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Lei Complementar nº 110/01 e a inconstitucionalidade superveniente dos tributos criados


Autoria:

Janaína Costa Pacheco Pena


Graduanda na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Estagiária na área de Direito Público.

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Resumo:

O presente artigo visa discutir a importância da destinação nos tributos classificados como contribuições, especificamente no caso das criadas pela Lei Complementar n.º 110/01.

Texto enviado ao JurisWay em 12/11/2015.

Última edição/atualização em 27/11/2015.



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Introdução

Publicada em 29 de junho de 2001, a Lei Complementar nº 110 institui no ordenamento brasileiro duas contribuições sociais. A criação desses tributos foi o mecanismo encontrado pelo governo para conseguir estabilizar as contas do FGTS, visando a recomposição dos expurgos inflacionários das contas vinculadas ao Fundo no período de 1º de dezembro de 1988 a 28 de abril de 1989, e no mês de abril de 1990.

Vale ressaltar que, após análise através das ADIns 2.556/DF e 2.568/DF, o STF declarou constitucional as contribuições instituídas.

Pela própria natureza de contribuições sociais atribuída aos tributos criados pela lei, fica claro que sua cobrança, desde o início, teria termo final certo: assim que fosse alcançado o objetivo de estabilização das contas do FGTS a cobrança se encerraria.

Num país de desequilíbrio na Administração Pública como um Brasil, não nos espanta a constatação de que, após a destinação das contribuições sociais se exaurir, elas continuaram a ser cobradas, desrespeitando princípios básicos do Direito Tributário nacional. Este trabalho visa a análise deste ponto, assim como a utilização de justificativas extremamente demagógicas para a contínua cobrança indevida de tais tributos.

 

Das contribuições sociais

A chamada teoria pentapartida divide as espécies de tributos em cinco: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. Esclarecemos que, de maneira alguma, o presente trabalho tem a intenção de destrinchar as características e peculiaridades de cada espécie, nos limitaremos, neste tópico, a explanar a estrutura das contribuições.

O art. 149 da CF/88 prevê competência da União para instituir contribuições sociais, de intervenção no domínioeconômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. Entende-se que as contribuições sociais derivam das especiais, e visam o financiamento das atividades estatais vinculadas ao campo social[1].

As chamadas contribuições se encaixam no conceito de tributo como definido pelo art. 3º do Código Tributário Nacional (Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.), como disse Geraldo Ataliba[2]:

A Contribuição é um instituto jurídico que se constitui essencialmente pela disciplina da passagem compulsória de dinheiros privados aos cofres públicos, por força de decisão legislativa.

O que as diferencia dos outros tributos são dois elementos: a desvinculação entre a exação e uma ação estatal e sua afetação a finalidade estatal específica[3]. No primeiro aspeccto, então, se identificam com os impostos. Segundo MizabelDerzi as contribuições presentes no nosso ordenamento têm “estrutura normativa interna (hipótese de incidência e base de cálculo) próprias de impostos”. Por outro lado, Geraldo Ataliba defende que as contribuições são consideradas, juntamente com as taxas, tributos vinculados. Isso significa que sua cobrança pressupõe atuação estatal e um efeito, uma consequência. Essa atuação se dá de forma mediata ou indireta, por exemplo, no caso das contribuições de melhoria, uma obra da Administração Pública (ação estatal) causa valorização dos imóveis ao redor (efeito).

Porém o que nos chama atenção, e difere as contribuições dos outros tributos, é a sua destinação a uma despesa específica. Ao contrário da receita dos impostos, a qual a Constituição veda atribuição de destinação prévia (art. 167 IV), no caso das contribuições, a destinação é sua razão de ser, o motivo ulterior a qual se vincula a criação do tributo.Entretanto, cabe delimitar que a destinação do tributo não interfere em sua hipótese de incidência e conseqüente exação. Novamente, nas palavras de Ataliba[4]: “(...)pode ser constitucional um tributo e não o ser a aplicação dos recursos com ele auferidos; e vice-versa”. Portanto, a decretação da cobrança do tributo juntamente com a sua hipótese de incidênciapodem estar de acordo com o sistema constitucional brasileiro, e isso não significa que a destinação também o seja.  Aqui ousamos discordar do mestre Ataliba, no caso específico das contribuições, quando a destinação integra a própria natureza do tributo e sua lei instituidora, se deturparmos essa destinação, estaremos, consequentemente, deturpando a relação jurídica tributária. O vínculo entre a arrecadação e a destinação da receita obtida para uma finalidade determinada guarda relação imediata com a validade do tributo. Desta forma, o desvio dos recursos causará a inconstitucionalidade do tributo.

