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A letra de câmbio e seus institutos conexos


Autoria:

Otavio Coelho


Advogado em São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-Graduando em Processo Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco/USP). Pós-Graduando em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Realiza pesquisa acadêmica na área de Processo Civil, com artigos publicados em sites especializados. Membro do grupo de Pesquisa "Fundamentos do Processo Civil Contemporâneo" da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui experiência profissional nas áreas de Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito de Família e Sucessões.

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Resumo:

Abordagem sucinta de como são tratados os institutos jurídicos referentes ao título creditório da Letra de Câmbio no Brasil, pintando um panorama geral acerca desse instrumento econômico.

Texto enviado ao JurisWay em 20/09/2015.

Última edição/atualização em 24/09/2015.



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1.   Introdução

 

A história do homem confunde-se com a história da economia. O Direito, por seu turno, tendo por função a sistematização das condutas humanas, por conseguinte, organiza também a economia. Essa organização, pautada em determinados regramentos, instituiu a figura do título de crédito.

Com o desenvolver da tecnologia e vertiginoso aumento da circulação de riquezas – acarretado, sobretudo, pelas revoluções industriais e pelo fenômeno da globalização – fez-se mister um instituto que permitisse um fácil intercâmbio de bens.

No princípio, originalmente, adotavam-se produtos ordinários como instrumento de troca e circulação de riqueza – escambo. Com o evoluir dos séculos, surgiu o dinheiro, com moedas e papel-moeda dotados de praticidade e simplicidade. Posteriormente, atingiu-se a denominada economia creditória, com os títulos de créditos sendo instrumentos representativos da obrigação assumida.

Assim, a utilização de títulos de crédito torna as transações econômicas mais rápidas, simples e amplas.

O instituto foi trazido pelo Código Civil em 2002, onde objetivou-se normatizar, ainda que em caráter geral, com princípios e características comuns aos diferentes tipos, os títulos de crédito, sem contudo revogar as diversas leis e convenções internacionais sob o tema.

                       

 

 

 

 

 

 

2.   Teoria Geral

 

Os títulos de crédito são, antes de qualquer outra coisa, documentos.

Entende-se documento como um bem corpóreo capaz de preservar a memória histórica de certo fato jurídico. Esse documento pode ser meramente probatório, ou ainda constitutivo ou mesmo dispositivo. O documento de caráter apenas probatório não desenvolve nenhuma outra função senão a de mero resguardo do fato jurídico praticado; são os documentos em geral trazidos à baila jurídica processual. Já os constitutivos tem o condão de criar, modificar ou extinguir um direito subjetivo. Os títulos de crédito são documentos de caráter dispositivo: além de ter natureza probatória e constitutiva, criando direito subjetivo creditório e resguardando o fato jurídico praticado, os títulos de crédito também possibilitam a transferência desse direito – e estão sempre vinculados a um direito patrimonial.

Confira-se a lição de Tullio Ascarelli (2009: p. 98 e 99):

O título de crédito é, portanto, um documento constitutivo de uma declaração cartular autônoma, distinta, por isso, das convenções extracartulares e mesmo da declaração da qual decorre a relação fundamental; esta declaração cartular é disciplinada exclusivamente pelo teor do título.

 

Para Fabio Ulhoa Coelho (2013: p 444) o título de crédito se diferencia dos demais documentos por três aspectos: por se referir unicamente à relações creditórias, pela facilidade de execução processual desse título em juízo e por ostentar o atributo de negociabilidade, facilitando sua transmissão e circulação.

Por título de crédito entendemos, portanto, tal como preleciona Cesare Vivante o “documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido”. Esta definição, por seu brilhantismo, foi adotada pelo Código Civil em seu artigo 887. Assim, de imediato já se inferem duas características do título: literalidade e autonomia. São literais à medida que sua interpretação é fechada e concreta nas exatas palavras expressas no documento. Com efeito, “atos documentados em instrumentos apartados, ainda que válidos e eficazes entre os sujeitos diretamente envolvidos, não produzirão efeitos perante o portador do título” (COELHO: 2013, p. 448). Outrossim, são também autônomos: as declarações obrigacionais presentes no título são dotadas de independência umas das outras. Logo, eventual  vício presente em uma delas não atingirá a eficácia das outras.

Ademais, há de se acrescer outra característica inata ao título de crédito: a cartularidade – é imprescindível o documento escrito para o exercício do direito subjetivo nele criado. O título deve estar na posse do credor, que para o exercício dos direitos creditórios deve obrigatoriamente apresentar o título fisicamente.

 Ainda, podem ser abstratos, não importando a origem do débito (causa debendi), o fundamento externo para criação do documento, vez que, dada sua literalidade, não exerce qualquer influência sob o título.. Para Fabio Ulhoa Coelho (2013: p. 451), o princípio da abstração só pode ser observado quando o título é posto em circulação, operando-se a desvinculação do negócio jurídico que deu ensejo à sua criação. No ordenamento jurídico brasileiro, há três títulos de crédito dotados de abstração: cheque, nota promissória e letra de câmbio.

O título de crédito, nas lições de Arnaldo Rizzardo (2013: p. 7) assume uma dupla função: de afastar dúvidas acerca da idoneidade e validade do crédito; e de torná-lo circulável no mercado. É, pois, a instrumentalização (externalização) do crédito; da obrigação que fora assumida.

