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Senzalas e serviçalismo: o fim da empregada doméstica secular


Autoria:

Sérgio Henrique Da Silva Pereira


Sérgio Henrique da Silva Pereira Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet - A Revista do Administrador Público], Investidura - Portal Jurídico, JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação. Participação na Rádio Justiça.

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Resumo:

Não é impróprio e inoportuno afirmar que o trabalho pesado doméstico sempre foi feito por serviçais, negras e brancas [sem sangue nobre]. Por séculos, as empregadas domésticas trabalharam sem quaisquer direitos, mesmo depois da criação da CLT.

Texto enviado ao JurisWay em 28/09/2015.

Última edição/atualização em 06/10/2015.



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Senzalas e serviçalismo: o fim da empregada doméstica secular

"Vende­-se uma escrava boa cozinheira, engoMma bem e ensaboa, com uma cria de 3 anos, peça muito linda, própria de se fazer um mimo dela; e também se vende só a escrava, no caso que o comprador não queira com a cria”.

“Vende­-se na rua do Sebo, casa defronte do n. 24, nos dias úteis, das 4 às 6 horas da tarde, uma negra crioula, idade 25 anos, parida há 10 meses, com leite, sem cria, cozinha, faz doce, engoma, cose: ao comprador se dirá o motivo da venda”

“Vende-­se uma linda mulatinha de 14 anos, com muito bons princípios de costura e engomando, optima para se fazer uma dadiva a alguma menina por ser donzela” (FREYRE, 2012, p. 120).

Não é impróprio e inoportuno afirmar que o trabalho pesado doméstico sempre foi feito por serviçais, negras e brancas [sem sangue nobre]. Por séculos, as empregadas domésticas trabalharam sem quaisquer direitos, mesmo depois da criação da CLT. De casa em casa, a empregada doméstica obtinha a sua subsistência. Ao menor dissabor entre empregada e patrões, a sarjeta servia como consolo, nada mais. A famosa frase “mala e cuida” era um medo constante aos excluídos socialmente. 

As mucamas ou mocambas eram jovens que faziam um pouco de tudo. Algumas, raras exceções, eram incumbidas de tarefas específicas, como tomar conta dos filhos dos patrões, preparação de alimentos. Quando a nobre família tinha condições econômicas elevadas, contratavam – se pode-se dizer “contrato” nos moldes contemporâneos –, as mocambas para cuidar da sinhá moça, como vesti-la, vigiar a sua conduta na sociedade etc.

Mordomos, governantas, camareiros e camareiras, amas de leite, no final, apenas serviçais aos caprichos das elites brasileiras. Não quer dizer com isto que eram açoitadas ao menor erro, pois a escravidão tinha acabada. Mas ainda imperava o retrógrado conceito de “superior” e “inferior”, tanto apregoado no período escravagista. Quem servisse com destreza e máximo respeito às ordens dos patrões merecia credibilidade e alguns mimos: alojamento, roupas feitas com tecidos diferenciados da criadagem sem status – sim, pois existia certo status catalogado dentro das casas dos patrões; contudo tal status era tênue, e poderia se romper a qualquer deslize dos serviçais, mesmo possuindo certas regalias.

Não era incomum, aos patrões, maltratar os serviçais. Afinal, no século XIX, conseguir um “emprego”, que dessem condições mínimas de subsistência, era um verdadeiro milagre. Por isso, a criadagem se submetia aos vexames provocados pelos seus patrões.

Escravos havia em quantidade. O conjunto de servos de um sobrado tipicamente patriarcal compunha-se, no Brasil dos meados do século XIX, de cozinheiros, copeiros, amas de leite, carregadores d´água, moleques de recado, mucamas. Estas dormiam nos quartos de suas amas, ajudando-as nas pequenas coisas da toalete, como catar piolhos, por exemplo. Às vezes, havia escravos em exagero. [...] (FREYRE, 1977, p. 67-68).

Longa conversa com a velha Rundle (née Maxwell) sobre o Brasil do meado do século XI. A velhinha deve ter nascido por volta de 1840. Terá agora seus oitenta e tal anos. Está lúcida. É um encanto de velhinha. Inteligente e fidalga.

Mostra-me fotografia antiga do palacete dos Maxwell no Rio: vasto palacete. Belo arvoredo. Aspecto de grandeza. Fala-me com saudade do Rio do tempo de Pedro II ainda moço. Ela frequentava os melhores salões da corte brasileira, filha que era de Maxwell, o então rei do café. Quem lê os livros e jornais da época encontra referências numerosas ao nome desse famoso escocês abrasileirado. Era na verdade um nababo: imensamente rico. Escocês encantado pela natureza do Brasil e pelas maneiras, pelos costumes e me diz a velha Rundle que muito particularmente pelos doces e bolos brasileiros. E ao contrário dos escoceses típicos, um perdulário. Sua era uma das melhores carruagens do Rio no meado do século XIX. Seus pajens e escravos primavam pelos belos trajos. Suas mucamas, também. A velha Rundle cresceu como uma autêntica sinhazinha: ninada, mimada, servida por mucamas, negrinhas, negras velhas que lhe faziam todas as vontades. “Como não ter saudades de um Brasil onde fui tão feliz?”, pergunta-me ela servindo-me vinho do Porto. “E por que não voltou ao Brasil?”, pergunto-lhe eu. Mas não insisti na pergunta: a velhinha chorava. Chorava seu Paraíso Perdido, e esse Paraíso Perdido foi o Rio de 1850 – com todos os seus horrores; mas a que entretanto não faltavam grandes encantos. São assim as épocas: todas têm seus encantos e não apenas horrores de epidemias, imundície, crueldade. (FREYRE, 2012, p. 129).

