem é instituída, se configura de duas formas: (i) previa ao surgimento da lide, caso as partes tenham optado por inserir no contrato uma cláusula compromissória (podendo esta ser cheia ou vazia); ou (ii) posterior ao surgimento da lide, quando a decisão de submeterem o conflito à jurisdição arbitral se exterioriza após efetivamente iniciada a disputa, por meio de um compromisso arbitral.

Alguns desses elementos servirão para a análise que seguirá abaixo a respeito da arbitragem e o instituto da falência no Direito Brasileiro.

1.3.  O ENUNCIADO 75, DA II JORNADA NACIONAL DE DIREITO COMERCIAL

 

Apesar da relevância da discussão dos benefícios de se ampliar a desenvoltura do juízo arbitral em caráter nacional, o ponto crucial para o presente artigo encontra-se no fato que, ainda no que concerne às relações de comércio, quando na verificação da falência da parte contratante, muito se discutiu sobre a manutenção dos procedimentos arbitrais contra ela instaurados, ou sua eventual suspensão; sobre a possibilidade de se iniciarem novos procedimentos arbitrais; e se o administrador judicial da massa falida poderia ou não recusar a eficácia da cláusula compromissória pela perda da eficácia do contrato com a falência.

No contexto da crescente discussão doutrinária e na ausência de um posicionamento jurisprudencial uníssono que garantisse segurança jurídica naquelas situações, o Conselho de Justiça Federal, na reunião da II Jornada de Direito Comercial, pacificou o entendimento publicado no enunciado 75[13] daquela convenção, regulamentando que, ainda que sobrevenha falência de uma das partes, procedimentos arbitrais em curso não serão suspensos, e novos poderão ser iniciados, observada a competência do juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia líquida – o que será analisado em um primeiro momento –, e a impossibilidade de recusa do cumprimento da cláusula compromissória pelo administrador judicial, no processo de falência – discutido no segundo momento.

 

2.     A COMPATIBILIDADE DA ARBITRAGEM COM O PROCESSO FALIMENTAR

 

Quando as partes convencionam a arbitragem no momento da assinatura do contrato, não esperam que, no curso do cumprimento do ajuste, uma delas torne-se insolvente e tenha a sua falência decretada ou ainda que, em virtude de uma convenção de arbitragem, estejam as partes em meio a um procedimento arbitral, quando uma delas tenha sua quebra declarada.

Eis que surge a questão: baseado no artigo 1º da Lei nº 9.307, de 1996 – que trata das disposições gerais da arbitragem – tendo uma das partes se tornado insolvente, com sua falência decretada, a impossibilidade de instaurar um procedimento arbitral e a extinção do procedimento arbitral já em curso para remessa ao Juízo Falimentar estaria correta nos termos dos artigos 76 da Lei de Falências e o já revogado artigo 25 da Lei de Arbitragem?

Em breves pinceladas, as alterações à Lei de Arbitragem revogam o artigo 25, que exigia a suspensão da arbitragem e a submissão ao Poder Judiciário de questões relacionadas a direitos indisponíveis ocorridos no fluxo da arbitragem, caso o julgamento do tribunal arbitral estivesse vinculado à decisão no tocante a existência ou não de referidos direitos indisponíveis. A princípio, referida revogação parece permitir que tribunais arbitrais decidam sobre a existência de direitos indisponíveis como uma questão incidental ou preliminar, o que pode ser extremamente perigoso, uma vez que, o próprio artigo 1º da Lei de Arbitragem expressamente proíbe que sejam submetidos à arbitragem litígios relativos a direitos patrimoniais indisponíveis. Fica evidente o provável conflito existente entre a revogação do artigo 25 e o caput do artigo 1º da Lei de Arbitragem, o que provavelmente será muito discutido nos próximos anos.

