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BIOPIRATARIA: ANÁLISE DAS SANÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS APLICADAS AOS AGENTES DO TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES


Autoria:

Leticia Mayumi Hokama Fogaça


Acadêmica de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, cursando o 10º semestre, com previsão de conclusão de curso para 2015. Atualmente é estagiária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no Fórum Criminal da Barra Funda

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Resumo:

O presente artigo fará uma breve discussão sobre a aplicabilidade da legislação atual, bem como de qual a eficácia da norma existente no combate ao tráfico de animais. Serão feitas análises jurisprudenciais além do estudo de casos concretos.

Texto enviado ao JurisWay em 05/11/2015.



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BIOPIRATARIA: ANÁLISE DAS SANÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS APLICADAS AOS AGENTES DO TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES

 

José Corrêa Neto*

Letícia Mayumi Hokama Fogaça[1]**

 

 

1.Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1. DO COMERCIO ILEGAL DE ANIMAIS SILVESTRES NO BRASIL – BREVE EXPOSIÇÃO SOBRE O TEMA; 2.1.1. Espécies de Tráfico; 2.1.2. Agentes do Tráfico; 3. Resultados; 3.1. Legislação; 3.1.1. Início da Proteção Legal ao Tráfico da Fauna; 3.1.2. Proteção Fortalecida na Constituição de 1988; 3.1.3. Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98); 3.1.4. Convenção Internacional De Espécies Da Fauna E Flora Selvagens Em Perigo De Extinção; 3.2. Jurisprudência; 3.2.1. Discussão a respeito da competência para julgamento; 3.2.2. O que vem sendo decidido nos Tribunais; 4. Discussão; 5. Considerações Finais; 5.1. Da necessidade da criação de um tipo penal específico; 6.Conclusão;7. Bibliografia.

 

 

1.           INTRODUÇÃO

 

Considerando a escassa base de dados para a pesquisa a respeito do tema que irá se estudar, o presente trabalho primeiramente fará uma breve exposição dos resultados obtidos no 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre, elaborado pelo RENCTAS – Rede Nacional de Combate com Tráfico de Animais Silvestres, finalizado no ano de 2001.

Como dados mais atuais, utilizaremos também as informações contidas no artigo traduzido “Esforços para o combate ao tráfico de animais silvestres no Brasil (Publicação traduzida do original “Efforts to Combat Wild Animals Trafficking in Brazil. Biodiversity, Book 1, chapter XX, 2012” - ISBN 980-953-307-201-7), obtido no sítio eletrônico do IBAMA, entre outro artigos cujas referências serão apresentadas no decorrer do trabalho.

O objetivo é comparar esses dados oficiais e discutir a aplicabilidade da legislação atual, bem como discutir qual a eficácia da norma existente no combate ao tráfico de animais. Buscaremos demonstrar que não bastam os esforços dos órgãos governamentais atuando fortemente na busca e apreensão dos agentes do tráfico, quando a lei não garante a efetiva punição dos participantes dessa atividade que movimenta bilhões, sacrificando a diversidade da fauna brasileira.

Com a apresentação de casos concretos da jurisprudência, a discussão se dará no sentido de apontar aos legisladores o que poderia ser mudado na legislação, e quais as condutas devem ser adotadas no efetivo combate ao tráfico de animais.

 

2.           DESENVOLVIMENTO

 

2.1.       DO COMERCIO ILEGAL DE ANIMAIS SILVESTRES NO BRASIL – BREVE EXPOSIÇÃO SOBRE O TEMA

 

O tráfico de vida silvestre, no qual se inclui a flora, a fauna e seus produtos e subprodutos, é considerado a terceira maior atividade ilegal do mundo, depois das armas e das drogas. Ninguém sabe a exata dimensão desse comércio, mas estima-se que movimente anualmente de 10 a 20 bilhões de dólares por todo o mundo (Webster apud Webb, 2001). Estima-se também que o Brasil participa com cerca de 5% a 15% deste total (Rocha, 1995; Lopes, 2000).[2]

