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Uma reflexão sobre a educação brasileira: direito fundamental do cidadão


Autoria:

Vinícius Pomar Schmidt


Advogado e conciliador judicial, graduado em Direito pela PUC/GO, pós-graduando em Direito Constitucional no Instituto Brasiliense de Direito Público, possui curso de extensão em Psicanálise e Literatura. Pesquisador em Direito e Literatura.

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Resumo:

Propõe-se uma análise interdisciplinar sobra educação e ensino jurídico, defendendo que a prática educacional, quando encarada somente em seu viés mercadológico, é contrária aos avanços trazidos pela Constituição Federal.

Texto enviado ao JurisWay em 07/11/2016.



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INTRODUÇÃO                                 

A sociedade hodierna é marcada por avanços científicos e tecnológicos, que caminham em concomitância com uma preocupação cada vez maior com a afirmação dos Direitos Humanos, cenário corroborado pelos acontecimentos históricos que marcaram o Século XX. Os traumas do citado período influenciaram de maneira significativa a produção intelectual e científica, devendo-se destacar, para a presente pesquisa, a interação resultante na Escola de Frankfurt e os chamados estruturalistas, que difundiram suas obras em constante diálogo com variados ramos do conhecimento.

Neste ínterim, forma-se, em torno das pesquisas jusfilosóficas, algumas correntes de pensamento com o escopo de analisar o novo paradigma instaurado, e, notadamente, discorrer sobre a relação entre Direito e Moral. Deve-se destacar, a título introdutório a corrente neoconstitucionalista (com inspiração na teoria de Robert Alexy e outros), encabeçada no Brasil por juristas como Luís Roberto Barroso e Daniel Sarmento; por outro lado, os defensores do chamado Constitucionalismo Contemporâneo (influenciados pela hermenêutica filosófica de Gadamer, a ontologia de Heiddegger, a integridade de Dworkin entre outros), devendo-se destacar nesta vertente o jurista Lenio Luís Streck, Jacinto Miranda Coutinho e André Karam Trindade.

Em meio a esta configuração, a Educação é entendida, cada vez mais, como o principal veículo de afirmação do Estado Democrático de Direito, não como a salvadora das mazelas do país, mas sim como elemento primário na tão sonhada emancipação política.

Neste contexto, a Constituição Federal do Brasil de 1988 é considerada dentre o rol de cartas político/jurídicas avançadas democraticamente, ao passo que discorre com veemência acerca do conteúdo aludido.

Não obstante aos fatos supramencionados, mantém-se uma ordem social marcada por desigualdade e violência, corroborada pelo retrocesso que uma Educação exclusivamente mercadológica pode trazer a este paradigma, destacando que o ensino do Direito segue caminho paralelo.  

O trabalho abordará a estreita relação entre Direito e Educação, sob a égide de que uma Educação eficaz passa pelo crivo de um aparato legal preparado neste sentido. Em vista disso, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe sobre o tema em variados dispositivos legais. Em primeiro lugar, coloca-se em destaque uma breve explanação acerca do Direito Educacional, ramo da ciência Jurídica que tem o escopo de analisar as normas que regulam a relação entre educandos, educadores, gestores e demais envolvidos neste processo.

Não obstante aos avanços propostos pelo novo ordenamento jurídico, percebe-se uma contradição no campo da efetivação da participação política e da diminuição da desigualdade social por meio da Educação, visto que apesar da importância dada ao processo educacional, mantém-se uma conjuntura que acaba por excluir parte da população deste processo. Sob a égide dessas afirmações, a Educação continua como o prelúdio às variadas melhorias da sociedade, porém, esbarra na visão mercadológica que a coloca como mero ingresso ao mundo do consumo. Esse arranjo é o principal mantenedor do “status quo”, e o grande empecilho à efetivação das garantias que a Constituição Federal traça.

Dessa forma, a efetivação de garantias constitucionais depende de uma educação que prepare cidadãos críticos, que não se rendem aos meandros e joguetes da manipulação política. Esse é o prelúdio indispensável à configuração de uma Democracia realmente efetiva, não obstante à indeterminação deste conceito. Com esteio na Filosofia, o trabalho abordará a posição de autores que discorreram sobre o tema, aplicando suas ideias na realidade do Brasil atual. 

O trabalho buscará analisar problemas sociais que marcam o Brasil da atualidade, por meio de um aprofundamento na questão educacional e seus reflexos na seara dos Direitos previstos na Constituição Federal. O intuito basilar de um trabalho filosófico é o despertar de uma nova visão, a aurora de uma nova configuração educacional livre de dogmas e preconceitos.

 

 

1. O DIREITO EDUCACIONAL

Ao afirmar a educação como Direito Fundamental ao ser humano, gera-se uma preocupação geral sobre o modo de agir do Estado na efetivação desta garantia constitucional, sob esta égide, estudiosos de diversas áreas dedicam-se ao estudo da melhor forma de organizar o aparelho educacional de um país. Destarte, é mister frisar o surgimento de um novo ramo da ciência jurídica que tem como escopo estudar as relações entre a atividade jurídica estatal e a educação: o Direito Educacional.

Esta nova disciplina busca espaço dentro das Universidades, visto que a educação atual é considerada um problema a ser resolvido, instigando pesquisas e colocando este tema como de extrema importância e relevância nas melhorias da vida em conjunto.

Uma das características do Direito Educacional é a interdisciplinaridade, visto que pensar a educação de um país pressupõe, mesclar com o Direito, áreas distintas como a Filosofia, Pedagogia, Sociologia, Psicologia, entre outras. Um dos defensores desta natureza híbrida do Direito Educacional é o doutrinador Renato Alberto Di Dio que assim conceitua este ramo dos estudos jurídicos:

Conjunto de normas, princípios, institutos juspedagógicos, procedimentos e regulamentos, que orientam e disciplinam as relações entre alunos e/ou responsáveis, professores, administradores educacionais, diretores de escolas, gestores educacionais, estabelecimentos de ensino e o poder público, enquanto envolvidos diretamente ou indiretamente no processo de ensino-aprendizagem, bem como investiga as interfaces com outros ramos da ciência jurídica e do conhecimento. (DI DIO apud JOAQUIM, 2009, p.113).

 Pode-se dizer que a educação no Brasil tem sua origem no período da colonização, quando a chegada dos Portugueses ao país trouxe a necessidade de educar os indígenas com as características culturais da metrópole, tarefa essa realizada pelos jesuítas. Esse modelo educacional se estendeu pelo país e perdurou durante muito tempo na Colônia, com o escopo principal de propagar a fé cristã aos povos subordinados. RIBEIRO corrobora “que a organização escolar no Brasil-Colônia está, como não poderia deixar de ser, estreitamente vinculada à política colonizadora dos portugueses.

Após esse período, com a independência do país e a posterior proclamação de República, surgem grandes mudanças no sistema educacional do Brasil. Contudo, sob o aspecto do Direito Educacional, entende-se que a relação entre essas duas áreas do conhecimento tem um advento recente. (RIBEIRO, 2001, p. 18)

A relação do Direito com a Educação no Brasil passa a ser estudada, como um novo ramo de estudo dos juristas, a partir da segunda metade do século XX, com mais efetividade na década de 1970, quando alguns estudiosos da área se reuniram no 1º Seminário de Direito Educacional, que aconteceu com o apoio da Unicamp. A doutrina que estuda este recente ramo da ciência jurídica tem como principais nomes Renato Alberto Teodoro Di Dio, Lourival Vilanova, Guido Ivan de Carvalho, e outros tantos que se dedicam na pesquisa dessa preciosa ferramenta que é a educação. Dar autonomia ao Direito Educacional significa reconhecê-lo como uma disciplina jurídica de alcance social, buscando contribuir para as melhoras do país no campo educacional. (JOAQUIM, 2009, p. 105).