O princípio da autonomia das obrigações titulares, sendo elas independentes entre si, gera a característica que a doutrina denomina de inoponibilidade das exceções:

o obrigado em uma letra não pode recusar o pagamento ao portador alegando suas relações pessoais com o sacador ou outros obrigados anteriores do título (por exemplo, não pode o obrigado recusar o pagamento alegando que é credor do sacador). Tais exceções ou defesas são inoponíveis ao portador, que fica, sempre, assegurado quanto ao cumprimento da obrigação pelo obrigado. (MARTINS: 2010, p. 14)

Fran Martins preconiza que há exceções oponíveis: as de caráter formal ou essencial – onde o obrigado se escusa ao pagamento do título alegando carência de requisito essencial no título. Mas, ainda na linha do autor, essas exceções não se confundem com aquelas, inoponíveis, pois elas tem caráter pessoal – assim, permanece-se intacta a inoponibilidade das exceções (pessoais). Ademais, que eventual nulidade ou invalidade do título por exceção formal ou essencial, isto é, carência de requisito legal, afeta somente o título em si – e não o negócio jurídico do qual provém (causa debendi).

Para Tullio Ascarelli (2009: p. 91) e Fran Martins (2010: p. 14), além da necessidade do terceiro ter ciência das exceções e disposições extracartulares, faz-se mister o dolo de causar prejuízo ao devedor[1]; de modo que a mera ciência sem o dolo impede a oposição de exceções.

2.1 Classificações dos títulos

 

De acordo com a circulação, isto é, a forma pela qual a transferência de título se dá, podemos apontar quatro grandes grupos de títulos de crédito: nominativo, endossáveis ou à ordem, ao portador e nominativos impróprios.

O primeiro agrupamento, de títulos nominativos, abrange aqueles “cuja circulação se faz mediante um termo de cessão ou de transferência” (MARTINS: 2010 p. 15) constando o nome do credor daquela prestação no título. São, à luz do disposto no artigo 921 do Código Civil, registrados nos livros do emitente do título. Exemplos: ações e debêntures.

Já os títulos à ordem de pagamento são aqueles que, além do nome do beneficiário, possuem a cláusula à ordem possibilitando que o beneficiário, credor da prestação, ceda o crédito em favor de terceiro mediante uma simples assinatura no verso do título (endosso). “Paga-se a um beneficiário que está indicado no título, ou a quem este ordenar que se faça.” (RIZZARDO: 2013, p. 33) Certo que o pagamento à ordem só se fará com a concomitância do endosso e a apresentação do título pelo novo beneficiário. O mero endosso com a não transferência física do título, dado o princípio da cartularidade, faz presumir que a transferência não fora consumada (endosso cancelado), permanecendo o beneficiário que consta no título como o legítimo e único credor de seus direitos. Exemplos de títulos à ordem: cheque, letra de câmbio, nota promissória.

Os títulos denominados ao portador são aqueles que investem seu possuidor como titular dos direitos nele contido. Ou seja, aquele que possui o título e o apresenta ao devedor terá o direito creditório nele expresso. Não há no título o nome do indivíduo beneficiado. Insta salientar que o Código Civil de 2002, no artigo 907[2], autorizou a existência e circulação desse tipo de título desde que haja prévia normatização legislativa. Atualmente não há. Assim, na prática, o título ao portador, embora previsto no ordenamento, não circula em nossa sociedade.

Os nominativos impróprios, também chamados de não à ordem, são aqueles que, em regra, não circulam no mercado. Nesse grupo, os títulos apenas conseguem circular através da cessão de crédito comum do direito obrigacional (com um instrumento apartado próprio e notificação do devedor). São excepcionais, e em alguns casos a lei expressamente consigna que o título não poderá ser dessa categoria (como, por exemplo, a nota promissória).

De acordo com a espécie da obrigação, os títulos de crédito podem ser classificados como cambiários, cambiariformes, representativos, de legitimação ou de financiamento.

Os títulos cambiários, também chamados de próprios, são aqueles que perfazem uma operação de crédito.

Os cambiariformes ou impróprios, nas lições de Fran Martins (2010, p.22) “são os títulos que não representam uma verdadeira operação de crédito mas que, revestidos de certos requisitos dos títulos de crédito propriamente ditos, circulam com as garantias que caracterizam esses papéis.”  É o caso da letra de câmbio e da nota promissória.

Os títulos representativos são aqueles cuja obrigação cartular consiste em uma obrigação de dar coisa certa, como no conhecimento de transporte ou de depósito.

Os de legitimação são aqueles títulos que dão direito a um serviço qualquer, como bilhetes de viagem, vales e tíquetes, onde a sua apresentação obriga o devedor a adimplir sua contraprestação. (RIZZARDO: 2013, p. 22)

Os títulos de financiamento são, conforme lições do professor Fabio Bellote (2013: p.254)  “documentos que tem por finalidade a representação de direito creditício oriundo do financiamento concedido por uma instituição financeira àquele que figure como obrigado cambiário do respectivo título”. É o caso da cédula de crédito, rural ou imobiliário, bem como a cédula hipotecária ou a letra imobiliária.

Outra classificação de relevo é quanto à abstração do título de crédito. Denomina-se abstrato o título de crédito onde o direito nele incorporado independe do negócio jurídico que originou o título. Passa a valer por si mesmo, não importando a causa debendi. É o caso da nota promissória e letra de câmbio. Já o título causal, só existe em função de um negócio jurídico, que influencia sua existência. É o caso da duplicata, que carece de um contrato de compra e venda à prazo.

2.2 Teorias acerca da cartularidade

 

       É oportuno analisarmos, ainda que sucintamente, as principais teorias e evoluções históricas acerca do princípio da cartularidade, inato aos títulos de crédito.

Os títulos de crédito, tal como prevê o fenômeno da cartularidade, possuem uma obrigação cartular vinculada ao próprio documento. Por conseguinte, somente com a apresentação do título original se é possibilitado ao credor exigir o cumprimento de tal crédito.