O 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico da Fauna Silvestres, tendo com base os dados oficiais das apreensões de fauna silvestre realizadas pelo IBAMA no Brasil e nos números registrados das feiras do estado do Rio de Janeiro no trabalho de Braga et al. (1998), chegou aos seguintes dados, utilizando-se de métodos estatísticos:

a)                 por ano o tráfico de animais silvestres é responsável pela retirada de cerca de 38 milhões de espécimes da natureza no Brasil.

b)                 tomando por base estas proporções, podemos dizer que são comercializados ilegalmente, por ano, no Brasil, aproximadamente 4 milhões de animais silvestres;

c)                  com base nos dados dos animais apreendidos e seus respectivos preços foi estimado que cada ano, o Brasil movimente em torno de R$ 2.500.000.000,00 (dois bilhões e quinhentos milhões de reais), o equivalente a aproximadamente US$ 900,000,000.00 (novecentos milhões de dólares), no câmbio atual (R$ 2,70 = US$ 1.00).

d)            relacionando os dados acima estimados, podemos dizer que as apreensões abrangem, aproximadamente, apenas 0,45% de animais envolvidos no tráfico.

d)

Como se pode observar, esses são dado colhidos em anos anteriores ao da elaboração desse 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre realizado no ano de 2001, ou seja, há 10 (dez) anos atrás.

 

Ocorre que poucos estudos são realizados no sentido de auferir a eficiência da fiscalização do tráfico de animais silvestres, o que dificulta de certa forma, a própria melhoria do combate frente a especialização das quadrilhas que realizam o traficam. 

 

2.1.1.  Espécies de Tráfico

 

São quatro as espécies de tráfico mais frequentes:

 

a)                 Animais para colecionadores particulares e zoológicos: prioriza principalmente as espécies mais ameaçadas. Quanto mais raro for o animal, maior é o seu valor de mercado.

 

b)                 Animais para fins científicos (Biopirataria): Neste grupo encontram-se as espécies que fornecem substâncias químicas, que servem como base para a pesquisa e produção de medicamentos. É um grupo que, devido à intensa incursão de pesquisadores ilegais no território brasileiro, em busca de novas espécies, aumenta a cada dia.

 

c)                  Animais para pet shop e feiras livres: É a modalidade que mais incentiva o tráfico de animais silvestres no Brasil. Devido à grande procura, quase todas as espécies da fauna brasileira estão incluídas nessa categoria. Os preços praticados dependem da espécie e da quantidade encomendada. É a que mais causa morte de animais em massa, em razão do pouco cuidado que se tem com a captura e o transporte.[3]

 

d)                 Produtos de Fauna: Os produtos de fauna silvestre são muito utilizados para fabricar adornos e artesanatos. As espécies envolvidas variam ao longo dos tempos, de acordo com os costumes e os mercados da moda. Normalmente, se comercializam couros, peles, penas, garras, presas, além de diversos outros. Todos esses produtos entram no mercado de moda e souvenir para turistas.[4]

 

2.1.2.  Agentes do tráfico

 

O comércio ilegal de animais silvestres está associado a problemas culturais, de educação, pobreza, falta de opções econômicas, pelo desejo de lucro fácil e rápido, e por status e satisfação pessoal de manter animais silvestres como de estimação. A cadeia social envolvida nessa atividade é composta por grupos de características distintas, podendo dividi-los basicamente em 3:

 

a)                 Fornecedores: Em sua base encontram-se as populações do interior do Brasil, humildes e pobres, sem acesso à educação e à saúde, possuindo qualidade de vida muito baixa. Essas pessoas, além de caçarem para se alimentar, descobriram no comércio da fauna uma fonte de renda complementar da economia doméstica.

 

b)                 Intermediários: Os primeiros intermediários são pessoas que transitam entre as zonas rurais e os centros urbanos, tais como os regatões (barqueiros que transitam nas regiões Norte e Centro-Oeste), fazendeiros, caminhoneiros motoristas de ônibus e ambulantes. Na sequência se encontram pequenos e médios traficantes, que fazem o contato com os grandes traficantes atuando dentro e fora do país. Já o contrabando de grande porte envolve comerciantes brasileiros ou estrangeiros, especializados nessa atividade. Sua atividade aparenta ser legal, mas é combinado com o comércio ilegal de animais silvestres e seus produtos.

