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AS DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS ACERCA DO TEMA PRINCIPAL ESTABELECIMENTO NA FALÊNCIA


Autoria:

Carmem Soares


Bacharel em Direito pela FAMIG em BH/MG.

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Resumo:

A proposta deste trabalho é analisar as posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca da definição do principal estabelecimento na falência e demonstrar que não são seguras e muito menos corretas, mas sim frágeis, além de oferecerem riscos.

Texto enviado ao JurisWay em 02/07/2016.

Última edição/atualização em 03/07/2016.



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1. INTRODUÇÃO

 

A análise das divergências jurisprudenciais e doutrinárias acerca do tema “Principal estabelecimento” é o objetivo deste trabalho. 

Nos estudos verificou-se, que muitos autores e magistrados apresentam diferentes posicionamentos em relação a escolha do principal estabelecimento. Alguns consideram que, o principal estabelecimento pode ser aquele onde está localizada a sede contratual, o registro contábil da empresa, o local em que se concentram o maior volume de operações comerciais e financeiras, e por fim, aquele de onde partem as decisões administrativas. 

São posições interessantes, porém insuficientes, como se pretende demonstrar mais adiante. 

A proposta deste trabalho é analisar as posições doutrinárias acerca da definição do principal estabelecimento e demonstrar que além de divergentes, não são seguras e muito menos definitivamente corretas, no entanto, mostram-se frágeis e oferecem riscos. 

Serão analisados os posicionamentos jurisprudenciais em diferentes unidades federativas do nosso país, demonstrando-se as falhas de cada um. 

O presente trabalho se divide em quatro capítulos sendo que o primeiro aborda os aspectos introdutórios da competência absoluta e relativa; o segundo, a competência especial estabelecida no artigo 3º da lei 11.101/05, para o pedido de falência; o terceiro trata da pluralidade de estabelecimentos empresariais e a fixação do principal estabelecimento como determinante para fixação da competência; o quarto e último capítulo abordam os critérios jurisprudenciais para determinação da competência falimentar. 

Ao final, será apresentado um novo critério pouco adotado pelos doutrinadores e magistrados, o local onde se encontra o patrimônio do devedor. 

No caso de alienação de imóveis ou outros bens, para satisfazer o crédito dos credores, o judiciário terá maior agilidade para arrecadar os bens, se estiver próximo do local onde se concentra o maior acervo patrimonial. 

 

2. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS DA COMPETÊNCIA ABSOLUTA E RELATIVA

 

O presente estudo trata do conceito de “competência”, e pode-se afirmar que é o alcance da jurisdição de um juiz, e o âmbito de sua atuação jurisdicional.

A competência classifica-se em absoluta e relativa.

A competência é absoluta ou “ratione causae”, quando o poder de julgar do juiz abrange toda a matéria objeto da relação jurídica controversa em razão das pessoas, da continência da lide e da ordem hierárquica da jurisdição. Não se permite modificação por vontade das partes.

A competência será relativa, quando couber somente a um juiz o poder de conhecer certas questões; poderá ser modificada, exceto, nos casos de falência.

Na falência, a natureza da competência em regra é absoluta e não pode ser alterada.Assim sendo, para a determinação da competência do juízo falimentar, pouco importa a localidade do registro da sede da empresa, já que a própria lei impõe que o pedido de falência deverá ser processado e julgado na comarca onde estiver localizado o principal estabelecimento do devedor.

O juízo singular do principal estabelecimento é que tem competência para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir a recuperação judicial ou decretar à falência. É considerado foro de competência absoluta, que tem preferência sobre qualquer outro.

As regras de competência previstas na Lei de Falências são de ordem absoluta, quer seja em razão da pessoa e da matéria, ou por estarem reguladas em lei especial sobrepondo-se às regras gerais de competência previstas no Código de Processo Civil.

A lei trata da indivisibilidade. Como regra os processos envolvendo direitos e obrigações do falido serão atraídas pelo juízo falimentar, fixando-se, assim, a unicidade.

Torna-se evidente que não há pluralidade de juízos falimentares, mas um juízo único que não pode ser fracionado.

Segundo Bertoldi (2008), 

O princípio da unidade tem por finalidade a eficiência do processo evitando a repetição de atos e contradições, seria inviável mais de uma falência, por isso a exigência da lei de um único processo para um mesmo devedor. (BERTOLDI, 2008, p. 556).

Para o professor Tomazette, (2014), o que determinará se a competência é relativa ou absoluta serão os interesses dos envolvidos.

Quando a competência envolver interesses exclusivamente privados, será relativa; se, porém, envolver interesse públicoestar-se-ádiante da competência absoluta.Ocorre que na maioria dos casos há interesse público para a solução da crise que envolve a empresa, e por este motivo, a competência em regraserá absoluta.

Nos casos em que a empresa tiver sede fora do Brasil, o juízo competente será onde estiver localizada sua filial; caso haja mais de uma,será onde localizar a principal.

O artigo 76 da lei 11.0101/05 excepciona a indivisibilidade da competência.

As causas oriundas das relações de trabalho que devem ser processadas e julgadas perante a justiça especializada, somente serão atraídas pelo juízo universal no momento da execução. 