                    O problema acerca das peculiaridades deste tipo de obrigação é objeto de diversas teorias que intentam explicar a instabilidade do pólo ativo da obrigação cartular. Apesar de inúmeras teorias acerca do labiríntico tema versado, faz-se necessário tratar daquelas de maior evidência no estudo dos títulos de crédito.

                    Gino Segrè, renomado estudioso italiano, principia o exame da instabilidade do pólo ativo da obrigação cartular com a “Teoria dos Créditos Sucessivos”.  Conforme a teoria, toda vez que houver a tradição do título a credor diverso, presenciar-se-á a extinção da primeira obrigação e o nascimento de uma nova. Como esclarece, em sua obra, Newton de Lucca, “A cada sucessivo titular do direito cartular correspondem créditos sucessivos e diversos.” A teoria, no entanto, é insuficiente visto que a obrigação cartular, por estar inerente ao próprio título, é sempre a mesma.

                    Diante da inabilidade da antecedente, Edmon Thaller propôs uma nova forma de se tratar sobre o credor da obrigação cartular. Para o estudioso francês, a transferência do título de crédito teria as mesmas conseqüências de certo mandado feito com dispensa de prestação de contas. Deste modo, ao transferir o título a novo credor, estar-se-ia, concomitantemente, cedendo-lhe poderes para que este possa agir em nome do primeiro. A insuficiência da teoria é perceptível ao nos referimos ao exercício desta obrigação em juízo, quando o credor, na verdade, atua em seu próprio nome.

                    Em contraponto, a Teoria da Personificação, apresentando como principal expoente George Gierke, preleciona que o próprio título de crédito assume a posição de credor da obrigação, titular do direito. O pólo ativo da obrigação, desse modo, é objeto de ficção do sujeito. No entanto, a fim de tal teoria ser acertada, necessitar-se-ia a disposição de norma escrita, o que é inverdade.

                    As teorias acima explicitadas, apesar de colaborarem com a evolução do estudo dos títulos de crédito, não são suficientes para esclarecer a instabilidade do pólo ativo da obrigação cartular. Entretanto, as teorias da Pendência e da Propriedade são as dominantes como forma de explicação desta instabilidade.

                    De acordo com a Teoria da Pendência, difundida por Umberto Navarrini, a obrigação cartular, inerente ao título, só é passível de ser definida ao final da relação jurídica, com o vencimento de tal título, no momento quando sabemos quem é o credor e se é possível exigir a obrigação deste. Sobre a teoria, Newton de Lucca (1979; p 78):

 Ao adquirir-se um título de crédito, segundo deflui da lição de MESSINEO, ocorre a aquisição de uma coisa móvel e, concomitantemente, adquire-se um direito de apropriação do crédito. Sucede, porém, que o direito de apropriar-se somente pode ser exercido no vencimento do título, ficando, até ele, pendente.

                   Tullio Ascarelli, insatisfeito com a teoria supracitada, já que acredita produzirem tais títulos efeitos mesmo antes do vencimento, desenvolve a tese dominante sobre o tema. De acordo com os ensinamentos de Ascarelli, a transferência da titularidade do crédito acompanha o proprietário do título, por haver uma relação de direito real sobreposta à relação obrigacional. Diante disso, o credor da obrigação está sintetizado na figura do portador do título, o verdadeiro sujeito capaz de exigir o cumprimento desta obrigação.    

 

 

 

 

 

 

 

3.  Institutos dos títulos

3.1 Saque

 

Saque consiste no negócio jurídico de natureza unilateral, visto que o sacador exprime somente sua vontade, e complexa, que resulta na criação de um título de crédito.

O artigo 3° da Lei Uniforme de Genebra elenca as formas de como o instituto é dirigido, a saber: à ordem e por conta de terceiro, à ordem do próprio sacador, e sobre o próprio sacador.

O primeiro caso corresponde à estrutura clássica da letra, com diferenciação entre as pessoas que ocupam cada uma das posições jurídicas. Nos dois outros casos percebe-se a cumulação subjetiva de posições jurídicas. Na hipótese do saque à ordem do sacador, a figura do sacador confunde-se com a do beneficiário, tornando o título instrumento de cobrança. Já no caso de saque sobre o próprio sacador, as posições de sacador e sacado são assumidas por uma única pessoa; ou seja, o próprio sacador incumbe-se a cumprir a promessa de pagamento. O título, no caso, assume função de Nota Promissória.

Há casos em que o título de crédito resta incompleto, pois não ocorreu a conclusão do saque. O problema suscita duas questões a serem abordadas.

A primeira delas diz respeito à Súmula 387 do Supremo Tribunal Federal, que estipula prazo limítrofe para a conclusão do saque como o momento da cobrança ou do protesto. Atingido o prazo, o título perde a validade, a natureza dispositiva e deixa de ser considerado como tal.

“A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto” – Súmula 387, STF

A segunda questão trata do contrato de preenchimento, quando o sacador encarrega terceiro no encargo de preencher o restante do título. Nesta situação, caso haja descumprimento das instruções dadas ao terceiro, a responsabilidade civil é incumbida a quem as descumpriu. O sacador, no entanto, conforme artigo 10 da Lei Uniforme de Genebra e o artigo 3° do Decreto 2044/08, poderá argüir a má-fé do sacado, que, assim, não poderá exigir o cumprimento da obrigação.

No que tange à responsabilidade do sacador, o artigo 9° da Lei Uniforme de Genebra é claro ao estipular que as cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade desse são nulas, já que ele é garante da aceitação e do pagamento da letra. O título, no entanto, permanece válido.

O saque, ainda, poderá prever cláusula de juros remuneratórios, se atendidos certos requisitos. A taxa de juros deverá ser fixa, como vislumbra o Princípio da Literalidade, e o vencimento do título, obrigatoriamente, deverá ser à vista ou a tempo certo desta, a fim de que não haja imprecisão quanto à data.

