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FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO


Autoria:

Francisco Jose Carvalho


Mestre em função Social do Direito - Pós-Graduação em Direito Civil - Pós Graduação em Direito Ambiental - Formado em Direito pela UniFMU - Professor do Centro Universitário Anhanguera de São Paulo, Autor da Teoria da Função Social do Direito - Advogado, Consultor e Parecerista

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Resumo:

A função social do direito se constitui numa teoria contemporânea do direito que reestrutura todo o ordenamento jurídico. Por meio dela se estabelece um novo sistema de interpretação do fenômeno jurídico.

Texto enviado ao JurisWay em 09/03/2016.



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FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO

 

SUMÁRIO: 1. Introdução - Do conceito de função e de função social do direito  - 1.2. As transformações ocorridas no século XX - 1.3. A ideologia do Estado Social de Direito - 1.4. A importância do Estado Social de Direito - 1.4.1. O Estado social de direito X função social  - 1.5. O emergir dos valores sociais no século XX e as novas realidade jurídicas - 1.6. Natureza jurídica difusa  dos novos bens- 1.6.1. A evolução da matriz do direito no século XX - 1.7. O emergir dos valores sociais no século XX e as novas realidade jurídicas - 1.8. A concepção de função social do direito - 1.9. Conceito de função - 1.10. A função social do direito no Direito Comparado - 1.11. Função Social do direito na Constituição Federal de 1988 - 1.12. A estrutura normativa do Código Civil de 2002 - 1.13. Função social no Código Civil - 1.14. Uma nova interpretação da norma jurídica - 1.15. A força do Estado de Direito para efetivar a norma jurídica - 1.16. A interpretação funcional do direito - 1.17. Conclusão.

 

 

1.      Introdução

 

Por meio desse esboço procuramos fazer algumas exposições sobre a função social e a função social do direito, compreendendo esta como uma Teoria de Direito, cujas premissas residem no fato de que o direito deve atender e alcançar uma função predisposta na estrutura dogmática da norma jurídica e por essa razão, o conteúdo da norma deve atender aos fins delineados pelo legislador, a partir do dado hipotético sob o qual foi criada a regra de direito.

Tentaremos trazer algumas compreensões que reputamos necessárias, para nos direcionar nesta questão que entendemos ser crucial em pleno terceiro milênio, sob a qual repousa a dúvida e a incerteza quanto ao conceito, alcance,conteúdo e efeitos das relações jurídicas negociais pautadas pela função social e pela função social do direito.

 

1.1.                     Do conceito de função e de função social do direito

 

A função social do direito é um conceito metajurídico, não unívoco, indeterminado, cujo sentido e alcance parecem estar escondidos num cofre, cujo segredo ainda não foi descoberto, cabendo ao operador do direito criar uma fórmula mais clara e mais lúcida, capaz de desvendá-lo e descobrir as riquezas que o ordenamento jurídico trouxe ao longo dos tempos, e mais precisamente, no mundo contemporâneo, no século XX e no limiar do século XXI.

Para que nos façamos compreender, partimos da concepção de evolução do direito, bem como das transformações ocorridas no século XX. Isso se fará sentir a partir da evolução da concepção de Estado Liberal de Direito para Estado Social de Direito e mais precisamente, da concepção contemporâneo de Estado Social Democrático de Direito.

Defendemos que o direito sempre teve ou buscou atender uma função social. Mas, a função social do direito nos moldes contemporâneos, isto é, com a feição dos novos valores, bens e direitos humanos e sociais de modo mais claro ocorre no século XX a partir da evolução do Direito Constitucional, em especial da Constituição do México de 1917 e da Constituição da Alemanha de 1919, que forneceram para as demais legislações do mundo a fora o sentido de solidariedade social, bem comum, paz e justiça.

Sem a compreensão contemporânea desses dois documentos (Constituição do México e da Constituição), ao lado das outras constituições que a sucederam ou a modificaram e suas conseqüentes reformas, bem como, do surgimento da legislação extravagante de cada país, bem como de outras constituições contemporâneas (França, Itália, Portugal, Espanha, Brasil, Argentina) entre outras, não há como se entender a função social e a função social do direito nos dias atuais.

 

1.2. As transformações ocorridas no século XX

 

O século XX foi o responsável pelas grandes alterações jurídicas do mundo contemporâneo. No cenário das profundas transformações sociais, ideológicas, políticas, econômicas, culturais e jurídicas ocorridas nesse período, à transformação econômica certamente foi a que mais causou impacto na estrutura do direito.

A estrutura normativa do Estado liberal instaurado com a grande Revolução Francesa de 1789 não permitia o equilíbrio das relações jurídicas, do mesmo modo que não permitia que as partes numa relação jurídica contratual tivessem seus interesses pautados pela boa-fé objetiva, pelo sentido de socialidade e solidariedade social que o século XX passou a conhecer com a Constituição do México de 1917 e a Constituição alemã de Weimar de 1919.

A tríade ideológica da Grande Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) serviu de suporte para alavancar e tornar possível o sonho daquela classe - burguesia - de chegar ao poder e tomar as decisões, de modo que essa tríade não foi aproveitada pelas grandes massas de povos que residiam nos campos e nas cidades. É possível dizer que a liberdade e a igualdade foram muito bem aproveitadas pela burguesia e a fraternidade que deveria alcançar a todos foi desprezado da mesma forma, como foram desprezadas a igualdade e a liberdade em relação àqueles que não tinham o poder econômico e não exercia o poder de controle, ou seja, os menos favorecidos.

Ao lado da alteração do contexto normativo com a edição da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, da Constituição Francesa de 1789 e do Código Civil de Napoleão Bonaparte de 1804, alteraram-se no cenário europeu, os dados jurídicos que antes estavam suflagrados pelo regime absolutista, fazendo com que os valores da grande Revolução representassem um novo viés para a sociedade francesa e européia dos fins dos séculos XVIII em diante.

Com o advento da Revolução Industrial e sua conseqüente expansão pelo mundo, houve um crescente aumento do capital, especialmente o capital resultante dos novos empreendimentos econômicos trazidos pela expansão das fábricas na Europa, nas Américas, na Ásia e na África, quando foram substituídos os teares manuais pela máquina, no mesmo palco em quer surgiu também às locomotivas e a atividade em escala. 

No século XX, e em especial, após a Segunda Guerra Mundial, a sociedade empresária passa a investir fortemente na produção em massa, possibilitando cada vez mais o aumento da produção. Ao lado desse aumento, novas tecnologias são descobertas e novos modelos de produção industrial são colocados em prática, fazendo com que a produção que já era de massa, mecanizada, ganhasse mais força ainda, aumentando o lucro e gerando divisas para os investidores do setor.

Após a segunda Guerra Mundial, os avanços da produção e das pesquisas ocorreram na mesma proporção. A produção tecnológica, o avanço das telecomunicações e a informatização forneceram novas perspectivas para os mercados e colocaram as nações mais avançadas no cenário de destaque mundial.

Na medida em que ocorreram esses avanços, surgiram também grandes problemas, em especial, os problemas relacionados à queda vertiginosa do emprego, os problemas ambientais de toda ordem, como a poluição, o uso da energia nuclear, os acidentes ambientais e a insustentabilidade dos ecossistemas do Planeta.

A queda no emprego se deve a alteração do modelo de produção em escala com o uso da máquina e do incremento da produção escalonada.  O modelo que antes da Segunda Guerra mundial e posteriormente, nas últimas décadas do século XX ainda se fazia presente pela massificação da mão-de-obra humana, passou a ser substituída enormemente pela mecanização por meio da utilização dos Robots.

Ao lado do avanço tecnológico ora enfocado, o indivíduo, o homem, o cidadão, a empresa e o empresário, na mesma vertente, passaram a adotar medidas cada vez mais rápidas para apresentar soluções condizentes com a realidade dessas inovações. Neste cenário, o direito positivo foi se amoldando à realidade social que o mundo contemporâneo conheceu no século XX e se apresenta no limiar do século XXI.

O direito aos poucos passou a disciplinar essa nova realidade para acomodar as transformações sociais e econômicas e evitar no curso de sua implementação, evitar os danos ambientais tão presentes, do mesmo modo em que preciso adequar o modelo de contratação individualista até então vigentes, para acolher a coletividade num processo contínuo de defesa de seus interesses e direitos para tornar possível uma ambiência social mais segura, solidária e justa.

 

1.3. A ideologia do Estado Social de Direito

 

A Ideologia do Estado de social de direito consiste numa concepção jusfilosófica da ação do Estado voltada para a implementação de políticas públicas que possa atingir toda a sociedade. Políticas públicas que concretize os direitos básicos do cidadão, como os  direitos à moradia e a habitação, a saúde, ao trabalho, a educação, a previdência pública, entre outros seguimentos de cunho social.

Resulta essa diretiva da alteração dos conceitos e dos paradigmas que outrora foram às bases do Estado liberal de direito, nascido com a Revolução Francesa e cuja dogmática esteve centrado no pilares (liberdade, igualdade e fraternidade) da filosofia liberal de grandes utópicos de seu tempo.

No século XX, a norma jurídica que antes da Constituição do México de 1917 e da Constituição da Alemanha de 1919 estava voltada para o liberalismo econômico exacerbado, não permitia uma interferência do Estado nas relações jurídicas privadas.

A partir do momento em que surgem estas duas constituições, nasce também uma nova reflexão sobre o plano normativo que se instala.

Todos nós sabemos: “O liberalismo é de inspiração iluminista, como se vê. É uma doutrina que privilegia o indivíduo e a sua liberdade, o livre jogo das ações individuais que, segundo se acredita, conduz ao interesse geral. Como doutrina política, visa limitar os poderes do Estado em relação às liberdades individuais, bem assim aumentar a independência do Legislativo e de Judiciário em relação ao Poder Executivo”. [2]

Enquanto se tinha no liberalismo econômico a omissão do Estado em reger as relações privadas, o Estado social de direito que se instala a partir das duas constituições referidas, vem para fornecer elementos para que o próprio Estado avalie seu papel de gestor das relações sociais, assumindo a partir de então, um novo direcionamento, uma nova vertente: a vertente social.

Esse novo direcionamento é regular às relações jurídicas, sejam elas privadas ou públicas, de forma ampla, regulando os conflitos a partir de uma dimensão social, não mais meramente individual ou puramente privada.

Essa dimensão social se preocupa com a pessoa humana e o colocará como elemento cardeal da ação do Estado que não privilegiará apenas o indivíduo em si mesmo, mas as suas potencialidades, buscando atender suas necessidades humanas para alcançar uma dignidade sempre sonhada no contexto das realidades sócias, especialmente do século XIX.

 

1.4. A importância do Estado Social de Direito

 

A importância do Estado de direito se faz presente exatamente na alteração do contexto não meramente jurídico, mas, sobretudo, pelo implemento do valor social nas políticas públicas que aos poucos, durante todo o século irá ser implementada.

Isso faz com que as pessoas menos favorecidas economicamente falando, sejam lembradas nessas políticas públicas e mereçam a atenção do Estado, daí dizer que o Estado é o primeiro a evitar a sua não implementação.

De acordo com as mudanças operadas nos sistemas jurídicos, em especial após a Revolução Francesa, em que surge um modelo de codificação para todo o mundo ocidental, os ideários da Revolução, como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, irão aos poucos sedimentando o sonho da burguesia de chegar ao poder e controlar as decisões.

Essa realidade de liberdade e igualdade, como já se disse foi muito bem aproveitada pela classe burguesa, mas no que tange a fraternidade nos parece que nos dias atuais vivemos uma realidade cada vez mais distante.

Tem razão Arruda Alvim quando leciona: “Penso que a fraternidade jamais foi operada no plano histórico, como também tenho sinceras dúvidas de que a solidariedade de que se fala hoje possa vir a frutificar, ao menos na escala em que se espera”.[3]

 

No Direito Constitucional contemporâneo brasileiro, art. 3º inciso I, a Carta da República trás como premissas fundamentais a prática, o exercício e o objetivo fundamental da sociedade livre, justa e solidária. Esses são valores contemporâneos, traduzindo-se em verdadeiros predicados cardeais que devem ser observados pelo homem, pela empresa, pelo empresário e pelos entes políticos do Estado.

É o Estado quem imprime na cultura jurídica os valores sobre os quais o individuo, o homem, o cidadão, a empresa e o empresário devem observar, perseguir e torná-los eficazes no plano real e substancial da pessoa humana.

Nos dias atuais, os textos normativos, tanto da Constituição Federal, como do Código Civil, entre outros diplomas legais imprimem também outros valores, tais como: a socialidade, a eticidade, a boa-fé objetiva, a equidade, a probidade, ao lado daqueles do inciso I, do art. 3º da Constituição Federal: (solidariedade, liberdade e justiça), assim como, os valores do bem comum, desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e o combate às desigualdades sociais e regionais, art. 3º incisos II, III, IV da C.R), ao lado dos valores da soberania, cidadania, da dignidade da pessoa humana, do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político, art. 1º, incisos I, II, III IV e V da CF.

Deve se dizer que efetivar esses valores no plano fático se tornou um dos maiores desafios dos governos, da sociedade, do Poder Judiciário e de todos os atores sociais.

Esse desafio requer uma mudança de comportamento, uma mudança do pensar e várias alterações das concepções individualistas para se acolher o “nosso” em substituição muitas vezes do “meu”, do “teu”.

Após a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, o mundo se deparou com vários resultados negativos provenientes da devastação provocada pelas lutas armadas. A Segunda Guerra Mundial trouxe prejuízos astronômicos para a humanidade e a partir de então o embate passou a ser através da luta ideológica e não mais da luta armada (fascismo e nazismo).

Ao enfoque da luta ideológica se atribuiu o nome de guerra-fria, porquanto a ideologia capitalista de um lado e o comunismo de outro representavam as forças políticas e ideológicas que nortearam a segunda metade do século XX, quando ocorreu um fantástico crescimento industrial que veio a se expandir pelo mundo ocidental, vindo a atingir os países denominados de terceiro mundo.

