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A REGULAÇÃO MUNICIPAL DO UBER


Autoria:

Nathalia Saraiva Nogueira


Nathália Saraiva Nogueira. Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Ceará

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Resumo:

Trata-se de um artigo cientifico que pretende fornecer breves apontamentos em torno do aplicativo Uber, através do seu histórico e peculiaridades, bem como, a necessidade de uma regulação para o seu exercício diante da realidade brasileira.

Texto enviado ao JurisWay em 26/07/2016.

Última edição/atualização em 03/08/2016.



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1. INTRODUÇÃO

 

 

A plataforma Uber está evoluindo na frequência que o mundo se movimenta. De forma destemida esse fenômeno tecnológico vem ganhando espaços a níveis internacionais, assumindo dimensões gigantescas no cenário mundial. Entretanto, muitos desconhecem o seu conceito, o seu surgimento, peculiaridades e distinções com o serviço tradicional de táxi. Neste caso, se faz necessário esclarecer alguns pontos importantes antes de se chegar ao clímax do presente trabalho, qual seja, a necessidade de uma regulação municipal com a chegada desse novo recurso tecnológico para que sejam garantidos e preservados os princípios da livre concorrência, da livre iniciativa, da liberdade de trabalho, interesse público e o Marco Civil da Internet. A falta de regulação não significa a ilegalidade, se faz necessário, porém, o desenvolvimento de uma adequada à realidade brasileira.

  

A Uber é uma empresa de tecnologia norte-americana, sediada nos Estados Unidos da América, lançada precisamente na cidade americana de São Francisco, Califórnia. Inicialmente chamada de UberCab, a ideia surgiu em 2009, quando os seus fundadores, Travis Kalanick e Garrett Camp participavam da conferência LeWeb na França, quando ao retornarem ao hotel tiveram a dificuldade para pegar um táxi, transporte público ou até mesmo particular. Então, com o objetivo de facilitar e inovar a forma pela qual as pessoas se locomovem pelas cidades, eles pensaram um serviço com o qual era possível solicitar um carro com motorista particular com apenas um toque na tela do celular, permitindo que qualquer pessoa com carteira de habilitação profissional se torne um "parceiro" do Uber, cadastrando seu próprio veículo para transportar passageiros1. Foi assim que surgiu o UberBLACK, primeiro produto da empresa.

  

A Uber é uma tecnologia que possibilita, por meio de seu aplicativo, que motoristas particulares encontrem pessoas que precisam de um serviço de transporte, e não simplesmente, um serviço de carona paga ou remunerada. O usuário solicita um motorista, por meio do aplicativo, que leva-o para o destino desejado. Além disso, a Uber não emprega os motoristas que utilizam a plataforma tecnológica, a sua função é apenas fazer com que os motoristas parceiros aumentem os seus rendimentos e para que os usuários tenham mais opções quando tiverem a necessidade de fazer uma viagem.

  

Faz-se necessário preencher alguns requisitos para ser motorista parceiro da Uber, como a carta de motorista com autorização para exercer atividade remunerada (EAR), um cadastro no site da Uber e então passar por uma checagem de informações e antecedentes criminais tanto no nível estadual como no federal. O protocolo de segurança também inclui checagens contínuas das informações e condições dos veículos, o carro precisa contar com um seguro que inclua os passageiros, além de autorização para usar o veículo para fins comerciais. Os motoristas também precisam possuir um carro sedã de luxo, com banco de couro e ar condicionado para atuar no UberBlack e um modelo compacto, com ar condicionado para atuar no UberX. O motorista parceiro pode usar a plataforma a qualquer tempo, quando quiser trabalhar, tudo o que ele precisa fazer é ligar o aplicativo, inexistindo tempo mínimo diário ou mensal para o motorista parceiro. Ele é que faz o seu tempo de acordo com o rendimento que deseja alcançar.