O saque, além disso, será nulo quando abusivo.  Segundo a Súmula 60 do Supremo Tribunal de Justiça: “É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”. A prática, inclusive, é expressamente proibida pelo Código do Consumidor em seu artigo 51, VIII: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor”.

Por fim, faz-se possível o saque por procuração, quando esta estipular poderes especiais ao representante. Se houver desvio de poderes, a responsabilidade civil é do representado. Já, na hipótese de excesso de poderes, não se produzirá efeitos sobre o representado, o que gerará responsabilidade patrimonial do representante pelo título.

3.2 Endosso

 

                   Nas lições de Fabio Ulhoa Coelho (2013: p. 475), endosso é o ato “pelo qual o credor de um título de crédito com a cláusula à ordem transmite os seus direitos a outra pessoa.” O endosso, que é exteriorizado pela simples assinatura do credor, cria duas novas figuras: do endossante (aquele que assinou o título, transferindo sua titularidade) e do endossatário.

                   O endosso, salvo disposição contrária junto da assinatura, torna o endossante responsável solidariamente pelo aceite e pagamento do título. Desta sorte, em caso de vários endossos sucessivos, não há de se falar em benefício de ordem, pois todos respondem solidariamente, podendo ser, assim, qualquer deles demandado pela totalidade da obrigação cartular.

Na letra de câmbio, ao primeiro endossante, dá-se o nome de tomador. Ainda, neste título de crédito, não se admite a isenção de responsabilidade do endossante pela solvência do devedor principal.

Há dois tipos de endosso: em branco e em preto. O endosso em branco é aquele onde a transferência de titularidade não identifica o endossatário; no endosso em preto, ao contrário, ele é identificado. Com o endosso em preto, o título de crédito passa a ser ao portador.

Nas lições de Arnaldo Rizzardo (2013: p. 35), para a transferência de titularidade de um título de crédito por endosso, é mister a concomitância de dois fatores: a assinatura, ou seja, o próprio endosso, com ou sem o nome do favorecido, e a transferência do título, haja vista o princípio da cartularidade.

                   Estas são as breves considerações acerca do denominado endosso próprio. Contudo, é oportuno analisar os casos de endosso impróprio, quais sejam o endosso-mandato e o endosso-caução. Em ambos os casos, além da simples assinatura, o endosso deve contar uma expressão para identificação, como “em garantia” ou “por procuração”, “por mandato”.

                   O endosso-caução, também chamado de endosso-penhor ou endosso-pignoratício, é aquele que dá ao título de crédito característica de garantia real sob bens móveis (penhor). Nesse caso, “o título, tido como bem móvel, passa para terceiro com o escopo de garantir outro negócio. Não se transfere o crédito, que continua pertencendo ao endossante.” (RIZZARDO: 2013, p. 121)

                   O endosso-mandato por sua vez é aquele onde o endossante autoriza o endossatário a agir em seu nome e gozar dos direitos contidos no título. Ponto relevante: a morte ou superveniência de incapacidade do endossante não extingue o endosso-mandato.

Em ambos os casos de endosso impróprio, é possível que o endossatário endosse o título, mas somente na qualidade de endosso-mandato.

                   Há ainda o denominado endosso-póstumo. Este ocorre quando o endosso é feito após o protesto ou prazo de protesto, qual seja de um dia útil após o vencimento do título.

                   Não podemos confundir endosso com cessão de crédito civil. Existem três diferenças cruciais: o endossante responde, além da existência do débito, pela solvência do devedor, enquanto o cedente responde apenas pela existência do débito; ademais, o devedor só pode alegar exceções pessoais de boa-fé em face do cessionário, no endosso isso não é permitido; e ainda, em caso de cessão de crédito civil é mister a notificação do devedor, dispensada no caso do endosso. Contudo, em dois casos o endosso produzirá os mesmos efeitos de uma cessão de crédito civil: no endosso-póstumo e no endosso em título de cláusula não à ordem.

3.3 Aceite

 

A segurança do pagamento, almejada pelo beneficiário do título, foi assegurada por meio do aceite. Negócio jurídico unilateral, formal e simples, o aceite é o instituto por meio do qual o chamado aceitante manifesta a aquiescência com a ordem de pagamento, ao assinar o título. Nas palavras de Amador Paes de Almeida (2014: p.52) “O aceite é o reconhecimento do débito, obrigando o aceitante cambialmente”.

A apresentação do título para aceite, apesar de facultativa na maioria dos casos, é obrigatória quando se trata de vencimento a tempo certo da vista ou quando houver cláusula especial obrigando o sacador a fazê-lo. Assim, o artigo 23 da Lei Uniforme de Genebra dispõe que: “As letras a certo tempo de vista devem ser apresentadas ao aceite dentro do prazo de um ano das suas datas.”

O aceitante, então, poderá assumir três posições diversas: o aceite puro e simples, concordando totalmente com a letra, o aceite limitado, quando há concordância com valor inferior à ordem de pagamento, e o modificativo, que ocorre na hipótese de concordância com a vontade, mas com imposição de condições diversas, concernentes ao local ou época, para pagamento. A Lei Uniforme de Genebra, em seu artigo 26, equipara a última espécie à recusa da ordem de pagamento, sendo permitido ao sacador levar o título a protesto.

