JurisWay - Sistema Educacional Online
 
É online e gratuito, não perca tempo!
 
Cursos
Certificados
Concursos
OAB
ENEM
Vídeos
Modelos
Perguntas
Eventos
Artigos
Fale Conosco
Mais...
 
Email
Senha
powered by
Google  
 

Alienação Fiduciária Aspectos Atuais


Autoria:

Jefferson Francisco Falcao De Carvalho Marcos


Jefferson Francisco Falcão de Carvalho graduado em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

envie um e-mail para este autor

Resumo:

Trata-se aqui de como o judiciário tem tratado a alienação fiduciária em razão do amparo legal em aspectos atuais através de recentes decisões a respeito no elemento alienação fiduciária.

Texto enviado ao JurisWay em 22/01/2016.

Última edição/atualização em 09/08/2017.



Indique este texto a seus amigos indique esta página a um amigo



Quer disponibilizar seu artigo no JurisWay?

 

Alienação Fiduciária

Jefferson Francisco Falcão de Carvalho Marcos

 

INTRODUÇÃO

Com a necessidade cada vez mais frequente de oportunizar negócios e de adquirir bens duráveis e de alto valor, os contratos com cláusula de alienação fiduciária se tornam mais comuns, devido a sua facilidade na aquisição daqueles tão sonhados objetos da necessidade diária da vida moderna, como por exemplo, o automóvel, que há muito já deixou de ser um luxo, para ser um instrumento de trabalho e  facilitar o dia a dia da população.

Esses contratos trazem além de benefícios, porque facilitam a aquisição dos bens, obrigações, que muitas vezes ocasionam desacordos em função do seu não cumprimento conforme estipulado, levando as partes contratantes buscarem a intervenção do Estado na resolução de suas lides.

O trabalho de que trato, traz algum esclarecimento sobre o que seja a alienação fiduciária, suas características, requisitos e modalidades de uso frequente, além de um exemplo jurisprudencial de como são tratadas as lides que se referem ao descumprimento do contrato com cláusula de alienação fiduciária. Se for caracterizado o devedor como depositário da res alienada e entendido como depositário infiel, uma das duas modalidades de prisão civil, o devedor poderá sofrer essa sanção.

  

 

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

 

1.1.Histórico

A alienação fiduciária era conhecida no Direito Romano de forma um pouco diferente da estabelecida nos dias atuais. Fiducia, entendia-se como um contrato de confiança, onde pessoas passavam seus bens a outras com o intuito de protege-los de circunstâncias aleatórias, com a ressalva de serem esses devolvidos quando entendia o proprietário que não necessitava mais dessa medida acautelatória. Era conhecida como fiducia cum amico e não tinha finalidade de garantia. Mas essa modalidade se transformou passando a ser a chamada fidúcia cum creditore, onde o devedor transferia a propriedade do bem ao credor até que efetuasse o pagamento da dívida.

O contrato de alienação fiduciária foi regulamentado no Brasil na década de 60, surgindo com a Lei nº 4.728, artigo 66, de 14 de julho de 1965, que regulou o mercado de capitais destinado a dinamizar o financiamento de bens móveis, atribuindo como garantia da instituição que empresta o dinheiro a propriedade do bem.

Em 1º de outubro de 1969, o Decreto-lei nº 911, utilizou-se da denominação data pela Lei nº 4.728/65, dando nova redação ao artigo 66, da Lei nº 4.728, de 1965, para designar a ação de retomada da coisa em favor do proprietário, no caso do não-pagamento por parte do mutuário e possuidor, que alienara a coisa fiduciariamente em garantia. Esse Decreto-lei conservou as normas disciplinadoras nas áreas de direito material e de direito processual, constantes da Lei nº 4.728/65.

Recentemente foi criada a Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, dispondo sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, instituindo a alienação fiduciária de coisa imóvel, visando dar maior amplitude ao instituto da alienação fiduciária, e mais, em agosto de 2004 entra em vigor a Lei 10.931, que  introduz ao Código Civil o art. 1.1368-A. Traz essa nova lei algumas importantes modificações no habitual modo de tratamento do regime da alienação fiduciária.

1.2.Conceito

“A alienação fiduciária em garantia consiste na transferência feita pelo devedor ao credor da propriedade resolúvel e da posse indireta de um bem infungível  (CC, art. 1.361) ou de um bem imóvel (Lei n. 9.514/97, arts. 22 a 33), como garantia de seu débito, resolvendo-se o direito do adquirente com o adimplento da obrigação, ou melhor, com o pagamento da dívida garantida”

O próprio artigo 66 da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 911/, 1º de outubro de 1969, dispõe expressamente: "A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal".

Objetiva a constituição de direito real de garantia, tem como objeto a transferência da propriedade de coisa móvel, mas com a finalidade de garantir o cumprimento de obrigação assumida pelo devedor fiduciário, frente a instituição financeira que lhe concedeu o financiamento para a aquisição de um bem.