  

Há um aplicativo próprio para os motoristas parceiros, é preciso fazer login e a senha é pessoal e intransferível. Após esse simples procedimento é possível escolher com qual o motorista vai trabalhar, caso exista mais de um carro cadastrado na plataforma. Ao receber uma chamada de um usuário a tela do aplicativo pisca e é emitido um som. Somente após aceitar a viagem é que o aplicativo mostrará quem é o passageiro, seu telefone de contato e a localização. Assim que o motorista entra no carro, o motorista parceiro inicia a viagem por meio do aplicativo. Ao chegar ao destino indicado pelo usuário, o motorista parceiro encerra a viagem no aplicativo. Em seguida, o aplicativo mostra o preço da viagem e a tela de avaliação do usuário, por meio de uma nota entre 1 e 5 estrelas, o que garante o alto nível de qualidade do serviço. É necessário que o usuário instale o aplicativo da Uber em um smartphone com acesso à internet e tenha um cartão de crédito válido para se cadastrar, por meio do qual serão cobradas todas as viagens.

  

Com a dimensão de uma empresa multinacional de transporte privado urbano, baseado em uma tecnologia revolucionária em rede, através de um aplicativo para smartphones, E-hailing, que são conectados os motoristas profissionais a passageiros, oferecendo um serviço semelhante ao táxi convencional em uma plataforma acessível através da Internet. O aplicativo próprio se define como um fornecedor de tecnologia que viabiliza o serviço de motoristas com preços acessíveis, contando também com especificidades por meio dos motoristas. Esse sistema visa colocar em contato motoristas profissionais particulares e potenciais clientes interessados em se deslocarem de forma mais confortável e segura.

  

No início de 2011 a empresa e expandiu e introduziu o seu serviço para as grandes cidades americanas, ficando sob a mira dos holofotes. A ideia defendida pelos fundadores, parceiros e usuários são que os serviços de transporte por meio da Uber estão acima da qualidade do mesmo serviço oferecido pelos táxis tradicionais, além do valor cobrado muitas vezes ser inferior, tratando-se de uma alternativa aos meios tradicionais e antiquados de locomoção, presos às dificuldades inerentes aos grandes centros urbanos.

 

Atualmente, a empresa está presente em mais de 400 cidades de 70 países, com 7.000 funcionários no mundo sendo avaliada em US$ 50 bilhões2 e conta com usuários fieis e um alcance poderoso do seu marketing com a utilização e disponibilização do aplicativo, bem como, com anúncios nas redes sociais3. A Uber enfrenta embates legais em diversos países, operando sem marco legal, ou seja, sem uma legislação que regule o assunto por ser uma plataforma inovadora, porém alguns países já debatem como regulamentá-lo. E isso já é um grande avanço para que o Uber conquiste o seu espaço.

 

 

 

2. INÍCIO DAS ATIVIDADES NO BRASIL E A NECESSIDADES DE UMA REGULAMENTAÇÃO MUNICIPAL

 

 

Em 2014, a Uber chegou ao Brasil junto com a Copa do Mundo, o maior evento futebolístico esperado pelos amantes desse esporte, a empresa começou a oferecer os seus serviços no Brasil, permitindo a qualquer proprietário de veículo virar motorista. A partir daí, a tecnologia se tornou mais presente na vida dos brasileiros, com a sua expansão para o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Recife, Salvador, Fortaleza, Campinas, Goiânia e Curitiba. O fenômeno Uber, na esteira da proposta inovadora dos aplicativos, provocou e provoca manifestações divididas acerca do transporte público e seus desafios. Desde que chegou ao Brasil a tecnologia tem criado diversas polêmicas entre os taxistas, se tornando algo bastante preocupante que vem tirando o sono das autoridades que ficam diante de uma situação de difícil entendimento e conciliação entre as partes interessadas. Uma ebulição, um clima bastante tenso com uma série de protestos, ataques, perseguições, vídeos, e áudios de ameaça aos motoristas parceiros da Uber por meio das redes sociais foram registrados em vários lugares do país4, além das discussões no legislativo e pressão política para banir a atuação do aplicativono Brasil. A disputa entre os taxistas e a Uber é de longa data, com direito a diversas liminares judiciais, apreensão temporária de veículos que rodavam sem alvará e até brigas violentas entre as "categorias".