É de se ressaltar, ainda, que o título mantém-se na posse do sacador, salvo no período de 24 horas dado ao sacado para refletir sobre a efetivação, ou não, do aceite. Findo esse prazo, se não houver a devolução do título ao sacador, configurar-se-á a retenção indevida da letra, antes tratada de forma análoga ao depositário infiel. Nessa hipótese, o sacador, prejudicado tendo em vista o Princípio da Cartularidade, poderá ajuizar medida cautelar de busca e apreensão do título, ou elaborar a indicação – resumo em que constam todos os elementos essenciais da letra – para que possa levá-la a protesto. O instrumento de protesto, juntamente com a indicação, equipara-se ao próprio título.

Por fim, o cancelamento do aceite pode ser realizado riscando-se a assinatura que antes o efetivava. No entanto, somente será válido se o aceite não tivesse chegado ao conhecimento do sacador até a data de seu cancelamento.

3.4 Aval

 

“O aval é uma garantia pessoal de natureza cambial prestada pelo avalista, pessoa física ou jurídica, que se obriga pelo avalizado (devedor), assumindo, total ou parcialmente, em caráter solidário, obrigação pecuniária contraída por este com base em título de crédito [...]” (GOMES: 2013, p. 215)

A obrigação prestada do avalista é autônoma e independente da obrigação do avalizado (artigo 32 da LUG; artigo 889 do CC/02) Desta sorte, “se nula a obrigação principal, aprofundando a matéria, permanece a integridade do aval, a menos que decorra a nulidade de um vício de forma” (RIZZARDO: 2013, p. 124)

Há quatro formas de aval: antecipado, simultâneo, em preto ou em branco. O antecipado é aquele cujo avalista opõe o aval antes do preenchimento total do título de crédito. Já no simultâneo, há uma pluralidade de avalistas que avalizam o título, concomitantemente. No aval em preto ocorre a identificação do avalizado; no em branco, não há essa identificação, sendo assim, efetuado em benefício do sacador da letra de câmbio.

No ordenamento jurídico brasileiro não é permitido o aval parcial. Já o aval póstumo – aquele exarado depois do vencimento do título – é expressamente autorizado no artigo 900 do Código Civil de 2002, produzindo os mesmos efeitos de um aval dado antes do vencimento.

Para sua validade plena, é mister que seja dado no verso ou anverso do título creditório – é inócuo o aval dado em separado. Ainda, caso seja dado no verso, deverá constar expressão indicativa do aval, como “bom para aval”, “em aval”, “em garantia” ou semelhante. Se for dado no anverso, a merda assinatura perfaz o ato, sendo prescindível qualquer outra expressão. Nessa esteira, para cancelamento do aval deve-se proceder também no próprio título, riscando-se a assinatura do avalista.

O instituto do aval não pode ser confundido com o endosso: este é o instrumento de transferência do título, que só pode ser realizado pelo seu proprietário; enquanto o aval é uma nova garantia dada ao título, no tangente ao reforço do adimplemento obrigacional

Também em nada imiscui-se com o conceito de fiança: esta última é obrigação contratual, acessória, sinalagmática, com benefício de ordem, como garantia do adimplemento da pessoa do devedor – completamente divergente do aval, unilateral, de natureza solidária ao adimplemento da dívida, sem benefício de ordem.

 

 

4.      Letra de Câmbio

 

      O estudo do título creditório da Letra de Câmbio no ordenamento jurídico brasileiro se dá em dois dispositivos diferentes, a saber: a princípio, vigora a Lei Uniforme de Genebra, com exceção das reservas assinaladas pelo Brasil; contudo, subsidiariamente, aplica-se o decreto 2044/08

Entendemos letra de câmbio como “uma ordem dada, por escrito, a uma pessoa, para que pague a um beneficiário indicado, ou á ordem deste, uma determinada importância em dinheiro” (MARTINS: 2010, p. 27). Assim, esse título enseja três situações jurídicas distintas: a do sacador (aquele que cria o título, dando a ordem de pagamento), do sacado (aquele para quem a ordem de pagamento é voltada) e o beneficiário (aquele que receberá o pagamento).

Assim, a redação da letra de câmbio pode ser ilustrada com o exemplo: “Ao dia 20 de março de 2030, pagará nome sacado, por essa única via de letra de câmbio, a quantia de vinte mil reais a nome do beneficiário.”, se perfazendo com a assinatura do sacador ao final.

Mas a Lei Uniforme de Genebra autoriza o aparecimento de dois casos de aglutinação dos sujeitos nesse título. Confira-se a lição de Ricardo Negrão (2014: p. 64):

A primeira situação (sacador = sacado) é de saque sobre si mesmo. Rubens Requião lembra que a letra emitida sobre si mesmo (sacador = sacado) terá efeitos de nota promissória. Mesmo não ocorrendo aceite, o sacado — não em razão desta condição, mas por ser também sacador — estará obrigado perante o portador.

Pontes de Miranda relata, para o segundo caso (tomador = sacado), a preocupação de certo segmento da doutrina alemã porque “o tomador poderia, como sacado, não aceitar e, no entanto, dar circulação à letra de câmbio, sem qualquer responsabilidade sua, se fosse ao portador o título”. Resistindo à vedação, Pontes de Miranda assevera que, embora seja correto o raciocínio, o portador terá direito contra o sacador que se obriga pela emissão.

O último caso (sacador = tomador = sacado), letra de câmbio sobre si mesmo e à própria ordem traz a variante de que o sacador é tomador e, ao mesmo tempo, sacado. Se ele não aceitar o título, ainda assim, terá responsabilidade como sacador, pouco importando a posição que ocupa como tomador endossante porque, ao fazer circular o título, traz para si, na qualidade de sacador, obrigação a favor de terceiro que se apresentar como portador.