 

Do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

O Fundo de Garantia por tempo de Serviço foi instituído em 1966 como uma forma de substituir a estabilidade no emprego, direito este que se limitava aos trabalhadores que permanecessem mais de dez anos na mesma empresa. Assim, seu principal objetivo era prover o trabalhador em caso de desemprego.

Seu recolhimento é efetuado pelo empregador, que deposita um valor correspondente a 8% do salário de cada empregado em uma conta aberta em nome de seus funcionários na Caixa Econômica Federal.

Os recursos recolhidos a título de FGTS, além de constituírem uma poupança para o trabalhador, têm sido amplamente aplicados em financiamentos da política habitacional, inclusive aqueles obtidos através da cobrança da contribuição ora em análise.

Ressalta-se que a remuneração das contas vinculadas do Fundo corresponde à Taxa Referencial de Juros (TR) mais juros de 3% ao ano, ou seja, tem um rendimento extremamente baixo, inferior, inclusive ao da Caderneta de Poupança, cuja remuneração atinge 6% ao ano. A remuneração do FGTS, não obstante, fica aquém da inflação resultando em uma péssima aplicação para o dinheiro do trabalhador. O FGTS funciona como um tributo que encarece o salário pago pelo empregador, e que diminuirá o valor percebido pelo empregado.

Deste modo, por gerar uma baixa remuneração para o empregado e um custo para o empregador, o Fundo acaba por incentivar a informalidade, vez que empregados e empregadores preferem realizar contratos informais nos quais estes pagam diretamente àqueles. Lado outro, caso se optasse por aumentar a remuneração do Fundo, ocorreria um encarecimento dos empréstimos para a compra da casa própria, por parte das classes menos abastadas.

A própria ideia de se estabelecer uma poupança compulsória é questionável atualmente, visto que quando da criação deste Fundo não havia tantos instrumentos financeiros como se verifica hoje em dia, de maneira que o empregado pode escolher e abrir uma poupança sua, optando pela relação rentabilidade/risco que mais lhe aprouver.

 

Da Lei Complementar 110/01

Através do julgamento dos Recursos Extraordinários nºs 248.188/SC[5] e 226.855[6], o Supremo Tribunal Federal reconheceu que os saldos das contas vinculadas ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, na implementação dos Planos Verão e Collor I, mais precisamente entre dezembro de 1988 a fevereiro de 1989 e abril de 1990, foram corrigidos a menor. A Caixa Econômica Federal deixou de considerar, no período descrito, índices de correção monetária que deveriam ser observados para a atualização das contas vinculadas ao FGTS gerando grande insatisfação nos trabalhadores, que intentaram diversas ações para tentar reaver o prejuízo sofrido, obrigando o Supremo Tribunal Federal a se manifestar nos recursos supracitados.

Em face disso, com o intuito de evitar uma quantidade estrondosa de demandas judiciais visando à correção de saldos referentes ao período mencionado,afogando o judiciário, o Presidente à época, Fernando Henrique Cardoso, houve por bem conceder a todos os trabalhadores a correção automática de seus saldos, dispensando decisão judicial.

O Tesouro Nacional encontrava-se em uma situação difícil, vez que não possuía a ordem estimada de 42 milhões de reais para cobrir o rombo verificado. Foi necessária, então, uma negociação por parte do Poder Executivo com as centrais sindicais e confederações patronais que participaram do Conselho Curador do FGTS para que o pagamento dos valores devidos aos trabalhadores fosse viabilizado. Como consequência, o Poder Executivo encaminhou à Câmara dos Deputados, através da Mensagem nº 291, um Projeto de Lei Complementar que “institui contribuições, autoriza crédito em contas vinculadas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS de complementos de atualização monetária decorrentes de decisão do Supremo Tribunal Federal”.

Deste modo, após ser votada e aprovada no Congresso Nacional, foi sancionada e promulgada a Lei Complementar nº 110/2001 em 29 de junho 2001, que entraria em vigor no dia primeiro de janeiro do ano seguinte.

Esta Lei que institui acordo tripartite, firmado entre governo, empregadores e empregados estabelece, em seu artigo 1º, uma contribuição adicional nos casos de demissão sem justa causa, à alíquota de 10% incidente sobre o montante de todos os depósitos referentes ao FGTS durante a vigência do contrato de trabalho e, em seu artigo 2º, uma contribuição social sobre a remuneração devida, no mês anterior a cada um dos trabalhadores, à alíquota de 0,5%.