Uma nova maneira de atuar nas intermediações é o uso da internet. É mais fácil e seguro pro traficante já que lhe garante o anonimato.

 

c)                  Consumidores: Uma grande parte dos consumidores é de pessoas que mantêm animais silvestres como animais de estimação em suas residências. Alguns criadouros, assim como zoológicos, aquários, espetáculos circenses, grandes colecionadores particulares, proprietários de curtumes, indústria pilífera, produtores e estilistas de moda, indústria farmacêutica e clubes ornitófilos possuem participação ativa nesse comércio.

 

3.           RESULTADOS

 

Explanando toda a legislação vigente aplicável a matéria em estudo, juntamente com a apresentação da jurisprudência que demonstra o que vem sendo aplicado e decidido em nossos tribunais, faremos em seguida a discussão a respeito da efetiva proteção e combate ao tráfico de animais silvestres.

 

3.1.       LEGISLAÇÃO

 

3.1.1.  Início da proteção legal ao tráfico da fauna

 

O início do combate ao tráfico da fauna silvestre se deu tardiamente no Brasil, a primeira lei específica foi a Lei n° 5.197, de 3 de janeiro de 1967 – Lei de Proteção à Fauna.

Nesta lei a fauna silvestre passou a ser considerada Bem da União, ou seja, a propriedade era do Estado. Para proteger a propriedade do Estado ficou determinado no artigo 3° do mencionado dispositivo legal que “o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem na sua caça, perseguição, destruição ou apanha” seria contravenção penal. E a pena prevista nestes casos poderia chegar a 5 anos de reclusão.

Machado P.A.L. sobre a criação da lei:

 

A partir dessa lei, a fauna silvestre junto com seus ninhos, abrigos e criadouros naturais passou a ser propriedade do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha. A agressão contra a fauna passou a ser considerada contravenção penal. Proibiu-se o exercício da caça profissional, como também a comercialização de espécimes da fauna silvestre e seus produtos, exceto os provenientes de criadouros legalizados. A caça para controle de animais silvestres considerados "prejudiciais" é permitida desde que obedeça às recomendações do órgão público competente, quanto às espécies, época do ano, o número de dias e o local onde é permitido caçar. A caça amadorista é prevista na formação de clubes e sociedades amadoristas e também prevista a construção de criadouros para fins econômicos e industriais.[5]

 

3.1.2.  Proteção fortalecida na constituição de 1988

 

A Constituição Federal trouxe grande importância ao meio ambiente ao reconhecer no caput do artigo 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (...)”, garantindo ainda a proteção ao meio ambiente impondo ao “(...) Poder Público e à coletividade o dever de protegê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

No entanto, somente quase 10 (dez) anos depois, os animais silvestres passaram a ter uma proteção própria, não necessariamente efetiva, com a edição da Lei 9.605/98, cuja meta era a unificação dos principais delitos ambientais em um só corpo.

 

3.1.3.  Lei de crimes ambientais (Lei 9.605/98)

 

Finalmente, em 1998, foi criada a Lei de Crimes Ambientais. Contudo se a intenção era dar uma maior proteção ao tráfico e ao meio ambiente a lei não atingiu seu objetivo.

Por um lado a lei tratou a exploração da fauna de forma mais rigorosa ao tirar a possibilidade de fiança para alguns crimes (matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre).

Por outro lado descriminalizou a caça de subsistência. Pior, diminuiu consideravelmente a pena aplicável ao “tráfico” que caiu de 2 a 5 anos para no máximo 1 ano (artigo 29, § 1º da Lei de Crimes Ambientais). Deste modo a pena que era privativa de liberdade passa poder ser substituída por penas restritivas de direito como prestação de serviço à comunidade e a suspensão temporária de direito.