Ora, dessa maneira, fica ainda mais evidente que eventual procedimento arbitral já em curso não se suspende e novo procedimento arbitral pode ser iniciado, aplicando-se, em ambos os casos, a regra do art. 6º, § 1º, da Lei n . 11.101/2005[14]. Em outras palavras, o processo arbitral deverá ter regular prosseguimento, conforme determina o parágrafo 1º, do artigo 6º da Lei nº 11.101/05, para que seja apurada a existência de eventual obrigação relativa a direitos patrimoniais da falida.

 

2.1.  O AFASTAMENTO DA VIS ATTRACTIVA DO JUÍZO FALIMENTAR PELO PROCEDIMENTO ARBITRAL: INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 76 DA LEI DE FALÊNCIA E INCIDÊNCIA DO ARTIGO 6º, §1º, DA LEI DE FALÊNCIA.

 

A Lei de Falência trata o instituto da Falência como um processo igualitário, isto é, que visa colocar todos os credores na mesma igualdade (pars conditio creditorum). A controvérsia surge a partir deste regime jurídico, questionando se tal fator impediria a massa falida de ser parte em procedimentos arbitrais.

Como visto anteriormente, a arbitragem é adequada para solucionar litígios que envolvam massa falida, contudo, faz-se necessário comentar sobre o principal argumento para a não utilização da arbitragem nesta situação: a incidência do art. 76 da Lei de Falência. Referido dispositivo estabelece o Juízo Falimentar como universal e institui sua vis attractiva, isto é, via de regra, todas as ações que envolvam direitos, bens e obrigações da massa falida devem ser propostas diante do juízo falimentar que é único e indivisível.

Contudo, como bem ensina Donaldo Armelin, tal princípio não incidira nos procedimentos arbitrais, pois a arbitragem não se encarta entre as ações judiciais. Isso porque, no Brasil existe uma diferença clara entre a jurisdição estatal e a arbitragem[15].

A existência ou eventual instauração da arbitragem não traria nenhum prejuízo aos credores, uma vez que todas as ações que demandem quantia ilíquida não são abarcadas pela vis attractiva do juízo falimentar, justamente porque só será declarado o direito das partes com a formação do título executivo. Este entendimento já foi acolhido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no âmbito do AgItm nº 9044554-23.2007.8.26.0000, em que o Des. Pereira Calças proferiu decisão afirmando a inexistência de vis attractiva do juízo falimentar quando a demanda versar sobre quantia ilíquida, por força do artigo 6º, §1º.

Destarte, se as partes tinham plena capacidade jurídica à época da assinatura da convenção e do termo de arbitragem, bem como a capacidade e faculdade de dispor dos bens objeto do procedimento arbitral, não pode o procedimento arbitral ser obstado pela decretação da falência de um dos contratantes.

Portanto, nota-se que o artigo 76 da Lei de Falências não se aplica à arbitragem. Logo, deve-se aplicar o art. 6º, §1º, da mesma Lei, o qual autoriza a sujeição de demandas envolvendo massa falida, que se expressam inicialmente em quantias ilíquidas, ao juízo arbitral.

Ainda, não há que se falar que o Ministério Público deve participar dos procedimentos arbitrais em que figura a massa falida. Isso porque o artigo 4º da Lei nº 11.101, que previa a intervenção do Parquet em demandas propostas em face da massa falida, foi vetado no ano de 2005 e, assim, tal interferência só é necessária em casos extraordinários em que houver interesse público, o que é incompatível com o procedimento arbitral. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu sobre tal matéria consolidando este entendimento[16]

Ante o exposto, entende-se que a decretação da falência de uma das partes, no curso de um processo arbitral ou antes da instauração de um novo procedimento, não gera, via de  regra, a extinção ou a suspensão de referido procedimento, que deverá ter regular prosseguimento, até o seu desfecho. Na eventualidade de ser apurado crédito contra o falido quando finda a arbitragem, deverá o interessado comunicá-lo ao Juízo da Falência, para que concorra com os demais credores, segundo as regras impostas pela Lei nº 11.101, de 2005.

3.     A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E A SUA AUTONOMIA EM FACE DO ADMINISTRADOR JUDICIAL NO PROCESSO FALIMENTAR.