Não obstante às constantes discussões sobre o tema, muitas delas rasas e sem fundamento, não se deve esquecer que os avanços da sociedade são condicionados ao nível educacional da população que a compõe. Por consequência uma Educação eficiente é fruto de um trabalho minucioso e insistente, que envolve uma participação ativa de todos os envolvidos. Pode-se concluir que um país se emancipa politicamente, na medida em que são formados, através da educação, cidadãos críticos e cientes de seus direitos e obrigações. A educação serve não apenas ao crescimento intelectual, mas também como veículo de melhorais globais e constrangimento.

Por este motivo, relacionar o Direito com a Educação exige uma análise do modo como o brasileiro enxerga o processo educacional. (JOAQUIM, 2009, p. 122). Merecendo o trabalho, como será visto mais adiante, uma breve base sociológica sobre a postura do brasileiro em relação à educação.

O Direito Educacional também se relaciona com outra área do conhecimento que será abordada com mais ênfase durante o presente trabalho: a Filosofia. É necessário enfatizar a importância desta esfera do conhecimento a todos aqueles envolvidos no processo educacional, desde o legislador que versa sobre o assunto até o educando. O ilustre doutrinador da seara jurídico/educacional Nelson Joaquim observa a divisão das áreas do conhecimento da seguinte maneira:

A autonomia dos ramos do conhecimento, historicamente, ocorreu da necessidade de subdividir-se a filosofia. Esta desmembrou-se em estudos autônomos como, por exemplos, Astronomia com Copérnico, a Física com Galileu e Newton, a Biologia com Lamarck, a Química com Lavoisier, a Sociologia com Augusto Comte e a Psicologia com William James, Bérgson, Freud e outros. Surgem, assim, as especializações nos diferentes ramos do conhecimento.  (JOAQUIM, 2009, p.108).

Ainda sobre a necessidade de um olhar holístico do Direito, DALLARI, em seu livro intitulado “Direitos humanos e Cidadania”, afirma que:

De fato, se no mundo contemporâneo até as ciências rompem fronteiras com a criação das chamadas ciências híbridas, também os estudantes precisam ampliar o olhar além dos enfoques precisos de uma determinada disciplina, descobrindo a complementaridade entre as áreas do saber. (DALLARI, 2004, p. 03)

Pelos motivos acima expostos é visível que o Direito tem um importante papel na configuração educacional do país, confirmado pelo Direito Educacional, ramo jurídico com relevante importância dentro deste contexto. Por este motivo, o trabalho traçará as relações entre as áreas do conhecimento acima expostas, na tentativa de buscar melhorias no aparato educacional brasileiro.

A interdisciplinaridade do Direito confirma a necessidade de uma visão ampla ao analisar questões sociais como a educação, Barroso ensina que “a interdisciplinaridade, que colhe elementos em outras áreas do saber – inclusive os menos óbvios, como a psicanálise ou a linguística – tem uma fecunda colaboração a prestar ao universo jurídico”. É sob esta égide que diversos estudiosos, de áreas distintas, analisam a educação do Brasil, buscando melhorias. (BARROSO, 2001, p. 21).

Nesse estudo, é interessante frisar o aprofundamento que a Filosofia proporciona no momento de investigar problemas sociais, no caso em questão, o da formação educacional. BOBBIO assim preceitua sobre a questão: “O problema filosófico dos direitos do homem não pode ser dissociado do estudo dos problemas históricos, sociais, econômicos, psicológicos, inerentes à sua realização: o problema dos fins não pode ser dissociado dos problemas dos meios.” (BOBBIO, p. 24, 2004).

 

2. A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Carta Magna brasileira de 1988, apelidada de Constituição Cidadã, é considerada o marco da redemocratização do Brasil, por trazer em seu bojo a garantia dos Direitos Fundamentais como um meio de tornar a vida em sociedade mais justa e igualitária. No cenário pós-bélico as garantias fundamentais ganham normatividade, e pode-se dizer, amparado em Habermas, que há uma origem em comum entre o Direito e a Moral, este local é a Constituição – que possui força normativa (Konrad Hesse).

Nessa ordem, a Constituição da República Federativa do Brasil é entendida como bastante avançada no aspecto da busca pela concretização de seus objetivos primordiais. Flávia Piovesan entende que “a partir dela, os Direitos Humanos ganham relevo extraordinário, situando-se a Carta de 1988 como o documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos humanos jamais adotado no Brasil”. (PIOVESAN, p. 86). José Afonso da Silva também confirma a importância dos avanços constitucionais previstos na Lei Maior brasileira:

É um texto moderno, com inovações de relevante importância para o constitucionalismo brasileiro e até mundial. Bem examinada, a Constituição Federal, de 1988, constitui, hoje, um documento de grande importância para o constitucionalismo em geral. (DA SILVA, p. 89, 2012).

Os avanços humanísticos contidos nesta Magna Carta são caracterizados também pela superação do período ditatorial do Regime Militar no Brasil, buscando garantir, logo em seu primeiro artigo, a cidadania e a dignidade da pessoa humana como Fundamentos da República. O atual constitucionalismo marca a positivação dos Direitos Humanos, configurando o Estado como promotor dessas prerrogativas, e a Constituição como a Lei responsável por elencar tais garantias.

Visa-se, dentro dessa nova realidade, não apenas atrelar o constitucionalismo à ideia de limitação do Poder Político, mas, acima de tudo, busca-se a eficácia da Constituição, deixando o texto de ter um caráter meramente retórico e passando a ser mais efetivo, sobretudo diante da expectativa da concretização dos direitos fundamentais.(DA SILVA,2012, p. 89).

Dentre essas garantias que a Constituição prevê, encontra-se a Educação, entendida como um Direito Fundamental ao ser humano. Essa percepção é certificada, pois a vontade de aprender é uma característica encontrada no indivíduo desde o momento de seu nascimento. A curiosidade diante do novo é a garantia de que a criança busca, desde a mais tenra idade, compreender sua incerta posição. O ser humano busca o aprendizado desde o momento em que inserido (dasein) no mundo da vida, e se aprimora a partir de toda e qualquer relação com este (pré-compreensão), seja com os livros, filmes, discos, e, notadamente, com o outro (mitsein e o devir-outro de Deleuze).  

Cediço que a educação é dividida entre aquela desenvolvida no seio afetivo, em que os próprios familiares estabelecem regras de condutas, baseadas em princípios éticos, morais e religiosos; e aquela “formal”, direito de todos e dever do Estado. Por isto, o objeto deste trabalho é analisar a Educação em seu aspecto formal, na garantia que os cidadãos tenham, por dever estatal e direito coletivo, o acesso a uma formação educacional de qualidade. 

Neste sentido, a Constituição de 1988 eleva a educação ao patamar de Direito Social, elencado entre os direitos de 2º Geração, corroborando que a formação educacional é “direito de todos e dever do Estado”, e que esta necessita de positivação, de um aparato legal eficiente que garanta a todos os cidadãos, a efetivação deste Direito tido como fundamental. (DA SILVA,2012, p. 89)

Por conseguinte, os Direitos Sociais se efetivaram dentre o rol dos Fundamentais, através da luta do ideal marxista e, principalmente, depois das Revoluções Industriais, diante da crise do liberalismo clássico, José Afonso da Silva entende os direitos sociais como:

Prestações proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. (DA SILVA, 2000, p. 289).

Todo esse aparato legal tem espeque, com fulcro no contexto histórico já exposto, nas mudanças decorrentes da segunda metade do Século XX, e nas inovações tecnológicas, que avançam desvairadamente. Outra marca substancial, que influencia o ordenamento jurídico supramencionado, é a facilidade de comunicação entre pessoas de variados lugares do planeta, gerando um cosmopolitismo, e alterando nos juristas a visão de soberania estatal. CANDAL argumenta a favor de uma Educação que tenha foco nessa nova configuração social, resultado de todo este processo histórico já mencionado, sob esta égide explana que:

A perspectiva intercultural que defendo quer promover uma educação para o reconhecimento do “outro”, para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Uma educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas. A perspectiva intercultural está orientada à construção de uma sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade. (CANDAL, 2008, p. 52)

 

Cabe lembrar que os Direitos Sociais têm aplicação imediata, exercem a função de concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial e social na busca de melhores e adequadas condições de vida. (LENZA, 2014, p. 1182). Pelos argumentos acima expostos, fica claro que a Educação do Brasil é atrelada ao Direito e, consequentemente, à Constituição Federal, que além de efetivá-la como Direito Social.