Os conceitos acima firmados também se aplicam aos bens imóveis, embora a tradição seja de bens móveis. A seguir esclarecerei algumas peculiaridades no ìtem Bens Móveis.

1.3.Características

É bilateral, por conter no contrato de alienação fiduciária duas partes: o- Credor Fiduciário que é a empresa administradora de consórcio, ou a instituição financeira e o Devedor Fiduciário que é aquele a quem é concedido o financiamento direto.

O vendedor, ou seja, aquele que firma o contrato de compra e venda de bem de produção, não figura nesse contrato de garantia, uma vez que ele é celebrado entre a entidade ou empresa financiadora e o devedor.

É formal, porque consiste em negócio jurídico celebrado por instrumento escrito, público ou particular e o registro desse deve ser feito no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

Também caracteriza-se a sua formalidade, quando é aplicada a norma do art. 4º, do Decreto-lei nº 911, de 1º de outubro de 1969, uma vez que equipara o devedor fiduciante ao depositário com a responsabilidade do art. 652 do Código Civil.

Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos em ação de depósito, na forma prevista no Capitulo II do Livro IV do Código de Processo Civil.

1.4.Requisitos

       1.4.1.Objetivos

O contrato que deve seguir as normas supra especificadas deve conter conforme o (art. 1.362, CC, 2002):

 I – o total da dívida, ou sua estimativa;

            II – o prazo ou a época do pagamento;

            III – a taxa de juros, se houver;

            IV- a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação.

O Registro, pela Lei 4.728, é obrigatório, para que possa ter o efeito erga omnes, já o Código Civil vê além desse efeito a importância da validade em si. Há nesse sentido a Súmula do STJ de nº 92 que diz:

                        “ a terceiros de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária   não anotada no Certificado de Registro do Veículo Automotor”

Devido a várias decisões desconsiderando a súmula supra citada o Conselho Nacional de Transito determinou que em cumprimento ao disposto no art. 8º do Decreto-Lei 911, que os DETRANS devem exigir para a expedição do Certificado de Registro, além dos documentos já normalmente exigidos, o contrato de alienação fiduciária em garantia, que deverá estar devidamente registrado.

      1.4.2Subjetivos

Pode ser parte nesses contratos qualquer pessoa física ou jurídica. As pessoas físicas ainda podem possuir avalistas ou coobrigados, que venham a garantir o adimplemento da obrigação mesmo tendo-se um bem em garantia.

“Acrescenta o art. 6º do Decreto-Lei 911/69 que “ o avalista, fiador ou terceiro interessado que pagar a dívida do alienante ou devedor se sub-rogará, de pleno direito, no crédito e na garantia constituída pela alienação fiduciária”. E pelo art. 1.368 do CC: “ o terceiro, interessado ou não, que pagar a dívida, se sub-rogará de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária”.

Além da possibilidade de avalista, fiador ou coobrigado, o devedor não mais conseguindo adimplir com sua obrigação pode usar do artifício da cessão de direitos, transferindo o bem, com anuência da instituição financeira, para outra pessoa que se disponha a assumir os débitos que o bem ainda possui, mas essa anuência somente ocorre enquanto o contrato estiver em dia, pois em caso de não cumprimento são usados de outros meios legais que vou tratar a seguir.

 

1.5.Bens imóveis

É importante observar que para a alienação de bens imóveis há algumas regras que se diferenciam do bem móvel, por isso resolvi tratá-lo um pouco separado.

O mecanismo da alienação é o mesmos dos bens móveis, porém não basta o registro no Cartório de Títulos e Documentos, pois não dará origem ao direito real, se o bem não for registrado no Registro de Imóveis, manterá apenas vínculo obrigacional entre as partes.

O art. 24 da Lei 9.514/97 diz quais requisitos deve conter no contrato que serve de título ao negócio fiduciário:

“I- o valor do principal da dívida;

II- o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito fiduciário;

III- a taxa de juros e os encargos incidentes;

IV- a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e o modo de aquisição;

V- a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária;

VI- a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;

VII- a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27.”

“ O art. 27 trata do procedimento do leilão do imóvel, uma vez consolidada a propriedade em nome do fiduciário. O legislador preferiu exigir os requisitos de ordem material e procedimental da alienação fiduciária constantes da lei sejam expressamente transcritos nos contratos para possibilitar o registro, evitando, assim, possíveis dúvidas interpretativas”. A extinção do contrato se dá da mesma forma tanto para o bem móvel ou imóvel, pois ele se resolve com o pagamento integral da dívida contraída. Nesse caso o credor tem prazo de 30 a contar da liquidação para fornecer o termo de quitação ao fiduciante, sob pena de multa.

Se o devedor entender que não pode mais adimplir com sua obrigação poderá optar pela cessão de crédito, ou seja vender o imóvel para outra pessoa que se disponha a continuar pagando. Desse modo não terá o desconforto das medidas de resolução impostas no contrato ou mediante a Justiça.

