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A Prisão Cautelar e o Princípio da Presunção de Inocência


Autoria:

Plínio Luiz Lima Santos


Plínio Luiz Lima Santos. Oficial de Justiça do TJ/MT. Bacharel em Direito pela FACISA-MT. Especialista em Direito Processual Penal

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Resumo:

A Prisão Cautelar e o Princípio da Presunção de Inocência

Texto enviado ao JurisWay em 02/06/2015.



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INTRODUÇÃO

 

 

 

O presente artigo, analisará a efetividade aplicação do princípio da presunção de inocência, com algumas prisões cautelares.

Abordaremos as seguintes espécies de prisão: prisão em flagrante, prisão preventiva e temporária.

Será mostrado que, o princípio da presunção de inocência, está estatuído na Magna Carta de 1988, mais especificamente em seu art. 5°, inciso LVII, garantindo ao acusado a prerrogativa de não ser considerado culpado pela prática de um delito, até que seja prolatada uma sentença penal condenatória, e que, esta sentença já esteja transitada em julgada.

No mesmo esteio, sabe-se que, em determinados casos, com o escopo de assegurar a aplicação da lei penal, da ordem econômica, etc., a lei autoriza ao magistrado a aplicação de alguma das prisões cautelares.

No decorrer deste artigo, faremos um paralelo entre as prisões acima mencionadas, confrontando-as com o princípio da presunção de inocência, de modo a se chegar a se concluir, se estas são ou não constitucionais, mormente que podem suas aplicações estar ferindo o supracitado princípio.

 

 

1. CONCEITO DE PRISÃO

 

 

O Diploma Processual Pátrio, em seu art. 283 estabelece que a prisão é a privação da liberdade por força do flagrante delito, ou por ordem escrita e fundamentada pela autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença penal condenatória transitada em julgada, ou no curso da investigação, ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Sob a rubrica do brilhante professor Julio Fabbrini Mirabete, tem-se que a prisão é “a privação da liberdade de locomoção, ou seja, do direito de ir e vir, por motivo lícito ou por ordem legal” (MIRABETE, 2001, p. 234).

Aprofundando nos conceitos trazidos a baila, teremos duas modalidades de prisão. Uma, sendo aquela imposta pelo juiz ao término da persecução criminal, a qual é denominada de prisão-pena, sendo regulamentada pelos arts. 32 a 42 do Código Penal e pela LEP (Lei n° 7210 de 1984), e, seu cumprimento, se dará através dos regimes fechado, aberto e semi-aberto.

A outra modalidade de prisão é a cautelar, e esta, a qual é o cerne do trabalho, está estatuída nos arts. 282 a 318 do CPP, que trata das prisões em flagrante e preventiva, e Lei n° 7.960/89, que trata da prisão temporária

 

 

2. DAS PRISÕES CAUTELARES

 

 

2.1. Da prisão em flagrante

 

 

A prisão em flagrante está disposta no art. 302 do Código de Processo Penal. Veja:

 

 

Art. 302.  Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

 

 

Inobstante, a Constituição Federal, regulamentou o tema, quando dispôs no art. 5°, LXI que, entre outros, “ninguém seria preso, senão em flagrante delito”.

Segundo Reis e Gonçalves, “’flagrante’ indica que o autor do delito foi visto praticando ato executório da inflação penal, e por isso, acabou preso por quem o flagrou e levado a autoridade policial” (REIS e GONÇALVES, 2012, p. 300).

Sob o tema, leciona Rogério Greco Filho que “duas são as justificativas para existência da prisão em flagrante: a reação social imediata à prática da inflação e a captação, também imediata, da prova” (GRECO FILHO, 2012, p. 278).

De fato, a prisão em flagrante servirá em muitos casos, para dar a tão sonhada paz social a sociedade, que se vê, muitas vezes, segura apenas no direito penal.

Em continuação do tema, Greco Filho diz:

 

 

Qualquer inflação penal, em princípio, admite a prisão em flagrante, ainda que em algumas delas haja dificuldades práticas de efetivação. Nos crimes permanentes, o agente encontra-se sempre em estado de consumação e, consequentemente, em flagrância. Nos crimes habituais, se o ato flagrado revela a conduta habitual, é possível a prisão.