As causas fiscais que também tramitam em vara especializada e não se sujeitam ás regras da execução concursal e aquelas não reguladas por esta lei em que o falido figure como autor ou litisconsorte ativo, devem seguir as regras do Código de Processo Civil (ex.: ações de despejo, reintegração de posse).

O sistema jurídico brasileiro excepciona também as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública forem interessadas, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes que serão, obrigatoriamente, processadas e julgadas na justiça federal (Constituição Federal, artigo 109, I).

As ações relativas aos imóveis têm,de forma absoluta,competência determinada pela situação do bem(Código Processo civil, artigo 95), salvo nos casos das ações revocatórias (artigo 129 e 130 da Lei 11.101/05); e as ações que demandarem quantia ilíquida, iniciadas antes da decretação da falência, nas quais o devedor ora falido tenha sido citado anteriormente à sentença da quebra (artigo 6º,§1º).

No juízo falimentar todos os credores de um mesmo devedor comum passam a concorrer junto sem ocasião da formação da massa falida subjetiva, ou seja, a comunhão de interesses dos credores.

Na doutrina de Nelson Nery Junior(1999), "diz-se indivisível o juízo da falência porque ele atrai todas as ações e questões atinentes aos bens, interesses e negócio da falida. Juntas, todas formam o procedimento falimentar”.

Portanto, o juízo falimentar é indivisível na sua competência para os feitos contra a empresa submetida ao procedimento falimentar, ele deve conhecer e julgar estes feitos.

Todos os credores e todos os pedidos serão direcionados para o juiz que tiver recebido o primeiro pedido.

 

3 - A COMPETÊNCIA ESPECIAL FIXADA NA LEI 11.101/05 PARA O PEDIDO DE FALÊNCIA

 

O artigo 3º da lei 11.101/05 tratou da competência, para o pedido e processamento da recuperação judicial. 

Compete ao plano de recuperação judicial, homologar,deferir ou decretar falência, o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial da empresa que tenha sede fora do Brasil.

A doutrina chama este juízo de juízo universal, pelo poder de atrair todas as ações para um mesmo local.

A competência estabelecida em lei especial, é, portanto, estabelecida em razão da matéria; na verdade, a Lei Falimentar consolidou a regra geral estabelecida pelo Código de Processo Civil trazendo a competência para o domicílio do devedor.

Neste sentido, registra Nelson Nery Júnior (1999):

Falência.Para os processos de falência requerida contra pessoa jurídica, será competente o foro do lugar de seu principal estabelecimento (Lei de Falência, art. 7º, caput). Trata-se de competência funcional, portanto absoluta, que tem preferência sobre qualquer outro, inclusive prevalecendo sobre o foro privativo da União, conforme regra expressa da Constituição Federal, art. 109,I.(NERY JÚNIOR, 1999, p. 573).

Isso significa que todas as ações referentes aos bens, interesses e negócios da massa falida serão processadas e julgadas pelo juízo perante o qual tramita o processo de execução concursal por falência. É a chamada aptidão atrativa do juízo falimentar, ao qual conferiu à lei a competência para conhecer e julgar todas as medidas judiciais de conteúdo patrimonial referente ao falido ou à massa falida. (Coelho, 2005, p. 201)

De acordo com Fábio Ulhoa Coelho (2005),

(...) por principal estabelecimento entende-se não a sede estatutária ou contratual da sociedade empresária devedora, a que vem mencionada no respectivo ato constitutivo, nem o estabelecimento maior física ou administrativamente falando. Principal estabelecimento, para fins de definição de competência para o direito falimentar, é aquele em que se encontra concentrado o maior volume de negócios da empresa; é o mais importante do ponto de vista econômico. (COELHO, 2005, p. 205).

O juízo do lugar em que a empresa devedora tem atividade principal é o competente para o processo da falência, e não deve ser confundido necessariamente com o local da sua sede.

Mas como identificar o principal estabelecimento do devedor? 

Nem mesmo a doutrina ou a jurisprudência tem um posicionamento único acerca do tema.

Lobato (2007) diz que:

(...) a doutrina referendada pela jurisprudência, tem sido no sentido de que o foro competente para a decretação da falência não é aquele em que a empresa tem registrado seus estatutos ou atos constitutivos, mas aquele em que a empresa revela, de forma concreta, o corpo vivo, o centro vital das atividades comerciais, a Sede ou o núcleo dos negócios em sua vivência material. (LOBATO 2007, p.39).

Segundo o entendimento de Rubens Requião (1989), “o juízo competente não é o determinado pelo domicílio civil ou estatutário, e sim pela localização do domicílio real, onde se situa o principal estabelecimento, como uma nau capitânia numa frota marítima”.

O autor ainda define estabelecimento como:

(...) o local onde se fixa a chefia da empresa, onde efetivamente atua o empresário no governo ou no comando de seus negócios, de onde emanam as ordens e instruções, em que se procedem as operações comerciais e financeiras de maior vulto e em massa, onde se encontra a contabilidade geral. (REQUIÃO, 1989, p. 81).

Para Tomazetti (2014), “principal estabelecimento deve ser entendido como aquele de maior volume econômico”.

Sobre o tema, Paes de Almeida (2013) diz que a expressão “principal estabelecimento” não está relacionada com a sua proporção e nem tem nenhuma relação com suas instalações, mas refere-se ao local onde o devedor, dirige, comanda, administra seus negócios, a sede da administração.