 

Diante desta nova situação, os taxistas ganharam as ruas das grandes capitais protestando contra a Uber, alegando que esta não possui uma lei especifica e que os motoristas parceiros não estão sujeitos às regulações que aqueles são obrigados a cumprir, causando assim, uma concorrência desleal em virtude da ilegalidade e com isso causando graves prejuízos, argumento este, sustentado pelos taxistas. Motoristas de táxi e suas associações representativas e sindicatos, não só no Brasil, mas em diversas partes do mundo, vêm protestando contra a Uber, justificandoque esta atua de forma ilegal. Afirmam que esta promove a locomoção clandestina de passageiros, pelo fato de não ter autorização para oferecer serviços de transporte, não sendo autorizado o motorista privado particular a exercer a profissão de taxista; proporcionando meios para o exercício ilegal da profissão. Outro argumento pauta-se também no fato da prática da concorrência desleal, pois pagaria menos impostos que os motoristas de táxi.

 

A realidade é que a Uber não oferece serviços de táxi, nem de transporte clandestino e não autorizado de passageiros. A Uber oferece um serviço ainda não regulado pela legislação brasileira, o fato do serviço da Uber não estar regulado não significa que este é ilícito.

 

No Brasil, atualmente, está disponível o serviço UberBLACK, serviço de carro executivo sob demanda, carros tipo sedã, todos com banco de couro e ar-condicionado e o UberX, com carros compactos, com ar condicionado, modelos mais simples e preços mais baixos e competitivos, e o também chamado UberCOPTER, viagens de helicópteros oferecidas em São Paulo, ainda em fase piloto. No caso do UberBLACK e UberX, os veículos são novos e contam com seguro que cobre o passageiro e o motorista, além de um sistema de avaliação que permite que os usuários e motoristas parceiros realize um feedback, atribuindo uma nota mínima de aprovação. Caso não mantenham a nota mínima poderão ser desconectados da plataforma.

 

Antes de adentrar ao subtema restante proposto neste capítulo, importante é diferenciar regulamentação de regulação, termos que muitas vezes são vistos como sinônimos, quando na verdade detêm lógica jurídica distinta. Maria Sylvia Zanella Di Pietro assim os define:

  

Regular” significa estabelecer regras, independentemente de quem as dite, seja o Legislativo ou o Executivo, ainda que por meio e órgãos da Administração direta ou entidades da Administração indireta. Trata-se de vocábulo de sentido amplo, que abrange, inclusive, a regulamentação, que tem um sentido mais estrito.

 

 Regulamentar significa também ditar regras jurídicas, porém, no direito brasileiro, como competência exclusiva do Poder Executivo. Perante a atual Constituição, o poder regulamentar é exclusivo do Chefe do Poder Executivo (art. 84, IV), não sendo incluído, no parágrafo único do mesmo dispositivo, entre as competências delegáveis.5

  

Com base nessas definições, aborda-se aqui a regulação do Uber, haja vista que só se poderia falar em regulamentação se já existisse lei que disciplinasse o funcionamento do aplicativo.

  

Uma possível regulação do Uber se daria, portanto, pelo poder público municipal. Referida atribuição segue as diretrizes da Lei 12.587, de 03 janeiro de 2012, a qual instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, estabelecendo em seu artigo 12 que, Os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas.

  

Têm-se, assim, que o serviço prestado pelo Uber enquadra-se como transporte indiviual de passageiros, estando sujeito à regulação estatal, conforme os preceitos da aludida Política Nacional de Mobilidade Urbana. A grande discussão se deu, no entanto, quanto à possibilidade de se proibir o aplicativo, medida adotada por alguns municípios brasileiros. A vedação da entrada do Uber resulta da pressão de outra categoria de transporte individual de passageiros, a dos taxistas. Mencionados expressamente na Lei supracitada, em seu artigo 12-A6, eles alegam que o aplicativo usa de concorrência desleal, vez que não se sujeita às mesmas regras que regula o serviço de táxi. Além disso, o Uber entraria em um mercado já reservado aos taxistas, o qual não comportaria outro tipo de serviço.

 

Entende-se que a categoria dos taxistas enxerga e defende a existência de um monopólio na prestação do serviço de transporte individual de passageiros, pelo menos quando referido serviço utiliza-se de carros, vez que não há a mesma celeuma quanto ao serviço de moto-táxi.