 

O artigo 1º da Lei Uniforme de Genebra estabelece os elementos essenciais – imprescindíveis -  da letra de câmbio: a palavra Letra ou expressão Letra de Câmbio, no mesmo idioma do título, a fim de se possibilitar a fácil identificação da espécie de título de crédito; a ordem pura e simples de se pagar determinada quantia; o nome do sacado; a época e lugar do pagamento; o nome do beneficiário; a data[3] e lugar da criação do título (emissão); e por fim, a assinatura do sacador.

Há outros requisitos que, se ausentes, não invalidam a letra de câmbio. São os denominados requisitos não essenciais. Com efeito, não é mister a época do pagamento: a sua ausência gera a presunção do pagamento à vista. O local do pagamento também não é fundamental: presume-se o local indicado ao lado da assinatura do sacado. Ademais, essa mesma presunção aplica-se ao local da emissão do título, sendo outro requisito não essencial.

Quanto à época do pagamento, a letra de câmbio pode ser à vista, à dia certo, à tempo certo ou à tempo certo da vista. No primeiro caso, o vencimento do título ocorre quando é apresentado ao sacado. No caso do dia certo, há especificação desse termo final de vencimento. Ainda, pode ser à tempo certo da data, contando-se o prazo a partir da data de emissão do título. No ultimo caso, do à tempo certo da vista, a contagem do prazo começa a fluir a partir da apresentação do título ao sacado (vista).

Há casos de vencimento antecipado da letra de câmbio, previstos no artigo 43 da Lei Uniforme de Genebra: a falta ou recusa do aceite por parte do sacado; ou a falência do sacado ou sacador.

Sobre o ressaque da letra de câmbio, bem ensina Fabio Bellote Gomes (2013: p. 224):

Muitas vezes pode ocorrer de o sacado não efetuar o pagamento do título original, e, por causa disso, o sacador emitir outra letra de câmbio, em substituição à anterior, para cobrar a mesma dívida não paga, com o valor contido no primeiro título, devidamente atualizado[...]

5. Protesto

5.1 Conceito, características e modalidades

 

Na definição legal, protesto é “ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”[4]. Essa definição é deveras simplória, chegando, inclusive, a ser incompleta. Isso porque há outros dois casos que ensejam protesto: a falta do aceite e a falta da data do aceite (na letra de câmbio à tempo certo da vista). Ensina Fabio Ulhoa Coelho (2013, p.497) que “ao recusar o aceite, ele [o sacado] não descumpre obrigação nenhuma, e, ainda assim, caberá o protesto por falta de aceite, como condição indispensável ao vencimento antecipado da letra”.

O prazo para protesto de um título é de um dia útil, contado a recusa do aceite ou da data de vencimento (inteligência do artigo 28 do Decreto 2044/08, em vista da reserva do artigo 9º da LUG). O local do protesto é o local onde a obrigação deveria ter sido satisfeita (artigo 28 do Decreto 2044/08)

E qual a consequência ao desrespeito do prazo para protesto? A desoneração dos coobrigados secundários, como avalistas, sacador, endossante (LUG, artigo 53).

Obviamente que tal penalidade só se apresenta nos denominados protestos necessários – indispensáveis. Isto porque há casos de protesto facultativo.

As situações que ensejam o protesto facultativo são aquelas onde o procedimento não é indispensável para o exercício de determinado direito. É o caso, à guisa de exemplo, do próprio protesto por falta de pagamento. Isto porque, mesmo sem o protesto, as responsabilidades cambiárias dos obrigados principais (aceitante e seu respectivo avalista) permanece inalterada, desde que dentro do prazo prescricional. O único ônus é a já dita desoneração dos coobrigados secundários, vez que, para eles, o protesto é indispensável para cobrar-lhes o título.

Acerca do procedimento do protesto, a ser realizado pelo Tabelião, bem sintetiza professor Fabio Bellote Gomes (2013: p. 216):

 

o protesto deve ser lavrado dentro de três dias úteis contados do apontamento do título, devendo, no intercurso desse prazo, ser efetuada a intimação do devedor para que este proceda ao respectivo pagamento. Ressalte-se que o protesto tem efeito interruptivo sobre a prescrição do título protestado, implicando a devolução integral do prazo prescricional, por uma única vez, após a lavratura do protesto, conforme o art. 202, III, do CC/2002.

 

Oportunas algumas breves considerações. O protesto é lavrado pelo Cartório, do local do pagamento do título. Com a apresentação do título, inicia-se o tríduo legal – procedimento de efetivação do protesto que dura três dias. É emitida intimação em nome do devedor – por carta, ou, não havendo endereço certo, por edital. Consumada a intimação, o devedor ciente possui três dias para realizar o aceite ou adimplir o título. Arnaldo Rizzardo (2013: p. 138) nos alerta para uma situação de dispensa dessa necessidade de intimação: “quando o sacado ou aceitante declara no título a recusa do aceite ou do pagamento”.

Para Arnaldo Rizzardo (2013: p. 139), a fim de impedir a efetivação do protesto, o devedor deve realizar o do valor do título – só incidindo multa ou correção monetária se expressamente pactuado no título. Todavia, a lição de Fabio Ulhoa Coelho (2013: p. 499) não preleciona acerca dessa necessidade de pacto expresso. Aduz o autor que o pagamento a ser feito é do valor da dívida principal, já acrescidas dos juros moratórios e correção monetária desde seu vencimento. Em que pese sua omissão, tendo em vista o princípio da literalidade, faz-se necessária a complementação de suas palavras pela lição de Rizzardo, sendo mister a previsão de tais encargos no título.

Não realizado o aceite ou adimplemento, é lavrado o instrumento de protesto, no molde do artigo 29 do Decreto 2044, contendo, entre outros requisitos essenciais, a transcrição da letra e de suas declarações, a certidão de intimação do devedor e a data. Após sua lavratura, o instrumento é dado ao protestante.