 

3. A EDUCAÇÃO MERCADOLÓGICA NO SENTIDO OPOSTO DOS AVANÇOS CONSTITUCIONAIS

Eis que surge a concepção de que a hodierna educação brasileira é encarada mormente sob o aspecto mercadológico, defende-se, pois, que há uma preocupação, exclusiva, em educar os cidadãos no intuito de ingressá-los no mercado de trabalho, com a maior celeridade possível. Sobre este ponto, Aristóteles, em sua obra “Ética a Nicômaco” entende que:

Quanto à vida dedicada a ganhar dinheiro, é uma vida forçada, e a riqueza não é, obviamente, o bem que estamos procurando: trata-se de uma coisa útil, nada mais, e desejada no interesse de outra coisa. (ARISTÓTELES, 2001, p. 14).

A apreensão desta ideia vem da pressa com que o aluno é formado, corroborada pela pressão que a família e o próprio ambiente escolar exercem no educando, para que ele escolha, no menor tempo possível, a profissão que irá seguir. O critério de escolha profissional na maioria das vezes é embasado no aspecto econômico, suprimindo, em diversas situações, os próprios gostos do estudante. Por este motivo o Direito também deve ter como objeto de estudo, analisar a visão ideológica daquele que faz e aplica a lei que trata deste assunto. Norberto Bobbio argumenta no seguinte sentido:

No campo do direito à participação no poder, faz-se sentir na medida em que o poder econômico se torna cada vez mais determinante nas decisões políticas e cada vez mais decisivo nas escolhas que condicionam a vida de cada homem – a exigência de participação no poder econômico, ao lado e para além do direito (já por toda parte reconhecido, ainda que nem sempre aplicado) de participação no poder político). (Bobbio, p. 33, 2004)

 

Estudar a educação do Brasil, e pensar formas de elevar sua qualidade e abrangência, consoante o disposto na Constituição Federal, demanda um olhar filosófico sobre a questão. Imperioso trazer à luz opiniões de filósofos que se dedicaram a estudar a educação de seu país. À vista disso, o trabalho do filósofo alemão Friedrich Nietzsche será abordado com mais ênfase no decorrer do trabalho, no entanto é interessante inaugurar a problemática com o seguinte aforismo, que o autor exibe em seu livro chamado “O Crepúsculo dos Ídolos”:

E por toda parte reina uma pressa indecorosa, como se alguma coisa houvesse se perdido se o jovem ainda não estivesse pronto aos 23 anos, se ainda não soubesse responder à “pergunta capital”: qual profissão? – homens de um tipo superior, se permitem dizê-lo, não gostam de profissões, precisamente porque sabem que têm vocações...) (NIETZSCHE, 2009, p. 71,72).

Compreender a educação de maneira filosófica seria então uma forma de buscar a raiz da dificuldade que se encontra na real efetivação desta garantia elencada na Carta de 1988, este fato é de notória importância ao concluir que a educação atual é vista sob o aspecto mercadológico, na tentativa de trazer somente melhoras econômicas ao indivíduo e ao Estado.

A Filosofia é a ferramenta de aprofundamento nas questões de ordem social, é o não contentamento, como discorre Warat: “Falo de uma filosofia do Direito como atividade criadora de uma consciência antecipatória: a utopia concreta da transformação, a espera de um futuro melhor e possível.” A Filosofia é uma forma de questionar o modelo educacional do país e buscar melhoras. Portanto, para compreender os meandros da problemática que envolve o aparelho educacional de um país, e relacioná-los com outras mazelas sociais, é importante destacar a opinião de filósofos que dedicaram parte de seus estudos à compreensão deste tema.   (WARAT, 1994, p. 107).

O problema da educação de cunho mercadológico decorre do fato de não alertar e preparar as pessoas para a compreensão dos acontecimentos do meio político, alienando-as com discursos eruditos e aumentando cada vez mais o vácuo entre o cidadão comum e o representante estatal. Essa constatação não se posiciona no sentido dos avanços constitucionais previstos no ordenamento jurídico brasileiro. A Educação e o Direito devem caminhar juntos com o enfoque de aproximar a sociedade dos objetivos fundamentais traçados com o pacto social de 1988.

Como ensina BOBBIO “o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protege-los.” Essa afirmação se encaixa no presente trabalho no sentido de que é notório que a Educação brasileira se torna um problema a ser resolvido, mesmo com sua importância provada e positivada na Constituição Federal, ela ainda permanece ineficiente e pouco discutida com profundidade no senso comum. (Bobbio, p. 25, 2004).

Diante dessas afirmações é visto que o poder de mudança emana do próprio cidadão, diante da titularidade do Poder Constituinte e do acômodo de parte dos detentores de cargos políticos. Isso significa que os próprios cidadãos precisam ter a ciência da importância e das garantias que a Constituição Federal lhes proporciona, essa perspectiva é o passo inicial das melhorias sociais e da mudança na hierarquia dos valores, que estabeleceu que o aspecto financeiro ultrapassa todo e qualquer outro valor.

O cidadão não tem acesso a essas inovações legais, e também por isso fica alheio aos acontecimentos sociais. Neste ponto encontra-se a problemática do trabalho, pois o modo como a Educação brasileira é encarada, mantém a desigualdade e não proporciona que as pessoas construam uma visão política autêntica da realidade atual.

Essa concepção tem como aurora a redução da educação à mera formação e consumo de capital, já corroborada pela mudança na hierarquia de valores da contemporaneidade, este paradigma resulta naquilo que Foucault descreveu como a “construção da verdade através do discurso”, ou seja, o distanciamento entre o cidadão e seu representante (o que é corroborado por uma organização eleitoral deficiente, que impede a afirmação da relação entre representante e representado). (FOUCAULT, 1996, p. 08)

O renomado jurista Miguel Reale assegura a aproximação do Direito com a Filosofia ao estabelecer sua Teoria Tridimensional. Para ele, o jurista ao analisar o papel da ciência jurídica na solução dos conflitos, deve levar em conta não somente a norma, mas também o fato ocorrido e o valor do acontecimento. Uma abordagem filosófica na busca de melhorias na sociedade a partir do cerne do problema, neste sentido, assim preceitua Reale:

Vê-se, pois, que a Filosofia representa perene esforço de sondagem nas raízes dos problemas. É uma ciência cujos cultores somente se considerariam satisfeitos se lhes fosse facultado atingir, com certeza e universalidade, todos os princípios ou razões últimas explicativas da realidade, em uma plena interpretação da experiência humana; mas, nas vicissitudes do tempo, tal paixão pela verdade sempre se renova; surgem teorias, sistemas, posições pessoais, perspectivas diversas, em um dinamismo que nos é conatural e próprio, de maneira que a universalidade dos problemas não pode contar com resultados ou soluções todos universalmente válidos. (REALE, 1969, p. 07).

Conclui-se que ao estabelecer a ligação inconteste entre Direito e Filosofia, é mister que o jurista atuante e em formação deva conhecer essa relação, e utilizá-la como apoio na aplicação e interpretação das Leis, e na busca por melhorias na sociedade.

 

4. O DIÁLOGO ENTRE AS OBRAS DE BOURDIEU E FOUCAULT E SUA APLICAÇÃO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

O conceito de política foi alterado aos poucos no decorrer da história, transformando-se em fonte de exercício de poder e prevalência de determinados grupos, armando um cenário de descaso, preconceito e insegurança. Esse panorama indica o oposto do que o ordenamento jurídico pátrio explana, visto que o Brasil possui atualmente uma Constituição Federal pautada em princípios humanistas, que estampa com veemência o bastião da participação política democrática.