A lei, que repita-se, foi criada em 1998 e deveria estar atualizada não previu o comércio ilegal por meio da internet, criando grandes possibilidades para os traficantes de comercializarem sem violar previsão legal.

Com a nova legislação a pena só é aumentada em algumas hipóteses previstas no § 4º e § 5º do art. 29:

 

§ 4º - A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:

I - contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção,

ainda que somente no local da infração;

II - em período proibido à caça;

III - durante a noite;

IV - com abuso de licença;

V - em unidade de conservação;

VI - com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa.

 

§ 5º - A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre doexercício de caça profissional”

 

3.1.4.  Convenção Internacional De Espécies Da Fauna E Flora Selvagens Em Perigo De Extinção

 

Além da legislação elaborada pelo sistema legislativo brasileiro, o Brasil faz parte de alguns tratados a respeito da matéria até aqui exposta, sendo a principal delas a Convenção Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção.

Esta convenção foi firmada em 1973 e entrou em vigor no Brasil em 4 de novembro de 1975, apesar de mais antiga que a Lei do capítulo anterior sua importância para a proteção do meio ambiente é de igual, se não maior importância.

Resumidamente a convenção prevê que os países signatários condenem o comércio internacional de todas as espécies reconhecidamente ameaçadas de extinção assim como as que embora não se encontrem em perigo de extinção, poderão chegar a esta situação caso seu comércio não esteja sujeito à rigorosa regulamentação.

Não é só isso, a convenção ainda obriga os países aderentes à adoção de medidas que visem a preservação das diversas espécies ameaçadas, inclusive coibindo-se o comércio local de espécies exóticas em risco de extinção nos países em que são endêmicas.

A importância da Convenção no âmbito internacional fica evidente nas palavras de HEMLEY, G. e FULLER K.S.:

 

A CITES tem sido o maior e mais efetivo acordo internacional para a conservação da vida silvestre, mas não pode influir, senão indiretamente, no comércio da flora dentro do território de cada país signatário, fato que significa em algumas regiões perdas elevadas para muitas espécies em perigo, devido à comercialização interna.[6]

 

3.2.       JURISPRUDÊNCIA

 

3.2.1.  Discussão a respeito da competência para julgamento dos casos

 

Com a Lei n° 5.197, foi instituído que: “Art. 27: Constitui crime punível com pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos a violação do disposto nos arts. 2º, 3º, 17 e 18 desta lei”. c/c “Art. 3º. É proibido o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem na sua caça, perseguição, destruição ou apanha”.

Na Constituição Federal de 1988 resolveu-se que a fauna e a flora seriam patrimônio da União, entendimento convalidado com a súmula n° 91 do STJ: “competência federal para julgar crimes contra a fauna”. Pouco mudou até em 1998, com o advento da Lei n ° 9.605/98, expandiu-se o rol de condutas que caracterizavam crimes ambientais.

Em razão desta expansão do rol de condutas, a Justiça Federal não vinha obtendo êxito em julgar todos os processos de crimes ambientais.

Em 2005, o STJ entendeu por bem cancelar a Súmula n° 91 com o AgRg no CC 36405 MG 2002/0095766-7:

 

PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL. CRIME CONTRA A FAUNA. ADVENTO DA LEI 9.605/98. CANCELAMENTO DA SÚMULA 91 DESTE TRIBUNAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A BENS SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. De acordo com a jurisprudência deste Tribunal Superior, não mais se aplica o enunciado sumular nº 91/STJ, editado com base na Lei 5.197/67, em face da superveniência da Lei 9.605/98. 2. Sob o prisma constitucional, tem-se que a proteção ao meio ambiente constitui matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme art. 23, incisos VI e VII, da Constituição da República.3. Para configurar a hipótese de competência da Justiça Federal, inscrita no art.109, inciso IV, da Constituição Federal, exige-se que o interesse seja direto e específico.4. A norma constante do art. 82 da Lei 9.605/98 ensejou a revogação da Lei5.197/67, haja vista que toda a matéria anteriormente versada foi tratada pela nova lei. 5. Agravo regimental improvido.