 

O enunciado objeto do estudo, em seu segundo ponto, dita que “o administrador judicial não pode recusar a eficácia da cláusula compromissória, dada a autonomia desta em relação ao contrato”, abrangendo, nessas singela consideração, três institutos diversos, quais sejam: (i) a convenção de arbitragem latu sensu, (ii) a figura cláusula compromissória e sua dita autonomia e (iii) a posição e os papéis do administrador judicial no processo falimentar.

Destarte, nota-se que a Lei de Arbitragem estabelece de pronto que as partes interessadas, desde que civilmente capazes, podem deliberar entregar os seus litígios de caráter patrimonial ao juízo arbitral, mediante a chamada convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral[17]. Em outras palavras, a convenção arbitral é um gênero, determinando de maneira ampla a possibilidade de adoção do procedimento de arbitragem, subdividindo-se, na sua forma, em duas espécies: a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

Em uma apertada síntese, a primeira constitui uma estipulação expressa no contrato, ou em documento apartado que a ele se refira, da intenção das partes em adotar o juízo arbitral[18]. Trata-se, portanto, de hipótese futura e incerta, pela qual as partes, no exercício da autonomia da sua vontade, se comprometem, desde logo, como medida preventiva de interesses, que, em havendo litígio, se submeterão ao juízo arbitral[19], em detrimento do Poder Judiciário.

Já a segunda espécie configura não mais uma situação hipotética, mas sim uma pretensão resistida entre as partes, no presente, quando elas então convencionam a adoção da arbitragem para resolvê-la judicialmente ou extrajudicialmente[20]. Vale dizer, as partes podem tanto subtrair a competência judicial já existente sobre a matéria[21], celebrando o compromisso arbitral por termo, nos autos, assinado por elas próprias, ou por mandatário com poderes especiais[22], ou ainda, se ainda não existir demanda ajuizada, por escritura pública ou particular, assinada apenas pelas partes e por duas testemunhas[23]. Tem-se, dessa maneira, que o compromisso arbitral, ao contrário da cláusula compromissória, é, por si só, um contrato específico, perfeito e acabado, pois diz respeito a um litígio atual e específico[24].

Partindo deste pressuposto, é possível compreender que a cláusula compromissória, enfoque principal para fins do presente estudo, possui natureza jurídica dúplice[25], por ser um negócio jurídico tanto (i) positivo e contratual, pois as partes convencionam a instauração da arbitragem para a solução de conflitos, assim como (ii) negativo e jurisdicional, uma vez que, simultaneamente, afasta-se o crivo e a tutela do Poder Judiciário e do Estado-Juiz para entrega-lo a um árbitro, mediante regras processuais específicas estabelecidas em mútuo acordo, seja já prevendo todos os elementos indispensáveis para a instituição arbitral desde logo (cláusula cheia), ou em deixando em aberto as condições da arbitragem compromissada, a serem estabelecidos quando da aparição da lide (cláusula vazia ou em branco).

Sob essa óptica, percebe-se que a cláusula compromissória, por sua própria natureza, configura verdadeiro contrato acessório ao pacto principal, porém excepcionando a regra geral[26] (acessorium sequitur principale), pois, ao estabelecer as diretrizes processuais para dirimir questões daquele próprio acordo de vontades, ela revela possuir caráter autônomo àquele primeiro negócio jurídico, especialmente, pois determinará como julgá-lo. Em outas palavras, caso o contrato principal perca a sua eficácia, o mesmo não poderá ser dito sobre a cláusula compromissória, que permanece em vigor.

Superada essa questão, de rigor ressaltar, antes de confrontar os pontos, que, um dos primeiros efeitos da falência é o desapossamento do mau-administrador da gestão e disposição de seus bens e negócios, substituindo-lhe pela pessoa do administrador judicial[27]. Dentre as competências do administrador judicial, encontra-se a decisão quanto ao cumprimento ou não dos contratos bilaterais firmados pelo falido, que ainda se encontrem em curso, em atenção aos princípios da maximização do ativo do devedor, com a anuência do comitê de credores[28].