No caso dos imóveis a lei procurou simplificar as lides, excluindo sempre que possível a intervenção do Poder Judiciário conforme pode ser observado do próprio dispositivo da Lei 9.514/97:

“Art 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

§ 1º - Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.

§ 2º - O contrato definirá o prazo de carência após o qual será expedida a intimação.

§ 3º - A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento.

§ 4º - Quando o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído se encontrar em outro local, incerto e não sabido, o oficial certificará o fato, cabendo, então, ao oficial do competente Registro de Imóveis promover a intimação por edital, publicado por três dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária.

§ 5º - Purgada a mora no Registro de Imóveis, convalescerá o contrato de alienação fiduciária.

§ 6º - O oficial do Registro de Imóveis, nos três dias seguintes à purgação da mora, entregará ao fiduciário as importâncias recebidas, deduzidas as despesas de cobrança e de intimação.

§ 7º - Decorrido o prazo de que trata o § 1º, sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá, à vista da prova do pagamento, pelo fiduciário, do imposto de transmissão inter vivos, e se for o caso, do laudêmio.

§8º O fiduciante pode com anuência do seu fiduciário, dar seu direito eventual ao imóvel em pagamento da dívida, dispensados os procedimentos previstos no art. 27.



CONSEQUÊNCIAS DO NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO

                Vamos analisar essas conseqüências através da seguinte jurisprudência que traz um caso em que o devedor não cumpriu com sua obrigação no contrato com cláusula de alienação fiduciária, referente a um automóvel.

Escolhi um bem móvel por ser mais comum, pois os imóveis passaram a usar o advento da alienação fiduciária ha um tempo relativamente curto para que se possa analisar qual é a apreciação da doutrina e da jurisprudência diante do descumprimento dessa modalidade de bem com cláusula de alienação fiduciária, além do que, há o disposto no art. 26 da Lei 9514/97, que procura simplificar o processo sem a intervenção do Poder Judiciário.

 

 

2.1.Jurisprudência

 

2º Turma Cível

Apelação Cível Nº 200308.1.004753-5

Apelante: Humberto Basile Junior

Apelado: Banco Santander Brasil S/A

Relatora: Desembargadora Carmelita Brasil

Revisor:  Desembargador Waldir Leôncio Júnior

           

Ementa

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DL 911/69. BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM AÇÃO DE DEPÓSITO. INADIMPLÊNCIA COMPROVADA. PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL. ADMISSIBILIDADE.

Se o Decreto-Lei nº 911/69 foi recepcionado pela nova ordem constitucional, consoante já proclamou o Supremo Tribunal Federal, lícita e jurídica a decisão que decreta a prisão do depositário infiel da coisa alienada fiduciariamente.”

Observando a ementa, vemos que a negociação entre as partes não foi feliz pois chegou ao extremo da aceitação por parte do Judiciário, da decretação da prisão do devedor. No nosso ordenamento jurídico há apenas duas modalidades de prisão civil, uma por alimentos e outra por deposito infiel. Mas o que tem haver o depósito infiel com o contrato de alienação fiduciária?

Já respondo, como o devedor fica com a posse do bem e deve mantê-lo, e ocorrendo o não adimplemento da obrigação deve devolver o bem ao credor, a jurisprudência tem entendido o devedor, que tem a posse do bem, como depositário do mesmo, e sendo caracterizado depositário infiel por não querer devolver o bem, pode então sofrer a sanção civil que é a prisão de até um ano do depositário infiel.

O Decreto-lei nº 911/69 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e a equiparação do devedor fiduciário ao depositário infiel não afronta a Constituição, sendo legítima a prisão civil do devedor fiduciante que descumpre, sem justificativa, ordem judicial para entregar a coisa ou seu equivalente em dinheiro, nas hipóteses autorizadas por lei. A Suprema Corte, sobre a pretensa inconstitucionalidade do Decreto-lei nº 911/69, se pronuncia dizendo que não há ofensa à Constituição no decreto

Faço essa colocação porque há dicotomia de entendimentos, sobre ser ou não inconstitucional a prisão civil.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do hábeas corpus 72.131 (Plenário, 23.11.95), decidiu ser legítima a prisão civil do devedor fiduciante que não cumprir o mandado judicial para entregar a coisa ou seu equivalente em dinheiro, tendo em vista que houve recepção do Decreto-lei nº 911/69 pela Constituição atual.

O Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes ratifica o entendimento de não haver afronta constitucional, pois o financiamento com cláusula de alienação fiduciária embora não seja um típico contrato de depósito, o art. 1º do Decreto-lei nº 911/69, ao imprimir nova redação ao art. 66 da Lei nº 4.728/65, equiparou o devedor fiduciante ao depositário, para fins civis e penais. A doutrina converge para tal afirmação.