 

 

5.2 Retificação, cancelamento e sustação

 

 

Como se melhor aprofundará no próximo tópico, o protesto assumiu, hodiernamente, uma alteração em seu objetivo principal. Isto porque o escopo do título protestado passou a ser justamente no tangente aos efeitos publicísticos de uma negativação existente em desfavor do devedor. Torna-se importante ferramenta de cobrança extrajudicial, onde a penalidade – negativação – perdurará enquanto o débito aberto não for saldado.

Desta sorte, assume alta relevância a possibilidade de cancelamento do protesto. Este, autorizado pelo permissivo do artigo 26 da Lei 9.492/97, cuida da hipótese do pagamento do débito protestado pelo devedor.

Uma vez adimplido o débito, o devedor ou terceiro interessado, munido do título cambial protestado (presunção de adimplemento) ou de carta de anuência do credor, requere junto ao Tabelionato pelo cancelamento do protesto havido.

Por óbvio que a única maneira de se cancelar o protesto extrajudicialmente é mediante o adimplemento do débito protestado. Nesse tocante, bem nos recorda professor Fabio Bellote Gomes (2013: p. 218):

 

“Por fim, na hipótese de o pedido de cancelamento estar fundamentado em outro motivo que não o pagamento posterior, e o credor cambiário não consentir no cancelamento, o obrigado cambiário deverá obter ordem judicial para tanto, conforme previsto no artigo 26 da Lei 9.492/1997.”

 

Assim, transcorrido o tríduo legal (prazo procedimental do protesto) e efetivado o protesto, será necessária uma carta de anuência do credor para que seja cancelado ou a apresentação do título original (pois a posse do título presume sua quitação).

Há casos onde é mister a sustação do protesto, muitas vezes para evitar o agravamento do dano de uma das partes, tendo em vista a demora na prestação jurisdicional. Melhor seria se falar em suspensão temporária dos efeitos publicísticos do protesto, vez que esse é o verdadeiro escopo dessa medida cautelar. Em que pese não haver disposição legal específica, certo que o instituto da sustação do protesto está nos poderes de cautela gerais do juiz de direito, que, ante o caso concreto, poderá exercê-lo, oficiando-se ao cartório onde fora lavrado. Por vezes que o termo sustação também pode se referir a ordem judicial cautelar proferida no ínterim do tríduo legal procedimental, bem nos alerta Fabio Bellote Gomes:

“A sustação consiste no impedimento à lavratura do protesto, mediante ordem judicial liminar, em geral concedida nos autos de uma medida cautelar destinada a assegurar o direito de obrigado cambiário que esteja sob ameaça de ser prejudicado pelo protesto iminente e indevido de título apontado” (GOMES, 2013: p. 218)

O cancelamento do protesto, por seu turno, ocorre em dois casos: havendo pagamento do título pelo próprio oficial do cartório; por outra razão diversa, somente por ordem judicial. (ALMEIDA, 2014: p. 398)

 

5.3 Efeitos

 

O principal e mais importante efeito do protesto é a constituição de uma prova do inadimplemento da obrigação cartular. É fundamental para posterior execução do crédito em face dos coobrigados secundários, tratando-se de protesto facultativo[5]. As doutrinam denominam esse efeito probante de efeito primário do protesto.

Mas esse não é o único reflexo jurídico de um protesto. Há outros efeitos – os chamados secundários – de alto relevo. Ora, o protesto realizado é o termo inicial da mora do devedor, aí se aplicando todas as disposições legais[6]. Também merece destaque outro importante reflexo: a interrupção da prescrição. Além desses, de maior destaque entre os secundários, há outros, como a indução ao estado de falência e a possibilidade do ressaque[7].

Todavia, é no efeito transversal do protesto que reside o maior interesse do credor. Isto porque os efeitos publicísticos do protesto acarretam a negativação do nome do devedor, com sua inserção no rol de inadimplentes, lá perdurando até que o crédito seja pago ou o prazo de cinco anos atingido. A publicidade do protesto gera verdadeira celeuma na vida civil do devedor, que passa a encontrar dificuldades na obtenção de crédito e operações financeiras – é, destarte, verdadeiro método coercitivo extrajudicial de pagamento.

 6. Ação cambial (execução)

     Quando cumpridos os requisitos de existência, validade e eficácia, os títulos de crédito tornam-se títulos executivos extrajudiciais, como prevêem os Códigos de Processo Civil de 1973 e 2015.

  Diante do inadimplemento da obrigação cartular, o credor da cártula poderá propor Ação de Execução, sem suportar os estágios do Processo de Conhecimento, visto que o título de crédito possui obrigação certa, líquida e exigível. Esse tipo de ação é denominado cambial quando se refere a um título cambiário, ou seja, a Nota Promissória e a Letra de Câmbio.

     A ação cambial, portanto, será proposta diante de três situações: com o vencimento da cártula pelo não pagamento, com a recusa do aceite e conseqüente protesto, ou no exercício do direito de regresso.

Há dois modos de executar-se o crédito estipulado na Letra de Câmbio: através de uma ação cambial direta, onde o credor demanda em face do aceitante e seus avalistas; ou usando-se de uma ação cambial indireta, também denominada de direito de regresso, onde um coobrigado demanda em face de outro coobrigado de maior grau de responsabilidade cambial

.    A ação cambial dispensa a fase de conhecimento. Isto porque o crédito já é devidamente comprovado através da prova documental denominada título de crédito. Com efeito, há uma limitação de defesa do executado, que se limita a suscitar nulidades formais, ausência de requisitos executórios ou ainda eventual direito pessoal em face do exequente (v.g. novação, compensação, prescrição). Essas defesas serão opostas na ação denominada “embargos do devedor”

Para execução de determinado título cambial, faz-se mister a concomitância de liquidez, certeza e exigibilidade do valor. Amador Paes de Almeida (2014: p. 426) bem sintetiza:

 A liquidez se traduz no valor definido ou determinado. A certeza decorre da individuação do objeto (pecúnia) e dos respectivos sujeitos da obrigação (credor e devedor), patenteando, outrossim, a inexistência de controvérsia quanto à sua existência. A exigibilidade é decorrência do vencimento do título, não sujeita a termo ou condição. 