A “liberdade” da criadagem tinha limites severos impostos pelos patrões. Namoro em frente da casa, visitas para as criadagens, horários rígidos para o trabalho, indumentária [para o trabalho] impecavelmente apresentável e limpo, não discutir com os patrões – mesmo que a criadagem tivesse alguma ideia boa. Pensar que isto tudo são condições muito antes do século XX, é engodo. Apesar de algumas famílias brasileiras, raridades, considerarem as domésticas como membros da família, na realidade, as domésticas ainda sofriam com os seus “adoráveis” patrões.

O erro dos patrões era perdoável, dada as suas posições, além de serem patrões, também pertencem a classe socioeconômica privilegiada – “privilegiada”, pois, diante da história brasileira, toda a estrutura sociopolítica se direcionou para o bem-estar de pouquíssimos brasileiros, e é muito fácil constatar isto diante das diferenças abissais socioeconômicas –, enquanto o erro do “membro familiar” [doméstica] era imperdoável, ou seja, típico de pessoas sem a menor capacidade intelectual para compreensão das exigências “normais” de uma sociedade [geneticamente] preparada para a vida em grupo: perfeição e inteligência apurados.

A nossa sociedade, através de políticas Arquitetadas pelas oligarquia e aristocracia, limitou a ascensão socioeconômicas de muitos brasileiros. Os negros, índios e os nordestinos são indivíduos considerados sem quaisquer qualidades genéticas para viverem entre os “eleitos”. Construiu-se, assim, a Arquitetura da Discriminação em nosso país. E essa Arquitetura se encontra, ainda, infelizmente, presente em nossa sociedade. As leis mudam, por forças internas ou externas. Infelizmente, no Brasil, as mudanças para as extinções dos padrões discriminatórias, os quais são seculares, são mais por imposições internacionais do que propriamente pela vontade de nossa cultura.

Por exemplo, RELATÓRIO Nº 66/06 CASO 12.001 – MÉRITO SIMONE ANDRÉ DINIZ

BRASIL, 21 de outubro de 2006:

Segundo os peticionários, na data de 2 de março de 1997, a senhora Aparecida Gisele Mota da Silva, fez publicar no jornal "A Folha de São Paulo", jornal de grande circulação no Estado de São Paulo, na parte de Classificados, nota através da qual comunicava o seu interesse em contratar uma empregada doméstica onde informava que tinha preferência por pessoa de cor branca.[3] Tomando conhecimento do anúncio, a vítima Simone André Diniz, ligou para o número indicado, apresentando-se como candidata ao emprego. Atendida pela senhora Maria Tereza - pessoa encarregada por D. Aparecida para atender os telefonemas das candidatas, foi indagada por esta sobre a cor de sua pelé, que de pronto contestou ser negra, sendo informada, então, que não preenchia os requisitos para o emprego.

13. De acordo com os peticionários, na data de 19 de março de 1997 o delegado de polícia elaborou relatório sobre a notícia crime e o enviou ao Juiz de Direito. Dando ciência ao Ministério Público sobre o Inquérito – somente o Ministério Público tem legitimidade para começar a Ação Penal pública, este se manifestou em 02 de abril de 1997, pedindo arquivamento do processo fundamentando que:

“… não se logrou apurar nos autos que Aparecida Gisele tenha praticado qualquer ato que pudesse constituir crime de racismo, previsto na Lei 7.716/89…” e que não havia nos autos “… qualquer base para o oferecimento de denúncia”.[6]

14. Os peticionários informaram que o Juiz de Direito, prolatou sentença de arquivamento em 07 de abril de 1997, com fundamento nas razões expostas pelo membro do Ministério Público.[7]

15. Os peticionários alegaram que o Inquérito Policial tinham indícios de prova suficientes e adequados para a denúncia penal baseada na violação do artigo 20 caput da Lei 7716/89, uma vez que estavam comprovadas a autoria e a materialidade do delito penal. Demais disso, informaram que a só publicação de anúncio discriminatório já se configuraria como crime punível de acordo com o parágrafo 2º do artigo 20 da mesma Lei, residindo nesses fatos fundamento suficiente para o Ministério Público ter iniciado a Ação Penal.