O avanço tecnológico, muitas vezes desordenado, propiciou a ocorrência de grandes desastres ao meio ambiente, tornando a vida no Planeta Terra cada vez mais difícil. O direito ao meio ambiente é certamente o que mais rapidamente trouxe implicações no plano da sobrevivência do próprio Planeta, porquanto, toda atividade de produção, seja qual for sua natureza, está regida pelas normas de proteção ao meio ambiente. E na catalogação da proteção ao meio ambiente residem as questões afetas à salubridade ambiental, a sustentabilidade dos meios de produção e de todas as espécies de vida existentes nos vários sistemas.

No final do século XX, o modelo de produção e a capacidade de geração de riquezas, estavam acima de qualquer outro condicionante. O aparecimento dos direitos difusos a partir da consciência da finitude dos recursos ambientais inverte a ordem de prioridades, passando o meio ambiente a ser condicionador do próprio desenvolvimento e da proteção aos direitos do consumidor.[4]

O Estado Social de Direito no século XXI tem uma missão árdua que é efetivar os valores contemporâneos da socialidade, da eticidade, da boa-fé objetiva, da equidade, da probidade, da solidariedade, da fraternidade, da partilha e do bem comum, aliados ao princípio da dignidade da pessoa humana bem como promover a paz e a justiça social.

Essa não é uma missão somente do Estado, mas do Estado e da sociedade, porquanto tanto o Estado como a sociedade são convocados pelo ordenamento jurídico a empreender políticas públicas e práticas que promovam o bem comum e o bem estar de todos, efetivando o princípio da dignidade da pessoa humana, como predicado da justiça social, desiderato máximo do constitucionalismo contemporâneo e da função social do direito.

 

1.4.1. O Estado social de direito X função social

 

 

Desde há muito tempo atrás temos defendido que a Ciência do Direito sempre teve, atendeu, exerceu ou deve atender ou exercer uma função social, isto porque entre as várias finalidades da ciência jurídica está a construção da paz social, permitindo assim, a harmonia de todos os personagens que vivem em sociedade.

 É preciso que se compreenda que a regra de direito desde os tempos mais remotos da cultura humana, sempre foi criada com vistas à pacificação dos conflitos dos vários grupos sociais, já contendo nessa perspectiva, uma função e uma função social a atender, cumprir e desempenhar.

Função social do direito sempre existiu, porquanto entendemos que ela é da natureza das normas jurídicas e também, da própria pessoa humana. A função social está indelevelmente relacionada à pessoa humana, em vista da norma ser configurada para atender as finalidades eleitas pelo homem que entre outras, reger a vida humana, comportamentos, etc.

Essa função social assumiu um viez próprio de acordo com o tempo e o espaço e pode ser vislumbrada a partir de uma leitura fenomenológica da realidade de cada sociedade, perspectiva essa não muito fácil de ser notada e compreendida, mas não impossível.

A construção ideológica da função social e da função social do direito nos moldes do mundo contemporâneo teve início no século XX, especialmente com o advento da Constituição mexicana de 1917 e, posteriormente, em 1919, com a Constituição alemã em Weimar.[5]

Todavia, não se pode desprezar os dados filosóficos construídos pela doutrina de Santo Tomás de Aquino e pela Encíclica Rerum Novarum de 1891, cujos matizes encerraram a compreensão de uma perspectiva social cristã para a solução das desigualdades sociais e pela defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana.

Em termos jurídicos, e inspirados no sopro de misericórdia da encíclica papal de 1891, de Leão XII, os documentos jurídicos do México de 1917 e de Weimar de 1919 representam o marco do direito social no Ocidente.

A constituição mexicana de 1917 representou certamente o marco inicial de uma nova cultura política e social do direito, porquanto, inovou no âmbito legislativo criando uma nova vertente: a vertente social, que resultou das lutas sindicais desencadeadas naquele país, em razão da opressão imposta à classe trabalhadora pelo empresariado.

A Carta Magna mexicana conferiu uma série de direitos fundamentais aos trabalhadores, entre os quais se destacam os direitos individuais e os direitos políticos. Em relação ao direito de propriedade, o qual é essencialmente individual, a Constituição mexicana disciplina no artigo 27 que: “Art.27. A propriedade das terras e águas, compreendidas dentro dos limites do território nacional, pertence originalmente à Nação, a qual teve e tem o direito de transmitir o domínio delas aos particulares, constituindo assim a propriedade privada. As expropriações somente poderão fazer-se por causa de utilidade pública e mediante indenização. A Nação terá, a todo tempo, o direito de impor à propriedade privada as determinações ditadas pelo interesse público, assim como o de regular o aproveitamento de todos os recursos naturais suscetíveis de apropriação, com fim de realizar uma distribuição eqüitativa da riqueza pública, cuidar de sua conservação, alcançar o desenvolvimento equilibrado do país e o melhoramento das condições de vida da população rural e urbana. Com esse objetivo, serão ditadas as medidas necessárias para ordenar os assentamentos humanos e estabelecer adequadas previsões, usos, reservas e destinos de terras, águas e florestas, para efeito de executar obras públicas e de planejar e regular a fundação, conservação, melhoramento e crescimento dos centros de população; para preservar e restaurar o equilíbrio ecológico; para o fracionamento dos latifúndios; para dispor, nos termos da lei, sobre a organização e exploração coletiva dos ejidos e comunidades; para o desenvolvimento da pequena propriedade agrícola em exploração; para a criação de novos centros de povoamento agrícola com terras e água que lhes sejam indispensáveis; para o fomento da agricultura e para evitar a destruição dos recursos naturais e os danos que a propriedade possa sofrer em prejuízo da sociedade. Os núcleos de população que careçam de terras e água ou não as tenham em quantidade suficiente para as necessidades de sua população, terão direito de ser dotadas destas, tomando-as das propriedades próximas, respeitada sempre a pequena propriedade agrícola em exploração.”

Pode-se notar pelo referido documento que a noção de função social do direito foi consagrada na Constituição mexicana, no direito social do trabalho e no direito de propriedade, ambos direitos humanos fundamentais.

O direito é humano e fundamental porque sem ele não há como viver. A vida se torna insustentável se não há um trabalho digno e uma propriedade que viabilizem que o homem dela possa extrair os bens para sobreviver e estabelecer sua residência e moradia.

No plano do direito de propriedade, a Constituição mexicana estabeleceu duas formas de propriedades: a) a propriedade da União e b) a propriedade privada. A propriedade da União é a propriedade originária e se compõe das terras e das águas existentes dentro do território nacional. Essa propriedade privada uma vez transferida ao particular, fez nascer a propriedade derivada e privada.

A propriedade privada mexicana, havida como direito absoluto, esbarra numa nova concepção - de socialidade e de bem comum -, porque o Estado passa a disciplinar esse direito a partir do interesse público. Há, portanto, um viés irremediavelmente superior ao interesse particular.

Para que isso fosse possível, era mister que os grandes latifúndios cedessem lugar às pequenas propriedades privadas, além de garantir a produção dos bens de primeira necessidade.

O estabelecimento de direitos sociais do trabalhador na Constituição mexicana se deve ao fato de que a exploração do homem no campo era a pedra angular da opressão daquela sociedade, já que os modelos de produção dos bens de consumo eram essencialmente agrícolas.

Lembra Fábio Konder Comparato: “O que importa, na verdade, é o fato de que a Constituição mexicana em relação ao sistema capitalista, foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do trabalho, ou seja, a proibição de equipará-lo a uma mercadoria qualquer, sujeita à lei da oferta e da procura no mercado. Ela firmou o princípio da igualdade substancial de posição jurídica entre trabalhadores e empresários na relação contratual de trabalho, criou a responsabilidade dos empregadores por acidentes do trabalho e lançou, de modo geral, as bases para a construção do moderno Estado Social de Direito, e, portanto da pessoa humana, cuja justificativa se procurava fazer, abusivamente, sob a invocação da liberdade de contratar”.[6]

A Constituição mexicana traduziu para sua época uma verdadeira revolução no plano normativo, dada a realidade axiológica e o contexto fático em torno dos quais se encontravam a grande massa de trabalhadores. O contexto fático foi o elemento central das transformações sociais, exigindo do Estado uma estrutura normativa que amparasse os trabalhadores. Isso se deu como vimos no plano dos direitos individuais do trabalho, da saúde e da propriedade, entre outros.

Se a Constituição mexicana representou a ruptura de um modelo de Estado liberal existente naquele país, não podemos esquecer do papel desempenhado pela Constituição alemã de 1919, cujo documento no contexto jurídico ganhou mais envergadura e projeção em termos de mudanças.

A Constituição de Weimar de 1919 foi fruto das lutas sociais enfrentadas pela sociedade alemã e européia, que tem na classe operária sua maior realidade. Foi o primeiro documento na Europa que impôs veto à atividade liberal exacerbada pelo liberalismo econômico clássico.

É com a Constituição alemã de 1919 que nasce no cenário europeu o Estado social de direito. Esse modelo de Estado social cria no direito constitucional valores antes negados pelo liberalismo econômico.

Embora o modelo de Estado social tenha sido implantado pela Constituição mexicana de 1917 e pela Constituição alemã de 1919, elas sofreram o duro golpe dos movimentos nazi-fascistas, que eclodiram anos mais tarde na Alemanha e na Itália e que trouxeram para as sociedades modernas, o atraso na implantação do novo modelo de Estado para o todo o mundo.

Cuida-se de um documento social inovador na medida em que congrega a estrutura de um novo Estado, de natureza social, encampando as reformais sociais exigidas pelos movimentos populares da realidade européia.

Explica Fábio Konder Comparato: “A estrutura da Constituição de Weimar é claramente dualista: a primeira parte tem por objeto a organização do Estado, enquanto a segunda parte apresenta a declaração dos direitos e deveres fundamentais, acrescentando às clássicas liberdades individuais os novos direitos de conteúdo social”[7].

Explica esse autor: “Essa estrutura dualista não teria minimamente  chocado os juristas de formação conservadora, caso a segunda parte da Constituição de Weimar se tivesse limitado à clássica declaração de direitos e garantias individuais. Esses, com efeito, são instrumentos de defesa contra o Estado, delimitações do campo bem demarcado da liberdade individual, que os Poderes Públicos não estavam autorizados a invadir”.[8] 

A Constituição alemã é a marca linear da estrutura política e ideológica de um novo Estado. Um Estado que se preocupa com os direitos sociais do cidadão, como o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à previdência social, entre tantos outros. Nesse novo modelo de Estado, o homem e a mulher são colocados em pé de igualdade, isto é, não há um regime de subordinação.

O profundo sentido social ficou registrado na Constituição de Weimar, pela disposição do art. 153, segunda alínea, no sentido de que “a propriedade obriga”.[9]

A partir do momento que a Carta de Weimar impõe ao proprietário um obrigar-se no exercício de seu direito de propriedade, há que se ter presente que esse se obrigar está relacionado às posturas que deve adotar no exercício de seus direitos proprietários, obedecendo também aos deveres proprietários que o ordenamento jurídico impõe ao titular do domínio.

Com estas duas constituições, no nosso entendimento, há uma ruptura do modelo individualista exacerbado, empregado pela Revolução Francesa, pelo Código de Napoleão e pela edição da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

Há que se deixar claro que essas rupturas não foram tão rápidas, pois, na realidade, as duas constituições referidas foram o marco normativo de mudanças, mas, no contexto social, político e  ideológico, essas rupturas só ocorreram após a segunda grande Guerra Mundial, quando novos valores foram admitidos pela sociedade como indispensáveis à manutenção da vida do homem e das demais espécies no Planeta Terra.

É importante compreender, ainda no plano constitucional, como se deu a mudança do Estado Liberal para o Estado Social, vigente antes das constituições do México e da Alemanha. Essa reflexão deve ser feita no plano social e econômico, para que possamos compreender a dinâmica social daquela época.

E essa reflexão deve ser feita a partir do regime econômico do capitalismo. O capitalismo, regime econômico da acumulação de riquezas e de capital vigente à época e ao longo da história da humanidade, foi fruto de processos sociais e políticos e encontrou no campo da doutrina filosófica liberalista, o repouso necessário para se desenvolver.

Ao lado do capitalismo, surge no cenário mundial à doutrina do liberalismo econômico, que ganha força nos ideais de Adam Smith e tantos outros pensadores de sua época.

De acordo com Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorico: “Surgidas com o Iluminismo e lançadas pelos fisiocratas franceses, as bases do liberalismo eram a propriedade privada, o individualismo econômico, a liberdade de comércio, de produção e de contrato de trabalho (salários e jornada sem controle do Estado ou pressão dos sindicatos. O pensamento liberal ganhou contornos definidos com Adam Smith (1723-1790). Em sua obra “A riqueza das nações” mostrava a divisão do trabalho como elemento essencial para o crescimento da produção e do mercado, e cuja aplicação eficaz depende da livre concorrência, que forçaria o empresário a ampliar a produção, buscando novas técnicas, aumentando a qualidade do produto e baixando ao máximo os custos de produção”.[10]

Deve-se dizer, ainda, que o liberalismo econômico pregava o decréscimo do preço do produto, o que favoreceria a lei natural da oferta e da procura, possibilitando um sucesso econômico.

Nesse modelo, a função do Estado era limitada, porquanto haveria no cenário a lei da oferta e da procura, a qual poderia reger as relações econômicas sem a interferência do Estado. Ao Estado cabia cuidar da propriedade, da ordem e da estrutura econômica, bem como da organização social, que era feita por uma “mão invisível”, proporcionando o bem estar coletivo.

A doutrina liberalista tradicional permitiu o esmagamento da força de trabalho européia, especialmente na Inglaterra, berço da Revolução Industrial.

A Revolução Industrial foi o resultado do investimento em novos modelos de produção. De fato, a burguesia, que detinha o capital, estava interessada não apenas na produção rural, mas em outras fontes de lucros, como aqueles que seriam gerados pela produção industrial.[11] Com a descoberta de novas tecnologias, foi possível haver igualmente o crescimento da dominação burguesa. Assim, a doutrina liberalista encontrou o conforto necessário para tornar prática a regra de controle do mercado no cenário europeu e, mais adiante, em outros continentes.