 

3.2.2.  O que vem sendo decidido nos Tribunais

 

Nos tribunais Regionais Federais a matéria é julgada frequentemente. São diversos os Habeas Corpus julgados:

                   

 

HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. RECEPTAÇÃO. QUADRILHA. LIBERDADE PROVISÓRIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 312 DO CPP. ORDEM DENEGADA. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. 1. A decisão do magistrado de primeiro grau que converteu a prisão em flagrante em preventiva, não padece de qualquer irregularidade, haja vista que estão presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal. 2. Os indícios de autoria e materialidade do crime estão suficientemente delineados nos autos. 3. As aves, algumas espécies silvestres ameaçadas de extinção (curió, bicudo, arara canindé, arara vermelha), segundo a autoridade policial, foram encontradas na residência da paciente amontoadas, sem condições sequer de sobrevivência. 4. Fatos comprovam que a paciente faz parte do grupo criminoso que se dedica ao tráfico reiterado de animais silvestres investigado pela Operação Cipó. 5. A manutenção da custódia cautelar se faz necessária para garantir a ordem pública e evitar a reiteração criminosa. 6. Agravo regimental prejudicado. Ordem denegada (HC 00311168220124030000, DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/01/2013).

 

Apesar da regra ser a Denegação dos Habeas Corpus Impetrados, é apenas ilusório o rigor com que o poder judiciário trata os crimes ambientais, quando as sentenças condenatórias não substituem as penas Privativas de Liberdade por penas alternativas, nos julgamentos das Apelações Criminais pelos Tribunais, a Jurisprudência é maciça no sentido de reformar as sentenças condenatórias com penas Privativas de Liberdade:

 

PROCESSUAL PENAL E PENAL. APELAÇAO CRIMINAL. CRIME CONTRA FAUNA. INCIDENCIA DO ART.29, PARÁGRAFO 1º, INCISO III c/c PARÁGRAFO 4º, INCISO I, DA LEI Nº 9.605/98. APELO CONHECIDO, MAS IMPROVIDO. 1. Trata-se de Apelação Criminal, interposta contra sentença a quo, que condenou o réu à pena de 1 (um) ano, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de detenção e multa de 90 (noventa) dias-multa, cada uma no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época do fato, substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública e prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos a uma entidade, pública ou privada, com destinação social. 2. Tráfico de animais silvestre da fauna brasileira. Autoridade e materialidade incontestes. 3. Pena-base superior ao mínimo legal. Ato fundamentado. Observância do art. 59 do CPB. Possibilidade. 4. Prescrição antecipada. Inocorrência de agravante. Crime cometido contra espécie ameaçada de extinção. Dosimetria. Pena superior a 01 (um) ano. Prescrição não configurada. 5. Principio da insignificância. Inaplicabilidade. Espécie ameaçada de extinção. 6. Apelação Criminal conhecida, mas improvida (ACR 200481000188129, Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante, TRF5 - Primeira Turma, DJ - Data::28/03/2008 - Página::1471 - Nº::0.)