Em seu art. 4º, a referida lei condicionou o recebimento dos créditos à assinatura do Termo de Adesão, autorizando a Caixa Econômica a proceder aos créditos nas contas vinculadas das diferenças relativas aos expurgos inflacionários, sendo esta alternativa de pagamento pela via administrativa. Os termos desta lei foram amplamente divulgados na mídia à época e, deste modo, inclusive aqueles que já estavam pleiteando os valores em juízo poderiam aderir ao termo e receber administrativamente, se abandonassem o litígio.

Quando de sua criação, esta lei gerou uma discussão acerca de sua constitucionalidade, sob o argumento de que as contribuições por ela estabelecidas seriam, na verdade, impostos e, assim, sua instituição, nos moldes como foi feita, violaria diversos dispositivos constitucionais. Tal argumento foi levado a julgamento nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 2.556 e 2.568, nas quais o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou como válida e constitucional a cobrança das referidas exações, admitidas como contribuições sociais gerais, porém apenas a partir de janeiro de 2002, em respeito ao princípio da anterioridade (art. 150, III, b, CF/88).

Destarte, verifica-se que as contribuições criadas a partir da edição da referida lei complementar, em virtude de sua própria natureza, possuíam uma finalidade, qual seja, auxiliar a suprir o déficit causado com a correção, a menor, do saldo das contas dos beneficiários do FGTS.

Em seu próprio texto, a Lei Complementar 110/01 fixa um período de sessenta meses para a cobrança da contribuição incidente à alíquota de 0,5% (art. 2º, § 2º). Entretanto, a mesma é silente quando se trata do prazo para cobrança da contribuição social estabelecida em seu art. 1º, não significando, contudo, que a mesma possa ser cobrada por tempo indeterminado, visto que é de sua própria natureza o preenchimento de uma finalidade e, após o seu cumprimento, a cobrança restará esvaziada.

Assim, a segunda contribuição teve sua exigibilidade encerrada em janeiro de 2007, conforme previsto. Entretanto, a primeira contribuição, devida nos casos de demissão sem justa causa, continua a ser exigida mesmo tendo sua finalidade sido esgotada.

 

Da Inconstitucionalidade Superveniente da LC 110/01

Como já mencionado neste trabalho, as contribuições sociais sempre possuem sua finalidade em uma relação de causalidade, unindo de um lado a motivação para a sua criação e, de outro, o objetivo que se almeja alcançar com sua cobrança. Se este vínculo se romper, não há mais que se falar em contribuição social, visto que a finalidade, elemento de validade da contribuição, não estará presente, tornando sua cobrança inconstitucional.

As contribuições instituídas pela lei em análise, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal foram admitidas como contribuições sociais gerais, sendo regidas, assim, pelo art. 149 da CF/88 ao invés do art. 195 do mesmo dispositivo. De forma clara, sua finalidade era quitar a dívida pública decorrente do expurgo flacionário verificado nas contas dos titulares que resolvessem firmar o acordo proposto pela Caixa Econômica. Deste modo, não basta que seja eleita uma finalidade para a criação da contribuição, é necessário que a receita proveniente de sua arrecadação seja integralmente convertida ao cumprimento do objetivo que se pretende alcançar, como assevera Misabel Abreu Machado Derzi[7]:

(...) a destinação passou a fundar o exercício da competência da União. Sem afetar o tributo a despesas expressamente previstas na Constituição, falece competência à União para criar contribuições. (...). Assim, a destinação assume relevância não só tributária como constitucional e legitimadora do exercício da competência federal.

No mesmo sentido está o artigo 167, IV da Carta Magna que estabelece que apenas os impostos e em alguns esparsos casos excepcionais por ela discriminados, é possível a desvinculação ao órgão, fundo ou despesa:

Art. 167. São vedados:

(...)

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;

A desvinculação das receitas das contribuições de suas finalidades, nos termos do art. 76 do ADCT, só poderá ser feita mediante Emenda Constitucional[8]. Então, estando comprovada a desvinculação poderá o Poder Judiciário decretar a inconstitucionalidade superveniente da norma que institui o tributo.

No que tange às contribuições estabelecidas pela LC 110/01, a finalidade que legitimou sua criação é mensurável no que se refere aos aspectos quantitativo e temporal. Assim, verificado o atendimento do objetivo almejado pelas referidas contribuições, admite-se o esgotamento integral de sua finalidade e, conseqüentemente, a ausência de suporte constitucional para a sua cobrança.