Lembram Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo que nessa época: “A Inglaterra adquirira uma nova configuração social com a industrialização e o êxodo rural, com predomínio dos latifúndios no campo e das fábricas nas cidades, onde vivia grande contigente de miseráveis. Não existindo qualquer legislação trabalhista ou inspeção estatal, as jornadas de trabalho nas fábricas, instaladas em locais insalubres, eram muitas vezes superiores a 14 (quatorze)  horas”[12]

Esta era uma realidade do processo produtivo da Inglaterra e que aos poucos se espalhou por outros países da Europa, fazendo brotar grandes misérias. A fome e as epidemias ganharam espaço nas camadas proletárias e o nível de vida do ser humano era muito baixo.

Esta situação de miséria aos poucos foi ganhando a insatisfação das camadas sociais, o que foi suficiente para gerar revoltas trabalhistas e ganhar adeptos no âmbito da filosofia política e econômica. Novas doutrinas, como o socialismo e a doutrina da função social da igreja surgiram no cenário europeu, contrapondo-se à situação de opressão de que eram vítimas os operários do campo e da indústria.

As doutrinas socialistas surgem exatamente nesse momento em que pesa sobre a classe trabalhadora e a maioria da população, o encargo de sustentar a burguesia e seu modelo escravocrata de acúmulo de riquezas. Foi nesse panorama que a ordem jurídica do Estado Social foi gestada.

Para melhor compreender como se deu no plano normativo o surgimento do Estado social de direito, há que se reconhecer que o velho regime econômico liberal não poderia sobreviver com o mesmo ideário, ou, ao menos, com a mesma metodologia filosófica. Foi preciso que a doutrina liberal passasse também por uma reforma metodológico-científica, capaz de adaptar-se à realidade das grandes revoltas sociais, em especial, a revolta da classe trabalhadora.

Na Europa que as revoltas sociais foram capazes de acender no pensamento filosófico uma nova forma de ver o direito: o direito social. A opressão gerada pelo modelo de produção capitalista liberal não dava margem para que as camadas mais humildes pudessem usufruir os bens de produção. Era preciso alterar a estrutura normativa do direito.

Nisso tem razão Paulo Bonavides, quando assegura: “O Estado Social representa efetivamente uma transformação superestrutural por que passou o antigo Estado liberal. Seus matizes são riquíssimos e diversos. Mas, algo, no Ocidente, o distingue, desde as bases, do Estado proletário, que o socialismo marxista intenta: é que ele conserva sua adesão à ordem capitalista, princípio cardeal a que não renuncia”.[13]

De acordo com este publicista pátrio: “A Alemanha nazista, a Itália fascista, a Espanha franquista, o Portugal salazarista foram “Estados Sociais”. Da mesma forma,’Estados sociais’ A Inglaterra de Churchil e Attlee, os Estados Unidos, em parte, desde  Roosevelt; a França, com a Quarta República, principalmente; e o Brasil, desde a Revolução de 1930”.[14]

Com base na lição desse jurista, podemos dizer que os Estados Sociais no Ocidente foram o resultado das profundas transformações sociais que ocorreram a partir da Europa e ecoaram por todo o Ocidente. Portanto, há que se reconhecer que independentemente dos regimes totalitários que eclodiram após a Primeira Guerra Mundial, os Estados Sociais ganharam corpo e se amoldaram à realidade nacional de cada país.

Esse emérito professor ainda elucida: “À medida, porém, que o Estado, tende a desprender-se do controle burguês de classe, e este se enfraquece, passa ele a ser, consoante as aspirações de Lorenz von Stein, o Estado de todas as classes, o Estado fator de conciliação, o Estado mitigador de conflitos sociais e pacificador necessário entre o trabalho e o capital”.[15]

E conclui: “Nasce, aí, a noção contemporânea de Estado social”.[16](sic)

Essa contextualidade prova que as sociedades européias não podiam continuar sob o manto do liberalismo exacerbado, que pregava o individualismo e a obtenção da propriedade e que sem ela não haveria liberdade e igualdade.

No Estado social de direito consagrado pelas constituições do México e da Alemanha brota um novo modelo de Estado, cuja vertente marcante não é o socialismo defendido por Marx, Engles e outros utópicos, mas sim a socialidade do direito.

A propriedade, a saúde, a previdência social e a atuação do Estado no combate às endemias, sem cogitar da separação das camadas sociais, fazem reconhecer no plano jurídico os desafios vividos pela grande maioria das populações, que foram sufocadas pela burguesia durante séculos.

Essa socialidade do direito alcança a propriedade privada e impõe ao proprietário a adoção de medidas, o que o condiciona a empreendê-la na ordem econômica, ao meio ambiente e ao consumidor, buscando a satisfação das comodidades essenciais como a moradia, a habitação, a proteção à saúde, fauna, flora e ao equilíbrio ecológico, como se verá, mais adiante, no sétimo capítulo.

A função social do direito encontra fundamento no próprio conteúdo da norma jurídica que deve atender o fim almejado pelo legislador, o que equivale dizer que o instituto jurídico criado com o fim de delinear uma situação jurídica, reger as relações sociais e disciplinar os comportamentos, deve se prestar a tais consectários.

A concepção de direito e de função social do direito está na assertiva de que os institutos (públicos e privados) criados devem atender aos fins delineados em seu conteúdo.

 Quando a norma jurídica disciplina um direito individual ela cumpre uma função individual, mas também uma função coletiva e transindividual, porquanto o indivíduo não é concebido como um ser isolado, ao contrário, ele pode até nascer e querer se isolar do mundo, mas em regra ele participa de um ou vários grupos sociais, até se inserir numa contextualidade muito maior que é a noção de transindividualidade.

Essa noção de função social do direito não é recente. Sua origem remontam aos tempos mais remotos da cultura humana e foi se amoldando a realidade social de cada período pelo qual passou a história da humanidade. Isso se explica porque em si mesmo, o direito não é concebido como regra para atender ao individuo isolado, mas ao grupo, ao qual está inserido, vale dizer, o direito existe para todos e a todos é exigido a compatibilização de seus anseios, desejos e vicissitudes de acordo com a disciplina do direito.

 

1.5. O emergir dos valores sociais no século XX e as novas realidade jurídicas

 

        O comportamento humano em sociedade é marcado por seus anseios, desejos e vicissitudes, que existem para prefigurar aquilo que a pessoa humana traça em sua vida, tendo em vista o endereço que precisa percorrer e o destino que quer chegar.

      Esse caminho traçado leva em consideração os valores eleitos pelos atores sociais, isto é, os princípios traçados como vetores de sua conquista, sem os quais pode no curso da jornada sofrer desânimo, o que inviabiliza a vitória.

Esses valores eleitos determinam os processos e os processos os caminhos que devem ser trilhados pela sociedade em determinada época. Cada época e período histórico produzem mutações no cenário social, político, econômico, cultural, ideológico, religioso e jurídico.

No evoluir das sociedades, os conflitos sociais produze alterações de conceitos, rompem paradigmas e fazem surgir novos valores que são realçados como condicionantes de uma nova dinâmica, fazendo prevalecer novos modelos que servem de suporte para justificar as mudanças.  Foi o que ocorreu, por exemplo, após a Revolução Francesa e a Revolução Industrial.

Essas duas revoluções mudaram o mundo e estiveram estribadas na tríade ideológica do liberalismo econômica (liberdade, igualdade e fraternidade). Estes eram os valores da classe social burguesa, vigentes na Europa dos séculos XVII, XVIII e XIX.[17]

Nessa esteira, após a Europa sofrer os efeitos da revolução que modificou o mundo e as estruturas político-sociais, influenciou as demais legislações codificadas do resto do mundo ocidental, vindo os diplomas civis a engendrar os anseios da grande revolução no trinômio liberdade, igualdade e fraternidade. Essa classe de direitos são reconhecidos como “direitos de primeira geração”, direitos civis e políticos, que Paulo Bonavides garante que eles “correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo no Ocidente”.[18]

Na França, em especial, a burguesia desejava o alcance e destaque político condizente com a capacidade econômica que ela representava, assumindo assim o poder político.

Com a chegada da burguesia ao poder em 1789, esses ideais foram colocados em prática. No âmbito legislativo, nascem os códigos civis, e mais tarde os códigos de processo civis, igualmente bebendo da mesma fonte inspiradora do individualismo que pregava a não intervenção do Estado.

Mas como se sabe a tríade ideológica do século XVIII e XIX não representou uma mudança no plano estrutural da sociedade em suas várias classes sociais, que se viu nas mãos dessa mesma burguesia, sendo aos poucos vítimas do capital e da exploração desenfreada.

O crescimento econômico da indústria européia, ao lado da ausência de proteção aos direitos dos trabalhadores causou profundas tensões sociais. As massas de trabalhadores não tinham proteção alguma. Eram vítimas de pesadas jornadas de trabalho que reduziam a idade média de vida, crianças começavam a trabalhar muito cedo e os adultos chegavam à morte com uma idade muito baixa.

Novos valores sociais são recepcionados como resultados dos processos enfrentados pelas lutas trabalhistas. Esses valores são os condicionadores da funcionalização do direito, que tem como princípios norteadores: a socialidade, a solidariedade, a fraternidade e o bem comum, que devem conduzir à paz social.

Esses princípios norteadores se consolidaram no plano normativo com a Constituição do México de 1917 e a Constituição da Alemanha de 1919. Com efeito, com essas duas constituições, o direito, em especial o direito material passou a ser interpretado à luz dessas diretivas sob as quais foi construída a figura jurídica da função social do direito que está sedimentada na concretização desses bens, valores e direitos.

No século XX surge uma nova categoria de direitos que não mais pertence a uma categoria de trabalhadores ou pequenos grupos sociais. Direitos como do consumidor, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito à paz, direito à saúde, direito a uma qualidade de vida cada vez melhor, direito à segurança, direito à educação, direito ao patrimônio comum da humanidade, ao progresso, direito à comunicação,  direitos das crianças, adolescentes e jovens, direitos do idoso, entre tantos outros.

 São direitos que não mais pertencem a um grupo identificado, senão a todos, ricos e pobres, negros e brancos, sejam qual for sua condição social ou religiosa.

Essa nova categoria de direitos é reconhecida como “novos direitos”, mas, o que se deve dizer é que eles não eram novos, mas que não havia um reconhecimento do Estado e nem uma tutela jurisdicional capaz de protegê-los, porquanto os instrumentos materiais e processuais existentes estavam fundados na estrutura do formalismo e do legalismo do sistema codificado de 1916 que não oferecia ao jurisdicionado margem recursos legais para a tutela pretendida desses direitos.[19] 

 A tônica sempre crescente desses bens, valores e direitos se tornou corrente no século XX, mas sua implementação tanto no plano normativo quanto na efetivação ainda hoje, não foi acolhida com plenitude, apesar de  representa uma alteração substancial para a contínua melhoria em buscar a equiparação real entre os indivíduos.

Ao longo do século XX, mais precisamente, no último quartel do século (1975), surgiu a necessidade de se proteger essas novas categorias de valores, bens e direitos, diante da impossibilidade de se adiar a tomada de decisões com vistas a preservar a vida em todas as suas formas, como por exemplo, a proteção dos ecossistemas planetários (meio ambiente), as relações jurídicas de consumo fragilizadas pela falta de uma legislação específica e capaz de tratar a figura do consumidor com o respeito que sempre mereceu e, ainda dar um tratamento qualificado aos danos decorrentes da lesão a esses novos direitos. [20]

Nesse palco e diante da necessidade de proteger o meio ambiente e as relações jurídicas de consumo, esses bens se tornam entre nós a partir do último quartel do século XX (1975) valores prezáveis e categorizáveis dentro do sistema jurídico, impondo ao Estado o dever de criar instrumentos legais que preservem a ação deletéria do empreendedor da atividade econômica e dê uma resposta útil na proteção desses direitos.

 

1.6. Natureza jurídica difusa dos novos bens

 

Esses novos bens, valores e direitos contemporâneos têm natureza jurídica difusa. Eles estão sob a custódia do Estado, mas também da sociedade, haja vista que de todos se exige a preservação, proteção e respeitos mútuos, como é o caso do meio ambiente, das relações de consumo, do idoso, da criança e do adolescente.

São direitos cujos titulares se encontram difusos na sociedade. Direitos que pertencem a cada um e a todos ao mesmo tempo. São direitos de terceira geração, chamados também fraternais, pois em princípio, congregam todos os seus titulares.

A necessidade de se proteger e preservar esses novos bens, valores e direitos contemporâneos fez com que o mundo se deparasse com uma nova vertente, a vertente mundial que ressoou a partir da década de 70 do milênio passado (1970), fazendo com que, especialmente, a tônica da necessidade de preservar o meio ambiente se tornasse uma realidade palpável a exigir a adoção de medidas condizentes com os crescentes desastres ecológicos que se sucederam.

Esses bens, valores e direitos foram erigidos no plano do ordenamento jurídico como os condicionadores de uma nova realidade, exigindo-se uma tutela especial, específica e ao mesmo tempo ampla, de modo que seus titulares, estando difusos na coletividade, merecessem um tratamento diferenciado, especialmente do ponto de vista da tutela ativa desses bens e direitos.

Lembra Arruda Alvim: “São bens contemporaneamente, altamente prezáveis, de que podem servir de exemplos emblemáticos o meio ambiente e a situação dos consumidores”.[21]

Esses direitos são reconhecidos como indispensáveis à satisfação das necessidades, comodidades e utilidades para o indivíduo, para o homem, para o cidadão, para a empresa e para o empresário, que clamam por uma tutela jurisdicional diferenciada, cujo mecanismo de proteção não pode ser oferecido pelo modelo das estruturas materiais e processuais clássicos, mercê da estrutura material e processual erigidas no indivíduo e que não atende a dinâmica e a realidade do mundo moderno.[22]

Foi por essa razão que o legislador criou a Lei 6.938 de 31 de agosto de 1981 que institui a Política Nacional do Meio Ambiente e a seu lado, a Constituição Federal de 1988, disciplina a Tutela do Meio Ambiente no art. 225, caput.

Destaca-se também como elemento da necessidade de se preservar as relações jurídicas de consumo, o advento da Lei 8078, de 11 de setembro de 1.990.