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO DO RÉU. ART. 180, ART. 334,§ 3º E ART. 288, TODOS DO CP. OPERAÇÃO OXOSSI . VENDER, EXPOR À VENDA, EXPORTAR [...] OVOS, LARVAS OU ESPÉCIMES DA FAUNA SILVESTRE[...]. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. ART. 59, CP. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DO ART. 180 E DO ART. 334, AMBOS DO CP, PARA O DELITO DO ART. 29,§ 1º, III C/C § 4º, I e V, DA LEI 9.605/98. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. MANUTENÇÃO DO CRIME DE QUADRILHA. APELAÇÃO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDA. I - Os fatos narrados na inicial se inserem dentro do expediente que ficou conhecido como “Operação Oxossi”, que teve como objetivo investigar e estancar o tráfico internacional de animais silvestres. Esta Operação acabou por desvelar uma série de núcleos secundários e até terciários de atuação, não uniformes no grau de participação dos agentes, bem como diversos quanto à gravidade dos resultados atingidos pelos mesmos. II- Materialidade e autoria comprovadas: documentos, depoimentos testemunhais, laudo de exame de animais, caracterizando a clandestinidade e a ilegalidade da conduta; interceptações telefônicas comprovaram a relação do réu com TOMAS NOVOTNY, traficante internacional. III- Entretanto, impõe-se a desclassificação dos crimes de receptação e de contrabando para o delito do art. 29, caput, §§ 1º, III e 4º, I e V, da Lei 9.605/98, porque o apelante integra a massa da organização, mas não se encontra em posição proeminente, ou seja, não participa da cúpula da organização. IV- Portanto, condeno o réu pelo crime do art. 29, § 1º, III, c/c § 4º, I e V, da Lei 9.605/98, à pena definitiva de 2 anos de detenção; pena-base fixada, no novo contexto de desclassificação, no limite máximo de 1 ano de detenção (em razão da culpabilidade, circunstâncias, consequências e motivos); aumentada na fração de 1/2, pela aplicação do § 4º, I e V, da Lei em comento (animais em extinção e captura em unidades de conservação), passa a 1 ano e 6 meses de reclusão; por fim, a pena será majorada em 1/3, em razão da continuidade delitiva. V- Mantenho a condenação pelo crime de quadrilha (art. 288, CP), cuja pena foi fixada em 1 ano de reclusão, tornando definitiva, pelo concurso material, a pena em 2 anos de detenção e 1 ano de reclusão; substituo as penas privativas de liberdade por duas prestações de serviços à comunidade, a critério do juízo da execução. VI - Apelação do réu parcialmente provida. (ACR 201051018184537, Desembargador Federal MESSOD AZULAY NETO, TRF2 - SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::10/01/2014.)

 

 

4.           DISCUSSÃO

 

4.1.       Da análise da legislação frente à atual posição dos Tribunais

 

O que se verifica nessa análise é a clara flexibilização das sanções aplicáveis, incentivando a perpetuação do tráfico de animais silvestres que não encontra na legislação atual qualquer barreira para obter lucros, já que em geral, os valores aplicados de multa não chegam se quer próximo dos lucros obtidos pelos traficantes.

Como se observa, a Lei 9.605/98, apesar de tentar endurecer a penalização do crime de tráfico, impossibilitando o pagamento de fiança para os crimes previstos na lei, esta acabou por diminuir as penas restritivas de liberdade que eram de 2 a 5 anos, para no máximo 1 ano de reclusão, o que acaba se refletindo na própria jurisprudência, que como demonstras as Ementas colecionadas, acabam por converter a pena privativa de liberdade em multa ou prestação de serviço à comunidade.

 

4.1.1.  Do estudo de caso

 

Um exemplo clássico que vêm acontecendo hoje em dia, é a aplicação da Lei especial de tráfico de animais (mais brando), frente ao Código Penal (mais rigidido), o que permite que os agentes do tráfico saiam impunes.

 

PENAL - PROCESSUAL PENAL - APELAÇÃO CRIMINAL DOS REÚS - CRIME DE TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTES - ARTS 29 CAPUT, § 1º, INC. III, E ART. 32 DA LEI 9.605/98 - OPERAÇÃO OXOSSI - MATERIALIDADE E AUTORIA CONFIRMADAS -DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE RECEPTAÇAO PARA O CRIME AMBIENTAL - ESPECIALIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO - CONDENAÇÃO MANTIDA. I. Os fatos narrados na inicial se inserem dentro do expediente que ficou conhecido como “Operação Oxossi”, que teve como objetivo investigar e estancar o tráfico internacional deanimais silvestres, alguns deles ameaçados de extinção. II - Comprovadas a materialidade e autoria do crime de maus tratos, descrito no art. 32 da Lei 9.605/98.  Os elementos trazidos aos autos não deixam dúvidas de que a intenção dos réus de afetarem os bens jurídicos lesados foi definitivamente comprovada nos autos e bem articulada pelo Juiz sentenciante. III - Alterada a capitulação com fulcro no art. 617, do CPP, que autoriza a emendatio libelli no Tribunal.  O apelante integra a massa da organização, juntamente com outros agentes, atuando na compra e venda de animais, ora com fim religioso, ora para a venda em feiras de animais, enfim, não se trata da cúpula da organização, razão pela qual se deve aplicar à conduta descrita no art. 29 da Lei especial, em lugar do art. 180 do CP. IV - Recurso parcialmente provido.  [7]