Há os que utilizam-se, para justificar a inconstitucionalidade da prisão civil advinda do contrato de alienação fiduciária o Pacto de São José da Costa Rica, ocorrido em 22 de novembro de 1969, com eficácia no Brasil através do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.

Mas o Supremo Tribunal Federal tem decidido que o compromisso assumido pelo Brasil em tratado internacional de que seja parte, não minimiza o conceito de soberania do Estado na elaboração de sua Constituição, por isso, traça orientação no sentido de que o art. 7º, nº 7, do Pacto de São José da Costa Rica, deve ser interpretado com as limitações impostas pela Constituição de 1988.

As normas adotadas pelo Pacto de São José da Costa Rica, acolhidas pelo Brasil, não visam alterar as previstas pela Constituição Federal de 1988. Devem ser consideradas como admitidas em nosso sistema às regras que com ele não seja incompatível, porque o tratado, embora internacional, não pode prejudicar a soberania nacional que define a estrutura do Estado e de suas regras gerais, inclusive no pertinente à liberdade, não podendo o Pacto de São José opor-se à permissão do art. 5º LXVII, da Constituição Federal de 1988. Sobre esse argumento o Supremo Tribunal Federal tem se posicional no sentido de que o Pacto de São José da Costa Rica, deve ser interpretado com as limitações impostas pelo art. 5º, LXVII, da Constituição Federal de 1988:

Seja voluntário ou necessário o depósito, o depositário, que o não restituir, quando exigido, será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano e a ressarcir os prejuízos.

Salvo os casos previstos nos artigos 633 e 634, CC,2002 não poderá o depositário furtar-se à restituição do depósito, alegando não pertencer a coisa ao depositante, ou opondo compensação, exceto se noutro depósito se fundar.

O depósito legal, ou necessário, decorre de natureza do instituto da garantia fiduciária. No caso do art. 627 do CC, 2002 ,o depositário de um objeto móvel, deve guardá-lo, até que o depositante o reclame. É importante observar que hoje as instituições financeiras vem impondo contratos onde o devedor assina como fiel depositário, levando assim ao julgadores no caso de lide ter como certo a caracterização de depositário

Deve-se observar que, qualquer que seja a espécie do depósito, uma vez satisfeito os pressupostos para sua configuração, surge sempre a obrigação de se restituir o bem ao depositante no momento em que for exigido. A recusa na devolução pode caracterizar o depósito infiel e sujeitar o responsável pelas sanções restritivas constitucionais de prisão administrativa ou civil..

Alguns doutrinadores, e não poucos, negam a esse instituto vigência, após a promulgação da constituição de 1998, bem como a impossibilidade de prisão cível advinda de tais contratos. Justificam para tanto, que sua criação foi oriunda na ditadura militar, num momento histórico de opressão. Ao encontro desse mesmo entendimento temos o voto do  Senhor Desembargador WALDIR LEÔNCIO JÚNIOR, na jurisprudência em análise. O voto completo encontra-se no anexo (A-1).

Embora pareça ser certa a caracterização do devedor em depositário no contrato de alienação observo que há uma dicotomia de entendimento entre o STJ e STF, e inclusive no mesmo julgado como é o caso da jurisprudência em questão, anexo (A-1)

 

CONCLUSÃO

Como se vê outras modalidades contratuais, tem sido ofuscadas pela de alienação fiduciária, diante das enormes vantagens jurídicas que o contrato de alienação proporciona. essa modalidade contratual dinamiza as relações sociais e econômicas.

Não é a toa, que o legislador tenha dado a essa modalidade, cláusulas contratuais extremamente rígidas, pois com esses contratos há  maior disponibilização de crédito no mercado, e essa rigidez ocorre,  porque o bem não é do devedor, logo, se providenciou um aparato jurídico que pudesse evitar maiores prejuízos para o credor e maior disponibilidade de capital para o devedor, por isso não devemos dizer que o decreto-lei fere princípios de equilíbrio ou até mesmo do contraditório, mais sim de um decreto-lei energético e contundente em seus artigos, visando propiciar segurança para o credor e oferta de capital para o devedor.

Não é possível crer que uma interpretação histórica possa ser o golpe final para ensejar a inconstitucionalidade de uma norma, como tenta mostrar o nosso digníssimo Desembargador WALDIR LEÔNCIO JÚNIOR.

O Decreto-lei nº 911/69, jamais afrontou nossa Constituição, assim é perfeitamente cabível e legal a prisão civil não Ação de Depósito advinda de contrato de Alienação Fiduciária.