Em termos procedimentais surgiu a Lei 7.347 de 24 de julho de 1987 que deu um novo tratamento material e processual e estas novas categorias de direito, exigindo do intérprete uma nova interpretação do caso concreto à luz das novas necessidades emergentes desse período.

A natureza jurídica difusas desses bens impõe uma nova hermenêutica na reflexão do caso concreto, a partir de uma análise transitiva dos processos humanos (processos sociais, políticos, econômicos, culturais -, filosóficos, ideológicos, religiosos) e jurídicos para se encontrar as causas e as razões determinantes que levam as pessoas (físicas e jurídicas a causar lesão a esses bens.

Somente essa nova hermenêutica é capaz de solucionar os conflitos contemporâneos e fazer com que o agressor seja compelido a restabelecer o statos quo, ou ao menos mitigá-los para evitar o alastramento dos danos gerados.

 

 

1.6.1. A evolução da matriz do direito no século XX

 

Os avanços dos processos sociológicos são os resultados das mutações ocorridas no comportamento do homem ao logo da historia. Deve-se dizer que a ação do homem é um ferramental útil a engendrar o surgimento da norma de direito, conduzindo a constantes alterações no campo legislativo, levando o jurista a empreender no âmbito do direito, a adoção de modelos jurídicos que acolham as alterações sociais numa perspectiva de regular comportamentos, fortalecendo as instituições existentes e criando e operacionalizando novas regras a permitir uma ambiência social e uma convivência pacífica entre todos.

Em decorrência de tudo o que já foi dito em termo do surgimento dos novos direitos, no século XX surge também uma nova dogmática que é a dogmática dos direitos sociais e fundamentais que impõe uma releitura da fenomenologia jurídica por meio da análise transitiva dos processos humanos.

Nessa nova dogmática, o valor jurídico da função social se impõe como predicado cardeal da reinterpretação do direito ocidental para atingir os fins delineados pelo legislador na estrutura dogmática da norma jurídica.

Essa nova dogmática resultou na transformação do direito material e do direito processual que mereceram como se demonstrou, uma reestruturação com o surgimento de novas categorias no ordenamento jurídico.

A evolução do direito material e do direito processual civil não se deu da noite para dia. Ela foi fruto das alterações ocorridas no processo social e na evolução do próprio direito. Com efeito, para compreender como se deu essa dinâmica, é preciso fazer breves considerações de ordem histórica e examinar a partir de que momento o processo civil acolheu a dinâmica social, como razão preponderante para surgir aquilo que se denomina de processo civil contemporâneo.

Ao longo do século XIX e no emergir do século XX a Revolução Industrial, trouxe profundas transformações no comportamento do indivíduo, especialmente no que diz respeito aos clamores das classes menos abastadas da sociedade. Estas, por sua vez, foram vítimas do avanço industrial e do processo produtivo em larga escala que fez do trabalhador um instrumento do capital, ignorando seus direitos e suas perspectivas frente às necessidades de se proteger à vida, à saúde, à família, à propriedade, a própria dignidade enquanto pessoa humana, etc.

No âmbito do direito material sabemos que a proteção aos direitos do trabalhador, não somente o trabalhador inglês, mas de outros trabalhadores europeus e mais tarde dos latinos americanos, se dava no âmbito do modelo clássico individualista instaurado pela Revolução Francesa e Revolução Industrial. Nessa seara, o processo civil clássico tinha como tônica a defesa dos direitos do indivíduo, considerado em si mesmo como pessoa e como agente social, não reconhecia as realidades que, aos poucos, vieram a surgir no cenário das mudanças do século XX.

Com a Revolução Industrial, surgem os vários empreendimentos econômicos, de metal e de tecido, nasce à atividade de transporte em enormes locomotivas, fazendo surgir também preocupações com os transportes de mercadorias e do próprio homem.

Os conflitos que antes estavam relacionados ao campo da individualidade passaram a atingir grupos isolados de pessoas e muitas vezes, categorias de pessoas representativas de certo grupo social e econômico.

Os trabalhadores que vendiam sua mão-de-obra para o empresário passaram a necessitar de uma maior proteção aos seus direitos e interesses, à medida que o mecanismo de produção em larga escala passou a gerar cada vez mais riscos à classe operária.

O novo modelo de produção em escala propiciou um gravame, consistente no dano igualmente em larga escala.

Nessa complexidade, a empresa e o empresário que produziam passaram a colocar o produto no mercado, não se detendo, muitas vezes, aos riscos, que poderiam gerar, levando com a comercialização a causar   aborrecimentos e a devolução daqueles produtos que vieram a apresentar defeitos, a gerar dano, não apenas a uma única pessoa, mas a um grupo de pessoas, que com o passar do tempo, ficou cada vez maior.

É nesse momento que surge uma nova categoria de pessoas, consumidores que adquirem o produto no mercado de consumo e que em regra, não detém o conhecimento sobre o modelo de produção, vindo em conseqüência da produção em larga escala e às vezes sem controle de qualidade, a serem vítimas de acidentes de consumo.

           Nessa nova realidade, os consumidores passam a ter um papel importante no contexto social, que é exatamente ter o direito à informação dos riscos a que estavam sujeitos a determinados produtos e serviços colocados no mercado de consumo.

          A partir dessa alteração do modelo produtivo, passaram exigir do fabricante do produto ou daquele que oferece o serviço, todas as informações úteis e necessárias ao pleno conhecimento dos ricos da mercadoria que estão adquirindo.

 

Surge a idéia de coletividade de pessoas, de coletividade de trabalhadores, de coletividade indeterminada que podem ser vítimas de produtos e serviços colocados no mercado para o consumo.

Os consumidores passam a ter direitos nunca antes reconhecidos pelo ordenamento jurídico, de modo que o Estado passa a lhes assegurar um tratamento novo e diferenciado no que tange a proteção. Tratamento este que entre nós irá ocorrer a partir da segunda metade do século XX.

O direito material e o processo civil clássico foram inicialmente estruturados a partir da concepção individualista dos valores que influenciaram a Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) e serviram de suporte para a Revolução Industrial. A classe social que saiu vencedora da primeira Revolução foi a burguesia que aproveitou muito bem dos valores sociais de seu tempo para impor sua ideologia, sua vontade, sua força e seu poder político e econômico.

A presença forte dessa classe social no poder em toda a Europa reestruturou o direito, especialmente o direito material, tendo como tônica a expressão “direito comercial” que privilegiou o detentor das riquezas e instaurou um marco de proteção para aquele que podia gerar riquezas, podia comprar e vender.

Deve ser dito também que no modelo material e processual clássico, quem tinha poder, tinha proteção e quem não tinha poder ficava à margem da lei, que por sua vez, era criada pelos detentores do poder para proteger quem podia compra e vender.[23]

É marca sempre presente entre nós o conteúdo do art. 6º do Código de Processo Civil de 1973: “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.

Esta é uma regra geral consagrada pelo modelo individualista do Código Buzaid, e com a evolução do direito e o surgimento da Lei 7.347 de 24 de julho de 1987 (Lei de Ação Civil Pública), ganhou outras disposições legislativas que acolheram novos legitimados para a ação.

Por essa razão, os novos direitos que surgiram após a segunda metade do século XX (1950) não mais pertencem ao indivíduo em si mesmo, mas a uma categoria ou grupo de pessoas, determinadas ou não, cuja qualidade de direitos e valores passaram a ser tutelados, protegidos e disciplinados de forma inovador e diferenciado.

Estando a sociedade em constante evolução, foi preciso que o direito material e o processo civil também evoluíssem e evoluísse em sintonia com o direito material, exigindo do legislador uma nova postura frente à necessidade de se proteger a coletividade dos novos conflitos advindo da evolução dos processos sociais e do próprio direito.

Registre-se por necessário: O direito material e o processo civil clássico não foram capazes de responder ao avanço tecnológico e nem tutelar aos novos bens, valores e direitos que o mundo absorveu com o evoluir dos tempos. Foi preciso que o legislador adotasse mecanismos próprios que enfrentassem essa realidade, buscando a disciplina e a ordenação numa contextualidade não mais individualista, mas coletiva e transindividual.[24]

Assegura o jurista Arruda Alvim: “Por isso é que se pode dizer, com propriedade que a chamada dogmática clássica inspirada e construída em função do individualismo jurídico e que resultou no positivismo jurídico, encontra-se superada, e esta situação diante dessa não mais poder satisfazer às necessidades contemporâneas, animadas por uma consciência coletiva reivindicante e tendo em vista os reclamos de que todas estas situações viessem a se protegidas”.[25]

Se o direito material e o processo civil clássico estiveram vocacionado para a proteção do indivíduo e seu patrimônio pode se dizer sem medo de errar que tais direitos no atual estágio do mundo contemporâneo  estão vocacionados para a defesa das massas, seus bens, valores, interesses e direitos, numa perspectiva altamente valorativa, cujo norte maior é a prevenção e a defesa da vida como patrimônio humano fundamental e de todas as categorias de direitos existentes, que fazem do homem, do cidadão, da empresa e do empresário, agentes transformadores dos processos sociais.

E porque o direito material e o direito processual precisaram evoluir? Respondo: O direito material e o processo civil evoluíram a partir da necessidade de se ter cada vez mais à resposta do Poder Judiciário em relação à demanda, num curto espaço de tempo. Vale dizer, a demora do Poder Judiciário em dar uma resposta ao indivíduo diante do conflito social deflagrado entre as partes, também foi um dos motivos enfrentados e ainda hoje está a exigir uma resposta com a mesma velocidade que o processo tecnológico tem exigido.

Nessa linha de raciocínio, a Constituição Federal de 1988 permite o amplo acesso à justiça, mas o que dizer se essa acessibilidade, muitas vezes não condiz com a dura realidade encontrada nas estruturas do Poder Judiciário.[26]

Essa realidade sempre foi marcada pela dicotomia do direito cuja marca determinante estive presa aos ramos do direito público e do direito privado. Essa bipartição dos direitos não representa no emergir dos tempos modernos, uma garantia e eficácia de suas estruturas, porquanto as realidades que viriam a surgir exigiriam do legislador uma nova postura quanto ao modelo de proteção.

 

 1.7. O emergir dos valores sociais no século XX e as novas realidade jurídicas

  Desde os meados do século XII, declínio da Idade Média, até o século XIX e os dias atuais, as relações sociais mantiveram-se regradas pela ação do capitalismo que é o sistema econômico tendente a gerar riquezas e propiciar o surgimento das desigualdades sociais.

A concepção de que o sistema capitalista é o melhor sistema possível para as sociedades contemporâneas, já que possibilita a acumulação de capital e os investimentos em bens e serviços, não é também incorreto afirmar que é ele o responsável por inviabilizar o acesso a esses mesmos bens e serviços a todas as camadas sociais, em especial, quando, aqueles bens são servidos à sociedade e colocam em risco aqueles que os adquirem.

Devemos lembrar que, nesta contextualidade, o indivíduo integrante de uma classe social humilde, sempre foi à parte que mais sofreu os reflexos do capitalismo, em decorrência da inexistência de um mecanismo de proteção apto a fazer valer seus direitos e lhe garantir o acesso à justiça de forma eficaz.

O processo civil clássico defendia o individuo e não a coletividade, na medida em que a defesa estava consubstanciada na concepção de direitos subjetivos, que sempre representou a idéia de direitos individuais. Nesse sentido, toda vez que o risco ou o dano envolvesse um número muito maior de pessoas, se tornava difícil à tutela dos direitos desses mesmos grupos, inviabilizando por isso mesmo, o alcance efetivo da prestação jurisdicional.

Como outrora ficou consignado, a realidade social deflagrada com a Revolução Industrial permitiu o surgimento do dano em larga escala atingindo também em larga escala a grande massa de consumidores.

Nesse panorama, as massas, vítimas dos acidentes de consumo, dificilmente tinham satisfeitas suas pretensões judiciais, à medida que o mecanismo de proteção individualista não permitia a efetivação dos direitos. Era preciso então criar um mecanismo de proteção capaz de abraçar toda uma coletividade, vítima do sistema de produção escalonado.

Devemos anotar que não houve um abandono do regime do direito processual civil clássico para um novo modelo que, como se disse, evoluiu com os processos sociais e com o próprio direito, denominado de processo civil coletivo ou processo civil contemporâneo.

O processo civil clássico como procuramos descrever, nasceu numa estrutura ideológica fundada no individualismo, cujo berço foi à ideologia individualista, formalista e patrimonialista da Revolução Francesa, ao contrário do processo civil contemporâneo que foi fruto das necessidades sociais e do avanço dos processos sociológicos de buscar uma alternativa para a defesa dos interesses e dos direitos de todas as classes sociais.

Os novos instrumentos materiais e processuais vieram à tona com a evolução do Direito Constitucional Brasileiro de 1988, fornecendo ao ordenamento jurídico pátrio princípios inovadores no Direito Material e no Direito Processual Civil. Deve-se dizer que a Constituição Federal de 1988 foi para o Brasil, o rompimento do modelo tradicional de processo civil que inaugurou no ordenamento jurídico nacional, a estrutura de um novo processo civil, o processo civil coletivo, ao lado do já existente processo civil individual.[27]

O surgimento do processo civil coletivo com a Constituição Federal de 1988 exigiu do legislador infraconstitucional, um trabalho árduo para adequar o corpo das leis à nova base principiológica que a Carta Magna apresenta à sociedade. Entre os princípios inovadores do processo civil constitucional estão: a) a dignidade da pessoa humana; b) o acesso à justiça; c) a tutela do consumidor, d) a tutela do meio ambiente, e) a função social do direito, f) a duração razoável do processo, g) o direito à propriedade e sua função social, entre outros.

No cenário constitucional, a expressão cidadão é a marca de um novo trato aos direitos individuais e sociais, capazes de criar uma nova visão do homem a partir da compreensão de que ele é o elemento base da estrutura da sociedade.