Neste sentido, de acordo com o que foi postulado no art. 6º, III, a, as últimas parcelas dos acordos firmados com os trabalhadores foi quitada em janeiro de 2007. Isto porque o referido artigo dispõe que o complemento de atualização dos valores acima de R$ 8.000,00 seria recebido em sete parcelas semestrais, com início em janeiro de 2004 e, consequentemente, final em janeiro de 2007:

Art. 6º O Termo de Adesão a que se refere o inciso I do art. 4o, a ser firmado no prazo e na forma definidos em Regulamento, conterá:

(...)

e) complemento de atualização monetária no valor total acima de R$ 8.000,00 (oito mil reais), em sete parcelas semestrais, com o primeiro crédito em janeiro de 2004, para os titulares de contas vinculadas que tenham firmado o Termo de Adesão até o último dia útil do mês imediatamente anterior; (...)

A partir da citada data, então, o Governo já havia quitado todas as prestações referentes aos Termos de Adesão firmados com os trabalhadores. Assim, a partir de janeiro de 2007, como a LC 110/01 não atribuiu qualquer outra destinação às referidas contribuições, já não havia qualquer dívida que legitimasse sua cobrança.

Qualquer destinação dada para os valores arrecadados pela cobrança da contribuição depois de janeiro de 2007 não se coaduna com aquela prevista na própria lei que a institui, vez que a mesma foi esgotada, tornando a sua cobrança inconstitucional.

Nesse sentido, vale destacar lição de Misabel Abreu Machado Derzi em atualização de Aliomar Baleeiro, “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, 7ª edição:

“Assim, a destinação assume relevância não só tributária como constitucional e legitimadora doexercício da competência federal. O contribuinte pode se opor à cobrança de contribuição que não esteja afetada ao fins, constitucionalmente, admitidos.”

Vale ressaltar aqui o Projeto de Lei do Senado n. 373/07, que propôs a revogação do art. 1º da LC 110/01, comajustificativa de que o montante acumulado com a arrecadação das contribuições foi suficiente não só para pagar os acordos firmados, como também gerou um superávit de R$ 21,1 bilhões para o FGTS. Ou seja, já em 2007 era possível verificar que a finalidade da instituição das referidas contribuições já havia sido alcançada. O referido Projeto, entretanto, não vingou.

Outro Projeto de Lei do Senado n. 198/07 (PL 200/2012) também pretendia a extinção da contribuição em tela na data de 31/12/2010. Novamente, o projeto foi vetado pela Presidência da República. Cumpre, no entanto, ressaltar os argumentos utilizados para o veto:

A extinção da cobrança da contribuição social geraria um impacto superior a R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) por ano nas contas do Fundo de Garantia doTempo de Serviço – FGTS, contudo a proposta não está acompanhada das estimativas de impacto orçamentário-financeiro e da indicação das devidas medidas compensatórias, em contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal. A sanção dotexto levaria à redução de investimentos em importantes programas sociais eem ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas realizadas pormeio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço –FI-FGTS. Particularmente, a medida impactaria fortemente o desenvolvimentodo Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são majoritariamente os próprios correntistas do FGTS” (grifo nosso).

Por meio da Resolução n. 460, de 14 de dezembro de 2004, do Conselho Curador do FGTS, foi autorizada a destinação de recursos do FGTS para concessão de descontos nos financiamentos a pessoas físicas da área de Habitação Popular, com o fim de ampliar o atendimento da população de baixa renda.

Em 2009, houve um incremento ainda maior de descontos com o advento do programa Minha Casa, Minha Vida, que foi criado pela Medida Provisória n. 459, em 25 de março de 2009.

Resta claro, destarte, a aplicação dos valores arrecadados em finalidade diversa daquela prevista em lei. O Poder Executivo, inclusive, apresentou o Projeto de Lei Complementar nº 328/13 prevendo a destinação dos recursos da contribuição social do art. 1º da LC 110/01 para o programa Minha Casa, Minha Vida a partir de janeiro de 2014. Se o próprio Executivo pretendeu se valer de uma lei para aplicar os recursos no programa, certo é que ele não reconhece como legítima a desvinculação, caso outro, não seria necessária a criação de lei.