 

 

Sendo assim, a pena que seria aplicada de 1 a 4 anos cai para de 6 meses a 1 ano, permitindo a realização da suspensão do processo através da assinatura de termo circunstanciado, o que nada evite nem combate o tráfico, pelo contrário, só reafirma a impunidade que reina nessa atividade.

 

5.           Considerações finais

 

Diante da principal falha apresentada presente na legislação atual, pretende-se então propor uma tese que vem sendo discutida entre os doutrinadores da área.

Tais especialistas entendem necessária a criação de um tipo penal específico para o tráfico de drogas.

 

5.1.       Da necessidade da criação de um tipo penal específico

 

Pessoas que cometem infrações contra o meio ambiente, ou até mesmo os crimes já tipificados em legislação, facilmente livram-se de maiores consequências de seus atos pela forma branda que o tema é tratado juridicamente. Diante disso se vê a necessidade de maiores estudos penais sobre o assunto, já que esses efeitos geram maior coercibilidade com sua tipicidade preventiva pelo estigma que gera seu processo contra o agente infrator.

Isso seria possível com a tipificação especializada para os delitos ambientais. Por exemplo, a tipificação do tráfico de animais silvestres, coisa que inexiste na tipificação atual do art. 29 da Lei nº 9605/98 e que possibilitaria uma ação mais apropriada em face de tal conduta lesiva ao meio ambiente, principalmente com o comércio de tais espécies, que acaba aumentando a procura por animais exóticos e em ameaça de extinção. O comerciante não tem preocupação com a função ecológica que os espécimes capturados cumprem no ecossistema ou com o desequilíbrio que a retirada desses animais irá causar nesse ecossistema, por exemplo, por que a punição em geral nunca chega até ele.

Os caçadores não respeitam os ciclos de reprodução dos animais e nem mesmo suas etapas de desenvolvimento. Existindo a procura, existirá também a oferta.

Logo, o advento de tipos penais específicos para a conduta de traficantes e comerciantes de animais seria o grande avanço necessário na proteção do meio ambiente e suas espécies. O ato de trazer tal responsabilidade da punição desses infratores para a ultima ratio do Estado demonstraria a séria preocupação do ente público em proteger os sistemas da fauna e flora, colocando maior importância na prevenção dessas práticas pela seara penal, sempre aliada com as sanções administrativas e fiscais.

Logicamente, não há que se olvidar que as sanções penais devem ser aliadas com a prevenção promovida pelo Estado não só para quem comete o ato de capturar, traficar e vender as espécies silvestres, mas para com as pessoas que praticam o ato de encomendar, comprar e manter em sua posse tal “mercadoria”. Políticas de educação e conscientização para o público em geral das consequências que tais atos causam, tanto no sentido ambiental tanto quanto no sentido penal, são formas de reprimir tais ações lesivas à coletividade ambiental.

O objeto do Direito Ambiental é a harmonização da natureza, garantida pela manutenção dos ecossistemas e da sadia qualidade de vida para que o homem possa se desenvolver plenamente. Restaurar, conservar e preservar são metas a serem alcançadas através da integração do direito penal com as políticas públicas de prevenção e a cooperação da coletividade em trazer tais debates para o seio da sociedade e do Estado, criando o ambiente propício para tal harmonização entre o interesse privado e o interesse coletivo ambiental.

É nessa realidade que deve o intérprete da legislação penal ambiental buscar o método que melhor se enquadre na busca da Justiça, sem querer ferir os direitos dos acusados, mas, ao mesmo tempo, buscando uma efetividade na aplicação da norma penal ambiental. É a busca do ponto de equilíbrio entre esses dois ramos.