No plano normativo infraconstitucional, as reformas do Código de Processo Civil vão surgir com a adoção das tutelas cautelares, antecipações de tutelas, as tutelas de urgência. As mudanças ressoam também no recurso de agravo de instrumento. Tudo isso levou e possibilitou à sociedade, o livre acesso ao Poder Judiciário, por meio do ajuizamento de demandas tendentes a tutelar os direitos fundamentais do cidadão.[28] Esta realidade no direito positivo nacional foi trazida pelas seguintes legislações:

 

a) Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1.965, (Lei de Ação Popular), inicialmente usada para impor veto às ações do poder executivo e de seus agentes, tendentes a causar dano no exercício das atividades, mas foi durante muito tempo usada para proteger o meio ambiente, diante da ausência da legislação específica no campo processual;[29]

b) A Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), disciplina pela primeira vez no Brasil, de forma ampla a tutela material do meio ambiente.

c) Lei n­º 7.347 de 24 de julho de 1.985 (Lei de Ação Civil Pública);

d) Lei nº 7.853/89 (Estabelece a defesa de pessoas portadoras de deficiência);

e) Lei nº 7.913/89 (disciplina a responsabilidade civil por danos causados aos investidores de mercados imobiliários);

f) Lei nº 8.069/90 (Institui o Estatuto de Proteção a Criança e ao Adolescente);

g) Constituição Federal, art. 225 (Tutela Constitucional do Meio Ambiente);

h) Lei 8.078 de 11 de setembro de 1.990 (Código de Defesa do Consumidor).

 

Ambas as legislações instituíram e representam ao lado da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347 de 24 de julho de 1987) um sistema de defesa do consumidor, um sistema de defesa processual civil da sociedade.

Além das legislações referidas, é fato corrente que o Código de Processo Civil de 1973 passou por várias reformas que procuraram criar novos instrumentos e regras procedimentais para dinamizar o processo civil, agilizar e tornar efetivo a prestação jurisdicional do Estado.

Há que se sublinhar que o advento dessas legislações não foi suficiente para amoldar as novas realidades jurídicas. Com efeito, foi preciso também que o aplicador da lei, o jurista e o intérprete fizessem um esforço também condizente com as mudanças operadas. Isso ocorreu a partir de uma interpretação diferenciada do processo civil moderno.

As várias mudanças operadas no Código de Processo Civis de 1973 e no Direito Material (Lei 6.938 - Política Nacional do Meio Ambiente); Lei 8.078 de 11 de setembro de 1.990 (Código de Defesa do Consumidor); (Lei 11.445/2007 - Marco Regulatório do Saneamento Básico e Ambiental), entre outras, se fizeram necessárias para adequar às realidades surgidas e fazer com que elas se incorporassem às denominadas tutelas jurisdicionais diferenciadas.[30]

 

 1.8. A concepção de função social do direito

 

A função social do direito é um valor jurídico construído a partir das lutas e conquistas sociais do homem nas várias fases da história da humanidade. Em cada fase da história humana ela representou e enfocou um sentido peculiar. Esse princípio jurídico é ordenador dos bens, dos valores, dos direitos, dos deveres, do agir e do gerir os consectários de uma vida cada vez melhor do cidadão, numa dinâmica que empreenda instrumentos para efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana.

A função social do direito é um valor que pré-existe ao mandamento da lei. Ela representa um sentido peculiar do homem de ver o mundo ordenado pela paz, num ambiente harmônico, equilibrado e justo.

Nos moldes contemporâneos, a função social do direito é o resultado da evolução normativa que deitou raízes no século XX, fruto das lutas sociais dos séculos XVIII e XIX e que encontraram após a Segunda Guerra Mundial, o terreno fértil para se concretizar nas legislações do mundo a fora.

Função social do direito é um novo conteúdo da norma jurídica. A função social de determinada norma é alcançar o fim almejado pelo legislador, dentro da perspectiva potencialmente valorativa. Se o comportamento humano é delineado pela norma, então a disciplina inscrita no texto normativo deve alcançar o fim almejado pela tutela do Estado.

Cabe ao órgão legislativo, por meio da produção da lei, empreender o comando que a norma deve alcançar. A norma deve traçar os fins almejados por quem as criou, bem como disciplinar as relações jurídicas, estabelecendo direitos e obrigações.

Quando uma norma produz os efeitos que dela se espera, pode-se dizer que ela cumpriu sua função normativa, apaziguando os conflitos que almeja disciplinar.

A função social do direito é o fim comum que a norma jurídica deve atender dentro de um ambiente que viabilize a paz social. Nisso, há que se ter presente que não há norma jurídica puramente individual, na medida em que ela regula relações humanas, sejam relações puramente de direito privado, sejam relações de ordem pública.

Deve-se dizer que qualquer que seja a relação jurídica regulada pela norma, lá está o Estado para disciplinar, impor regras, comandos, freios e contrapesos para evitar as disparidades de uma parte em relação à outra.

Por meio da função social do direito o legislador objetiva humanizar as relações jurídicas. Nesse processo de humanização, é vedado ao homem obter vantagens em descompasso com os comandos normativos.

A função social do direito deve nortear o indivíduo, o homem, o cidadão, a empresa, o empresário e o próprio Estado para que cumpram suas obrigações-deveres, dentro da ordem natural das coisas e dos acontecimentos sem se valer dos meios fornecidos pelo Estado para fazer cumprir algo que já deveria ocorrer espontaneamente, se os atores sociais não estivessem preocupados com o seu direito em prejuízo do direito alheio, não necessitaria da tutela do Estado, mas como muitos preferem agir contrariamente à lei, o Estado é o organismo que gerencia os conflitos.

O direito sempre teve uma função social. A norma jurídica é criada para reger relações jurídicas e nisso a disciplina da norma deve alcançar o fim para o qual foi criada. Se ela não atinge o seu desiderato, não há como disciplinar as relações jurídicas, e, portanto, não cumpre sua função, o seu objeto.

A função social do direito está arraigada nos textos normativos das constituições do mundo contemporâneo, em especial, do mundo ocidental. Ela é a marca do novo constitucionalismo. Esse processo se deve à nova ordem social, econômica, política, e ideológica, cultural, e jurídica, gestada após a Primeira Guerra Mundial, cujo marco inovador foram as Constituições do México e da Alemanha antes referidas. Estas por sua vez se projetaram para as constituições do século XX a qual foi buscar inspiração a Constituição Federal de 1988.

 

1.9. Conceito de função

 

Do latim, functio, de fugi (exercer, desempenhar) embora seja tido no mesmo sentido que cargo, exercício ou ofício, na técnica do Direito Administrativo, entende-se mais propriamente o direito ou dever de agir, atribuído ou conferido por lei a uma pessoa, ou a várias, a fim de assegurar a vida da admisnitração pública ou o preenchimneto de sua missão, segundo os princípios isntituídos pela própria lei.[31]

O professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, lecionando sobre os fins sociais, esclarece que: “(.....). as expressões ‘fins sociais’ e ‘bem comum’ são entendidas como sínteses éticas da vida em comunidade. Sua menção pressupõe uma unidade de objetivos do comportamento social do homem. Os ‘fins sociais’ são ditos do direito, em todas as manifestações normativas faz-se mister encontrar o seu fim, e este não poderá ser anti- social. Quanto ao bem comum, não se trata de um fim do direito mas da própria vida social”. [32]

Entendemos que a função social é o dever jurídico imposto ao titular do bem móvel e imóvel, de atender às exigências legais e morais, de modo a compatibilizar o uso, gozo e fruição da coisa, respeitando os direitos da coletividade e operando a vontade de socializar os frutos, que podem ser produzidos com a correta utilização do bem da vida.

A palavra função convoca o leitor a comprensão de que alguma coisa, ser ou órgão desempenha um papel, uma atividade. Quem tem função tem algo a desempenhar, a cumprir, a exercer, a corresponder dentro da concepção de ser e de objeto que possua corpo, forma e existência, quer no mundo fenômenico, real ou formal.

A função é o exercício ou a atividade de um ser dotado ou não de vida. Corresponde ao papel a que deve desempenhar em dado momento ou circustância quando empreendido para uma finalidade, para alcanlçar um objetivo, para cumprir o seu conteúdo.

Diz-se assim que o conteúdo de determianda coisa, é a qualidade indeclinável de sua própria existência, devendo por isso desempenhar os objetivos, as finalidades e a consecção para a qual foi criado, pensado, estruturado, automatizado, transformado, empreendido, compreendido, e portanto, é o núcleo do próprio ser.

A função de determiando ser, órgão, organismo, oragnização, instituto ou instituição, jurídica ou não, é cumprir o seu norte, o seu objeto, o seu conteúdo, tornando útil, produtivo, valorativo e empreendedor das qualidades que o torna um ser existencial.

Só desempenha função quem ocupa espaço no mundo fenômenico, seja em si mesmo como organismo vivo ou quando não dotado de vida, possua existência própria e seja passíviel de percepção por um ser vivo.

Função do direito é o elemento que qualifica a norma a partir da regra contida do comando enunciativo, fazendo com que o signatário da regra perceba, enxergue e observe o objetivo daquele comando imperativo a ele destinado.

Estando o direito revestido de uma função, esta deve ser cumprida pelo destinatário da norma, de modo que o direito só cumpre função quando alguém se vale dele para resguardar uma ou outra situação regulada pelo direito.

O direito cumpre uma função individual e uma função coletiva. Função individual porque regula os interesses do individuo, desde o nascimento até sua morte, produzindo efeitos após a sua partida do mundo que um dia testemunhou sua chegada. As coisas, objetos, órgãos e organismos, considerados neles mesmos como seres dotados de personalidade ou não, o direito também regula, e exige o cumprimento de uma função, de um objeto, de uma finalidade. O direito cumpre uma função coletiva quando destinado a estabelecer regras aplicáveis a um grupo determinado ou não de pessoas, nesta última estando presente o traço da transindividualidade.

A função do direito o é empreender o fim almejado pelo legislador que no âmbito da estrutura da norma encerra comandos normativos que regulam as relações sociais. Equivale dizer que o direito é o predicado da socialidade da norma dentro de uma perspectiva útil, necessária e transitiva dos atores sociais que devem viver em harmonia, em solidariedade, em fraternidade, praticando o bem comum e buscando a paz e a justiça no meio em que vivem.

Nessa completude, muitos podem discordar e dizer que o direito está a serviço das classes dominantes e por isso o comando enunciativo da norma irá privilegiar esta ou aquela classe social. Certamente, alguém sempre defenderá que o direito irá normatizar e proteger as estruturas de poder voltadas para aquele que domina em contra partida daquele que é dominado.

Diríamos que quem assim pensa não está errado, está correto, mas não poderá deixar de enxergar que os processos sociais evoluíram, assim como evoluíram as sociedades e o corpo social que a compõe. Está claro que nessa análise sociológica do direito algo deve ficar claro e é exatamente a compreensão de que o homem se desenvolveu, sofreu transformações e alterou seu modo de pensar e agir.

Ao lado dessa constante evolução, talvez os maiores predicados do Direito Contemporâneo sejam exatamente evitar que as normas sirvam para uns e não para outros. Que o direito privilegie uns em detrimentos de outros, que para um a norma funcione e para outros não, que para uma minoria, que o Poder Judiciário tem sempre uma resposta favorável para o mais dotado de poder econômico, enquanto para os humildes e o menos dotado de cultura, o direito e o Judiciário podem se calar.

Nessa órbita e nessa dinâmica, toda vez que o Direito e o Poder Judiciário se calarem contra a maioria e os humildes é porque aquele que está operando no caso concreto com o direito dessa massa desprovida, não está aplicando o sentido valorativo da norma e nem aplicando os princípios constitucionais que fundamento a função social do direito.

Quem não aplica os princípios da função social do direito está servindo a uma estrutura de poder que só pensa no seu, que abandona o nosso e afasta contra a grande maioria, a verdadeira aplicabilidade da norma constitucional. Em realidade, colocam uma venda diante do problema porque sabemos que para tudo, quem opera com o direito, há sempre uma resposta contra o sistema que as estruturas de Poder, em qualquer classe social dominante ou seguimento culturalmente mais abastarda deseja manter.

 

1.10. A função social do direito no Direito Comparado

 

A função social do direito no mundo contemporâneo foi inicialmente tratada nas constituições européias no século XX. A idéia de função social desde o início esteve relacionada à questão da função social da propriedade, aos valores do bem comum, de utilidade e proveitos dos bens, frutos e produtos que a terra bem utilizada, pode proporcionar ao seu titular.

O que há de ser perquirido pelo operador do direito é se a propriedade, enquanto bem de produção das primeiras necessidades já exercia ou cumpria uma função social no século XVIII e XIX, ou se teria ela em toda a fase da história da humanidade cumprida a sua função social? Respondendo essa indagação diríamos que a propriedade sempre exerceu uma função social, desde os tempos em que o homem passou a ocupar o Planeta. Podemos dizer e a história da humanidade não nos deixa errar, que a propriedade em todos os tempos sempre foi o principal elemento de produção, capaz de satisfazer as primeiras necessidades e ser instrumento de geração de riquezas por meio de trocas, de compra e venda.

Não foi por outra razão que a humanidade sempre se viu em torno de revoltas, guerras e revoluções, pelo patrocínio de invasões e grandes conquistas, onde o conquistador impunha ao conquistado o seu domínio, o seu poder e a sua vontade.

A propriedade sempre foi instrumento que propiciou o cumprimento e o atendimento de sua função social. Essa função social, como já se disse, não existe apenas a partir dos séculos XVIII e XIX (início da Idade Contemporânea), porquanto sempre esteve presente na vida do homem. Todavia, o que é certo é que em termos legislativos, a concepção de função social torna-se corrente nos séculos XVIII e XIX.

Essa função social dos séculos XVIII e XIX e nem de períodos anteriores não é como a que hoje defendemos existir, - fortemente abalizada pela socialidade do direito, pela solidariedade, fraternidade, bem comum, paz e justiça social -, mas uma função social que foi de certo modo prejudicada pelo predicado do individualismo exacerbado que se ocupou do direito após a Revolução Francesa, impossibilitando o aproveitamento valorativo da norma jurídica nos moldes hoje concebidos pelo Direito Constitucional.

A realidade política, econômica e social dos séculos XVIII e XIX e dos períodos anteriores eram outras, não nos permitimos afirmar que não havia função social do direito e da propriedade, mas sim que ela, a função social, de algum modo esteve presente, não com os traços que hoje concebemos e que o ordenamento jurídico reconhece.