 

Em que pese as semelhanças citadas entre os serviços de Táxi e Uber, não parece que os dois estejam realmente enquadrados na mesma categoria. O Táxi encontra melhor definição no conceito de transporte público individual, enquanto o Uber amolda-se ao conceito de transporte privado individual. A já mencionada Lei de Mobilidade Urbana considera no seu artigo 4°, inciso VIII, transporte público individual o serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas, enquanto que, no inciso X, do mesmo artigo, define-se transporte motorizado privado como o meio de transporte de passageiros utilizado para a realização de viagens individualizadas por intermédio de veículos particulares. A diferença entre as duas modalidades é dada pelo jurista Flávio Amaral Garcia:

  

[...] é que o transporte público individual é aberto ao público. Em outros termos, qualquer cidadão pode pegar um táxi na rua, o que não acontece com o UBER, que depende exclusivamente da plataforma tecnológica. Cabe aqui um apontamento: existem várias cooperativas e prestadores de serviços de táxi que se beneficiam da mesma tecnologia para angariar consumidores, como, por exemplo, o EASY TAXI e o 99 TAXIS. A diferença para o UBER, como apontado, é que os táxis também dispõem da alternativa de conquistarem os consumidores nas ruas; daí ser aberto ao público.7

  

Não há de se falar, então, em concorrência desleal do Uber em relação ao serviço de táxi, tendo em vista que encontram-se em seguimentos distintos do mercado de transporte de passageiros. Não há, também, qualquer respaldo legal para a visão monopolista dos taxistas, algo que já foi alvo, inclusive, de parecer do conceituado jurista José Joaquim Gomes Canotilho, o qual explanou:

 

 

Mesmo do ponto da vista da disciplina legal da ordem econômica, que consta da Lei nº 12.529, de 30 de Novembro de 2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa do Concorrência, afigura-se inviável qualquer argumentação que defira o exclusivo ou o monopólio do exercício de atividade econômica privada de transporte individual de passageiros aos titulares de uma habilitação de transporte público individual.8

  

Ressalta-se, todavia, que tanto o serviço de táxi, quanto o prestado pelo colaboradores do Uber, são considerados de caráter privado, e não público como alguns poderima aduzir para justifica uma maior intervenção no Estado nas suas operações. Sobre o tema, assim justifou Canotilho:

 

Do regime da Lei n.° 12.468, de 26 de agosto 2011 e da a Lei n° 12.857, de 3 de janeiro de 2010; resulta inequívoca a natureza privada da atividade econômica de transporte individual de passageiros, mesmo que esta atividade seja legalmente qualificada como de ”utilidade pública“ ou o serviço de transporte comporte modalidade de ”transporte público individual de passageiros“.9

 

 

Reforça-se a distinção entre os serviços de Táxi e Uber, ainda, pelo comportamento do Judicário pátrio, o qual, diante de uma lacuna no ordenamento quanto à regulação deste último, vem adotando a norma exlusiva (o que não é regulado, entende-se permitido), e não a analogia. Poder-se-ia, partindo da regulação do serviço de táxi, chegar a uma norma implícita que servisse, por analogia, para regular o serviço prestado pelo Uber, mas, como já dito, essa postura não vem sendo observada nos julgados brasileiros, os quais vêm permitido o funcionamento do aplicativo.

 

Quando se fala em regular o Uber, não há referência apenas ao serviço de transporte, mas também ao de Internet, pois, como explicado acima, o aplicativo é apenas um plataforma online que ajuda na captação de passageiros por motoristas colaboradore. Mas quanto a essa questão, não a mesma polêmica, tendo em vista o aplicativo, enquanto serviço de Internet, encontra-se no âmbito de abragência da Lei n.° 12.965/14, o Marco Civil da Internet. Sobre o tema, Canotilho chegou ao seguinte entendimento:

 

O serviço “Uber” é – apenas – um serviço de base tecnológica e interactivo disponível no mercado que, tal como qualquer utilizador comum, pode igualmente ser usado por quem exerça a actividade de transporte individual de passageiros; trata-se apenas de um plus de melhoria do exercício da actividade10.