O Código Civil em seu artigo 1142 dispõe que, estabelecimento é todo complexo de bens organizados, para exercício da empresa, por empresárioou por sociedade empresária.

De acordo com o disposto no citado artigo, há que se entender que o estabelecimento tem relação com o acervo patrimonial.

Mas afinal, como definir qual é o principal estabelecimento?

Diferentemente, no Brasil, analisa-se o posicionamento de alguns doutrinadores e se conclui que existem duas correntes principais que defendem ser o estabelecimento: Onde se localizam e partem as ordens da chefia da empresa; e onde se verifica o maior volume das operações negociais que geram mais receitas sendo este, o mais importante do ponto de vista econômico.

Entretanto, não comum alguém defender como principal estabelecimento, o local onde se encontra o maior acervo patrimonial.

Porém, se a finalidade do processo falimentar é arrecadar os bens para satisfazer o crédito dos credores, porque não eleger a sede onde se encontra o acervo patrimonial? 

Afinal, ao se optar pela definição de principal estabelecimento como aquele onde se encontra o maior patrimônio, o judiciário terá maior agilidade, facilidade para saldar dívidas em menor tempo e sem despesas. 

Dessa forma, será possível inclusive, evitar a fraude contra credores.

Na realidade, atualmente no mundo jurídico, pouco se preocupa com a custódia dos bens do devedor.

Acredita-se que no momento da quebra, a comunicação entre os diversos juízos através de carta precatória, possibilita a arrecadação dos bens pelo juízo falimentar.

É o que prevê o artigo 112 da lei de falência:“os bens arrecadados podem ser removidos, desde que haja necessidade de sua melhor guarda e conservação”. 

Importante é analisar a competência falimentar sob a perspectiva evolutiva do local onde se encontra o maior acervo patrimonial.

Se a finalidade do processo falimentar é justamente arrecadar os bens e pagar os credores, nada mais justo que a competência falimentar seja esta.

 

O ilustre professor, Gladston Mamede (2009) preconiza que:

(...) falência é o procedimento pelo qual se declara a insolvência empresarial (insolvência do empresário ou sociedade empresária) e se dá a solução à mesma, liquidando o patrimônio ativo e saldando, os limites da força deste, o patrimônio passivo do falido. (MAMEDE, 2009, p. 292).

Ora, se a finalidade do processo falimentar é justamente arrecadar os bens e pagar os credores, nada mais justo que a competência falimentar seja aquela onde se localiza o patrimônio do devedor.

 

4. A PLURALIDADE DE ESTABELECIMENTOS EMPRESARIAIS E A FIXAÇÃO DO PRINCIPAL ESTABELECIMENTO COMO DETERMINANTE PARA FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA

 

A Lei de falência, como uma de suas regras de direito processual, se elege para estabelecer o foro competente para decretação da falência.

Por esta regra, determina-se o local do principal estabelecimento como foro competente para se ingressar com o pedido de falência. Assim sendo, se uma empresa possui diversos estabelecimentos, em diversas localidades, um deles deverá ser eleito como principal.

O juízo da comarca onde estiver localizado este estabelecimento será competente para apreciar o pedido de falência.

Uma vez decretada a falência, onde estiver localizado o estabelecimento principal, todos os seus credores deverão concorrer ao juízo falimentar, através do foro universal legalmente eleito.

A indivisibilidade da competência implica em seu caráter de unicidade, ou seja, só poderá haver um único juízo falimentar para um mesmo devedor, pouco importando, como afirmam os doutrinadores, que ele possua estabelecimentos em diversos outros municípios, ou mesmo Estados da Federação.

Neste caso, a escolha do estabelecimento principal é importante para a fixação do juízo competente para a declaração de falência.

Todavia, como identificar qual deles é o principal? 

Poderá acontecer que as características do principal estabelecimento estejam presentes em estabelecimentos distintos. Assim, como solucionar este problema?

Segundo Manoel Justino Bezerra Filho (2007), pode ser que “em cada um deles, exercer-se-á grande número de atividades ou concentrar-se-á administradores, em cada um deles, com amplo poder de decisão”.

É o caso de um pedido de falência em que o autor desconhecia que a empresa ré pertencia a um grupo econômico. 

A prevenção se deu em razão do artigo 6º, § 8º, da Lei de Falências, Lei n.

11.101/2005. 

A decisão foi baseada no fato de a ré pertencer a um grupo de empresas que tinha como principal estabelecimento a cidade de Santa Rita do Passa Quatro, onde já existia um pedido de falência contra uma das empresas do grupo:

Com efeito, existindo pedido de falência anterior contra a referida empresa e tramitando pelo Juízo de Direito da Comarca de Santa Rita do Passa Quatro, prevento se encontra, em função do dispositivo acima mencionado. De toda a documentação encartada naqueles autos, foi possível constatar que essas empresas são constituídas do mesmo quadro societário e realizam, em sua maioria, a mesma atividade em ramo empresarial idêntico, sendo que, em diversos casos, também são integradas umas pelas outras. Esse cenário é suficiente para concluir que pertencem ao mesmo grupo econômico. (Diário de Justiça do Estado de São Paulo - 2014)