Nos crimes de ação penal provada é possível o flagrante se houver requerimento do ofendido. Se este não estiver presente no ato ou for incapaz, realiza-se a detenção, mas a sua representação ou a do seu representante legal deve ser colhida no prazo máximo de 24 horas, que é o prazo da entrega da nota de culpa, sob pena de não se lavrar o auto, libertando-se o agente. (GRECO FILHO, 2012, p. 279)

 

 

A prisão em flagrante existe em quatro situações, conforme art. 302 do Código de Processo Penal (visto anteriormente), não tendo, possibilidade de ser aumentadas, através de interpretação, sob pena de violação da instantaneidade da própria prisão em relação ao fato criminoso.

As hipótese de existência da prisão em flagrante são:

a)             Flagrante próprio, também chamado de real, que é aquele que está disposto nos incisos I e II do art. 302 do CPP, sendo a prisão em que o agente acabou de cometer o ilícito penal e é surpreendido, seja por qualquer do povo, seja pela polícia, ou, quando este está cometendo a infração.

b)            Flagrante impróprio, ou, quase flagrante, que é aquele em que, conforme dicção do inciso III do citado art. 302, ocorrerá quando o agente é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser o autor da infração.

Sobre o tema, leciona Rios e Gonçalves:

 

 

Premissa dessa modalidade de prisão em flagrante é que o agente já tenha deixado o local do crime, após a realização de atos executórios, e que seja perseguido. A lei esclarece que tal perseguição pode se dar por parte da autoridade (policiais civis ou militares), do ofendido (vítima) ou de qualquer outra pessoa – o que, aliás, tornaria desnecessária a menção aos demais. (RIOS e GONÇALVES, 2012, P. 360)

 

 

Mister esclarecer, a desnecessidade que a perseguição se dê no exato momento em que cessou o intento criminoso, pois, a expressão “logo após”, descrita no texto legal, abarca o tempo necessário, e.g., para que a polícia seja acionada, tomando conhecimento da situação, e saia a procura do criminoso.

Iniciada a perseguição, e sendo esta ininterrupta, a lei não estabelece qual o prazo máximo para que se efetive ou não a prisão do agente. Logo, o populismos de que a polícia teria apenas 24 horas para a efetivação da prisão, encontra-se totalmente equivocado, pois, o prazo de 24 horas previsto em lei, seria apenas para a lavratura do auto de prisão, conforme inteligência do art. 306, § 1° do Código de Processo Penal, e este, como cediço, só começa a contar após a prisão.

c)             Flagrante presumido, ou ficto, é a ultima espécie de flagrante arrimada pelo art. 302 do Código de Processo Penal. Nesta modalidade, conforme inciso IV, do citado artigo, o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papeis que façam presumir ser ele o autor da infração.

Mirabete diz que, “para a configuração da flagrância presumida nada mais exige do que estar o presumível delinquente na posse da coisa que o indigitem como autor de um delito acabado de cometer”.

Entrementes, há de se notar a sensível semelhança entre a expressão “logo após”, caracterizador a do flagrante impróprio, e “logo depois”, presente, como visto alhures, no flagrante presumido.

Apesar de parecidas, majoritariamente tem-se entendido que, logo após, determina uma relação, cronologicamente, mais próxima, e que, logo depois, seria uma expressão utilizada para indicação de tempo mais elástica.

Nesta linha de argumentação, estabelece Capez:

 

 

Temos assim que a expressão “acaba de cometê-la”, empregada no flagrante próprio, significa imediatamente após o conhecimento do crime; “logo após”, no flagrante impróprio, compreende um lapso temporal maior; e, finalmente, o “logo depois”, do flagrante presumido, engloba um espaço de tempo maior ainda. (CAPEZ, 2003, p. 320)

 

 

2.2. Da prisão preventiva

 

 

A prisão preventiva, é genuinamente uma prisão cautelar, ela tem por finalidade, conforme dicção do art. 312 do Diploma Processualista Penal,  a proteção da ordem pública, econômica, para garantir o regular curso das investigações criminais, ou assegurar a aplicação da lei penal.