 

A necessidade de se regular o serviço prestado pelos colaboradores do Uber (transporte individual e privado de passageiros) se daria, assim, muito mais pela segurança jurídica que para atender aos anseios de uma categoria que se sente ameaçada, a qual tem como maior interesse a restrição do mercado em proveito próprio.

 

Por segurança jurídica, entede-se o acolhimento pelo ordamento pátrio da relação entre os motoristas colaboradores do aplicativo e os consumidores, dando maior garantia institucional a ambos. A regulação atenderia aos princípios da Política Nacional de Mobilidade Urbana, cujo artigo 5º da Lei que a insituiu assim os dispõe:

 

Art. 5o  A Política Nacional de Mobilidade Urbana está fundamentada nos seguintes princípios: 

 

I - acessibilidade universal; 

 

II - desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais; 

 

III - equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo; 

 

IV - eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano; 

 

V - gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana; 

 

VI - segurança nos deslocamentos das pessoas; 

 

VII - justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços; 

 

VIII - equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros; e 

 

IX - eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana. 

 

 

 

Visando atender a esses princípios, os quais têm sua gênese teleológica na Constituição Federal, a regulação do Uber se daria pelo poder legislativo municipal, ou, pelo poder executivo, também local, via decreto, como fez o município de São Paulo.11

 

Ressalta-se, ainda, que não parece plausível o entedimento de que, até o advento da regulação, o Uber seria um serviço irregular, devendo ser, portanto, proibido. A máxima consagrada no Direito é de que o não regulado, entede-se permitido. Aqui, cabe citar o iluste jurista cearense Glauco Barreira Magalhães Filho, o qual, ao falar da completude do ordenamento jurídico, assim aduz:

 

A completude do ordenamento jurídico sob o ponto de vista lógico (Kelsen) ou ontológico (Cossio) é garantida pela norma exclusiva (Bobbio) ou princípio implícito (Zitelmann) que estabelece: tudo que não estiver regulamentado, presume-se permitido.

 

Consagra o ordenamento jurídico brasileiro:

 

Art. 5º, II, da CF: Ninguém será proibido a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

 

A norma exlusiva, conforme visto, regula por exclusão as condutas não previstas.12

 

É notório que no Direito Administrativo a lógica é inversa, ou seja, tudo que a Lei não regula, presume-se proibido. Mas, notório também é, que essa limitação se dá quanto à atuação do Estado, portanto, é vedado à Administração Pública agir sem permição legal, algo que decorre diretamente do Princípio da Legalidade, o que não abrange, por óbvio, a ação dos administrados, os quais têm na Lei a garantia institucional contra a abitrariedade estatal, e não uma pré-condição para agir.

 

Não estando regulado o serviço do Uber e considerando os preceitos constitucionais do livre exercício de profissão, da livre inciativa e da livre concorrência, entende-se que qualquer ação estatal no sentido de proibir o funcionamento do aplicativo seria inconstitucional. Considerando os preceitos citados como decorrentes do princípio da Liberdade, vale citar a doutrina de Robert Alexy:

 

[...] são inconstitucionais as normas infraconstitucionais que ordenam ou proíbem algo que uma norma de direito fundamental permite fazer ou não fazer. Contudo, a proteção constitucional da liberdade não se limita a isso. Ela é constituída por um feixe de direitos a algo e também por normas objetivas que garantem ao titular do direito fundamental a possibilidade de realizar a ação permitida.

 

[...]

 

Toda liberdade fundamental é uma liberdade que existe ao menos em relação ao Estado. Toda liberdade fundamental que existe em relação ao Estado é protegida, no mínimo, por um direito, garantido direta e subjetivamente, a que o Estado não embarace o titular da liberdade no fazer aquilo para o qual ele é constitucionalmente livre.13

 

Cita-se, também, por ser bastante didático, o exposto pelo magistrado Bruno Vinícius da Rós Bodart, em decisão de pedido limitar em ação que versava sobre a proibição do Uber:

 