É preciso dizer também que é um risco olhar o passado com os olhos do presente, afirmar ou negar categoricamente a existência ou inexistência de efeitos às normas jurídicas. O que se pode dizer a partir de uma leitura histórica e partindo-se de um método indutivo e dedutivo é que a função social e a função social do direito sempre existiram. Isso é o que defendemos nesse ensaio.

No cenário produtivo da Europa, a realidade da Revolução Industrial do século XIX e em grande parte do século XX e em certa escala também presente nos dias atuais, o modelo econômico adotado produziu profundas desigualdades aos trabalhadores, fazendo brotar grandes debates de cunho sociológico, jurídico e religioso no que tange a impossibilidade do trabalhador alcançar a própria moradia, a saúde, a previdência social e a própria dignidade enquanto pessoa humana.

Deve-se compreender que não era possível nos séculos XVIII e XIX à grande massa de trabalhadores encontrar um conforto jurídico no atendimento aos seus direitos básicos, porquanto, o modelo capitalista liberal afugentava qualquer esperança do trabalhador inglês e europeu de encontrar respaldado em seus direitos diante dos anseios egoístas da burguesia.[33]

No âmbito do direito, Leon Duguit, um dos maiores pulicistas franceses concebeu a propriedade como uma função social. No pensamento deste autor a propriedade deixaria de ser um direito subjetivo e passaria a ser uma função social, e, nesse sentido, a propriedade viria a ser uma instituição.

Para Duguit: “Cepedant la propriété est une institution juridique qui s’est formée pour répondre à un besoin économique, comme d’ailleurs toutes les institutions juridiques, et qui évolue nécessairement avec les besoins économiques eux mêmes. Or, dans nos sociétés modernes le besoin économique auquel était venue repondré la propriété institution juridique se transforme profondément; par conséquent la propriété comme institution juridique doit elle-même se transformer”.[34] L’évolution se fait encore ici dans le sens socialiste. Elle est encore déterminée par une interdépendance des différents éléments sociaux de plus en plus étroite. Par là même, la propriété se socialise, si je puis ainsi dire. Cela ne signifique pas qu’elle devienne collective au sens des doctrines collectivistes; mais cela signifie deux choses: d’abord que la propriété individuelle cesse d’être un droit de l’individu pour (pag. 149) devenir une fonction sociale, et en second lieu que les cas d’affectation de richesse à des collectivités, qui doivent éter juridiquement proteges, deviennent de plus en plus nombreux”.[35]

Na lição deste autor, todas as instituições jurídicas, qualquer que seja sua natureza, evoluem de acordo com a necessidade econômica em si. Essa transformação não depende da natureza do regime político que está em voga, mas, sobretudo porque deve ser uma função social e estarem aptas a atender a coletividade, que se torna uma necessidade cada vez mais presente.

Léon Duguit, após conceber a propriedade como uma função social, questiona: “A quel besoin économique est venue répondre, d’une manière générale, l’institution juridique de la proprieté? Il est très simple et apparaît dans toute société: c’est le besoin d’affecter certaines richesses à des buts individuals ou collectives defines, et par suite le besoin de garantir et de protéger socialement cette affectation. Pour cela, que faut-il/ Deux choses: il faut d’abord, d’une manière générale, que tout acte fait confomément à l’un de ces buts soit sanctionné, et en second lieu il faut que tous les actes qui y sont contraires soient socialement réprimés”.[36]

Pela exposição desse doutrinador francês, a instituição jurídica da propriedade deve atender a certas categorias de metas, seja uma categoria no plano do indivíduo, seja no plano do coletivo. Para  esse autor, a instituição da propriedade deve alcançar um fim almejado pela própria razão de ser da instituição, e é nesse objetivo que reside a razão de ser de qualquer instituição jurídica, proprietária ou não.

Na França, a função social do direito foi arraigada a partir da realidade histórica consagrada pela Declaração dos Direitos Humanos e que foi fruto do processo social. Nesse processo social, tanto os fatos ocorridos na sociedade francesa, como aqueles que se sucederam em toda a Europa, foram suficientes para proclamar nos ordenamentos jurídicos de todos daquele continente, a vertente da socialidade, solidariedade, fraternidade e bem comum -, levando o legislador, o jurista, o intérprete e o aplicador do direito a dinamizar os valores eleitos pelas sociedades como sendo os norteadores desses mesmos processos, judicializando-os e os elevando a categoria de direitos.[37]

Os valores que presidiram a Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) serviram muito bem à burguesia de sua época e não foram aproveitados pelas camadas sociais mais humildes, porquanto o sistema jurídico vigente, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, Constituição Francesa e o Código de Napoleão foram editados para favorecer quem tinha poder econômico, político, cultural e ideológico. Foi um tempo muito difícil para a grande massa de trabalhadores e miseráveis que surgiu na Europa após a Grande Revolução e que ganhou uma dimensão muito maior com o surgimento da Revolução Industrial na Inglaterra.

Os valores que presidiram os séculos XVII, XVIII e XIX são, no século XX, substituídos pelos valores de socialidade, boa-fé objetiva, equidade, probidade, solidariedade, fraternidade, partilha, bem comum, paz e justiça social, que objetivam no plano do ordenamento jurídico, colocar todas as camadas sociais num mesmo patamar de igualdade. Patamar este que está sendo construído ao longo de quase um século.

A Constituição italiana de 27 de dezembro de 1947 imprimiu verdadeiro mandamento fundamental, adotando a função social da propriedade, disciplinando em seu artigo 42: “A propriedade é pública ou privada. Os bens econômicos pertencem ao Estado, a instituição ou a particulares. A propriedade particular é reconhecida e garantida pela lei, que lhe determinam os meios de aquisição e gozo, assim como os limites, com o objetivo de assegurar sua função social e torná-la acessível a todos...”.

Pietro Perlingieri, jurista italiano afirma:(...) deve ser entendida não como uma intervenção ‘em ódio’ à propriedade privada, mas torna-se ‘a própria razão pela qual o direito de propriedade foi atribuído a um determinado sujeito’, um critério de ação para o legislador, e um critério de individuação da normativa a ser aplicada para o intérprete chamado a avaliar as situações conexas à realização de atos e de atividades do titular”.[38]

Ele assegura: “Toda lei deve realizar também a função social da propriedade, salvo se for atuativa de institutos ablativos como a expropriação ou a nacionalização,para os quais o discurso seria diverso. Enquanto que a função social atribui ao legislador um controle de  conformidade (em termos de idoneidade, coerência, razoabilidade), a ablação sancionatória é chamada em causa somente na hipótese patológica, como conseqüência da não atuação da função social".[39]

Na Espanha, a função social da propriedade é realçada com grande enfoque por José Luis Los Monos, que pontifica: “Como conseqüência das técnicas de planejamento e de ordenamento do território, o que se produziu verdadeiramente, mais que uma transformação da propriedade que gera novas limitações do direito, foi uma nova delimitação dos objetos sobre os quais o mesmo recai, mediante a incorporação, em muitos casos, da atuação daqueles do conceito de ‘propriedade funcional”.[40]

A Constituição portuguesa, na linha da evolução normativa do direito estabelece nos arts. 1º e 2º:

Art.1.º - Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Art. 2.º - A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

A dignidade da pessoa humana na Constituição portuguesa foi elevada à condição de direito fundamental, sendo ela a pedra de toque sob a qual está erigido o Estado soberano português. Com efeito, é predicado do Estado social português a busca incessante pela efetivação dos direitos e liberdades fundamentais, marca presente na Constituição brasileira, como antes referido.

Em Portugal, Ana Prata perfilha entendimento ímpar a cerca da função social, dissertando: “O que se pretende acentuar é que a função social não constitui uma cláusula geral sem conteúdo normativo e preciso, cabendo aos tribunais a decisão sobre a oportunidade, o sentido e a extensão da sua concreta actuação. Antes se trata de um conceito cujo conteúdo é fornecido pela lei, e é com atenção a ele em sua aplicação, que os tribunais intervêm; e essa intervenção, se subordinada à lei, não deixa de ser importante, importância que decorrerá da correcta interpretação não restritiva das normas consagradoras da função social”.[41]

A concepção dinâmica do direito e, em especial do direito que atende as necessidades básicas do homem, traz no século XX e XXI um viés social capaz de operacionalizar a norma jurídica de modo que, não somente o Estado deve atender a esses direitos, mas a coletividade como um todo deve lutar para se alcançar sua efetivação, marcas que devem conduzir a igualdade perante a lei, a igualdade real, a paz e a justiça social.

A função social do direito busca harmonizar os direitos e garantias do homem e do cidadão ao lado da criação de instrumentos de políticas públicas que permitam que esses direitos e garantias se efetivem no plano fático. A efetivação dos direitos que permite ao indivíduo, ao homem, ao cidadão, à empresa e ao empresário alcançar do Estado, da sociedade e do mundo em que vivem, as condições necessárias para se desenvolver e disseminar seus projetos, anseios e vicissitudes num ambiente capaz de tornar útil os predicados da paz e da justiça.

A função social é o exercício da atividade, o ônus ou o bônus imposto pela lei ou pelas regras de experiência comum de alguém, em face de outrem, ou deste, em face de uma coisa.

Implica que quem a tem deve exercê-la para atingir uma finalidade previamente estabelecida pelo ordenamento jurídico. No que tange ao direito, consiste em predispô-la para atingir o bem comum, ou seja, a função social é a qualidade indeclinável sob a qual o seu titular exerce o seu direito dentro de uma ambiência social que promova a socialidade, a solidariedade, a fraternidade e o bem comum, fazendo com que todos sejam beneficiados com a prática e exercício dos direitos e deveres a cada um pertencente.

 

1.11. Função Social do direito na Constituição Federal de 1988

 

A função social do direito está presente na Constituição Federal. De fato, o legislador nacional, ao editar o diploma máximo do país, enveredou os caminhos do moderno constitucionalismo.

A Carta Magna do Brasil estabelece nos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º as bases do moderno Estado Social Democrático de Direito, ao preceituar: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

 III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

 

De imediato, impõe-se que seja dito que sem o reconhecimento do cidadão, ao lado dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, bem como a luta incessante no combate às desigualdades sociais, não há como se promover a paz e a justiça social.

A efetivação dessas e outras premissas no plano dos direitos individuais do homem e do cidadão, da empresa e do empresário, direitos também coletivos, difusos e transindividuais conduzem a assertiva de que há o cumprimento da função social do direito encartado nessas e em outras disposições do texto constitucional e da legislação infraconstitucional.

O dispositivo constitucional estabelece no Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais - Direitos e Deveres Individuais e Coletivos -, art. 5º, incisos XXII e XXIII que: XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIII - a propriedade atenderá sua função social. No âmbito dos direitos sociais, estabelece o artigo 6º da Carta Política, de 1.988: Artigo 6º - “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência privada, a proteção a maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.[42] No que tange a propriedade e sua respectiva função social, deve-se dizer que há outras disposições na Lei Maior que tratam desse instituto e de sua função social: (art. 170, II, III; art. 182 e §´s 2º, 3º e 4º; art. 183 e § ´s 1º, 2º e 3º) e um plexo civil ordinário (art´s. 421 e 422[43]; 1.228, §´s 1º, 2º, 3º 4º e 5º e art. 2035 do Código Civil, entre outros) etc.

O que fez o Estado contemporâneo foi adotar a causa social, a causa de todas as classes sociais como premissa básica de promoção dos novos valores, bens e direitos (da socialidade, da eticidade, da boa-fé objetiva, da probidade, da equidade, da solidariedade, da fraternidade, da partilha, do bem comum, da paz e da justiça). Essas premissas têm por objetivo conduzir a paz social e a justiça, fazendo com que todos participem dos frutos e produtos que o Estado, como gestor dos negócios da estrutura social pode proporcionar a todos.[44]

Está presente no Estado Social Democrático de Direito um forte sentido de socialidade e solidariedade, de investimento nas camadas sociais, seja do ponto de vista econômico, social ou cultural. O que se impõe é a adoção de medidas condizentes com um novo marco na cultura da gestão da coisa pública, que não passa pela preservação do meu ou do teu, mas adota o nosso como balizamento da recuperação do sentido mais comum do Estado, ou seja, de que ele existe para reger os interesses sociais das quais esse mesmo Estado foi investido pelos seus súditos - cidadãos - para atender os, anseios de todas as classes, no intuito de promover a vida, a unidade das camadas sociais e conduzi-las em conjunto ao alcance da dignidade da pessoa humana como premissa máxima da estrutura do Estado contemporâneo.

Funcionalizar o direito não é relativizar o conteúdo da norma jurídica, mas operacionalizá-la dentro do ordenamento jurídico, a fim de que seja capaz de concretizar o desejo do legislador e o fim da própria lei. Por meio da função social do direito se pretende que o jurista, o intérprete e o aplicador do direito cumpram os valores contemporâneos que dão suporte a esse predicado cardeal do Estado contemporâneo sob o qual se sustenta à base e a razão do próprio direito e da própria justiça.

 

1.12. A estrutura normativa do Código Civil de 2002

 

O Código Civil de 2002 representa uma evolução normativa, especialmente no que se refere aos valores contemporâneos, que podem ser verificados na própria concepção de funcionalidade da propriedade, ao lado da socialidade do direito, da solidariedade social, da boa-fé objetiva, da equidade, o que nos mostra o quanto o legislador foi cauteloso ao adotar esses valores também no diploma privado, antes já contemplados em sede constitucional.

O sentido valorativo do qual o Código Civil de 2002 foi inspirado se deve exatamente ao processo de transformação social pelo qual a sociedade passou ao longo do século XX. É preciso que de agora em diante esses valores sejam efetivados no plano das relações humanas e afetivas, de modo a tornar a vida em sociedade cada vez melhor.

O Código Civil de 1916 foi amplamente reestruturado a partir de novos valores, que foram adotados a partir das alterações dos processos sociais e dos valores encartados com a Constituição de Federal de 1988, e nessa medida o novo Código Civil de 2002 recebeu as inspirações do moderno constitucionalismo brasileiro.