O entendimento do Tribunal de Justiça de Brasília, em concordância com o STF, em admitir a prisão civil, é em meu entendimento modo mais correto de tratar o desacordo, completo, das partes no litígio referente ao contrato de alienação fiduciária, pois se não ocorrer uma rigidez na resolução dos litígios por inadimplemento poderá o mercado financeiro vir a inibir os financiamentos dessa natureza levando a falência do instituto que a muito vem contribuindo para a economia desse país, sem falar que em números essa modalidade de negócio jurídico supera outras modalidades contratuais, coibir os contratos de alienação, em parte ou no todo, é institucionalizar o calote e desprover o consumidor de mais uma opção contratual, advinda de uma época em que era quase impossível para a maioria, adquirir bens de alto valor.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Ø         ARAÚJO JR, Gediel Claudino de. “Prática no Processo Civil”,4a. ed., São Paulo, Editora Atlas, 2001.

Ø         CRETELLA JR, José. “Curso de Direito Romano – Direito Romano colocado em paralelo com o Direito Civil Brasileiro”, 27a. ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002. 

Ø         DINIZ, Maria Helena. “Curso de Direito Civil Brasileiro”, 20a. ed., vol. 4, São Paulo, Editora Saraiva, 2004.

Ø         FRANÇA, Limongi. “Instituições de Direito Civil” 20a. ed., vol. 4, São Paulo, Editora Saraiva, 2004.

Ø         GOMES, Orlando. “Direitos Reais”, 19a. ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 2004.

Ø         GONÇALVES, Carlos Alberto. “Sinopse Jurídica – Direito das Coisas”, 2a. ed., vol. 3, São Paulo, Editora Saraiva, 1999.

Ø         LOPES, Miguel Maria Serpa. “Curso de Direito Civil”, 4a. ed., vol. 6, Rio de Janeiro, Editora Freitas Bastos, 1996.

Ø         MONTEIRO, Washington de Barros. “Curso de Direito Civil – Direito das Coisas”, 35a. ed., vol. 3, São Paulo, Editora Saraiva, 1999.

Ø         NERY JR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. “Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante”, 8a. ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2004.

Ø         ______________________ . “Código Civil Anotado e Legislação Extravagante”, 2a. ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2004.

Ø         PEREIRA, Caio Mário da Silva. “Instituições de Direito Civil”, 19a. ed., vol. 6, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2005.

Ø         RIZZARDO, Arnaldo. “Direito das Coisas”, 1a. ed., Rio de Janeiro, 2004.

Ø         RODRIGUES, Sílvio. “Direito Civil – Direito das Coisas”, vol. 5, São Paulo, Editora Saraiva, 2003.

Ø         THEODORO JR, Humberto. “Curso de Direito processual Civil”, 27a. ed., vol. 3, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2001.

Ø         VENOSA, Sílvio de Salvo. “Direito Civil – Direitos Reais”, 5a. ed., vol. 5, São Paulo, Editora Atlas, 2005. 

ANEXOS

ANEXO A-1

 

2ª TURMA CÍVEL            

Apelação Cível nº 2003.08.1.004753-5                      

Apelante     :           Humberto Basile Junior    

Apelado      :           Banco Santander Brasil S/A       

Relatora      :           Desembargadora Carmelita Brasil         

Revisor       :           Desembargador Waldir Leôncio Júnior

                                                       

EMENTA

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DL 911/69. BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM AÇÃO DE DEPÓSITO. INADIMPLÊNCIA COMPROVADA. PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL. ADMISSIBILIDADE.

Se o Decreto-Lei nº 911/69 foi recepcionado pela nova ordem constitucional, consoante já proclamou o Supremo Tribunal Federal, lícita e jurídica a decisão que decreta a prisão do depositário infiel da coisa alienada fiduciariamente.

 

A C Ó R D Ã O

Acordam os Desembargadores da Segunda Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, CARMELITA BRASIL, Relatora, WALDIR LEÔNCIO JÚNIOR, Revisor e J. J. COSTA CARVALHO,Presidente e Vogal, em CONHECER. NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. POR MAIORIA, de acordo com a ata de julgamento e as notas taquigráficas.

Brasília, 05 de setembro de 2005.

Desembargador J. J. COSTA CARVALHO

Presidente

Desembargadora CARMELITA BRASIL

Relatora

RELATÓRIO

O Relatório é, em parte, o da ilustrada sentença de fls. 115/116, que transcrevo, in verbis:

“BANCO SANTANDER BRASIL S/A propôs Ação de Busca e Apreensão com pedido liminar, no rito do Decreto-Lei nº 911/67, convertida em Ação de Depósito, nos termos do art. 902, do Código de Processo civil, em face de HUMBERTO BASILIE JUNIOR, tendo como objeto o veículo GM/S 10 LUXE, cor VERDE, ano 1998 e modelo 1998, chassi 9BG124CWWC924697, placa CLT 3919, alienado à autora em garantia pelo Contrato de Financiamento nº 0828248013.

Aduziu a requerente, na inicial da Busca e Apreensão, que o réu encontra-se inadimplente desde a 1ª (primeira) parcela, pelo que requereu a Busca e Apreensão do bem.

Instruiu a inicial com os documentos de fls. 5/13.

Emenda, à fl. 16.