No tangente à oponibilidade de direito pessoal em face do exequente, é valida a lembrança de sua vedação ao portador de boa-fé, conforme redação expressa do artigo 17 da Lei Uniforme de Genebra

Quanto a ocorrência da prescrição, certo que tal óbice processual não impossibilita a percepção do débito existente por parte do credor – tão somente o rito executivo, por ser mera ausência de exigibilidade, mas não de certeza ou liquidez. Torna-se viável a utilização de outras ações (monitória ou cobrança) com fase de conhecimento para formação de título creditório judicial para posterior fase executória.

“Uma vez prescrita a ação executiva cambial conforme o prazo legal correspondente ao respectivo título de crédito, o credor poderá ainda valer-se do processo de conhecimento ou ainda da ação monitória, observando o prazo quinquenal previsto no art. 206, §5º, I do CC/2002” (GOMES: 2013, p. 219)

.6.1 Ação cambial direta

 

É a espécie de ação cambial que tem como autor o credor, o portador legítimo e beneficiário do título ou o último endossatário. O pólo passivo será representado por qualquer dos coobrigados, facultando-se ao credor escolher contra qual moverá a ação. Não há intervenção de terceiros nessa ação

O prazo prescricional a ser observado na letra de câmbio é de 3 anos em face do aceitante, contado do vencimento do título, e 1 ano, contado do protesto, em face dos coobrigados – sacador, endossante e avalista..

Como requisito, faz-se mister a certidão de protesto tirada no prazo legal. Com exceção dos casos onde houve a dispensa do protesto obrigatório, através da cláusula “sem protesto” ou semelhante. (NEGRÃO: 2014, p. 98)

6.2 Ação cambial indireta

 

Nessa espécie, o autor é o titular do direito de regresso, ou seja, o coobrigado, sem responsabilidade máxima, efetuou o pagamento, tornando-se titular do direito de regresso. Ele voltar-se-á contra um ou mais coobrigados com maior responsabilidade, e pedirá o reembolso dos valores que foram utilizados para fazer o pagamento.

Oportuna a revisão dos graus de responsabilidades dos coobrigados possíveis na letra de câmbio. O obrigado principal é, obviamente, o aceitante da letra. Seguido do sacador, o coobrigado de maior grau de responsabilidade em adimplir o crédito representado. Subsequentemente, temos o endossante; por derradeiro, com menor grau de responsabilidade, o avalista.

Destarte, se o avalista é demandado pelo credor a arcar com valor da letra de câmbio e realiza seu adimplemento, pode, em ação regressiva indireta, respeitado o prazo prescricional de 6 meses, contado do pagamento efetivo ao credor, objetivar receber o valor do endossante, caso haja, ou do sacador ou aceitante.

 

7. Conclusão

 

Ante o exposto no presente trabalho, percebe-se que o instituto jurídico da letra de câmbio recebe a tutela em esparsas leis e convenções firmadas pelo Brasil. Contudo, a esse título de crédito, é aplicável os institutos gerais comuns a maioria dos outros títulos, como saque, aceite, endosso, aval e o protesto. E o rito judicial para percepção do crédito é o comum da execução – ação cambial.

É necessário harmonizar as disposições gerais do Código Civil de 2002 com o Decreto lei 2044/08 e a Lei Uniforme de Genebra, com especial atenção às reservas feitas pelo Brasil.

Desta sorte, o estudo do instituto da letra de câmbio não resguarda uma teoria própria, sendo aplicação de uma Teoria Geral dos Títulos de Crédito.


8. Referências

ALMEIDA, Amador Paes de. Teoria e prática dos títulos de crédito. 30ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014

ASCARELLI, Tullio. Teoria geral dos títulos de crédito. Campinas: Servanda Editora, 2009.

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: volume 1. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013.

GOMES, Fabio Bellote. Manual de direito empresarial. 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

RIZZARDO, Arnaldo. Títulos de crédito. 4ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

MARTINS, Fran. Títulos de crédito. 15ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014.

DE LUCCA, Newton. Aspectos da teoria geral dos títulos de crédito. São Paulo: Pioneira, 1979.



[1] Assim, se o portador sabia que ao seu antecessor seriam oponíveis exceções pessoais pelo devedor, e com a finalidade de prejudicar a este recebeu o título, o devedor pode opor as exceções que teria contra o portador anterior, demonstrado que seja que a aquisição do título teve por finalidade prejudicar o devedor (MARTINS: 2011, p. 14)     

[2] Art. 907. É nulo o título ao portador emitido sem autorização de lei especial.

[3] “A letra em que não se indique a época do pagamento entende-se pagável à vista” – entendimento da Lei Uniforme de Genebra e do Código Civil (art. 889)

[4] Artigo 1º da lei 9.492/97

[5] O portador que não tira, em tempo útil e forma regular, o instrumento do protesto da letra, perde o direito de regresso contra o sacador, endossadores e avalistas. (Artigo 32 do Decreto-Lei 2044/1908)

[6] Como as situações de responsabilidade civil por força maior e caso fortuito ocorrido no período moratório; do início da fluição dos juros de mora, entre outras.

[7] Uma nova letra de câmbio, acrescida de multas e despesas do devedor ante o inadimplemento da obrigação cartular pelo credor.

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