No mesmo sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - Principal estabelecimento Empresa que ajuíza pedido de recuperação judicial em Ribeirão Pires, comarca em que se situa uma das empresas do conglomerado econômico sob o argumento de que aí se encontra seu principal estabelecimento. Decisão singular que determina remessa para São Bernardo do Campo sob fundamento de que ali se encontra o principal estabelecimento. Demonstração de que o local das deliberações da diretoria, gerenciamento e demais atividades administrativas, executivas e legislativas acontecem em Ribeirão Pires Ademais, maior corpo produtivo que compõem os aspectos objetivo e corporativo da empresa situados naquela cidade Decisão afastada Recurso provido. Dispositivo: Deram provimento. (TJ-SP. Agravo de Instrumento nº 0190084-41.2012.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Desemb. RICARDO NEGRÃO, j. 04/12/2012).

Como se verifica, as dificuldades para se identificar o principal estabelecimento existem, justamente por não haver um posicionamento único acerca do conceito definitivo do que venha a ser principal estabelecimento.

Nos casos onde há pluralidade de estabelecimentos como filiais, escritórios, sedes, unidades de produção, centros de distribuição, entre outros, a questão parece ser mais complexa, uma vez que os credores estão distribuídos por toda a parte, e, embora se decida pela eleição de um dos estabelecimentos, poderá acontecer que tal escolha não seja a mais correta.

É impossível falar de estabelecimento comercial sem citar Oscar Barreto Filho

(1988), o autor sintetizando o entendimento de eminentes juristas, afirma que, para

José Xavier Carvalho de Mendonça, a identificação do principal estabelecimento estaria no lugar onde se corporifica a sede da liderança dos negócios do devedor comerciante.

Para o saudoso professor Miranda Valverde (2002) o principal estabelecimento,

(...) é aquele no qual o comerciante tem a sede administrativa de seus negócios, no qual é feita a contabilidade geral, onde estão os livros exigidos pela lei, local onde partem as ordens que mantêm a empresa em ordem e funcionamento, mesmo que o documento do registro da empresa indique que a sede fique em outro local. (VALVERDE 2002)

Segundo Torrieri (2010):

Principal estabelecimento também pode ser interpretado no caso da empresa que tem muitas filiais, como sendo o principal aquele onde centraliza a administração, a sede social. (TORRIERI 2010)

A sede administrativa é, com efeito, o ponto central dos negócios, de onde partem as decisões, as relações externas, com fornecedores, clientes, bancos, etc. Na sede da administração é que se faz geralmente, a contabilidade geral das operações, onde se encontram na maioria dos casos, os livros legais de escrituração, os quais interessam no processo de falência, à Justiça.

Sobre estabelecimento principal, J. C. Sampaio de Lacerda (1985) leciona:

Não se deve confundir as noções de sede de uma sociedade com a de estabelecimento comercial. Uma sociedade pode ter uma sede determinada em seu contrato social, mas possuir diversos estabelecimentos em que, de fato, realiza seus negócios, reservando, apenas, a sede para a sua conveniência. É que a lei, fixando o foro competente com base no principal estabelecimento, teve em vista, naturalmente, facilitar a arrecadação dos bens do devedor e nem sempre a sede apresenta volume considerável de bens, capazes de representar valores de maior interesse para a massa. [...] (LACERDA 1985)

Se determinada localidade é onde se centraliza o maior volume de negócios de uma empresa, presume-se que lá se localize a maioria de seus bens e credores, o que facilitará a arrecadação desses bens, sua venda e o pagamento dos credores.

Mas, e se for o contrário, se seus bens, seu patrimônio, estiverem em outra localidade?

Uma situação que poderia se resolver num curto espaço de tempo irá depender de outros juízos para arrecadar os bens através de carta precatória, o que irá gerar despesas, além da dificuldade em se localizar todos os bens.

De acordo com o professor Gustavo H. Almeida (2010), 

(...) há que se considerar que existe a possibilidade que apenas o empresário seja considerado falido e que a empresa venha subsistir, e será justamente através do patrimônio dela, que outro empresário poderá se valer para dar seguimento. Afinal, a alienação do acervo patrimonial em bloco, é um meio viável de se preservar a empresa. Por isso a preocupação em definir como principal estabelecimento o local onde se encontra seu acervo patrimonial (ALMEIDA 2010)

É justamente o que este trabalho se propõe a fazer, analisar todas as situações que antecedem o pedido de falência, cuidando de cada detalhe no momento da escolha do principal estabelecimento, a fim de fazer com que essa decisão seja favorável para todos os envolvidos. 

Para tanto se faz necessário uma análise criteriosa sem nos esquecermos que o objetivo principal é arrecadar os bens e pagar aos credores.

É de suma importância que a fixação da competência se dê de forma correta, e que cumpra seus objetivos num menor espaço de tempo, respeitando o princípio da celeridade e da economia processual, sem causar embaraços ou até mesmo, sem envolver o judiciário de outras comarcas, dificultando assim a arrecadação dos bens e a quitação dos débitos.

Tal demora poder causar um desconforto para o empresário falido, e até mesmo para os credores, afinal, o tempo é um precioso aliado.