Observa-se a distorção do conceito de Política que caracteriza o atual descaso de ambas as partes responsáveis pelas melhoras sociais: os representantes políticos através do Princípio da Representação, e o “povo” por meio do Estado Democrático de Direito. Esse choque de posições marca muitas das mazelas que compõe a vida contemporânea, já que o cidadão se sente incapaz de mudar perante a complexidade da situação, e alguns representantes estatais se acomodam diante das regalias recebidas.

5. A EDUCAÇÃO EM FOUCAULT

Michel Foucault contribuiu com seu pensamento em diversas áreas do conhecimento, inclusive Direito e Educação, com os argumentos pautados em seus estudos sobre o exercício de poder nas instituições públicas. Dentro da atual divisão da Filosofia Jurídica proposta por Mascaro, o francês se encontra dentre os “não positivistas não marxistas”, justamente por analisar o Direito dentro das complexas relações entre os “discursos” apresentados, e por se afastar do pensamento materialista e utópico de Karl Marx. (MASCARO, 2012, p. 428)

Foucault atenta seu leitor sobre a possibilidade que um discurso tem de “docilizar” a opinião da população, manejando-as para o exercício de poder que busca o privilégio de determinado grupo. Foucault estabelece também uma divisão da “pretensão punitiva do Estado” a partir de uma análise histórica da mudança da punição corporal (suplício) para a ideológica (presídios).

A humanização das penas, decorrida da superação do suplício corporal, corroborada pelos trabalhos de Cesare Beccaria, marca o surgimento da punição ideológica e da classificação do criminoso como “louco”. O presídio se torna neste momento, sob a luz da filosofia foucaultiana, uma instituição de dominação e propagação de poder, “docilizando corpos” e adequando indivíduos aos interesses de alguns. Na concepção de Foucault, diversas instituições sociais possuem a característica de moldar condutas, através da uniformização e observação constante, aos moldes do sistema prisional elaborado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham, o “panótipo”. (FOUCAULT, p. 17, 1996)

Importante lembrar a importância do conceito de razão instrumental desenvolvido pela Escola de Frankfurt, conceito que golpeia com assaz sagacidade o pensamento da modernidade filosófica a partir do cogito cartesiano, e situando a contemporaneidade em outro paradigma. Como não lembrar também das obras de Arendt; e os autores da filosofia da linguagem, surgidos sob a égide do giro ontológico linguístico.

Com a liquidez da sociedade pautada no consumo, instaura-se uma conjuntura que visa a produção a qualquer custo, surgindo a necessidade de fiscalização, observação, padronização. Foucault denomina esta situação de “sociedade disciplinar”, pois precisa-se disciplinar as pessoas para que produzam muito, com eficiência e obediência.

Trazendo essas ideias à luz da esfera educacional, entende-se que as instituições fogem de sua função principal, ao ter como escopo apenas produzir capital e consumi-lo. A importância primordial das ideias deste autor no presente trabalho é no sentido de que, a Educação, ao ser entendida sob o único enfoque financeiro, pode se tornar um meio de propagação de ideias já impostas, impedindo que muitos cidadãos construam sua própria posição política sobre a realidade social.

O que importa mesmo é, junto com Foucault, tentarmos encontrar algumas respostas para a famosa questão nietzschiana – que estão (os outros) e estamos (nós) fazendo de nós mesmos? para, a partir daí, nos lançamos adiante para novas perguntas, num processo infinito cujo motor é a busca de uma existência diferente para nós mesmos, e, se possível, uma existência melhor. (VEIGA-NETO, 2003, p. 11)

Foucault também denuncia a massificação e a “domesticação dos corpos” ao construir sua “microfísica do poder”, ou seja, ao trazer o exercício de poder para as instituições que compõem o dia a dia dos cidadãos, dentre elas, as instituições de ensino, já que o poder é descentralizado, fragmentado, e não mais se encontra nas mãos de um governante. Assim preceitua o filósofo francês sobre a dominação política através do discurso, em sua obra “A origem do discurso”:

Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, 1996, p. 08)

Foucault afirma uma liberdade que prefere chamar de “homeopática”, concreta, cotidiana e alcançável nas pequenas revoltas diárias, quando podemos pensar e criticar o nosso mundo, analisa-lo em seus meandros, seus pequenos jogos de poder, colocando-os como o cerne de problemas sociais como a violência e a crise de representação política.

 

6. CONTRIBUIÇÕES DE PIERRE BOURDIEU

Barroso afirma que “A obsessão da eficiência tem elevado a exigência de escolaridade, especialização e produtividade, acirrando a competição no mercado de trabalho e ampliando a exclusão social dos que não são competitivos porque não podem ser”. (BARROSO, 2001, p. 13). Esse trecho retirado de uma publicação do jurista Luís Roberto Barroso inaugura a posição do sociólogo francês Pierre Bourdieu, segundo a qual a Educação torna-se desigual e dilatadora da desigualdade a partir do momento em que é encarada como meio de incitar a competição entre as pessoas. “A instituição escolar institui fronteiras sociais análogas àquelas que separavam a grande nobreza da pequena nobreza, e esta dos simples plebeus”. (BOURDIEU, 1996, p. 37). Assim entende o sociólogo, que corrobora seu ponto de vista com a seguinte explicação:

Assim, a instituição escolar, que em outros tempos acreditamos que poderia introduzir uma forma de meritocracia ao privilegiar aptidões individuais por oposição aos privilégios hereditários, tende a instaurar, através da relação encoberta entre a aptidão escolar e a herança cultural, uma verdadeira nobreza de estado, cuja autoridade e legitimidade são garantidas pelo título escolar. (BOURDIEU, 1996, p.39)

O resultado deste parecer é a ampliação da violência física e ideológica, marca indelével da contemporaneidade, que só se ameniza por meio de estudos e ações meticulosas. Encarar a Educação sob este prisma é aceitar a posição de superioridade dos detentores do “poder”, e aumentar o vácuo entre a representação política e a participação popular. Essa segregação é encobrida pela “pressa de cada dia”, quando a rotina laboral competitiva encobre os problemas que se alastram na sociedade.

A afirmação de que a educação “mantém a ordem preexistente, isto é, a separação entre os alunos dotados de quantidades desiguais de capital cultural. Mais precisamente, através de uma série de operações de seleção, ele separa os detentores de capital cultural herdado daqueles que não o possuem. Sendo as diferenças de aptidão inseparáveis das diferenças sociais conforme o capital herdado, ele tende a manter as diferenças sociais preexistentes. (BOURDIEU, 1996, p. 37).

A importância desses autores na presente pesquisa é no sentido de comparar Educação, Direito e Filosofia com o enfoque de encontrar soluções para algumas questões que instigam a sociedade hodierna. Os estudos desses grandes filósofos são bases teóricas indispensáveis ao analisar a Educação no Brasil, sua relação com o Direito, e seus resultados na prática.

Na perspectiva de Bourdieu, a Educação Formal é utilizada como meio de aumento da desigualdade e manutenção do “status quo”, o poder simbólico do Estado, “e, sobretudo, uma atmosfera de urgência e de competição que impõe a docilidade e tem uma evidente analogia com o mundo dos negócios”. (BOURDIEU, 1996, p. 37). Ainda sob a ótica deste sociólogo francês, a escola exclui não só pelo aspecto financeiro, mas também pelo “capital cultural”, que se explicita na diferença atual entre instituições de ensino público ou privado. “As diferenças associadas a posições diferentes, isto é, os bens, as práticas e sobretudo as maneiras, funcionam, em cada sociedade, como as diferenças constitutivas de sistemas simbólicos”. (BORDIEU, 1996, p. 22).