Ressalta o professor Miguel Reale:

 

Eu dou preferência ao tempo do cérebro e do coração, sobretudo ao tempo das batidas do coração que abrem à compreensão da ética e da socialidade, os dois valores básicos da nova codificação, nova codificação que eu resumiria assim: um conjunto de normas abertas, em função das necessidades econômicas, éticas e sociais da Pátria Brasileira, sem o individualismo do século passado mas com a socialidade e a eticidade exigidas em nosso tempo”.[45]

 

Em suas palestras sobre a Reforma do Código Civil de 1916, o jus filósofo alude que esses valores de eticidade e socialidade são os maiores valores que estão contidos na codificação de 2002. E acrescenta: “Quero brevemente fazer referência a este aspecto da socialidade e da eticidade como os princípios basilares da nova codificação. No Código de 1.916 só se fala em boa-fé, a propósito da posse. Há posse de boa-fé e posse da má-fé. Ao contrário, no Código que está agora em vigor, a todo instante, se fala em boa-fé. A começar pela definição do negócio jurídico, que deve levar em conta a boa fé daqueles que dele participam. Daí dizer-se, no Direito das Obrigações, que os contratantes devem, no momento de concluir e no ato de executar, agir de acordo com a probidade e a boa-fé”.[46]

Nessa vertente inovadora do Direito, o Direito Civil, que sempre fora tratado como um sistema fechado para os interesses individuais, cujas vertentes estavam como que petrificados pelos valores da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade), passou a adotar, novos valores no século XX (socialidade, solidariedade, fraternidade, partilha, bem comum, eticidade, equidade, probidade, paz e justiça) como marcas de um novo direcionamento nas relações humanas que devem conduzir a paz social.

Para que isso fosse permitido, a filosofia do direito passou a adotar modelos menos fechados, ou melhor, modelos abertos, que permitissem ao magistrado julgar o caso concreto de acordo com a realidade do negócio jurídico posto em debate, e não aquela aparência de garantia contratual da lei, que era, no sistema do século XVIII e XIX, uma garantia apenas legal, pois no mais das vezes, não havia a interferência do Estado.

A partir do surgimento de novos modelos, no campo do Direto e especialmente do Direito Constitucional, o Direito Civil foi aos poucos sendo fortemente reestruturado, ganhando novas conotações.

Essa compreensão moderna do Direito exige que o Direito Civil seja visto não apenas como um sistema de direito que regula os comportamentos individuais dos contratantes, bem como a disciplina das associações, os bens e o patrimônio, a sucessão e a responsabilidade civil do homem e da empresa, estão por outro lado a permitir a análise de valores que estão ao redor dessas questões, fazendo com que se veja as relações privadas com uma nova dimensão, a dimensão valorativa e social, a dimensão cultural e o processo de harmonização e convivência das partes nas relações contratuais, patrimoniais e afetivas.

 

1.13. Função social no Código Civil

 

A função social do direito foi adotada no Código Civil de 2002.  Com efeito, estabelece o § 1º do art. 1.228 do estatuto privado: “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

O § 1º do art. 1.228, ao exigir do proprietário que ao exercer o direito de propriedade deve atender às finalidades econômicas e sociais, bem como deve conformar seu direito no sentido de se evitar a poluição da água, está na realidade dizendo que a água não pode sofrer a interferência do homem, de modo a prejudicar os recursos hídricos disponíveis.

Qualquer instituto jurídico ou direito assegurado ao homem possui uma função social, e nesse sentido, a disciplina do direito de propriedade está subjacente à preservação e proteção da água e dos demais bens e recursos ambientais.

No exercício de um direito como o de propriedade não pode haver ofensa aos recursos hídricos e nesse patamar valorativo está a compreensão do legislador do século XXI, de compatibilizar o exercício dos direitos sem que outros valores, bens e direitos sejam colocados em risco.

O exercício do direito de propriedade deve estar em consonância com a preservação dos corpos d´água existentes no imóvel do proprietário ou fora dele. Nesse sentido, não pode o proprietário se negar à proteção dos recursos hídricos em atendimento apenas aos seus interesses.

O § 1º do art. 1228 do Código Civil exige do proprietário que compatibilize o uso e exercício de seu direito de propriedade frente à proteção dos recursos ambientais, do valor econômico dos bens, com vistas ao bem comum. Vale acrescentar que ao lado da função social da propriedade e do contrato, o Código Civil no art. 2.035, parágrafo único, impõe veto à ofensas a essas premissas, sob pena de nulidade.

Essa nulidade não é uma nulidade prevista nas disposições gerias do Código Civil, mas um sistema de nulidade autônomo, porquanto a função social do contrato e a função social do direito são valores e princípios contidos no sistema constitucional que fornecem as premissas para sua existência, compreensão e efetivação.

No Código Civil, a função social deve integrar as relações jurídicas contratuais. Com efeito, o art. 421 acentua: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Como vetor a direcionar o atendimento da função social do contrato, o art. 422 exige a observância da probidade e da boa-fé, preceituando: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Quem contrata deve exercer esse direito, mas deve fazê-lo dentro dos comandos impostos pela norma jurídica, sabendo que se não atender a finalidade útil e econômica do contrato, que é gerar riqueza e beneficiar a si e à sociedade, poderá perder esse direito em detrimento de quem possa exercê-lo com atendimento à sua correspondente função. Acresça-se ainda que além de ser útil o contrato, ele há de ser justo, ou seja, deve permitir um equilíbrio capaz de tornar a relação jurídica harmônica e não gerar contendas, conflitos, discórdias, tristezas, malefícios, angústias, etc.

A função é o fim precípuo que determinado bem jurídico deve atender no âmbito de sua estrutura interna e irradiar para fora da própria estrutura as conseqüências práticas para as quais foi projetado. A função é o fim destinado pelo instituto a atuar no âmbito externo e a produzir resultados condizentes com a concepção dogmática do instituto.

O legislador contemporâneo ao criar a idéia matriz de função social objetivou alcançar a coletividade como um todo, sem, contudo, abandonar no plano da estrutura da norma, o indivíduo que foi inserido na contextualidade do grupo, o que representa para a realidade humana o abandono da concepção de ser isolado e afastado do grupo.

Essa função social não restringe o exercício do direito individual à propriedade privada e nem as relações jurídicas contratuais, mas as coloca diante dos valores da eticidade, boa-fé objetiva, probidade, equidade, socialidade, solidariedade, fraternidade, bem comum, partilha, mútua responsabilidade, paz e senso de justiça, condicionando o proprietário e os contratantes à cumprir os objetivos delineados no conteúdo do direito de propriedade e do contrato, bem como no conteúdo da norma jurídica, que há necessariamente de cumprir a justiça.

 

1.14. Uma nova interpretação da norma jurídica

 

A partir do surgimento do Estado Social de Direito e sua evolução para Estado Social Democrático de Direito, o que se espera das relações jurídicas é o mútuo respeito entre as partes, a fim de que uma vez vigorando os novos valores, bens e direitos  (eticidade, boa-fé objetiva, probidade, equidade, socialidade, solidariedade, fraternidade, bem comum, partilha, mútua responsabilidade, senso de justiça) possam usufruir economicamente das utilidades proporcionadas pela celebração das avenças.

Na vertente da moderna interpretação da norma jurídica, seja a norma material ou processual, exige-se das partes uma nova postura. Com efeito, há que se dizer que no limiar do terceiro milênio, a norma jurídica material e processual tem recebido do legislador a devida atenção exatamente em razão do descumprimento das obrigações ou do acometimento de ilicitude por uma das partes de qualquer relação jurídica, seja proprietária ou não.

Essa moderna interpretação da norma jurídica trouxe para o direito constitucional, para o Direito Civil e para o Processo Civil, entre outros, a possibilidade de uma das partes, quando tomar conhecimento de que estão sendo infringidas as relações jurídicas ajustadas, possa manejar a atividade jurisdicional do Estado para satisfazer suas necessidades econômicas, morais e espirituais que a relação jurídica foi capaz de abalar.

O que fez a modernidade legislativa foi atribuir à parte prejudicada, um instrumental normativo capaz de manejar licitamente a tutela do Estado a seu favor, de forma mais célere, eficaz e condizente com a realidade do mundo contemporâneo. Isso é uma medida de força que a evolução do direito permite à parte lesada ou ameaçada de lesão.

 

1.15. A força do Estado de Direito para efetivar a norma jurídica

 

Quando as partes não cumprem a função social do direito, a função social da propriedade, a função social do contrato, entre tantas outras, o Estado deve conceder à parte lesada uma medida de força condizente com essa evolução normativa, máxime das necessidades de se apaziguar as relações jurídicas havidas entre as partes, quando no mais se sabe, que sempre há razões infundadas para alguém descumprir o contrato.

Ninguém melhor do que o Estado, para com a força que o Estado Social Democrático de Direito consagrou com a Constituição Federal de 1.988 para confirmar o direito de crédito ou o bem da vida àquele que tem o direito a receber.

O Estado, por meio da tutela jurisdicional fornece vários instrumentos para tornar efetivo o cumprimento da lei, dos pactos, a eticidade, a boa-fé objetiva, a probidade, a equidade, ao lado da função social do contrato, como desiderato do equilíbrio constitucional, art. 5º, inciso I e II da Carta Política.

Mas não é só. Esta força conferida pelo Estado está presente nos vários instrumentos legais que o direito material e o direito processual colocam a disposição da parte lesada para resguardar seus direitos. No âmbito do direito material, tem-se a reserva legal, a ação de reparação de dano, os valores, bens e direitos antes realçados, entre tantos outros. No plano do Direito Processual Civil, tem-se as tutela antecipada, as medidas de urgência, as medidas cautelares, o cumprimento de sentença, entre outras.

Essa força do Estado Social Democrático de Direito, presente nesses e outros institutos, muitas vezes não é compreendida pelo operador do direito e pela atividade jurisdicional de distribuir e de administrar a justiça - o magistrado - o que acaba retardando a prestação da tutela jurisdicional e a entrega do bem da vida à parte vencedora.

 

1.16. A interpretação funcional do direito

 

A função social do direito antes de ser uma cláusula é um valor que pré-existe ao mandamento da lei. Ela representa um sentido peculiar do homem de ver o mundo ordenado pela paz, num ambiente harmônico, equilibrado e justo.

Nessa completude não pode ser deixada à mercê do operador do direito. Aquele que lhe dá com a norma jurídica deve sempre indagar no caso concreto, onde que o direito está sendo efetivado como função ou em que medida aquele caso merece ser visto a parir dos valores sociais que o mundo adotou como cardeais e incorporou no rol dos valores fundamentais sob os quais o Estado contemporâneo foi construído.

A função social do direito como princípio é a base sob a qual se sustenta os predicados da socialidade, da solidariedade, da fraternidade, da eticidade, da boa-fé, da equidade, da probidade, da partilha, do bem comum, da paz e da justiça.

A função social do direito é o senso moderno de justiça que absolveu todos os valores contemporâneos. É a cláusula vetora e ordenadora do direito. Como princípio deve direcionar o agir humano com vistas a construir um mundo melhor para o individuo, para o cidadão, para a empresa e para o empresário. Ela é regra jurídica de interpretação. Ao se interpretar o caso concreto, o operador do direito fará um juízo de valor, não de qualquer valor, mas de um valor jurídico emprestado pelo senso comum ao direito, e verificará se o caso se ajusta aos valores contemporâneos e se a ele o direito absolveu como predicado do ideal de justiça, do senso normativo e da realidade humana.

 

1.17. Conclusão:

 

Os bens, valores e direitos contemporâneos (socialidade, solidariedade, fraternidade, bem comum, partilha, paz e justiça social), ao lado do valor da dignidade da pessoa humana são compreendidos por nós como a concepção contemporânea de função social do direito, sendo este último, o maior de todos os predicados do moderno constitucionalismo, em cuja marcha história abrem-se as cortinas para sua concretização no plano fático, real e existencial.

Pensamos também que compreender o direito a partir de uma função social é reconhecer que esse direito deve existir para atender às finalidades da norma jurídica.

Assim, a norma jurídica deve sempre buscar atender às necessidades do indivíduo e da coletividade, considerando a completa harmonia entre ambos.

A função social do direito é uma destinação, que deve ser atribuída à norma jurídica, que há de atender às necessidades da sociedade, e, portanto, a função social é uma das finalidades do direito.

A função social do direito é a marca do novo constitucionalismo, e, como já se disse, esse processo se deve à nova ordem social, política e ideológica, gestada após a Primeira Guerra Mundial, cujo marco inovador foram as Constituições do México e da Alemanha, antes referidas.

No campo contratual, a função social é uma vertente que deve permear as relações jurídicas. Esse fenômeno igualmente ocorre na função social da empresa, na função social do contrato, na função social da responsabilidade civil, enfim, em qualquer instituto de direito público ou privado. Nisso, há que se dizer que não há instituto jurídico sem que se atenda a sua correspondente função social.

Se a finalidade do direito é promover a paz e a justiça social, a fim de que os homens vivam em harmonia e numa ambiência capaz de produzir a paz que é predicado fim do direito, entendemos que sob o ângulo dos valores, bens e direitos encartados nas constituições contemporâneas do mundo ocidental, a função social do direito se ajusta e se entrelaça ao tema da justiça, porquanto se cumprida a função social do instituto a chance de se cumprir à justiça é plena.

O tema da justiça foi abordado por grandes filósofos, grandes pensadores, grandes pesquisadores e todos aqueles que se dedicaram ao estudo do tema. Pensamos que nos dias correntes, o tema da justiça está relacionado a outros contornos e sentidos próprios da evolução do direito e dos predicados que estão a ela subjacentes.

A função social do direito é a evolução da compreensão do tema da justiça ao longo da história. Por isso, não devemos estudar o tema da justiça apenas como uma questão filosófica, senão ao lado de uma constante evolução das sociedades, desde as mais antigas aos tempos contemporâneos. Não foi por outra razão que os vários textos das constituições contemporâneas contemplaram o tema da justiça em sua estrutura normativa.

Existindo função social no direito, nem o homem e nem a empresa podem opor-se ao cumprimento dos seus predicados, porquanto o direito enquanto função convoca todos para cumprir os desideratos do Estado que é promover o bem comum.