Entretanto, para sua aplicação, necessário é a existência de prova de autoria e materialidade delitiva.

Não somente, as mudança trazidas pela Lei 12.403/2011 que alterou os dispositivos referentes a prisão do CPP, esculpida no brocado de que a prisão seria exceção da exceção, temos que, esta modalidade de prisão só será aplicado quando as outras medidas cautelares, presentes no art. 319 do CPP, não forem eficazes.

Ainda no campo de incidência, conforme inteligência do art. 313 do CPP, a prisão preventiva será cabível nos seguintes casos: I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

Por ultimo, termina o art. 313, em seu parágrafo único dizendo que também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

Não somente, como descrito alhures, estabelece o art. 312, parágrafo único, que sendo descumprida, por parte do agente, alguma medida cautelar, art. 319 do CPP, haverá, também a possibilidade do magistrado decretar a prisão preventiva.

 

 

2.3. Da prisão temporária

 

 

A última modalidade de prisão a ser analisada, será a prisão temporária. Esta prisão está regulamentada na Lei n° 7.960/89, sendo que, seu cabimento se dará, conforme consta no art. 1°, nos seguintes casos. Veja:

 

 

Art. 1° Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);

b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);

e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);

i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);

j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;

n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);

o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).

 

 

Salienta-se que, nesta modalidade de prisão, terá capacidade ativa, a Autoridade Policia, ou o Ministério Público que, diante da combinação dos incisos I ou II, juntamente com o inciso III do art. 1°, representará ao magistrado, requerendo a decretação da prisão.

A lei estabelece ainda que, esta prisão, terá duração de, no máximo 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período.

Não somente, a Lei n° 8072/90, ampliou o prazo da prisão temporária, quando, em seu art. 2°, estabeleceu que sendo o crime hediondo, o tempo de cárcere será de 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogável por igual período.

Sobre esta prisão, Aury Lopes Jr., em seu livro de direito processual penal, faz a seguinte crítica:

 

 

[...] não se pode perder de vista que se trata de uma prisão cautelar para satisfazer o interesse da polícia, pois, sob o manto da ‘imprescindibilidade para as investigações do inquérito’, o que se faz é permitir que a polícia disponha, como bem entender, do imputado. Inclusive, ao contrário da prisão preventiva, em que o sujeito passivo fica em estabelecimento prisional e, se a polícia quiser conduzi-lo para ser interrogado ou participar de algum ato de investigação, deverá necessariamente solicitar autorização para o juiz, a prisão temporária lhes dá plena autonomia, inclusive para que o detido fique preso na própria delegacia de polícia. Significa dizer que ele está 24h por dia à disposição de todo e qualquer tipo de pressão ou maus-tratos, especialmente das ardilosas promessas do estilo ‘confessa ou faz uma delação premiada que isso acaba’”. (LOPES JR., 2012, p. 899)

 

 

De forma inda mais contundente, Cirilo de Vargas afirma:

 

 

Na prática, durante dez dias (e se for crime hediondo, por até 60 dias!), o juiz está permitindo que um suspeito fique sujeito a toda sorte de maus-tratos. Maus-tratos, sim, porque, se não houvesse para a Polícia a necessidade deles, por que requerer a prisão? Preso, por ordem judicial, o cidadão está sujeito a suplícios que não deixam vestígios, sendo de valia nenhuma o exame médico para constatar violências. (VARGAS, 1992, p. 267)

 

 

E continua, “se todo o dia, sem exceção, a mulher do preso requerer ao juiz o exame médico do marido?” (VARGAS, 1992, p. 267)... Por certo, não denegaria.

 

 

3. DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

 

 

Segundo a Magna Carta, art. 5°, inciso LVII, “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado da sentença penal condenatória”.