No livro denominado “Bourdieu e a Educação”, os autores conseguem explanar, de maneira objetiva, o foco central da obra do sociólogo, explicando a posição de que a Educação pode ser vista como uma forma de impor a cultura dominante, posto isso afirmam que “As práticas sociais seriam estruturadas, isto é, apresentariam propriedades típicas da posição social de quem as produz”. (NOGUEIRA, 2013, p. 24). Segundo Bourdieu, as “produções simbólicas” participam da reprodução das “estruturas de dominação social”, porém, fazem-no de uma forma indireta e, à primeira vista, “irreconhecível”. (NOGUEIRA, 2013, 31).

Por isso, a análise educacional realizada por Bourdieu auxilia seu leitor a entender a enorme diferença entre uma escola particular e a pública. E também, as diferenças de oportunidade que cada uma delas pode abrir a seus alunos, corroborada pela dificuldade do aluno com menos condição financeira exercer a profissão de seu gosto. No tocante ao objeto do trabalho, percebe-se que, apesar dos avanços decorrentes da redemocratização brasileira, a Educação no Brasil ainda necessita de melhoras consideráveis.

Essa constatação de Bourdieu é importante ao analisar a Educação brasileira da atualidade, pois é notória a diferença entre o Ensino público e o privado, como consequência são distintas as pretensões de futuro de cada aluno. O aluno do ensino privado, ao dispor de mais capital cultural, dispõe de mais recursos à ingressar em cargos de relevância. Por outro lado, o aluno do ensino público, ao se deparar com a estrutura e as condições deste, acaba por não dispor de atenção às aulas, esse descaso acontece em virtude do “habitus” desprivilegiado e da falta de perspectiva de futuro. (Nogueira, Alice, Cláudio M. Martins Nogueira, 2013, 24)

A valorização ao professor do ensino público deve ser ainda mais minuciosa, pois como ensina Bourdieu, há uma diferença enorme do “habitus” e do capital cultural, entre o aluno do colégio particular e o da rede pública. Este autor alerta o leitor de seus livros ao concluir que em virtude do “capital cultural” do aluno, este já é inserido em uma realidade específica, ou seja o ambiente em que nasceu e foi criado, no contato com leitura e conversas com os pais, contato com Arte e outros elementos pode ser primordial no futuro do estudante.

Essa “desesperança” é contrária à própria função da Educação e se alastra ainda mais ao corroborar na dualidade de formação de “aptos ou inaptos”, ao mercantilizar o processo educacional. Se a Educação for concebida mormente como entrada no mercado, obviamente, esta irá privilegiar um grupo, que pela herança e atividade cultural, já possui condições de subir economicamente e compor o núcleo dominante da sociedade. Esse núcleo dominante é aquele que estabelece a “cultura elevada”, corroborando a diferença ideológica entre estes dois grandes grupos. O grupo de aptos e o de inaptos. Essa afirmação gera preconceito de um lado, e indignação do outro, mantendo uma constante competitividade desregrada.

A posição de cada sujeito na estrutura das relações objetivas propiciaria um conjunto de vivências típicas que tenderiam a se consolidar na forma de um habitus adequado à sua posição social. (Nogueira, Alice, Cláudio M. Martins Nogueira, 2013, 25 e 26)

O conceito de “habitus” seria assim a ponte, a mediação, entre as dimensões objetiva e subjetiva do mundo social, ou simplesmente, entre a estrutura e a prática. (Nogueira, Alice, Cláudio M. Martins Nogueira, 2013, 24)

Coloca-se como empecilho para a concretização dessas melhorias, propostas pela Constituição Federal de 1988, a visão estritamente mercadológica da Educação e as consequências desse fato para a formação da opinião dos cidadãos. Busca-se superar esse fato, então, a partir da “libertação” da Educação, aos moldes do que propõe os filósofos.

 

7.  O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL E A EDUCAÇÃO DE MERCADO

Os argumentos utilizados no decorrer do trabalho em relação ao atual modelo de aprendizado também se estendem ao ensino jurídico aplicado no Brasil, essa constatação é fruto de observações em relações às Universidades de Direito e, principalmente, ao modelo de avaliações dos alunos. Diante da nova configuração jurídica, quociente da normatividade constitucional e na institucionalização da moral por meio desta, já exposto no trabalho, confirma-se que o profissional é cada vez mais procurado e atarefado. Esse trecho é o reconhecimento da “flexibilização jurídica” que marca o Século XXI, quando novas situações surgem corriqueiramente, exigindo uma maior sagacidade filosófica por parte dos juristas.

Vale ressaltar que a Carta Magna Brasileira de 1988 faz parte do rol de Leis internas que se adequaram a esse novo formato, como foi já foi exposto no primeiro capítulo, deu um importante passo na busca pela normatização de princípios morais, que são deontológicos (Streck). Todos esses argumentos confirmam que o ordenamento jurídico do Brasil dispôs, em sua lei maior, o papel do Estado como promotor de Direitos imprescindíveis ao cidadão, isto independentemente da posição político/ideológica defendida pelo governante, pois, vale lembrar, o arranjo constitucional vincula a atuação de todos os poderes.

Com espeque nos indícios supramencionados, averígua-se que o ensino jurídico deve seguir a nova configuração do Direito e despertar no estudante o senso crítico que o liberte da estreita memorização da letra legal. Necessita-se, principalmente, que os exames e concursos de provas e títulos sigam essa ideia, pois a grande maioria dos alunos desta área opta por seguir a carreira de advogado ou ingressar em algum cargo que o Poder Público oferece. Por isso, a crítica à educação mercadológica chega até o Direito no tocante à decoreba que o estudante é submetido para passar nos exames.

A reificação das relações sociais e das pessoas torna o conhecimento uma ferramenta de cálculo de ganhos. Estuda-se numa faculdade de Direito não por gosto pelo justo, mas porque o direito permite uma profissão jurídica rentável. O conhecimento de uma área passa a ser menos respeitado do que o de outra porque remunera menos. (MASCARO, 2012, p. 510)

A Filosofia se mescla mais uma vez com Direito e Educação ao passo que possuem escopos semelhantes, e muitas vezes são tratados de maneira isolada, tendo o ultrapassado dogmatismo como barreira à corroboração da nova ordem jurídica.

É irrecusável, por conseguinte, encontrar um fundamento para a vigência dos direitos humanos além da organização estatal. Esse fundamento, em última instância, só pode ser a consciência ética coletiva, a convicção, longa e largamente estabelecida na comunidade, de que a dignidade da condição humana exige o respeito a certos bens ou valores em qualquer circunstância, ainda que não reconhecidos no ordenamento estatal, ou em documentos normativos internacionais. (COMPARATO, 2010, p. 72)

O ser humano estabelece relações jurídicas a todo instante, seja ao comprar, vender, ou em infortúnios como um acidente de carro. É evidente então que o Direito é onipresente na sociedade, sempre existirá como agente regulador de condutas, independente do período histórico e das correntes filosóficas que vigorarem. Ainda é visto que “a linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função prática, que é emprestar uma força particular às reivindicações dos movimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de novos carecimentos materiais e morais”, assim afirmou Bobbio. (BOBBIO, 2009, p. 09)

Por este motivo, ser um profissional dessa área exige muito mais do que “recitar” leis, já que sua aplicação requer interpretação, e esta, como consequência, exige do jurista uma boa base teórica. O Direito é um instrumento de evolução e revolução, e é papel do profissional da esfera jurídica estudar as leis, porém, mais importante do que isso é o esforço para concretizá-las, efetivá-las. Nesse sentido se posiciona Bobbio, ao afirmar que:

Não se poderia explicar a contradição entre a literatura que faz a apologia da era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos “sem direitos”. Mas os direitos de que fala a primeira são somente os proclamados não instituições internacionais e nos congressos, enquanto os direitos de que fala a segunda são aqueles que a esmagadora maioria não possui de fato (ainda que sejam solene e repetidamente proclamados). (BOBBIO, 2004, p.09)

O Direito então deve ser proclamado como instrumento de modificação de realidade, como fruto de mudanças históricas que desaguam em uma configuração jurídica cosmopolita, que visa dirimir conflitos que evolvem toda a humanidade. 