A medida liminar foi deferida 9fls. 25/26), sem cumprimento, conforme certidão de fl. 55.

A conversão da ação em Depósito (fl. 60/63), com pedido de prisão, foi deferida no despacho de fl. 70.

Em Contestação (fls. 76/81), o réu reconhece a sua inadimplência, alegando que o veículo teria sido adquirido e entregue à terceira pessoa que se incumbiria de efetuar o pagamento das parcelas.

Insurge-se contra várias cláusulas do contrato, afirmando constituírem flagrante desrespeito às normas previstas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Dentre as irregularidades presentes na avença, aponta a cobrança de comissão de permanência juntamente com a correção monetária, a previsão de cláusula resolutiva e a estipulação de multa acima do limite permitido pela legislação.

Requer, ao final, a intimação da parte autora para que se manifeste sobre a proposta de substituir a garantia contratual representada pelo veículo por um lote de esmeraldas.

Juntamente com a contestação, vieram os documentos de fls. 82/94, dentre os quais merece destaque o certificado de Identificação e Laudo de Avaliação de Jóias (fls. 84/94).

Em Audiência de Conciliação (fls. 105/106), a tentativa conciliatória não prosperou, baixando-se os autos conclusos para sentença.”

Acrescento que a r. sentença julgou procedente o pedido e determinou que o réu entregue ao autor o veículo descrito na inicial, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, ou seu equivalente em dinheiro, sob pena de lhe ser decretada a sua prisão, nos termos do parágrafo único do artigo 904 do CPC. Condenou, ainda, o réu no pagamento das custas e dos honorários advocatícios que fixou em R$ 1.000,00 (mil reais).

Apela o réu às fls. 122/124, insurgindo-se contra a decretação da prisão contida na r. sentença para o caso de não entrega do veículo ou seu equivalente em dinheiro.

Assevera que não pode haver prisão por dívida civil, devendo o credor buscar a coisa ou seu equivalente através de ação de perdas e danos.

Por fim, entende que as custas do processo e os honorários advocatícios deveriam ser suportados pelo autor, ora apelado.

Contra-razões às fls. 130/135, nas quais o apelado refuta os argumentos expendidos nas razões recursais e pugna pela manutenção da r. sentença.

Preparo regular (fl. 125).

É o Relatório.

V O T O S

A Senhora Desembargadora CARMELITA BRASIL –Relatora.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.

Pretende o ora apelante a reforma do decisum no tocante à decretação da prisão, caso não entregue o veículo ou o equivalente em dinheiro, no prazo estipulado e no concernente aos ônus sucumbenciais.

Sustenta o apelante que não há que se falar em prisão por dívida civil, devendo o credor buscar a coisa ou seu equivalente através de ação própria.

Assevera, ainda, que as custas e os honorários deveriam ser suportados pelo autor, ora apelado.

Não assiste razão ao recorrente.

A aplicação ao depositário infiel da pena contemplada pelo art. 904, parágrafo único, do CPC, tem suscitado severas controvérsias nos pretórios pátrios, inclusive neste Colendo Tribunal.

Ressalvando meu ponto de vista pessoal, impõe-se destacar que o Supremo Tribunal Federal, intérprete máximo da Constituição Federal, tem proclamado que o Dec. Lei 911/69 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e não colide com as regras do “Pacto de São José de Costa Rica”, Tratado ao qual aderiu o nosso Estado.

Neste sentido os julgados dessa Egrégia Corte:

“EMBARGOS INFRINGENTES - BUSCA E APREENSÃO -ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR – ADMISSIBILIDADE - PRECEDENTES DO STF.

1. É admissível a prisão civil do devedor fiduciante que, sem justificativa legal, descumpre ordem judicial para entregar a coisa ou seu equivalente em dinheiro. Conforme precedentes da Excelsa Corte, o Decreto-lei nº911/69 foi recepcionado pela ordem constitucional vigente.

2. Embargos providos. Maioria.

“CIVIL E CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE DEPÓSITO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PRISÃO CIVIL. POSSIBILIDADE.

A ordem constitucional vigente em nada altera, no que diz respeito à prisão civil, o que constatava do ordenamento jurídico anterior, recepcionado o Decreto-lei 911/69. Escorreito, pois, o decisum que decreta a prisão do depositário infiel de coisa fiduciariamente alienada.

Embargos infringentes improvidos.

Maioria.”

“ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PRISÃO CIVIL. POSSIBILIDADE.

Consoante precedentes da Suprema Corte e Súmula n. 9 deste Tribunal, é cabível a prisão civil de devedor que não efetua a entrega do bem alienado fiduciariamente ou deposite o correspondente em dinheiro. Apelo provido.”

“CONSTITUCIONAL – CIVIL - PROCESSO CIVIL -PRISÃO CIVIL-AÇÃO DE DEPÓSITO EM QUE SE CONVERTEU AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO FUNDADA NO DL 911/69-POSSIBILIDADE-EMBARGOS INFRINGENTES-REJEIÇÃO.