Uma vez que a Constituição determina expressamente, em seu art. 170, caput, que a ordem econômica é não apenas informada por, mas fundada na livre iniciativa, é de rigor concluir ser vedado ao Estado impedir ou limitar trocas voluntárias entre particulares, a menos que demonstre de forma inequívoca que essa medida é: (i) necessária para a proteção de um interesse fundamental; e (ii) adequada para a consecução desse objetivo. Note-se que é do Estado o ônus de justificar a regulação, com dados claros, objetivos e confiáveisindicando a existência de notória “falha de mercado”, reputando-se inconstitucional e indevida a ingerência na livre iniciativa em caso de dúvida.14

 

A ideia defendida pelo magistrado foi exposta com maestria pelo ganhador do prêmio Nobel em Ciências Econômicas Milton Friedman: “Devemos desenvolver a prática de analisar tanto os benefícios quanto os custos das propostas de intervenção do governo e exigir uma justificativa muito clara a favor dos benefícios em vista dos custos antes de adotá-las”.15

 

Corrobora com esse entendimento a exposição de Canotilho nas conclusões do seu parecer sobre o Uber:

 

 

 

Ao que acresce o facto da actividade concretamente em causa – o exercício da actividade económica privada de transporte individual de passageiros, na sua modalidade privada – não suscitar, à luz do princípio da proporcionalidade, especiais particularidades de ordem pública que habilitam o legislador ordinário a introduzir clásulas restritivas à liberdade de acesso e ao livre exercício desta actividade económica, incluindo a sua sujeição a autorização de órgãos públicos, bem como não suscita especiais particularidades para que sejam consideradas ou atendidas exigências acrescidas de qualificações profissionais16.

  

O comportamento do Judicário é um bom indicativo do caminho a ser adotado pelos municípios em sua função reguladora, qual seja, reconhecer o Uber como uma vantagem ao consumidor, como opção em um mercado carente de concorrência. Deste modo, qualquer regulação tem que se mostrar necessária e preservadora desses benefícios latentes.

 

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

À vista do exposto, considerando a lógica do ordenamento jurídico pátrio, tem-se que o Uber é um serviço propenso à regulação, principalmente em consideração aos princípios estabelecidos pela Política Nacional de Mobilidade Urbana. No entanto, muito mais que o silogismo entre o que determina o ordenamento e o fato por ele abrangido, é necessário levar-se em conta as consequências de uma eventual legislação reguladora.

 

Quando o Estado intervém na Ordem Econômica, ele busca garantir determinados direitos aos indivíduos. Uma eventual regulação do Uber, então, tenderia a preservar quais direitos? Muitos dirão que a intenção seria guardar a segurança dos passageiros, bem como os outros preceitos da política acima mencionada. Mas esses direitos estão em risco pela ausência de regulação? A eventual intervenção do Estado realmente protegeria esses interesses?

 

Como bem ensinou Milton Friedman, acima citado, temos que analisar a atuação do Estado não por suas intenções, que sempre serão ótimas, mas pelos resultados dessas ações intervencionistas.

 

O maior interessado nisso tudo é o consumidor, o qual ainda não participa como deveria da discussão em pauta. Há interesse maior dos burocratas em ouvir a opinião de classes organizadas que a de indivíduos dispersos, os quais muitas vezes permanecem inertes perante os abusos estatais.

 

A regulação de um serviço que até o momento cresceu de forma espontânea, tendo como maior incentivador o próprio cliente, que aprovou e consolidou o aplicativo no Mercado, não parece ser uma decisão inteligente a ser tomada.

 

Como já dito no começo deste artigo, a própria empresa responsável pelo Uber tem exigências rigorosas para aceitar um motorista como colaborar, o que já demonstra que a segurança dos passageiros não está exposta da forma que os detratores do aplicativo tentam passar. Ademais, é do interesse do Uber, bem como de qualquer empreendedor racional, que o seu serviço seja reconhecido pelo apreço à segurança e ao bem-estar dos seus clientes, pois disso depende a sua sobrevivência no Mercado.

 

Além da aprovação de quem realmente importa, a do consumidor, o Uber propicia dinâmica ao mercado de transportes de passageiros, fomentando a concorrência, fator este que acaba por gerar mais qualidade na prestação do serviço.