Não se tratar de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados. (BOBBIO, 2004, p. 25)

O trabalho tem o escopo de despertar o senso crítico do aluno de Direito sobre o ensino escolar no Brasil, em suas diversas fases, do fundamental ao superior. E também, sobre o próprio ensino jurídico no Brasil, e não deixar que essa área do conhecimento, seja entendida apenas como porta de entrada para concursos públicos. Pensar o Direito, relacionando-o com os acontecimentos sociais a partir de movimentos históricos e filosóficos, é também função do jurista. “Em suma, a formação do jurista exige a verificação de que os conceitos que elabora ou recebe estão em conformidade com o fenômeno jurídico, ou com os aspectos da vida social que o direito propõe-se a regular”. (COELHO, p. 161 2003).

O pensamento crítico que denuncia a Educação mercadológica é fundamental para evitar a pressa e a velocidade desmedida que este modelo propaga. Ao explicar a “violência simbólica” que cerca a sociedade atual, Bourdieu afirma a atuação da escola como auxiliadora dos meios dominantes no sentido de manter a “dualidade social” já existente.  Essa dualidade se configura na separação entre o “apto” e o “inapto”, entre o “útil” e o “inútil”. Portanto, a Educação, em seu caráter mercadológico, pode ser considerada um impedimento à real efetivação das garantias constitucionais e acaba por segregar setores da sociedade.

 

8. A EDUCAÇÃO MERCADOLÓGICA COMO IMPEDIMENTO À EFETIVAÇÃO DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

A partir do trabalho do sociólogo Pierre Bourdieu percebe-se que a educação brasileira, ao dar exclusividade ao seu aspecto mercadológico, torna-se alienante e mantenedora do “status quo”, inviabilizando, portanto, a formação crítica dos cidadãos. A formação crítica, neste sentido, que é a responsável por dar ensejo às mudanças sociais, e diminuir, como consequência, a distância ideológica entre o representante político do Estado e o cidadão representado. Esse vácuo existente entre os dois acarreta a oposição de sentimentos que gera a desigualdade social. (BOURDIEU, 2008, p.38)

Desta configuração, espalham-se diversas mazelas como a violência e a intolerância diante da diferença, que só são combatidas pelo ardor de uma Educação eficaz, que exige muito mais do que a preparação para o mercado de trabalho. Conclui-se então por meio desta pesquisa, que a Educação mercadológica é uma das causas impeditivas da efetivação prática dos dispositivos constitucionais.

O filósofo Slavoj Zizek corrobora os argumentos explanados no decorrer do trabalho, ao afirmar que:

O sistema escolar é cada vez menos uma rede compulsória elevada acima do mercado e organizada diretamente pelo Estado, portadora de valores estabelecidos (liberte, égalité, fraternité); em nome da fórmula sagrada “de menor custo, maior eficiência”, vem se sendo cada vez mais tomado por várias formas de PPP (parceria público-privada). (ZIZEK, 2013, p. 10)

Percebe-se, portanto, que as instituições de ensino passam, cada vez mais, por um processo de mercantilização, em que além de trazer o foco da Educação para seu aspecto mercadológico, transforma a escola em uma grande empresa. Neste modelo, amplia-se a desigualdade de posições sociais, ao passo que mantêm a ordem social preexistente, impedindo que aquele estudante que não traz um “capital cultural” do ambiente familiar ingresse ou permaneça no processo educacional, posteriormente é considerado “inapto” para o mercado de trabalho, tornando-se parte de grande parcela da população brasileira que luta diariamente por um emprego que lhe garanta o mínimo existencial. (BOURDIEU, 1996, p. 37).

Ora, essa vontade de verdade, como os outros sistemas de exclusão, apóia-se sobre um suporte institucional: é ao mesmo tempo reforçada e reconduzida por um todo compacto conjunto de práticas como a pedagogia, é claro, como o sistema de livros, da edição, das bibliotecas, como as sociedades de sábios de outrora, os laboratórios hoje. Mas ela é também reconduzida, mais profundamente sem dúvida, pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído. (FOUCAULT, p. 17, 1996)

Como discorre Foucault no trecho supramencionado, é importante que seja analisado o modo como o saber é exercido na sociedade, visto que a Educação pode ser um meio de manter uma ordem social preexistente que alastra a desigualdade, estabelecendo aptidões e “domesticando” opiniões. Sob esta ótica, relacionando com o conceito de “violência simbólica” proposto por Pierre Bourdieu, percebe-se que a imposição de uma cultura dominante é configurada por meio da produção do discurso de interesse de alguns, fazendo com que grande parcela da população mantenha a configuração estabelecida por perceber tal situação como natural ou irremediável. Esse arranjo tem reflexos óbvios no campo educacional e no Direito, na medida em que a Educação é o ponto de partida para a efetivação do que dispõe a Lei.

Sob a égide dos argumentos expostos no caminhar da presente pesquisa conclui-se que o cidadão brasileiro tem, com ratificação constitucional, direitos e garantias fundamentais. E tem também por força do Constitucionalismo, prerrogativas para impedir que os detentores do Poder extrapolem suas funções. No entanto, para que toda a letra legal protecionista suplante a teoria e se torne realidade no Brasil, é necessário que o cidadão esteja ciente de todos estes acontecimentos. E isso acontece por meio da Educação.

Em vista disso, é válida a afirmação que propõe que a Educação é o preâmbulo para as demais melhorias sociais, já que é a partir dela que o educando pode ser alertado sobre sua incumbência política e modificadora de realidade, porém é salutar que o processo educacional seja libertador, e não alienador, sob pena de perder sua eficácia, servindo como instrumento de dominação e exercício de poder.

E mais, é visto que melhoras na Educação são condicionadas a um aspecto cultural, resultando em diálogos que extrapolam em muito a proposta do atual trabalho. Porém não é o propósito da presente pesquisa discorrer sobre esses tópicos, mas sim propor um pequeno prelúdio, uma provocação filosófica sobre a Educação mercadológica que marca o presente momento.

Bobbio foi um dos grandes juristas do século passado, contribuindo de maneira significativa com o estudo da democracia e dos direitos fundamentais. Dentre esses direitos se encontra a Educação, objeto do trabalho, e principal responsável na conscientização dos cidadãos como sujeitos de direitos. Sob esses argumentos, a Filosofia tem papel fundamental nas mudanças sociais por enxergar com mais profundidade, a raiz dos problemas:

Pareceu-lhe que somente o filósofo (...) fosse capaz de entender as vozes ocultas da história, de medir o grau de desenvolvimento a que chegara a humanidade, de entender o curso futuro dos eventos, de indicar as diretivas para as reformas civis e políticas. (KANT apud BOBBIO, 2004, p. 135)

O jurista deve buscar amparo na Filosofia ao analisar e aplicar as leis, visto que essas áreas do conhecimento se fundem diante da necessidade de evitar o desrespeito de direitos fundamentais. É importante, portanto, que as instituições educacionais de ensino jurídico sigam essa tendência, dedicando atenção especial à essa disciplina, já que em muitas situações essas matérias são postas de lado por possuírem pouco peso nas bancas de exames e concursos.  

 

9. NIETZSCHE E A FORMAÇÃO DE “ESPÍRITOS LIVRES”

Friedrich Nietzsche certa vez afirmou que, "Aprender a pensar: não se tem mais noção disso em nossas escolas. Mesmo nas universidades, inclusive entre os verdadeiros eruditos da Filosofia, a lógica começa a se extinguir como teoria, como prática, como ofício."(NIETZSCHE, 2009, p. 73).  Essa frase poderia ser aplicada em diversos casos da atualidade, porém foi escrita em 1888 pelo filósofo citado, em seu livro denominado “Crepúsculo dos Ídolos”. Este pensador “martela” todo o aparato educacional de sua época com o argumento de que as instituições alemãs não se preocupavam com a formação criativa dos estudantes, preocupando-se apenas em preparar, no menor tempo possível, os jovens para a competição laboral.