 

5. OS CRITÉRIOS JURISPRUDENCIAIS PARA DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA FALIMENTAR

 

Nos tópicos anteriores, concluímos que a Lei 11.101/05 não definiu os critérios e parâmetros para que possamos decidir ao certo, qual é o "principal estabelecimento". Os critérios utilizados comumente têm sido aqueles defendidos pelos doutrinadores como sendo os mais corretos, porém, em alguns julgados dos tribunais, poderemos ver que existem divergências.

As decisões dos Tribunais têm sido no sentido que: "Estabelecimento principal, não é aquele a que os estatutos da sociedade conferem o título de principal, mas o que forma concretamente o corpo vivo, o centro vital das principais atividades comerciais do devedor, a sede ou núcleo dos negócios, em sua palpitante vivência material".

Como sede principal tem-se entendido o lugar onde o comerciante devedor exercer efetivamente suas atividades. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, julgou como foro competente para a concordata preventiva, o local em que o comerciante tiver seu principal estabelecimento. 

Entende-se, assim, por principal estabelecimento, a verdadeira sede administrativa em que está situada a direção da empresa, de onde parte o comando de seus negócios.

Percebe-se que as decisões dos tribunais adotam os critérios apontados pela doutrina como também admitem que o principal estabelecimento possa ser aquele onde se realizam o maior número de reuniões, assembléias e para onde convergem as demandas empresariais que exigem pronta atuação dos sócios.

Uma decisão do Tribunal de Justiça do Paraná diz que:

É competente para o processamento do pedido de recuperação judicial da empresa e de sua falência, o Juízo do local onde o devedor tem o seu principal estabelecimento, a teor da norma contida no artigo 3º da Lei 11.101/2005.4. Compreende-se, pelo novo ordenamento da recuperação e falência, como principal estabelecimento da empresa aquele onde se situa o ponto central de seus negócios, de onde partem todas as ordens, onde atua concretamente o comando empresarial e seu corpo diretivo, onde se concentra o maior número de reuniões e assembleias, e para onde convergem as demandas empresariais que exigem pronta atuação dos 22 sócios. (TJPR - 17ª C.Cível - AI - 1221650-5 - Foro Regional de Campo Largo da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Francisco Jorge - J. 26.11.2014).


De acordo com o entendimento dos tribunais, por "principal estabelecimento" se deve entender aquele no qual se concentram as principais atividades da empresa, o corpo vivo, e a regra legal é que:

[...] é nesse território que o juízo da falência poderá exercer, com maior rigor e eficiência, os atos que devem ser praticados em feito dessa natureza. Por outras palavras, é nessa base territorial que o juiz poderá exercer mais adequadamente, em prol do interesse público, a função que lhe compete. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 409.400-4, da oitava Vara Cível, do Foro Central de Curitiba, 2007).

Verifica-se que, a jurisprudência superior (Superior Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça), já se posicionou sobre a definição de principal estabelecimento:

"Não é aquele a que o estatuto da sociedade confere o título de principal, mas o que forma concretamente o corpo vivo, o centro vital das principais atividades comerciais do devedor, a sede ou núcleo dos negócios, em sua palpitante vivência material". (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 409.400-4,da oitava Vara Cível, do Foro Central de Curitiba, 2007)

Entretanto, nem sempre os tribunais decidem de acordo com o posicionamento adotado pelos demais, há sempre divergências em relação à definição do juízo competente para julgar tais questões.

Em recente julgado (2007), a empresa “ROBERPAR – Serviços de impressão Ltda.”, mais conhecido como “Jornal Tribuna do Brasil”, entrou com o pedido de falência na cidade de Brasília, onde exercia suas principais atividades, quando para sua surpresa, aquele juízo declinou da competência para conhecer do pedido, sob o fundamento que a sede estatutária da empresa, localizava-se em SP, para onde remeteu os autos.

Foi necessário interpor Agravo de Instrumento pedindo reforma da decisão, visto que o empresário falido corria o risco de ocorrer lesão de difícil reparação, pois admitiu não possuir sequer, recursos financeiros para acompanhar os trâmites processuais naquela cidade.

Ora, não havia dúvidas de que o referido jornal circulava em Brasília, e que seu principal estabelecimento situava-se no Distrito Federal, o que torna o Juízo da Vara de Falências daquela capital, competente para apreciar o requerimento de quebra.


Finalmente, decidiu o tribunal seguindo a corrente majoritária:

DIREITO COMERCIAL. FALÊNCIA. JUÍZO COMPETENTE. Para os fins de declaração de falência, competente é o juiz em cuja jurisdição o devedor tem seu principal estabelecimento. Considera-se principal estabelecimento aquele onde são desenvolvidas as atividades centrais administrativas. "Ademais, não se logrou comprovar de forma inequívoca que o centro das decisões e das atividades da agravada se encontra em São Paulo, eleito em seus atos constitutivos como sede social. Assim sendo, pelo menos até que se produzam provas suficientes em sentido contrário, é prudente que a ação continue a tramitar no Juízo Falimentar do Distrito Federal. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para, confirmando a liminar concedida, determinar o processamento do pedido no Juízo de Falência do Distrito Federal. (TJ-DF Relator: JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 08/08/2007, 6ª Turma Cível).