A propósito assevera Hugo de Brito Machado:

“a função das contribuições sociais, em face da vigente Constituição, decididamente não é a de suprir o Tesouro Nacional de recursos financeiros.” [9]

Imperioso destacar que a continuidade da cobrança dessestributos é extremamente arbitrária, visto que os empregadores já foram obrigados a arcar com uma dívida que não era deles e, agora, estão sendo financiadores de projetos sociais semlegislação específica que assim disponha. O governo não pode, deliberadamente, repassar os ônus de suas obrigações à entidades responsáveis pela geração de emprego e desenvolvimento ao país, sendo que os valores utilizados para pagamento desse tributo poderiam ser aplicado na criação de novos negócios e empregos.

É bem verdade que háa possibilidade de desvinculação das receitas orçamentárias, que atinge 20% dasreceitas das contribuições e dentro desse percentual a União estaria livre para aplicaros recursos onde entendesse devido, nos termos do artigo 76 do ADCT. O que ocorre no caso do art. 1º da Lei Complementar nº 11º/2001, entretanto, é que adesvinculação verificada é integral, uma vez que não é mais possível emprega-lanaquilo a que foi destinada, pois sua finalidade esvaiu-se completamente, ou seja,não mais existe.

Assim, além de inconstitucional, não se justifica a continuidade da cobrança de uma contribuição que foi instituída com caráter temporário e que há muito já esvaziou sua finalidade. Atualmente ela se apresenta apenas como uma forma de onerar as empresas, encarecendo ainda mais o custo de produção, desestimulando a criação de empregos.

Deste modo, necessária é a extinção do tributo ora em análise, sob pena de desnaturar aprópria figura tributária da contribuição, transformando-a em imposto. Nesse caso,ainda, cumpre lembrar que a finalidade de composição do FGTS estabelecida em lei para a cobrança da contribuição tem caráter temporário, assim desnecessária averificação dos requisitos presentes no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal,uma vez que recompostos os fundos do FGTS, não há que se falar em manutençãodo tributo ou em compensar a receita, porque sua contraprestação, a despesa, nãomais existe.

Com base nas considerações feitas cabe, além da extinção do tributo estabelecido noart. 1º daLei  Complementar  nº  110/2001,  a  repetição  do  indébito,  ou  seja,  adevolução dos valores entregues aos cofres públicos indevidamente, em virtude daverificação da inconstitucionalidade superveniente da contribuição pela tredestinaçãodo produto de sua arrecadação.

Imperioso ressaltar que o recente informativo do Supremo Tribunal Federal referenteao Recurso Extraordinário (RE) 566.007, no qual a Relatora, Ministra Carmen Lúciaentendeu que “o disposto no artigo 76 do ADCT, que desvincula 20% do produto daarrecadação da União em impostos, contribuições sociais e contribuições de domínioeconômico de órgão, fundo ou despesa, independentemente de sua validadeconstitucional, não gera direito a repetição de indébito”, não se aplica ao caso emanálise, da Lei Complementar nº 110/2001. Isto porque o contexto do RecursoExtraordinário supracitado, a devolução do percentualde  20%  decorrente  dadesvinculação tributária, é diverso deste. No caso da Lei Complementar nº 110/2001,o evidente exaurimento da finalidade imposta em lei para a instituição da contribuição implica, indubitavelmente, na inconstitucionalidade da cobrança, autorizando arepetição do indébito, visto que, no caso, não há a possibilidade de vincularnovamente o tributo, tornando sua cobrança válida. No que se refere ao Recurso Extraordinário, o que se verifica é que a finalidade do tributo subsiste, entretantohouve um desvio. Assim, seguindo o pensamento da Ministra Carmen Lúcia, o efeitoprático, neste caso, seria a vinculação dos 20% e não a devolução aos contribuintes.Em seus dizeres durante o julgamento: “A parte age como se o oposto de desvincularfosse devolver, e não vincular”.  O que difere um caso do outro é a inconstitucionalidade, que não foi verificada no Recurso Extraordinário, masapresenta-se de forma cristalina em se tratando do disposto no art. 1º da LeiComplementar nº 110/2001.

Destarte, em se tratando de uma contribuição que teve sua finalidade esvaziada, nãosendo possível, de modo algum vinculá-la novamente, forçoso é admitir a inconstitucionalidade de sua cobrança e, consequentemente, devolveros  valorespagos de maneira indevida,  uma vez que a partir  do momento que o objetivo,  adestinação da contribuição foi cumprida, a União deixa de ser competente para exigiro referido tributo.