 

Ademais, o Uber enriquece um setor que tem grande potencial em combater a poluição ao meio-ambiente, haja vista que serve de alternativa aos proprietários de carros, os quais podem preferir deixar o automóvel na garagem, vez que contam com serviço de qualidade e de preço acessível. Assim, o aplicativo estaria cumprindo outra diretriz da Polícia Nacional de Mobilidade Urbana, a qual tem como meta, também, a melhoria da eficiência, de forma sustentável, do transporte urbano.

 

Em que pese o potencial da regulação em trazer mais segurança jurídica na prestação do serviço, as vozes que hoje pregam tal intervenção aparentam mais trabalhar em prol de uma classe que se sente ameaçada com a concorrência que em favor do consumidor. Notório é o poder de lobby da categoria dos taxistas, a qual financia a campanha de diversos vereadores. Assim, é necessário o olhar atento da população, para que eventual regulação não sirva como pretexto para a perpetuação de práticas abusivas por quem não tolera o poder de escolha nas mãos dos consumidores.

  

1O que é a Uber? Disponível em:www.parceirosbr.com. Acesso em: 01 de junho de 2016.

  

2 Apoio ao Uber em Fortaleza ganha força nas redes sociais. Tribuna do Ceará, Fortaleza, 16 de maio 2016. Disponível em: http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/mobilidadeurbana/apoio-ao-uber-em-fortaleza-ganha-forca-nas-redes-sociais/amp/. Acesso em: 16 maio. 2016.

 

3 Fatos e dados sobre a Uber. Disponível em: https://newsroom.uber.com/brazil/fatos-e-dados-sobre-a-uber/. Acesso em: 16 maio. 2016.

 

4 Caso Uber: como a tecnologia disruptiva afeta regulação no Brasil – Disponível em: http://jota.info/uber-comoatecnologia-disruptiva-afeta-regulacao-no-brasil

 

5 DI PIETRO, M. S. Z. Parcerias na administração pública. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 150

 

 

6 Art. 12-A.  O direito à exploração de serviços de táxi poderá ser outorgado a qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poder público local.

 

7 Uber x Táxi: Solução pela via da regulação: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/flavio-amaral-garcia/uber-x-taxi-a-solucao-pela-via-da-regulacao

 

8 José Joaquim Gomes Canotilho – Parecer: http://s.conjur.com.br/dl/parecer-canotilho-uber.pdf

 

9 José Joaquim Gomes Canotilho – Parecer: http://s.conjur.com.br/dl/parecer-canotilho-uber.pdf

 

10 José Joaquim Gomes Canotilho – Parecer: http://s.conjur.com.br/dl/parecer-canotilho-uber.pdf

 

11 Haddad assina decreto e libera o Uber em São Paulo: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/05/haddad-assina-decreto-e-libera-uber-em-sao-paulo.html.

 

12 MAGALHÃES FILHO, G. B. Curso de Hermenêutica Jurídica. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 103.

 

13 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 233-234.

 

14 http://s.conjur.com.br/dl/decisao-uber.pdf

 

15 FRIEDMAN, Milton; FRIEDMAN, Rose. Livre para escolher. Trad. Ligia Filgueiras. 1ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2015. p. 62.

 

16 José Joaquim Gomes Canotilho – Parecer: http://s.conjur.com.br/dl/parecer-canotilho-uber.pdf



BIBLIOGRAFIA

 

 

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

 

DI PIETRO, M. S. Z. Parcerias na Administração Pública. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002

 

DI PIETRO, M. S. Z. Direito Admistrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

 

FRIEDMAN, Milton; FRIEDMAN, Rose. Livre para Escolher. Trad. Ligia Filgueiras. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.

 

BASTIAT, Frédéric. A Lei. Trad. Ronaldo da Silva Legey. 3. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

 

MAGALHÃES FILHO, G. B. Curso de Hermenêutica Jurídica. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2015.

 

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

 

HAYEK, Friedrich August von. Direito, Legislação e Liberdade: uma nova formulação dos principios liberais de justiça e economia política. Vol III. Trad. Instituto Liberal. 1. ed. São Paulo: Visão, 1985.

 

 

 

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