Como pode se observar, no tópico que trata da fixação do principal estabelecimento como determinante para fixação da competência, destacou-se a importância que o juízo tenha total controle sobre os procedimentos na falência quanto na recuperação. Veremos que recentemente num julgado do TJRS, evidencia-se a preocupação em manter a proximidade do juiz aos negócios do falido como causa determinante da competência, de forma a facilitar o controle:

Principal estabelecimento vem a ser aquele onde o empresário susceptível da incidência da Lei 11.101/05 desempenhe, como primazia, sua atividade; onde concentre, no caso concreto, a maior expressão de suas atividades, onde desempenhe e se desenvolva o maior número de contratos de prestação de serviços, e onde de fato é exercida a atividade empresária. E assim diz a lei, com inteligência, porque na recuperação judicial e principalmente na falência a intensa intervenção do juízo falimentar e universal na empresa demanda a proximidade do juiz aos negócios do falido/empresário em recuperação, de molde a facilitar o controle e a jurisdição. quanto as atividades que se desenvolvem quer na recuperação quer na falência. A proximidade do juiz com o negócio, aqui compreendido onde ele mais intensamente se desenvolve da empresa em recuperação é a causa determinante da competência estabelecida em Lei. (TJ-RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto. Data de Julgamento: 29/05/2014, Quinta Câmara Cível).

O r. acórdão considerou como principal estabelecimento a localidade onde a empresa centraliza suas atividades gerenciais e administrativas, além de ser coordenar todos os contratos firmados com os mais variados clientes.

Nesse sentido, Ricardo Negrão (2008) assevera que: 

(...) prevaleceu, portanto, no novo ordenamento, o princípio absoluto da fixação da competência pelo local onde o empresário possuir seu principal estabelecimento, assim compreendido como o ponto central dos negócios, de onde partem todas as ordens, que imprimem e regularizam o movimento econômico dos estabelecimentos produtores. (NEGRÃO, 2008, p.33).

Igualmente a esse respeito, ensina o professor Waldo Fazzio Júnior (2008):

Podemos concluir, portanto, que estabelecimento principal, para os efeitos do art. 3º da LRE, não è aquele que os estatutos da sociedade conferem o título de principal, mas o que forma concretamente o centro vital das principais atividades profissionais do agente econômico, o núcleo de seus negócios, onde se densifica a empresa. Assim, o principal estabelecimento é o centro de operações negociais, sem que, por isso, seja o centro de seus principais interesses. (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p.51)

Entretanto, vale lembrar que, caso o principal estabelecimento escolhido não venha ser aquele onde se encontra o acervo patrimonial da empresa, o juiz não terá a mesma proximidade que se almeja, pois dependerá de outros juízos para alcançar a finalidade pretendida, qual seja arrecadar os bens e pagar os credores.

Também é muito comum acontecerem casos em que algumas empresas tentam burlar a lei, alterando o endereço da sede no contrato social, no intuito de postergar o cumprimento das decisões judiciais. 

Como exemplo, podemos citar o caso em que a empresa SERSAN –Sociedade de Terraplanagem Construção Civil e Agropecuária Ltda., em 21/07/2005, requereu recuperação judicial na Vara de Falências e Concordatas do Distrito Federal sob a alegação de que possuía sede naquela localidade. Ocorre que, no ano de 1998, esta mesma empresa teve sua falência requerida no estado do RJ, perante a 4ª Vara de Falências e Concordatas (atual 4ª Vara Empresarial), onde ocorreram sucessivas derrotas judiciais e onde estava estabelecida sua sede, sua matriz, a administração e seus principais estabelecimentos.

Na verdade, a empresa citada não se trata de uma empresa qualquer, uma vez que o pedido de falência de seus credores se deu em razão de um fato ocorrido em 22/02/1998, de grande relevância nacional, a queda dos edifícios Palace I e II, no estado do RJ, quando 22 apartamentos foram ao chão. 

Naquele mesmo ano foram intentadas inúmeras medidas judiciais perante a Justiça Carioca (Estadual e Federal) com vista a resguardar o direito à reparação dos danos das vítimas prejudicados. 

Tais medidas culminaram na decretação da indisponibilidade dos bens e, consequentemente, com a paralisação das atividades da SERSAN.

Em 2002, exatamente 4 anos e 7 meses após o ocorrido, após inúmeras derrotas judiciais, a empresa alterou seu contrato social mudando o endereço de sua matriz para a cidade de Brasília.

Neste caso, restou o entendimento jurisprudencial que o principal interesse da empresa era deslocar a competência para apreciação do pedido de recuperação judicial, do juízo do Rio de Janeiro para o Distrito Federal, a fim de se livrar das constrições patrimoniais arbitradas pela justiça carioca.

Deslocando a competência, alcançaria seu objetivo, em suma, tumultuaria todo o processo, visto que um grande número de credores se concentrava no Rio de Janeiro. Além de que, as reuniões do comitê de credores, a assembleia geral, ficariam geograficamente prejudicadas.

Imaginem como 170 vítimas daquela tragédia se reuniriam através da comissão de credores, caso a recuperação judicial se desse na capital federal ou mesmo em outra capital, ficaria inviável tal situação.

Percebe-se que tal manobra nada mais objetivou senão favorecer a empresa, burlar a lei e adiar o cumprimento das obrigações,inclusive, suspender o leilão do Hotel Saint Peter.