 

Conclusão

Ao engendrar a discussão acerca das contribuições instituídas pela Lei Complementar nº 110/01, não podemos perder de vista alguns pontos. De forma alguma este trabalho visa enfraquecer o mérito dos programas de habitação criados pelo governo Federal, sabemos da importância da moradia na vida de todos. O nosso maior ponto de crítica é o desvio do objetivo de arrecadação das receitas dos mencionados tributos. Em um país com um considerável abismo social como o Brasil, tendemos a ‘olhar para o outro lado’ no que diz respeito a ilegalidades e inconstitucionalidades se acreditamos que isso ajudará no alcance do bem comum. Primeiramente, ressaltamos que, quando vinculada ao objetivo de cobrir o rombo das contas do FGTS, a receita provinda das contribuições tinha destino certo. Com a continuidade dessas cobranças sob a alegação de utilização em programas sociais, podemos identificar, além da utilização da mais pura demagogia, o desrespeito dos governantes com os preceitos do ordenamento jurídico brasileiro.

Além disso, é possível observar que a criação de tributos com o intuito de restauração dos expurgos inflacionários foi uma saída extremamente inteligente da Administração à época. Não se pode falar em inconstitucionalidade no momento inicial de criação, vez que foram obedecidos os preceitos ditados pelo art. 149 e pelas outras normas tributárias vigentes. Porém, uma vez realizada a finalidade precípua, o desvio dos recursos obtidos traz consigo a inconstitucionalidade.Ainda que os recursos obtidos com a contribuição prevista no art. 1º da LC 110/01estejam sendo aplicados,atualmente,em projetos sociais, essa destinação não tem o condão de trazer a constitucionalidade.

Referências

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2013.

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário esquematizado. 8ª edição. São Paulo: Editora Método, 2014.

MENEGUIN, Fernando. O FGTS traz benefícios para o trabalhador?. Disponível em: <http://www.brasil-economia-governo.org.br/2012/03/19/o-fgts-traz-beneficios-para-o-trabalhador/>. Acesso em: 17 jun. 2015.

COLOMBO, Camila Rigo. A multa adicional do FGTS e o veto da presidente. Disponível em: <http://www.fenacon.org.br/noticias-completas/1288>. Acesso em: 15 jun. 2015.

Remuneração dos depósitos de poupança. Disponível em: <http://www4.bcb.gov.br/pec/poupanca/poupanca.asp>. Acesso em: 17 jun. 2015.

Perguntas freqüentes sobre FGTS. Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/beneficios-trabalhador/fgts/perguntas-frequentes/Paginas/default.aspx>. Acesso em: 17 jun. 2015.

CAMARGO, Sophia. FGTS perde da inflação em 2013 e acumula prejuízo de 19,5% em 15 anos. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/financas-pessoais/noticias/redacao/2014/01/13/fgts-perde-da-inflacao-em-2013-e-acumula-prejuizo-de-195-em-15-anos.htm>. Acesso em: 17 jun. 2015.

 

 

 

 

 



[1] GUIDO, Jean Davis; SIMÕES, Alexandre Gazetta. A natureza jurídica das contribuições sociais. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12280&revista_caderno=26>. Acesso em: 17 jun. 2015.

[2] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2013.  p. 191.

[3] VELLOSO, André Pitten. Teoria das contribuições especiais: elementos conceituais. Disponível em: . Acesso em: 17 jun. 2015.

[4] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2013. p. 158.

[5]SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. RE 248188. Ementa [...] Relator: Ilmar Galvão, Brasília, DF, 31 ago. 00, DJ: 01/06/2001.

[6]SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. RE 226855, Ementa [...] Relator: Moreira Alves, Tribunal Pleno, Brasília, DF, 31 ago. 00, DJ: 13/10/2000.

[7]BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 598.

[8] “Art. 76. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2015, 20% (vinte por cento) da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 68, de 2011).

§ 1° O disposto no caput não reduzirá a base de cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios, na forma do § 5º do art. 153, do inciso I do art. 157, dos incisos I e II do art. 158 e das alíneas a, b e d do inciso I e do inciso II do art. 159 da Constituição Federal, nem a base de cálculo das destinações a que se refere a alínea c do inciso I do art. 159 da Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 68, de 2011).

§ 2° Excetua-se da desvinculação de que trata o caput a arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição Federal. (Redação dada pela EmendaConstitucional nº 68, de 2011).

§ 3° Para efeito do cálculo dos recursos para manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, o percentual referido no caput será nulo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 68, de 2011).”

[9] Revista Dialética de Direito Tributário nº 73, p. 15.

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