Sobre o tema, leciona Capez:

 

 

O princípio da presunção de inocência desdobra-se em três aspectos: a) no momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, inverte-se o ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver dúvida; c) no curso do processo penal, como paradigma de tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual. (CAPEZ, 2003, 440)

 

 

É cediço, que este princípio remonta ao direito romano (escritos de Trajano), no entanto, sabe-se que, a idade média, com a chamada “Santíssima Inquisição”, seu conteúdo foi totalmente modificado, sendo que, a presunção de inocência, se converteu para a presunção de culpa. Aury Lopes Jr., lembra que no Direito Inquisitorial, Nicolas Eymerich, famoso inquisitor catalão orientava que “o suspeito que tem uma testemunha contra ele é torturado. Um boato e um depoimento constituem, juntos, uma semiprova e isso é suficiente para uma condenação” (LOPES JR, 2012, p. 237).

Em 1789, a Declaração Dos Direitos Do Homem, consagrou este princípio, quando no seu art. 9º, estabeleceu que,  “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”.

Em conseguinte, o princípio volta a sofrer represália no final do século XIX e XX, sendo chamado pelos fascistas da época de “estranho e absurdo extraído do empirismo francês”.

Aury Lopes Jr., escreve que:

Partindo de uma premissa absurda, MANZINI chegou a estabelecer uma equiparação entre os indícios que justificam a imputação e a prova da culpabilidade. O raciocínio era o seguinte: como a maior parte dos imputados resultavam ser culpados ao final do processo, não há o que se justifique a proteção e a presunção de inocência. Com base na doutrina de Manzini, o próprio Código Rocco de 1930 não consagrou a presunção de inocência, pois era vista como excesso de individualismo e garantismo. (LOPES JR., 2012, p. 238)

 

 

Atualmente, além do descrito alhures, a Declaração dos Direitos do Homem, de 1948, em seu art. 11 estabeleceu que, “toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumidamente inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

Segundo Borges, “o instituto jurídico da presunção de inocência impulsiona o agente de infração penal a esgotar os meios para a sustentação de sua defesa da forma mais ampla que a Constituição Federal lhe garante, através do devido processo legal e da amplitude da defesa” (BORGES, 2001, p. 43).

De fato, não se poderia pensar em presunção de inocência, sem que esta implicasse numa análise englobando todas as benesses trazidas pela lei, em especial, ao que concerne a prisão.

No mesmo esteio, a prisão deverá, sempre pautar pelo devido processo legal, pois do contrário, fatalmente se criaria uma insegurança jurídica.

Malgrado, necessário aprofundar a análise da prisão processual a luz do princípio da presunção de inocência.

 

 

4 – DA PRISÃO CAUTELAR E O CONFLITO COM O PRINCÍPIO DA PRESUNÇA DE INOCÊNCIA

 

 

4.1- Argumentos favoráveis

 

 

Sobre os argumentos favoráveis de que a prisão cautelar não infringe o princípio do estado de inocência, vários autores discorrem sobre o tema.

No entanto, o que norteia a idéia de cada um é que, o instituto da prisão e o referido princípio não se chocam, na medida em que, a própria Magna Carta aceita a prisão, na sua modalidade em flagrante, art. 5°, inciso LXI, e, nos casos de crimes que não admitem fiança, art. 5°, inciso XLIII da CF.

Lembra Capez que:

 

 

Somente poderá, no entanto, ser decretada quando preenchidos os requisitos da tutela cautelar (fumus boni iuris e periculum in mora). Neste sentido, dispõe o art. 312 do CPP que a prisão preventiva poderá ser decretada: a) para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal (periculum in mora) + b) quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria (fumus boni iuris). Não existe prisão preventiva obrigatória, pois, nesse caso, haveria uma execução antecipada da pena privativa de liberdade, violando o princípio do estado de inocência. Se o sujeito for preso sem necessidade de se acautelar o processo, tal prisão não seria processual, mas verdadeiramente antecipação da execução da pena, sem formação de culpa e sem julgamento definitivo. (CAPEZ, 2003, 543)

 

 

Prosseguindo, conclui Capez:

 

 