1. Consoante iterativa jurisprudência do STF, a prisão decretada em ação de depósito, em que se converteu ação de busca e apreensão, não viola a constituição Federal.

2. Embargos rejeitados.”

Registro que o Egrégio TJDF veio a editar, sobre o tema, a Súmula n.º 09 com o seguinte enunciado:

“É cabível a prisão civil do devedor que não efetua a entrega do bem alienado fiduciariamente”

Dessa forma, sendo incontroversa a mora do apelante, saliente-se, confessada pelo próprio recorrente, cabível a condenação à prisão civil, conforme previsto pelo art. 904, parágrafo único, do CPC.

Quanto à pretendida inversão dos ônus sucumbenciais, entendo de todo desarrazoada, uma vez que o ora apelante sucumbiu integralmente ao pedido inicial, sendo certo que deverá responder pelo pagamento das custas e dos honorários advocatícios.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO e mantenho na íntegra a r. sentença.

É como voto.

O Senhor Desembargador WALDIR LEÔNCIO JÚNIOR – Revisor.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo.

Sustenta o recorrente a inadmissibilidade da prisão civil do devedor fiduciário.

Sobre o tema, já tive a oportunidade de pronunciar-me em outras ocasiões, sendo oportuno trazer à colação excertos do voto por mim proferido nos autos da Apelação Cível n. 2001 01 1 036796-8, litteris:

“Reiteradamente, em todas as oportunidades que tenho me manifestado sobre o DL 911/69 tenho feito as mais ácidas críticas a este diploma legal remanescente do "período autoritário", que teria vindo à lume para beneficiar uma casta de privilegiados: a dos banqueiros e financistas nacionais e sobretudo internacionais, tendo, portanto, este diploma legal por ilegítimo.

Mais razão encontrei para sufragar este entendimento com o advento do Estatuto Fundamental de 1988, que pretendeu restaurar o Estado Democrático em solo brasileiro e talvez por isso cometeu o seu maior erro. A Constituição Cidadã, ou Coragem, pretendeu fosse respeitada em sua inteireza a legalidade, viesse de onde viesse, inclusive do próprio Estado, a tentativa de embuçá-la. Tanto que logo no art. 5º, II, estabeleceu que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", inclusive a própria lei. Vale dizer, a submissão à lei inclui o próprio processo legislativo. Conseqüentemente, as normas incompatíveis com o novo regime, ou que tivessem sido editadas por meio de processo legislativo viciado, como o malsinado DL 911/69, seriam tidas por revogadas.

Viciado na origem, o DL 911/69 igualmente é viciado por violentar os mais comezinhos princípios processuais, como o do contraditório e da ampla defesa, e possibilitar, contra texto expresso da Carta Maior, a prisão civil por dívida. Após algumas vacilações, este entendimento acabou prevalecendo no Egrégio Superior Tribunal de Justiça que por sua Corte Especial, nos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 149.518/GO, relator o eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, decidiu, por unanimidade de votos, pela ilegalidade da prisão civil do alienante fiduciário por que o "depositário infiel" só pode ser aquele do contrato de depósito tradicional (CC, art. 1.265) que se torna voluntariamente inadimplente. Alvíssaras!!! Até que enfim a jurisprudência coloca "o trem na linha"; até que enfim volta-se a prestigiar o depósito herdado do Direito Romano ao lugar de onde nunca deveria ter saído. Correto em sua origem, foi desvirtuado para atender interesses subalternos. No depósito tradicional o principal elemento é a confiança que o depositário vai guardar a coisa para devolvê-la a seu proprietário, muito ao contrário da alienação fiduciária em que o elemento principal é a certeza de que o alienante vai usufruir da coisa e extrair dela todo o proveito possível, caminhando em direção à aquisição da propriedade que é resolúvel.

No próprio STJ colhe-se o magistério do Sr. Min. Adhemar Maciel para quem "O instituto da alienação fiduciária em garantia se traduz em uma verdadeira aberratio legis; o credor fiduciário não é proprietário; o devedor fiduciante não é depositário; o desaparecimento involuntário do bem não segue a milenar regra da res periit domino suo. Talvez pudesse configurar em "penhor sine traditione rei", nunca, em "depósito". Na verdade, o que a Lei (DL 911/69, ao alterar o art. 66 da LMC) fez foi reforçar a garantia contratual mediante a prisão civil, o que contraria toda a nossa tradição jurídica, que tem raízes profundas no sistema jurídico ocidental. A "prisão civil de depositário infiel" do art. 5º, inciso LXVII, da Constituição, só pode ser aquela tradicional (CC, art. 1.265)" (RHC 4.288-5-RJ, DJU de 19.06.95, p. 18750).