 

6.           CONCLUSÃO

 

Como se pode observar no presente trabalho, o impacto do tráfico na sociedade precisa ser estudado de forma mais detalhada e seus atores mapeados. A captura de animais a natureza faz parte da tradição e cultura popular e é um dos principais meios de vida das pessoas pobres em algumas regiões do Brasil. Entretanto, já observa-se que em muitas regiões as pessoas estão usando o comércio ilegal de animais apenas como fonte adicional de renda.

Assim, mecanismos de controle do uso e comércio de vida silvestre devem ser elaborados, levando-se em consideração as condições étnicas particulares de cada região. Em uma escala global, recomenda-se uma abordagem diversificada incluindo educação em escala comunitária e fortalecimento dos moradores locais para a valorização da vida silvestre, regulação internacional coordenada e maior alocação de recursos nacionais para a área de fiscalização e controle efetivo do comércio ilegal e tráfico.

Mas não basta apenas uma fiscalização e controles de qualidade, é preciso fazer as alterações legais necessárias para que a proteção passe a ser integral e efetiva, permitindo que o Estado aplique o jus puniendi frente a esse crime bárbaro, que cresce demasiadamente em nosso território.

 

7.           BIBLIOGRAFIA

 

RENCTAS (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres). 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre. 2001.  Disponível em http://www.renctas.org.br/wp-content/uploads/2014/02/REL_RENCTAS_pt_final.pdf (último acesso em 10/11/2014).

 

Machado, Renato de Freitas Souza. Tráfico de Animais Silvestres, Artigo. 2013http://4ccr.pgr.mpf.mp.br/atuacao/encontros-e-eventos/encontros/encontros-estaduais/encontro-em-minas-mg-go-e-df-2013/Trafico_Animais_Silvestres_Dr.%20Renato%20de%20Freitas.pdf (Último acesso em 10/11/2014).

 

MACHADO, P.A.L. (1992) Direito ambiental brasileiro. Malheiros Editores, São Paulo, 4ª ed.

 

HEMLEY, G. e FULLER K.S. (1994) International Wildlife Trade: a CITES Sourcebook. WWF/Island Press, Washington, p. 166.

 

FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a Natureza. 6a ed., São Paulo, RT, 2000.

 

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente, 2ª ed, São Paulo, RT, 2001.

 

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Direito ambiental, fauna, tráfico e extinção de animais silvestres. Revista Jurídica, São Paulo, v. 50, n. 298, ago. 2002.

 

IBAMA - Esforços para o combate ao tráfico de animais silvestres no Brasil (Publicação traduzida do original “Efforts to Combat Wild Animals Trafficking in Brazil. Biodiversity, Book 1, chapter XX, 2012” - ISBN 980-953-307-201-7) https://www.ibama.gov.br/sophia/cnia/periodico/esforcosparaocombateaotraficodeanimais.pdf - Disponível em 12/11/2014.

 



* Acadêmico de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, cursando o 10º semestre com previsão de conclusão do curso em 2015.

**Acadêmica de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, cursando o 10º semestre com previsão de conclusão do curso em 2015.

 

[2] RENCTAS (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres). 1º Relatório

Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre. 2014 Disponível em http://www.renctas.org.br/wp-content/uploads/2014/02/REL_RENCTAS_pt_final.pdf (último acesso em 10/11/2014).

[4] RENCTAS (Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres). 1º Relatório

Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre. 2014 Disponível em http://www.renctas.org.br/wp-content/uploads/2014/02/REL_RENCTAS_pt_final.pdf (último acesso em 10/11/2014).

[5] MACHADO, P.A.L. (1992) Direito ambiental brasileiro. Malheiros Editores, São Paulo, 4ª ed.

 

[6] HEMLEY, G. e FULLER K.S. (1994) International Wildlife Trade: a CITES Sourcebook. WWF/Island Press, Washington, p. 166.

[7] APELACAO CRIMINAL  2009.51.01.807277-0, 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MESSOD AZULAY NETO, 03/11/2008.

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