Ora, como dito, a cláusula compromissória possui autonomia ao contrato principal; ao administrador judicial, cabe cumprir ou não os contratos bilaterais outrora firmados pelo falido, porém, ainda que o pacto perdesse sua eficácia em decorrência da falência de uma das partes, sendo independente a convenção arbitral, não lhe é possível que recuse o seu cumprimento, e sequer precisaria da autorização do comitê, ou do Poder Judiciário, justamente por sua natureza jurídica, e por se tratar de um ato jurídico perfeito e acabado, realizado em momento no qual a empresa encontrava-se solvente e em plena disposição de seus bens, não se aplicando à cláusula compromissória a regra geral do artigo 177 da Lei de Falências e Recuperação Judicial, na ocorrência de sua quebra. Pelo contrário, cumpre dizer, em havendo tal imposição, deverão coexistir as jurisdições estatal e particular.

Sobre o tema, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já se manifestou favorável ao entendimento compilado no enunciado em análise[29], afastando o entendimento de correntes jurisdicionais que afirmavam pela eficácia contida da cláusula compromissória, até o surgimento do conflito, e que somente quando instaurada a lide, poderia ser apurada a disponibilidade de direitos da parte contratante, ficando afastada da convenção arbitral no caso do decreto de falência[30]

 

4.     CONCLUSÃO

 

Com base nos estudos desenvolvidos, conclui-se que, não apenas o enunciado em tela, mas as duas jornadas realizadas defrontam questões oriundas de lacunas da legislação, buscando soluções céleres e eficazes a estas problemáticas, a fim de nortear as decisões judiciais que confrontam tais situações, e aprimorar a tutela jurisdicional, prevalecendo a vontade manifestada pelas partes, em consonância com os princípios constitucionais.

Tanto por isso, parece-nos razoável que, ainda que na crise da empresa, com o decreto de falência, mantenha-se a convenção arbitral, ampliando o acesso à jurisdição, mas não lhe impondo que essa seja, necessariamente, estatal, dando forças aos meios alternativos de resolução de conflitos, assim como à celeridade e economia processual, mesmo que no âmbito privado de jurisdição, desafogando a Máquina Judiciária – ainda mais no que verse sobre processos falimentares, em regra, demasiadamente morosos – e trazendo, inclusive, uma maior eficácia na pacificação social dos conflitos.

5.     BIBLIOGRAFIA

 

 

 

 

ARMELIN, Donaldo; “A Arbitragem, a falência e a liquidação extrajudicial”; in Revista de Arbitragem e Mediação; Revista dos Tribunais.

 

BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Recuperação de Empresas e Falências. 10 ed. Rev., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

 

BORDA, Daniel Siqueira; FEIJÓ, Ricardo de Paula. A arbitrabilidade de questões envolvendo massa falida. Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, n.º 68, Curitiba, outubro de 2012.

 

CARMONA, Carlos Alberto; “Arbitragem e Processo – Um comentário à Lei nº. 9.307/96”; 3ª Edição; Editora: Atlas; p. 38.

 

Diniz, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 3,2002. São Paulo: Ed. Saraiva.

 

FIÚZA, César, Teoria geral da arbitragem, 1995, Ed. Del Rey, pg. 90.

 

JÚNIOR, Joel Dias Figueira Júnior. Manual da Arbitragem . São Paulo: Editora Revista dos   Tribunais, 1997. p. 231

 

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 37ª ed., v.4, São Paulo: Saraiva, 2012

 

PENTEADO, Mauro Rodrigues; in Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência; Coordenação de Souza, Francisco Satiro Junior e Pitombo, Antônio Sérgio A. de Moraes; Editora: Revista dos Tribunais; p. 138.

 

SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. Tratado de Direito Falimentar, 1ª Ed. Rio de Janeiro, RJ. Forense, 2008.

 

 

 



[1] Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945.

[2] Artigo 1º, do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945.

[3] Artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal de 1988.