Tenho por absolutamente correta esta exegese, a qual colide - e supera, - concessa venia - a do Colendo Supremo Tribunal Federal que vem considerando não infringir o DL 911/69 o Pacto de São José da Costa Rica, pelo qual ninguém será detido por dívidas. Isto porque o Estatuto Fundamental estabeleceu que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" (§ 2º do art. 5º). Ora, é elementar que uma garantia constitucional desta envergadura (a liberdade do cidadão) não pode ser amesquinhada frente a um Decreto-Lei anacrônico de hierarquia ridiculamente inferior.

Enfim, se não há depósito tradicional, não há fundamento para se instaurar a ação de depósito à míngua de causa: e a oblata tollitur effectus”.

Nesse sentido, a jurisprudência do c. STJ e desta Corte de Justiça:

“RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. I – Decidiu a Corte Especial, ao julgar na assentada de 20.10.2000, o HC 11.918-CE, manter a sua anterior orientação, consubstanciada no julgado proferido no ERESP nº 149.518-GO, no sentido de que é ilegítima a prisão do devedor que descumpre contrato garantido por alienação fiduciária. II – Recurso em habeas corpus provido”. (RHC 14952 / MS, DJ DATA:24/11/2003 PG:00298, Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO) (grifo nosso)

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PRISÃO CIVIL. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 83 DO STJ. I. O entendimento firmado no STJ é o de que no contrato de alienação fiduciária em garantia, é incabível a prisão do devedor fiduciante, posto que não equiparável a depositário infiel. II. "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" - Súmula 83-STJ. III. Agravo regimental a que se nega provimento”. (AGA 449177 / RS, DJ DATA:12/08/2003, PG:00233, Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA)

“AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - PRISÃO CIVIL - NÃO CABIMENTO - DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE CLÁSULAS ABUSIVAS - IMPOSSIBILIDADE - AÇÃO PRÓPRIA - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - NOTIFICAÇÃO EFICAZ - EXISTÊNCIA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MAJORAÇÃO - OBSERVÂNCIA ÀS REGRAS DO ART. 20 DO CPC. 1. Em contrato de alienação fiduciária não se reconhece o contrato de depósito, motivo pelo qual descabe a prisão civil prevista no art. 904, parágrafo único do Estatuto Processual Civil. Não se equipara ao depositário infiel o devedor fiduciante que descumpre a obrigação pactuada e não entrega a coisa ao seu credor. 2. (...)”. (APELAÇÃO CÍVEL 20000110775752, Relator: ASDRUBAL NASCIMENTO LIMA, Publicação no DJU: 03/09/2003 Pág. : 78)

Vem de molde destacar que não se está a prestigiar o mau pagador, ou a desconsiderar o direito de crédito do Apelado. Trata-se, na realidade, de aplicar a regra do art. 906, do CPC, que determina ao credor, que não recebe a coisa ou o equivalente em dinheiro, proceder a execução por quantia certa. A propósito, elucidativa a lição de NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY (in Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante, São Paulo: RT, 5ª edição, p. 1281), litteris:

“Se, apesar do trâmite da ação de depósito e da possibilidade de postular a busca e apreensão da coisa depositada, o credor não satisfizer seu crédito, poderá valer-se da sentença da ação de depósito como título executivo judicial.”

Destarte, a r. decisão monocrática merece reparo neste tópico.

Por fim, quanto à pretendida inversão do ônus de sucumbência, mantenho a sentença recorrida. Patente, in casu, o inadimplemento do apelante.

Posto isso, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento, para reformar a r. sentença impugnada e excluir apenas a penalidade de prisão civil do depositário infiel, mantendo-a nos demais termos.

É o meu voto.

O Senhor Desembargador J. J. COSTA CARVALHO – Presidente e Vogal.

Com a devida vênia do eminente Desembargador Revisor, acompanho a eminente Relatora, porquanto esse é o posicionamento que tenho sustentado em votos de minha relatoria proferidos perante esta egrégia Turma, confortados no enunciado nº 09 da Súmula deste Colendo Tribunal e na jurisprudência que se emana da E. Suprema Corte.


DECISÃO

CONHECIDO. NEGOU-SE PROVIMENTO AO RECURSO. POR MAIORIA.


 

 
Importante:
1 - Conforme lei 9.610/98, que dispõe sobre direitos autorais, a reprodução parcial ou integral desta obra sem autorização prévia e expressa do autor constitui ofensa aos seus direitos autorais (art. 29). Em caso de interesse, use o link localizado na parte superior direita da página para entrar em contato com o autor do texto.
2 - Entretanto, de acordo com a lei 9.610/98, art. 46, não constitui ofensa aos direitos autorais a citação de passagens da obra para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor (Jefferson Francisco Falcao De Carvalho Marcos) e a fonte www.jurisway.org.br.
3 - O JurisWay não interfere nas obras disponibilizadas pelos doutrinadores, razão pela qual refletem exclusivamente as opiniões, ideias e conceitos de seus autores.
 
Copyright (c) 2006-2024. JurisWay - Todos os direitos reservados