Nietzsche argumenta em favor de uma formação artística, de “espíritos livres” de dogmas, que vivam de vocações e vejam o mundo “com o olhar de uma criança”, que buscam “apreender” os conteúdos e modificar a realidade. Nietzsche afirma também que a Alemanha do final do século XIX, período em que produziu suas obras, estava impregnada de “filisteus da cultura”, ou seja, pessoas com esteio de mercantilizar a formação educacional dos indivíduos, adequando-os a padrões industriais de mera repetição laboral, esta situação, na análise marxista, aliena o trabalhador e o impede de modificar a situação. Sob a ótica atual, o “filisteu da cultura” é aquele que reduz a força e importância do processo educacional, utilizando-o como instrumento de dominação e vantagens individuais. (NIETZSCHE, 2009, p. 70 e 71). 

Nietzsche ainda colabora enfatizando que o ser humano deve seguir suas vocações, pois é através dela que se consegue a excelência, aquilo que ele chama de “vontade de potência”. (NIETZSCHE, 2009, p. 71). No entanto, percebe-se que a configuração do Estado contemporâneo não permite o afloramento das vocações individuais, tampouco permite o livre exercício das atividades lícitas, contrariando com veemência o disposto na humanista Carta Magna de 1988. Com o esteio de corroborar as mazelas provocadas pela visão mercadológica da educação, os livros de Nietzsche, escritos no final do século XIX, tornam-se atuais ao ponto de explicar acontecimentos corriqueiros no mundo contemporâneo.

Nietzsche explica também que o processo educacional deve ser lento, gradativo e libertador, formando “espíritos livres”. De acordo com o filósofo alemão, esses “espíritos livres” não devem ser considerados prontos ou aptos, pois estão em constante crescimento e desenvolvimento. Essas ideias do filósofo alemão são instigadoras, visto que se encaixam muito bem nos acontecimentos atuais, e fazem repensar a pressa com que os jovens são educados e classificados em aptos ou não para adentrar no mercado de trabalho.

 

10. PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DA AUTONOMIA

Essas ideias libertadoras do pensador alemão estão concatenadas com os estudos do filósofo e pedagogo brasileiro Paulo Freire, este educador foi um grande defensor de uma visão “emancipatória” da educação, com vistas a garantir com êxito o exercício educacional do país. Freire pauta seus estudos na luta contra o “bancarismo educacional”, em que o aluno apenas deposita as informações que o professor transmite e não constrói seu conhecimento próprio sobre os assuntos.

Paulo Freire defende a função “modificadora de realidade” da educação, pois o processo de formação deve “libertar o oprimido” em busca de sua “autonomia”, Freire expõe que a capacidade intelectual é função exclusiva dos seres humanos, e é por intermédio dela que consegue-se realizações pessoais e comunitárias. Afirma que “somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por si mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito”. (FREIRE, 2014, P. 68).

Freire adota a postura no sentido de que a Educação é a chave para as demais mudanças em um Estado, “especificamente humana, a educação é gnosiológica, é diretiva, por isso política, é artística e moral, serve-se de meios, de técnicas, envolve frustrações, medos, desejos”. (FREIRE, p. 68). Por isso Educação, Política e Filosofia se aglutinam em uma só matéria que tem estopim e objetivos análogos. É incumbência dessas áreas do conhecimento esgrimir sobre a participação popular na configuração social, e dispor ao educando a base teórica para “pensar o mundo”, e não somente memorizar informações.

Neste viés, Freire afirma em suas obras que o educador deve alarmar seu aluno, mormente os que possuem menos condições financeiras de arcar com os estudos, que este deve se posicionar e lutar por sua posição na sociedade, com o intento de evitar que o Estado e seus representantes ultrapassem a vontade geral em virtude de interesses individuais. Essa mudança é estrutural e ideológica e requer um conluio entre professor e estudante, um diálogo inovador e alterador de realidade. “No mundo da história, da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar”. (FREIRE, p. 75). Dessa forma, afirma que:

Não se trata obviamente de impor à população espoliada e sofrida que se rebele, que se mobilize, que se organize para defender-se, vale dizer, para mudar o mundo. Trata-se, na verdade - não importa se trabalhamos com alfabetização, com saúde, com evangelização ou com todas elas -, de, simultaneamente com o trabalho específico de cada um desses campos, desafiar os grupos populares para que percebam, em termos críticos, a violência e a profunda injustiça que caracterizam sua situação concreta. Mais ainda, que sua situação concreta não é destino certo ou vontade de Deus, algo que não pode ser mudado. (FREIRE, 2014, p. 77).

Essa atitude política necessária para as melhorias no campo social deve surgir durante o processo educacional formal, ou seja, na escolarização. O papel da escola, sob esta ótica, seria, além de preparar o estudante para a competitividade do mercado de trabalho, colocá-lo como ciente de seu papel na transformação do mundo, diminuindo assim a distância entre o cidadão e seu representante político.

Paulo Freire ratifica em seus livros a força modificadora de realidade proporcionada pela Educação, que parece adormecida em detrimento à exigência de competitividade que marca a contemporaneidade, essa disputa por espaço e visibilidade que transforma a formação educacional dos cidadãos em mero “bancarismo”, depósito de informações.

A crítica ao “bancarismo” educacional se relaciona com a luta de Nietzsche contra a Educação de mercado da Alemanha de sua época, ambas as teorias lutam contra a padronização e buscam instigar as pessoas ao despertar do pensamento crítico, que resulta em um agir consciente. Esse agir consciente é necessário para lutar com eficácia contra abusos do poder em suas variadas espécies. A Educação libertadora é aquela que denuncia os “filisteus da cultura, e “transvalora” a sociedade, pois vai na raiz do problema e atinge aos poucos uma falha cultural arraigada no Brasil da atualidade. (FREIRE, 2014, P. 68)

De acordo com o que já foi exposto no trabalho, fica claro então, que as melhoras na educação começam pelo “princípio”. Não obstante ao pleonasmo da afirmação, entende-se que seja necessário fazer uma “microfísica da educação”, analisando-a ideologicamente nos diversos segmentos da sociedade. Foi o que Paulo Freire fez ao viajar pelo país dialogando com pessoas de todas as classes sobre a educação, e a partir disso elaborou seu método de aprendizado para crianças e adultos. (FREIRE, 2014, p. 24)

Freire afirmou que “quando se une a teoria com a prática tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade”, posto isso buscou transformar em prática seus estudos filosóficos e pedagógicos. Enfim, a função prática da Educação e da Filosofia é questionar e libertar as pessoas de padronizações, dessa forma, a libertação da Educação que Paulo Freire e Nietzsche propõem seria uma sugestão no sentido de praticar aquilo que o Direito busca. (FREIRE, 2014, p. 27)

O objetivo do trabalho torna-se, então, o libertar da Educação de mercado, através da conscientização da população de seu protagonismo alterador de realidade.

 

11. EDUCAÇÃO E CRITICIDADE

A eficácia da participação popular no processo de mudanças de uma sociedade está condicionada ao nível de educação desta população. É preciso “transvalorar” a visão da formação escolar nos mais diversos segmentos da Educação Formal, da infantil até o Ensino Superior, uma “microfísica” capaz de combater a “violência simbólica” que permeia a vida dos cidadãos.