Veja-se parte transcrita do voto do ministro Antonio Carlos Ferreira, relator no Recurso especial intentado pela empresa e os critérios considerados na decisão:

Até porque, o conceito de domicílio real deve ser obtido considerando-se a época em que a empresa estava, efetivamente, em funcionamento, não sendo razoável que alterações implementadas no endereço da sede após o encerramento das atividades possam importar em deslocamento de competência. Na espécie, exsurge dos autos que a decisão da agravante de modificar seu domicílio 4 anos após o início de suas contendas na Vara de Falências do Rio de Janeiro constitui, na verdade, uma manobra para tentar reverter as sucessivas derrotas que vinha sofrendo naquele juízo, bem como para dificultar o acesso da maioria de seus credores ao seu plano de recuperação. Tal tese acaba sendo corroborada pelo fato de a presente medida 26 judicial ter sido intentada no curso do plantão judicial e poucos minutos antes do horário do leilão determinado pela Justiça do Rio de Janeiro, inobstante autora, certamente, já estar ciente da referida data há muitos dias.  (RECURSO ESPECIAL Nº1.006.093 - DF (2006/0220947-8) Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira)


Conclui-se, segundo as palavras do magistrado, que no caso em suma, firmou-se como competente, o juízo do último local em que se situava o principal estabelecimento, de forma a proteger o direito dos credores e a tornar menos complexa a atividade do Poder Judiciário, sendo assim, permaneceu o estabelecimento fixado na cidade do rio de janeiro, onde tudo teve início.

Cite-se também, o conflito de competência suscitado pela Sharp, uma conhecida marca de eletrônicos do nosso país. Naquele caso, os ministros prolataram uma decisão favorável à alteração do principal estabelecimento, mudando a sede onde concentravam as atividades mercantis para o centro das atividades industriais.

Em 24/03/2000, a Sharp S/A Equipamentos Eletrônicos e a Sharp do Brasil S/A Indústria de Equipamentos Eletrônicos impetraram pedido de concordata preventiva na cidade de Manaus, cujo processamento foi deferido em 28 de agosto de 2000. Em 2004, um credor da cidade de SP, pediu sua falência com base num título quirografário anterior ao deferimento da concordata. A falência foi decretada pelo juízo suscitado, enquanto a competência absoluta seria do juízo de Manaus, onde foi constatado ser o centro vital das atividades da Sharp, sendo assim, o competente para deferir a falência e não o de São Paulo “O juízo competente para processar e julgar pedido de falência e, por conseguinte, de concordata é o da comarca onde se encontra o centro vital das principais atividades do devedor". (CC 37736 SP 2002/0155087-3).

Inicialmente foi considerado como principal estabelecimento, a sede de um estabelecimento fixado na cidade de São Paulo, onde concentrava as atividades mercantis — comércio, importação e exportação de produtos diversos e prestação de serviços de assistência técnica.

Tais atividades compunham o faturamento global da empresa e eram deliberadas e implementadas em São Paulo, sede administrativa e centro de decisões da empresa, na qual se encontravam sua direção e de onde partiam a planificação e o comando geral dos negócios. 

Entretanto, o centro de suas atividades industriais, a sede patrimonial da Sharp, concentrava-se em Manaus.

 

Transcreve-se trecho da fundamentação da decisão do tribunal no caso concreto:

[...]é em Manaus, por exemplo, onde se encontra o parque industrial das sociedades empresárias em exame, razão de existência dessas. Por conseguinte, Manaus abarca também a maioria dos trabalhadores das referidas sociedades. Pertinente, destarte, a observação da Massa Falida, por meio do parecer do Dr. Flávio Luiz Yarshell, de que, "quer se analise a questão sob o ângulo de liquidação de patrimônio, quer especialmente se veja o cenário sob o prisma de eventual retomada de atividades, é na Comarca de Manaus que a função estatal melhor, mais racional e eficientemente será prestada". Portanto, evidencia-se a competência do Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – AM, ora suscitado.

O ministro Castro Filho (2010), em seu voto, ao analisar o centro vital das atividades, comparou a figura organizacional de uma empresa ao corpo humano:

Sr. Presidente, a mim me parece que o corpo de uma empresa pode se assemelhar ao corpo humano, dotado de alguns órgãos vitais, como o coração, o pulmão e o cérebro. Na empresa, o importante é levar em consideração o cérebro e, pelo que nos expôs a ilustre Ministra-Relatora, parece-me que, realmente, o cérebro está em Manaus, razão pela qual a acompanho. (MELO 2010)

Ademais, por se tratar de uma empresa do ramo de eletroeletrônicos, os elementos existentes no processo não deixavam dúvidas de que Manaus era a cidade onde se situava o "centro das atividades", o “parque industrial”, razão de existência daquela sociedade e local onde se encontravam a maioria dos trabalhadores das referidas sociedades.