Promover o bem comum é, em certa medida, entregar a quem seja titular aquilo que já o era na ordem natural das coisas e dos acontecimentos. Quando existe uma pretensão resistida porque alguém de fato e de direito lesou ou ameaçou de lesão a alguém não há motivo para a contenda, logo, o objeto do bem da vida deve ser entregue sem espera, porquanto o homem moderno não deve perder tempo com essas coisas. Deve dar a cada um o que lhe pertence. Este é o senso do reto, do correto, da retidão, do equilíbrio, da justiça.

 

Um abraço cordial.

 

 

 

 

 

 

 

 

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[1]As compreensões que são adotadas nesse ensaio estão diretamente relacionadas à Dissertação de Mestrado intitulada Função Social da Propriedade: Defesa realizada em 24 de julho de 2007, na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - SP, onde obtivemos o título de Mestre em Função Social do Direito – Já em 25-07-2007 iniciamos a árdua tarefa de procurar traduzir as palavras do grande Mestre Arruda Alvim que nos orientou a buscar descobrir o que viria ser a Função Social do Direito. Também, as premissas aqui realçadas, defendidas e plantadas estão contidas no livro de nossa autoria, sob a rubrica de Perspectivas Contemporâneas do Direito. São Paulo: Editora Phoenix, 2008. Devemos anotar também que as idéias aqui lançadas serviram de base para construir no mundo ocidental a Teoria da Função Social do Direito com premissas jusfilósificas próprias nunca antes realçadas na cultura jurídica brasileira.sobre a questão da função social do direito.Primeira versão; 04/07/2007. Segunda versão: 15/04/2014.

[3]ARRUDA ALVIM NETTO. José Manuel de. Principais Controvérsias do Novo Código Civil. Coordenação GOZO, Débora, MOREIRA ALVES, José Carlos & REALE, Miguel. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 18.

[4]É a própria Constituição Federal que ordena a atividade econômica ao lado da defesa dos bens e recursos ambientais, defesa da propriedade e sua função social, bem como a atividade de produção ao lado da defesa do direito dos consumidores. “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor”;

[5]Devemos ter presente que o direito sempre cumpriu ou atendeu uma função social. Quer uma função individual ou  uma função coletiva. A função social é um predicado contido no conteúdo da norma jurídica, logo desde os tempos mais remotos da cultura humana em que surgiram as regras de direito, em si mesmo o direito tem uma função, um objetivo a cumprir, uma finalidade a alçar, porquanto está na estrutura da norma a razão de sua existência.

[6]COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Editora Saraiva, 4ª edição, 2005, p. 177.

[7]Ibidem, p. 189-190.

[8]Ibidem, p.189-190.

[9] Art. 153. “A propriedade é garantida pela Constituição. Seu conteúdo e seus limites resultam das disposições legais. A propriedade obriga. Seu uso deve, ademais, servir ao bem comum”.

[10]VICENTINO, Cláudio e DORICO, Gianpaolo. História para o ensino médio. São Paulo: Editora Spicione, 2004, 1ª edição,  p. 340-341.

[11] Esta revolução propiciou o abandono da velha economia, que estava sustentada nas corporações de ofício e de manufaturas, pelo engendramento da máquina a vapor e das ferrovias veio a transformar o modelo de produção vigente. O modelo de produção, rudimentar para a época, não se altera, mas permite, ao seu lado, surgir à produção de escala, viabilizando a exploração de mão-de-obra do camponês, que não mais quer o campo, mas que, pela nova realidade, é sugado pela novidade industrial da cidade e a ela se incorpora.

[12]VICENTINO, Cláudio e DORICO, Gianpaolo. História para o ensino médio, Ob. Cit,  p. 340-341.

[13]BONAVIDES, Paulo. Do Estado Social ao Estado Liberal. São Paulo: Editora Malheiros, 6ª edição, 1.996, p. 184.

[14]Ibidem, loc. Cit..

[15]Ibidem. p. 185.

[16]Ibidem, loc. cit.

[17]Cumpre observar que os valores de liberdade, igualdade e fraternidade não brotaram da noite para o dia no cenário ideológico do mundo europeu. Há, todavia, que se compreender que a construção dessa tríade ideológica levou em torno de oito séculos para ser construídas, estão suas raízes presentes desde o surgimento do mercantilismo e do expansionismo do velho mundo europeu que viveu quase doze séculos de medievalismo, cujas estruturas sociais, políticas e ideológicas estiveram sustentada numa concepção fechada de hundo.

[18]Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Malheiros, 17ª edição,  2005, p. 563.

Assim, várias leis surgiram no ordenamento jurídico brasileiro para contemplar as novas classes de valores, bens e direitos contemporâneos. Citem-se como exemplos:

a) Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1.965, (Lei de Ação Popular), inicialmente usada para impor veto às ações do poder executivo e de seus agentes, tendentes a causar dano no exercício das atividades, mas foi durante muito tempo manejada para proteger o meio ambiente, diante da ausência da legislação específica no campo processual;[19]

b) A Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), disciplina pela primeira vez no Brasil, de forma ampla a tutela material do meio ambiente;

c) Lei n­º 7.347 de 24 de julho de 1.985 (Lei de Ação Civil Pública);

d) Lei nº 7.853/89 (Estabelece a defesa de pessoas portadoras de deficiência);

e) Lei nº 7.913/89 (disciplina a responsabilidade civil por danos causados aos investidores de mercados imobiliários);

f) Lei nº 8.069/90 (Institui o Estatuto de Proteção a Criança e ao Adolescente);

g) Constituição Federal, art. 225 (Tutela Constitucional do Meio Ambiente);

h) Lei 8.078 de 11 de setembro de 1.990 (Código de Defesa do Consumidor), entre tantas outras.

Ambas as legislações instituíram e representa ao lado da Lei de Ação Civil Pública, um sistema de defesa do consumidor, um sistema de defesa da sociedade.

[20] Essas leis na realidade vêem no cenário legislativo disciplinar de modo amplo os novos direitos por elas reconhecidos e disciplinados. Vale dizer, eles careciam de uma tutela jurisdicional diferenciada, célere e eficaz  na segunda metade do século XX, vindo a merecer do legislador pátrio uma proteção condizente com a qualidade e os valores que eles exprimem.

[21]ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de. In A Ação Civil Pública após 20 anos. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2005, p. 77.

[22] Essas estruturas no plano material era o Código Civil de 1.916, erigido e influenciado sob a ótica do Código Civil francês. No plano material, tem-se o código de Processo Civil de 1.973, cujas categorias de proteção estão igualmente sustentadas pelo modelo individual, não possuindo uma vertente ampla que pudesse no plano fático defender uma classe ou categorias de pessoas, de modo amplo, como hoje se concebe com o processo civil coletivo.

[23]CARVALHO, Francisco José. Processo Civil Contemporâneo. Artigo jurídico no prelo. 

[24] Idem, no prelo.

[25]ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de Anotações sobre a perplexidade e os caminhos do processo civil contemporâneo: sua evolução ao lado da do direito material. Revista da Escola Paulista da Magistratura: São Paulo, v.2, nº 1 - p.93-114, jan/jun., 2001.

[26]De tudo o que foi dito, é importante compreender esse fenômeno também a partir das lições de Kazuo Watanabe, que assevera: “O que aconteceu de mais importante, em razão dessas transformações revolucionárias do processo civil pátrio, foi a facilitação do acesso à Justiça por parte do conflitos individuais, de competência dos Juizados de Pequena Causas, além da abertura de acesso para os interesses difusos e coletivos stricto senso, que constituem o objeto do processo d interesse público”. O advento da Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984), anos mais tarde substituída pela Lei dos Juizados Especiais Civis e Criminais (Lei 9.099, de 29 de setembro de 1.995)  representou sem dúvida alguma, um grande potencial de acesso à justiça. Todavia, não raras às vezes, nos deparamos com processos também que demoram sobremaneiramente para se obter à plena satisfação do direito reclamado com a entrega do bem da vida.

 

[27] Em resumo, o Processo Civil Coletivo se dá com a (Lei de Ação Civil, Lei 7347/85, Art. 1º e ss), (Lei de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, Art. 81, parágrafo único, I, II, III e ss), (Constituição Federal, Art. 129, III), etc.

[28]ARRUDA ALVIM. O Indivíduo e a Coletividade em Face da Justiça: Aula de Medrado proferida em 14 de março de 2006, na Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo - FADISP.

[29]De acordo com esta lei, considera-se patrimônio público, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico, (art. 1º, § 1º). Este conjunto de bens abrange os bens ambientais.

[30]A tutela jurisdicional diferenciada é uma nova linguagem do processo civil moderno, que antes de tudo, é uma linguagem constitucional, dado ao panorama legislativo inaugurado com a Constituição Federal de 1988 e com as reformas processuais que a sucederam.

Donaldo Armelin que entre nós sempre si notabilizou por esta nova forma de ver as reformas processuais, acentua: “Dois posicionamentos, pelo menos, podem ser adotados a respeito da conceituação de tutela diferenciada: Um, adotando como referencial da tutela jurisdicional diferenciada a própria tutela, em si mesma, ou seja, o provimento jurisdicional que atende, em si mesma, ou seja, o provimento jurisdicional que atende a pretensão da parte, segundo, o tipo de necessidade de tutela ali veiculado. Outro, qualificando a tutela jurisdicional diferenciada pelo prisma de sua cronologia no inter  procedimental em que se insere, bem assim como a antecipação de seus efeitos, de sorte a escapar das técnicas tradicionalmente adotadas nesse particular”.[30]

Assegura o professor João Batista Lopes que: “Em verdade, a tutela jurisdicional diferenciada não significa mera especialidade de procedimentos, mas está direcionada à efetividade do processo, isto é, deve ser assegurado, à parte o t6ipo ou espécie de tutela mais adequado à proteção real do direito”.[30]

 [31] PLÁCIDO E SILVA, Oscar José de. Dicionário Jurídico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 24ª Edição, 2004, p. 641-642.

[32]FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Editora Atlas, 1991,  p. 265.

[33] Lembram Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo que nessa época: “A Inglaterra adquirira uma nova configuração social com a industrialização e o êxodo rural, [33]De acordo com Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorico: “Surgidas com o Iluminismo e lançadas pelos fisiocratas franceses, as bases do liberalismo eram a propriedade privada, o individualismo econômico, a liberdade de comércio, de produção e de contrato de trabalho (salários e jornada sem controle do Estado ou pressão dos sindicatos. O pensamento liberal ganhou contornos definidos com Adam Smith (1723-1790). Em sua obra “A riqueza das nações” mostrava a divisão do trabalho como elemento essencial para o crescimento da produção e do mercado, e cuja aplicação eficaz depende da livre concorrência, que forçaria o empresário a ampliar a produção, buscando novas técnicas, aumentando a qualidade do produto e baixando ao máximo os custos de produção” In VICENTINO, Cláudio e DORICO, Gianpaolo. História para o ensino médio. Editora Spicione,  2004, 1ª edição, São Paulo, p. 340-341.

[34](No vernáculo – tradução livre) :A propriedade é uma instituição jurídica formada segundo as necessidades econômicas, como alias todas as instituições jurídicas que evoluem de acordo com as necessidades econômicas delas mesmas. Na nossa sociedade moderna, a necessidade econômica conforme a propriedade jurídica se transforma profundamente; por conseqüência, a propriedade como instituição jurídica deve ela mesma se transformar”.In. DUGUIT, Léon. Transformationss Générales Du Droit Prive. Paris. Librrairie Félix Alcan, Paris, 1920,  p. 148.

[35](No vernáculo – tradução livre) :“A evolução se faz ainda aqui no sentido socialista. Ela é ainda determinada por uma inter dependência de diferentes elementos sociais cada vez mais estreito. A propriedade se socialista, se eu posso assim dizer.  Isto não significa que ela se torna coletiva nos termos das doutrinas coletivas; mas isso significa 2 coisas: que a propriedade individual deixa de ser um direito do indivíduo para tornar-se uma função social e em segundo lugar que as hipóteses de afetação da riqueza às coletividades, que devem ser juridicamente protegidas, surgem pouco a pouco mais numerosas.”,Ob. Cit. p. 149.

[36](No vernáculo – tradução livre): "A necessidade economica corresponde, de uma maneira geral, a instituição juridica da propriedade? Isto é simples e aparece em toda sociedade: é a necessidade de destinar certas riquezas a metas individuais ou coletivas definidas e de proteger e garantir socialmente esta aplicação. O que é necessario ?  Duas coisas: primeiro, de uma maneira geral,  que tudo deve ser feito para atingir o objetivo,  tudo o que for contra este objetivo deve ser reprimido”, OB. Cit. p. 150-151.

[37]CARVALHO, Francisco José. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FADISP-2007.

[38]PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Introdução ao direito Civil Constitucional. 2ª edição, Editora Renovar, Tradução de Maria Cristina de Cicco, Rio de Janeiro, 2.002p. 226.

[39] Idem, p. 227.

[40]MONOS. José Luis Los.  El Derecho de propiedad: crisis y retorno a la tradición jurídica. Madri: Derechos Reunidas, 1993, p. 95 (O texto foi traduzido de forma livre).

[41]Ibidem, p. 175.

[42]Em 2000, a Constituição Federal, no que se refere aos direitos sociais, sofre alteração por meio da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, fazendo incluir entre os direitos sociais o direito à moradia e à habitação.

[43] De acordo com Jones Figueiredo Alves: “o novo código Civil, no seu todo, é um permanente aviso de advertência aos que intentem conspurcar o interesse social do direito, maculando, no particular, as relações contratuais pela quebra da paridade ou equivalência. Para que melhor se compreenda os contratos em espécie, regulados no novo código Civil, como relações jurídicas obrigacionais, impende considerar, de imediato, acerca das cláusulas gerais dos contratos, acertadas pelos arts. 421 e 422, com emprego pertinente a todos eles”. ALVES, Jones Figuerêdo. Código Civil Comentado. São Paulo: Editora Saraiva, 6ª edição, Coordenadora da 6ª edição, Professora Regina Beatriz Tavares da Silva, 2008. p. 376.

[44]CARVALHO, Francisco José. Perspectivas Contemporâneas do direito. Estudos em comemoração aos 20 anos da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Phoenix., 2008. p. 33-35.

[46] Idem, loc. cit.

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