16. Outrossim, segundo os peticionários, o Ministério Público também não poderia ter baseado sua fundamentação no fato alegado, e não provado, de que a senhora Aparecida teria tido experiência negativa com empregada negra que maltratou seus filhos. Tais fatos, segundo os peticionários não autorizavam a senhora Aparecida a discriminar qualquer outra doméstica de cor negra. De outra forma, o somente fato de ser casada com um homem negro também não a eximia ou a tornava menos culpada da prática do delito.

17. Por fim, aduziram que “ainda que o Ministério Público desse seu parecer pelo arquivamento do Inquérito policial, o juiz de direito não estava obrigado a aceitá-lo. Se agiu dessa forma, foi porque igualmente não agiu de forma diligente na apuração dos fatos”.

(...)

D. Análise do Direito às Garantias Judiciais e à Proteção Judicial

110. Em razão dos fatos adrede estabelecidos, a Comissão é da opinião que a investigação efetuada para apurar o crime de racismo ocorrido em desfavor de Simone André Diniz, não obstante haver sido aberto um Inquérito Policial, não foi adequada e eficaz, uma vez que não foi aberta a ação penal para julgar a responsável pelo ilícito, tampouco foram impostas sanções pertinentes, como determina a lei 7716/89.

111. Por conseguinte, após o arquivamento do processo, Simone André Diniz ficou impossibilitada de aceder à justiça, através de um recurso eficaz, para ver amparado seu direito contra o ato de racismo sofrido, uma vez que, de acordo com a legislação processual penal brasileira, da decisão que determina o arquivamento dos autos do inquérito policial não cabe recurso.[57]

112. O Estado, por seu turno, defendeu-se alegando que não houve violação à Convenção Americana, uma vez que houve a abertura do Inquérito Policial onde foi colhida declaração das partes envolvidas, que foi arquivado pela autoridade judiciária competente, com base em parecer do Ministério Público, razão pela qual a justiça havia sido administrada.

113. Seguindo esse entendimento, a Comissão avalia que o Estado falhou no cumprimento de sua obrigação de administrar a justiça no caso de Simone André Diniz que foi discriminada em base a sua cor, uma vez que não cumpriu sua obrigação convencional de, eficaz e adequadamente investigar, processar, sancionar e buscar o restabelecimento do direito violado (...).

As mudanças na cultura brasileira

Viva a LEI COMPLEMENTAR Nº 150, DE 1º DE JUNHO DE 2015. O resultado será uma mudança drástica em nossa cultura. Como a contratação de empregada doméstica será caríssima para os padrões brasileiros, mesmos aos emergentes, – a não ser para a elites que continuarão a contatar – a figura da empregada doméstica sumirá dos lares. Ou seja, não existirão mais. A consequência é que as famílias de classe média [antiga classe média] terão que se adequar aos novos tempos. Os serviços domésticos terão que ser divididos entre marido, esposa e filhos [independente do sexo].

 

Se há certa inquietação – discriminação às empregadas domésticas que passaram a ser vistas como privilegiadas por leis comunistas, afinal, tudo que diz respeito ao Estado social é complô de comunistas contra o Capitalismo –, por impossibilidades de retrocessos, a cultura [soberba] brasileira terá que se adaptar. Levará décadas, claro, até que as vozes escravocratas se silenciem pelo decurso do tempo. As novas gerações, então, verão as tarefas domésticas como simples resultados do existir humano, e não como uma tarefa árdua a ser desempenhada pelos seres humanos “inferiores”.

Já presenciei adolescente sentir vergonha de empunhar uma vassoura nas mãos para varrer a varanda da casa ou a calçada. “Meus amigos não fazem isto, pois os pais têm empregadas”. Se a vida artificial parecia real, as novas gerações se debruçarão sobre as rotinas comuns a todos os mortais, indiferentemente de classe social. Com isto, como consequência, há de desaparecer a mentalidade de divisões de tarefas de acordo com a casta social, familiar.

Já aos" machos de verdade ", estes terão também que se adequarem. A sobrecarga as esposas terá que diminuir, o que forçará aos" machões " a vestirem aventais e luvas para higienizar o lar.

Referências:

FREYRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. Tentativa de interpretação antropológica, através de anúncios de jornais brasileiros do século XIX, de característicos de personalidade e de formas de corpo de negros ou mestiços, fugidos ou expostos à venda, como escravos, no Brasil do século passado. Apresentação de Alberto da Costa e Silva. 1ª edição digital. São Paulo – 2012

FREYRE, Gilberto. Vida social no Brasil nos meados do século XIX. 2. Ed. Rio de Janeiro: Artenova; Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1977.

FREYRE, Gilberto. Tempo morto e outros tempos. Trechos de um diário de adolescência e primeira mocidade 1915-1930. Apresentação de Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke Biobibliografia de Edson Nery da Fonseca. 1ª edição digital. São Paulo. 2012

FREYRE, Gilberto. Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil – Sobrados e mucambos. Decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. Apresentação de Roberto DaMatta. Biobibliografia de Edson Nery da Fonseca. Notas bibliográficas revistas e índices atualizados por Gustavo Henrique Tuna. 1ª edição digital. São Paulo –2013.

 

 

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