[4] Artigo 5º, inciso XXII, da Constituição Federal de 1988.

[5] Artigo 421, do Código Civil Brasileiro de 2002.

[6] Artigo 1.228, §1º, do Código Civil Brasileiro de 2002.

[7] Enunciado 53, da I Jornada de Direito Civil, do Conselho de Justiça Federal: “53. Art. 966 – deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa”.

[8] Lei 11.101, de 9 de Fevereiro de 2005.

[9] Artigo 75, Lei 11.101, de 9 de Fevereiro de 2005.

[10] SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. Tratado de Direito Falimentar, 1ª Ed. Rio de Janeiro, RJ. Forense, 2008.

[11] Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

[12] Artigo 1º, da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

[13] Enunciado 75 da II Jornada de Direito Comercial do Conselho de Justiça Federal: “75. Havendo convenção de arbitragem, caso uma das partes tenha a falência decretada: (i) eventual procedimento arbitral já em curso não se suspende e novo procedimento arbitral pode ser iniciado, aplicando-se, em ambos os casos, a regra do art. 6º, § 1º, da Lei n. 11.101/2005; e (ii) o administrador judicial não pode recusar a eficácia da cláusula compromissória, dada a autonomia desta em relação ao contrato”.

[14] Enunciado 75 da II Jornada de Direito Comercial

[15] A arbitragem, a falência e a liquidação extrajudicial, Revista de Arbitragem e Mediação, v. 13, abr-jun/2007.

[16] “"se o interesse público primário, via de regra, está presente em todos os processos de falência, tornando indispensável a atuação do representante do Ministério Público, o mesmo não se pode dizer de todas as demais ações em que figurar a massa falida, seja como autora, seja como ré, porquanto, em boa parte das vezes, apenas se discutirão meros interesses econômicos dos credores (...)" (EDcl no REsp nº 235.679 - SP, Rel. Min. Castro Meira)

[17] Artigos 1º e 3º, ambos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

[18] Artigo 4º, caput e §1º, da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

[19] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol.3, op. cit. pg. 533.

[20] Artigo 9º, da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

[21] DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, Op. cit. pg. 531.

[22] Artigos nº 851 e 661,§2°, do Código Civil Brasileiro; artigo 105, do Novo Código de Processo Civil; e artigo 9º, §1º, da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

[23] Artigo 851, do Código Civil Brasileiro; e artigo 9, §2º, da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

[24] FIÚZA, César, op. cit. pg. 109 e SILVA, José Anchieta, op. cit. pg. 25.

[25] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à lei 9.307/96. 3ª ed. São Paulo: Atlas: 2007

[26] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 37ª ed., v.4, São Paulo: Saraiva, 2012

[27] Artigo 13, da Lei nº 11.101, de 9 de Fevereiro de 2005.

[28] Artigo 177, da Lei nº 11.101, de 9 de Fevereiro de 2005.

[29] Vide leading case Saúde ABC v. Interclínicas, STJ, Medida Cautelar nº 14.295/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 09.06.2008: “O primeiro aspecto a ser ressaltado é que a cláusula compromissória foi firmada pelas partes antes da decretação da liquidação extrajudicial da INTERCLÍNICAS, oportunidade em que esta detinha capacidade plena para contratar, tendo então optado por sujeitar à arbitragem a resolução de direitos patrimoniais disponíveis, concernentes à transferência de sua carteira de clientes. (...) Não há, pois, dúvida alguma acerca da validade da cláusula compromissória na espécie.”. Vide também decisão proferida em 2013 no caso Jutaí 661 v. P S I Comércio, em que o STJ afirma a compatibilidade entre o juízo da falência e a arbitragem, STJ, REsp nº 1.277.725/AM, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 12.03.2013: “Admite-se a convivência harmônica das duas jurisdições – arbitral e estatal –, desde que respeitadas as competências correspondentes, que ostentam natureza absoluta”.

[30] TJSP, 6ª Câmara de Direito Privado, AI nº 658.014-4/2-00.

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