A decisão que prolatou a competência do juízo de Manaus valeu-se das palavras do professor Carvalho de Mendonça (1946): 

Principal estabelecimento é o lugar onde o devedor, comerciante ou sociedade anônima, centraliza a sua atividade e influência econômica; onde, todas as suas operações recebem o impulso diretor; onde, enfim, se acham reunidos normal e permanentemente todos os elementos constitutivos do seu crédito. É, em resumo, o lugar da sede da vida ativa, o lugar onde reside o governo dos negócios do devedor. (MENDONÇA 1946)

Conhecido o conflito, foi declarada a competência do Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – Amazonas, anulados os atos decisórios praticados pelo Juízo de Direito da 39ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo – São Paulo e a sentença de declaração de falência proferida pelo Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de Manaus – Amazonas.

Recentemente, um juiz da 2ª vara de falências de São Paulo, em cognição sumária, declarou-se incompetente para julgar o pedido do Banco Votorantim pedindo a falência da empresa Zamin Amapá Mineração S/A, reconhecendo que a empresa centraliza suas atividades no Amapá e não em São Paulo. 

A decisão se deu em razão de um dos diretores da empresa residir naquele estado, e também ao fato da denominação, acreditando-se, ser uma indicação de que é lá que ela realiza suas principais atividades.

Inconformado com a decisão, o autor interpôs Agravo de Instrumento onde alegou:

[...] que o local onde reside um dos diretores não coincide, necessariamente, com o lugar em que as principais decisões da companhia são tomadas, bem como que a denominação social não necessariamente reflete o local onde companhia tem o seu centro de atividades. (AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 2044499-16.2015.8.26.0000).

Para o autor, houve divergência interpretativa quanto ao que dispõe o art. 3º da lei 11.101/05. Ressaltou ainda, que a sede da ré se localiza em São Paulo, onde são emanados os atos de administração e gestão da empresa, é o endereço de São Paulo que consta na ficha cadastral da JUCESP, no cadastro da SERASA, na Receita Federal e no seu sítio eletrônico. Destacou também, que foi no endereço de São Paulo que a agravada recebeu intimação do protesto do título que embasou o pedido de falência, e que os maiores credores da companhia se localizam na cidade de São Paulo. Ao final, seu pedido foi processado com efeito suspensivo.

O último andamento do referido processo ocorreu em 09/04/2015 quando as partes foram intimadas para ciência de que, caso seja atendido o pedido do autor e decretada a falência em São Paulo, será excessivamente custosa a atividade de arrecadação de ativos no Amapá, devendo, portanto, o advogado do autor assumir o encargo da administração judicial ou prestar caução no importe de R$50.000,00 (Cinquenta mil Reais) para garantir futuras despesas com deslocamento do profissional a ser nomeado pelo juízo, despesas de estadia e de apoio para arrecadação.

 

6. CONCLUSÃO

 

Através do presente estudo conclui-se que os critérios utilizados para definir o principal estabelecimento pela doutrina e jurisprudência realmente são realmente confusos.

Sobre a competência, pode se afirmar que é absoluta num primeiro momento, porque deve ser ajuizada obrigatoriamente perante o juízo falimentar, porém, num segundo momento é relativa, pela diversidade de critérios para se definir o principal estabelecimento.

Quanto a competência especial tratada no artigo 3º da lei 11.101/05, a lei é clara ao especificar que deve ser aquela onde se localiza o principal estabelecimento, onde se desenvolve a atividade principal e a discussão gira exatamente em torno das múltiplas interpretações de qual seria o estabelecimento correto.

Embora algumas posições definam como sendo o lugar onde se corporifica a sede contratual, onde se centraliza a administração dos negócios do devedor, onde partem as decisões, onde é feita a contabilidade geral, onde se realiza o maior volume negocial, enfim, verifica-se que todas essas posições são frágeis.

Ainda que os tribunais tenham adotado o critério do centro vital das principais atividades do devedor, só fez gerar múltiplas interpretações. Nenhuma delas pode proporcionar a segurança jurídica de que o processo irá se desenvolver de forma tranquila.

Entretanto há novas posições, um novo critério tem sido adotado, que leva em conta a sede onde se concentra o maior número de trabalhadores, diga-se de passagem, interessante, se analisarmos do ponto de vista que são os primeiros da lista de credores e terão participação na composição e deliberações da assembleia geral, na forma do art. 41 da Lei de Recuperação e Falência.

Através das análises realizadas, objetiva-se reforçar um critério já existente, mas pouco considerado pelos doutrinadores e magistrados, o critério do local onde encontra o maior acervo patrimonial da empresa.

Critério esse, essencial para cumprir a finalidade do processo falimentar, que é arrecadação dos bens do devedor para pagamento dos credores; no caso de alienação de imóveis ou outros bens, para satisfazer o crédito dos credores, o judiciário terá maior agilidade para arrecadar os bens, se estiver próximo do local onde se concentra o maior acervo patrimonial.

O processo falimentar cumprirá seus objetivos num menor espaço de tempo, respeitando o princípio da celeridade e da economia processual, sem causar embaraços ou até mesmo, sem envolver o judiciário de outras comarcas.

 

REFERÊNCIAS

 

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TJ-SP - Agravo de Instrumento nº 0190084-41.2012.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Desemb. Ricardo Negrão, j. 04/12/2012.

TJ-SP - AI: 20444991620158260000 SP 2044499-16.2015.8.26.0000, Relator: Claudio Godoy. Data de Julgamento: 25/03/2015, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 29/03/2015.

 

 

 

 

 

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