A formação de “espíritos livres” que Nietzsche propõe, trazida aos dias atuais, traduz-se na educação livre da disputa por capital, despreocupada com a concorrência que gera a dominação social que permeia os setores da sociedade hodierna. É preciso então “transvalorar” a educação, como condição básica da efetivação das garantias que o ordenamento jurídico propõe. A preocupação com o vocacional supera o “materialismo histórico” e coloca o trabalho e o crescimento econômico como fatores naturais. (NIETZSCHE, 2009, P. 70)

No decorrer do trabalho, Direito, Filosofia e Educação se mesclaram com o escopo mútuo de analisar e estabelecer as normas que vigem o aparelho educacional do país. Esse diálogo tem como objetivo principal a busca pela efetividade prática dos avanços que a Constituição Federal de 1988 propõe e debater a real finalidade da Educação como Direito Social, ínsito ao ser humano.

Colocar a entrada no mercado de trabalho e o crescimento econômico como resultados naturais de uma Educação pautada na formação crítica, política e vocacional, parece um sonho inalcançável. No entanto, como ensina Mário Sérgio Cortella, em sua obra “Pensatas Pedagógicas”, ser educador requer Esperança, pensar a Educação, portanto, exige que se exalte sua importância como a responsável por amenizar grande parte das mazelas que compõem o círculo social. (CORTELLA, 2014, p. 04) 

Essa entrega ao duelo de mudar uma configuração já arraigada é o maior dos desafios de todos os filósofos citados no decorrer o trabalho, afinal “educar” é, acima de tudo, preocupar-se com outro. (CORTELLA, 20014, p. 05). Essa preocupação com o próximo, que marca o objetivo fundamental do processo de formação educacional, não afasta a individualidade e os elementos virtuosos de cada educando.

Cada vez mais se fala em Educação como se ela fosse a grande alternativa para a desmontagem da pobreza e da miséria entre nós; mas parte daquelas que enfatizam que o ensino é a principal ferramenta de que dispõe uma nação não tem, de fato, ações efetivas para o fortalecimento da Educação. (CORTELLA, 2014, p.65)

Melhorar a educação de um país, e consequentemente efetivar os avanços que a Constituição Federal explicita, em relação ao Estado Democrático de Direito, pressupõe, em primeiro lugar, questionar os valores que marcam a Educação na contemporaneidade. O sentido filosófico do trabalho resume-se em aflorar no leitor a real finalidade do processo educacional, e quais as consequências da velocidade e superficialidade da pós-modernidade líquida, líquida em virtude das relações humanas cada vez mais “escorregadias”. (BAUMAN, 2013)

O respeito às diferenças passa a ser o grande projeto do mundo atual, como explana Bobbio (BOBBIO, p. 24, 2004), é preciso efetivar Direitos, pois estes já estão reconhecidos. A Educação libertadora é indispensável neste processo, visto que enquanto permanecer a ideia reducionista do processo educacional, segregando os cidadãos, e atendendo aos interesses daqueles que possuem o poder dominante, esta não logrará êxito.

A conscientização é a “vontade de potência” necessária para ultrapassar as mazelas da sociedade, superando a “domesticação dos corpos”, como ensina Foucault ao afirmar que “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nosqueremos apoderar”. Ou seja, Foucault afirma a alienação política como resultante da construção de discursos que visem padronizar opiniões, e a Educação deve ter como escopo principal combater essa realidade. (FOUCAULT, 1996, p. 10).

Bourdieu também discorre sobre a força simbólica do discurso, de sua construção e sua aplicabilidade na realidade social, ao passo que a representação política tem sofrido grandes alterações no decorrer da história. Esse autor, assim como foi dito no decorrer da presente pesquisa, abarca a Educação neste processo de alienação e padronização, colocando-a dentre as instituições que acabam por aumentar a desigualdade de posições sociais. Essa constatação se encaixa no momento atual do Brasil, com o fulcro de que o cidadão tem se afastado cada vez mais de seu papel político, em virtude de abundantes casos de corrupção e do distanciamento do representante para com o representado.

Cada campo de produção simbólica seria, então, palco de disputas – entre dominantes e pretendentes – relativas aos critérios de classificação e hierarquização dos bens simbólicos produzidos e, indiretamente, das pessoas e instituições que o produzem. (Nogueira, Alice, Cláudio M. Martins Nogueira, 2013, 32)

Aos moldes do que narra George Orwell em sua cidade fictícia, chamada “Oceânia”, onde a população foi dominada pela imposição da igualdade de ideias e atitudes, uma Educação Mercadológica impõe padronização, configura conflito de interesses, em que, pela força e influência, o interesse da classe dominante impera. Essa constatação gera revolta por parte da população “vencida”, inerte e sem força, essa parcela esquecida se revolta, e busca fazer Justiça aos moldes de Talião, gerando violência e uma disputa ideológica que parece imperceptível aos olhos de todos.

Esse conflito ideológico que Bourdieu chama de “violência simbólica”, caracterizada pelo uso da violência independente do emprego da força física, parece imperceptível aos olhos da população pois é camuflada pela pressa do cotidiano, e pela cegueira generalizada que faz com que grande parcela da população fique presa aos padrões impostos de qualidade de vida e até mesmo felicidade.

Como ensina Zizek “até o processo de envolvimento em relações emocionais ocorre cada vez mais segundo a linha de relações de mercado”, isso significa que encaixar a formação educacional nesse processo de mercantilização resulta em um grande retrocesso, e desrespeito ao que dispõe a Constituição Federal de 1988. 

 

12. CONCLUSÃO

A APLICAÇÃO PRÁTICA DA FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO E SEU REFLEXO NA EFETIVAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS

Como afirma J. Luis Borges, “não nos move o amor, mas o espanto”, afinal, esse é o papel da Filosofia, instigar o leitor a questionar dogmas e valores preestabelecidos, fazer com que a reflexão supere a pressa de cada dia, com fulcro nas ideias de Bauman que escreve que “a necessidade aqui é correr com todas as forças para permanecer no mesmo lugar, longe da lata de lixo que constitui o destino dos retardatários”, e que o espanto diante da contradição entre a letra da Lei e da realidade seja a aurora no sentido de solidificar uma sociedade cada vez mais “líquida”. (BAUMAN, 2013, p. 09 e 10)

Repensar situações cotidianas, analisar a Educação em seus meandros, em seus pequenos jogos de poder, é uma forma de alcançar o cerne das questões sociais que permeiam o país. Buscar a efetivação de Direitos, em uma era absolutamente dependente destes, torna-se a atividade medular de todos os cidadãos, essa busca suplanta a mera letra da Lei e coloca o ser humano na necessidade de “transvalorar” as relações interpessoais, enfim, a sociabilidade humana requer Educação, e esta por sua vez, precisa se enquadrar em sua função constitucional.

Mercantilizar a Educação significa impedir que mudanças que são necessárias à ordem social se concretizem de fato, além do mais, simboliza a manutenção de uma estrutura dual que mantém um vácuo entre aqueles que detém domínio de poder e “capital cultural”, como ensina Bourdieu, e aqueles que permanecem isolados e inertes da vida em sociedade.

Essa inércia é consubstanciada pela “domesticação” que determinada parcela de pessoas buscam impetrar na sociedade e que parte da padronização por meio do “discurso”, da dissolução do respeito e das tradições no meio da velocidade esmagadora que marca a era contemporânea. Por este motivo, encaixar a Educação nessa mesma direção significa acômodo, e principalmente, ineficácia de todo um aparato legal protecionista ínsito ao Estado Constitucional de Direito. (FOUCAULT, 2002, p.161) 

O trabalho não pretende voos tão altos, desde que sirva como elemento de instigação sobre a educação que vigora no Brasil, e aquela almejada pelo Constituinte em 1988.

 

 

REFERÊNCIAS

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BAUMAN, Zigmunt. Sobre a Educação e Juventude, Tradução de Carlos Alberto Medeiros,Rio de Janeiro, Zahar, 2012.

 

BAUMAN, Zigmunt. Identidade, Tradução de Carlos Alberto Medeiros, Rio de Janeiro, Zahar, 2004.

 

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out.2002. Disponível em: . Acesso em: 9 abr. 2015.

 

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: . Acesso em: 19 jan. 2015.

 

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