Nosso entendimento, portanto, é o de que a prisão preventiva, bem como todas as demais modalidades de prisão provisória, não afronta o princípio constitucional do estado de inocência, mas desde que a decisão seja fundamentada e estejam presentes os requisitos da tutela cautelar. (CAPEZ, 2003, p. 543)

 

 

No mesmo esteio, Alexandre de Morais, diz serem válidas as prisões cautelares. Veja:

 

 

A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continuam sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que, não obstante a presunção júris tantum de não-culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis. Dessa forma, permanecem válidas as prisões temporárias, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado. (MORAIS, 2012, p. 221)

 

 

De fato, não restam dúvidas de que a prisão cautelar, quando preenchidos todos os requisitos autorizadores, é constitucional. Não se pode perder de vista, o fato de que, em muitos crimes, em que a paz social se vê abalada, por exemplo, o não cárcere do réu se tornaria prejudicial à própria sociedade, ou até mesmo, ao indiciado.

Embora, concordemos que, as prisões cautelares muitas vezes não são justas no ponto de vista do réu, de certa forma, como descrito acima, estas tornam-se, necessárias, pois do contrário, a restaria prejudicada a própria persecução criminal.

 

 

4.2. Argumentos contrários

 

 

Em contra-senso com o sobredito, e aliado ao fato de que, a prisão seria um juízo antecipado, portanto, uma presunção de culpa, parcela da doutrina se posiciona contra a prisão cautelar.

Aury Lopes Jr., apesar de reconhecer que em alguns casos se faz necessária a prisão cautelar, faz duras críticas. In verbis:

 

 

No Brasil, as prisões cautelares estão excessivamente banalizadas, a ponto de primeiro se prender, para depois ir atrás do suporte probatório que legitime a medida. Ademais, está consagrado o absurdo primado das hipóteses sobre os fatos, pois se prende para investigar, quando, na verdade, primeiro se deveria investigar, diligenciar, para somente após prender, uma vez suficientemente demonstrados o fumus commissi delicti e o periculum libertatis. (LOPES JR., 2012, p. 821)

 

 

No mesmo esteio, Carnelutti leciona que:

 

 

[...] as exigências do processo penal são de tal natureza que induzem a colocar o imputado em uma situação absolutamente análoga ao de condenado. É necessário algo mais para advertir que a prisão do imputado, junto com sua submissão, tem, sem embargo, um elevado custo? O custo se paga, desgraçadamente em moeda justiça, quando o imputado, em lugar de culpado, é inocente, e já sofreu, como inocente, uma medida análoga à pena; não se esqueça de que, se a prisão ajuda a impedir que o imputado realize manobras desonestas para criar falsas provas ou para destruir provas verdadeiras, mais de uma vez prejudica a justiça, porque, ao contrário, lhe impossibilita de buscar e de proporcionar provas úteis para que o juiz conheça a verdade. A prisão preventiva do imputado se assemelha a um daqueles remédios heroicos que devem ser ministrados pelo médico com suma prudência, porque podem curar o enfermo, mas também pode ocasionar-lhe um mal mais grave; quiçá uma comparação eficaz se possa fazer com a anestesia, e sobretudo com a anestesia geral, a qual é um meio indispensável para o cirurgião, mas ah se este abusa dela!”. (CARNELUTTI, 1950, p. 202)

 

 

Verdade. A aplicação das prisões cautelares devem ser pautadas com o máximo de cuidado, pois, em especial, com a verdadeira falência do sistema prisional atual, onde, as cadeias estão superlotadas e, o princípio da humanidade encontra-se marginalizado, a prisão pode ocasionar mais danos que benefícios, ainda mais, quando não se tem um juízo de condenação definitivo.

Complementando, tem ainda o fato de haver poucos juízes para muita demanda processual. A celeridade processual no Brasil está longe de se encher os olhos. Inobstante, o sistema, muitas vezes expõe presos provisórios que teria o direito de permanecer em liberdade, seja porque os motivos autorizadores da prisão cessaram, ou em vários casos, se houvesse uma condenação, o tempo que permaneceria em cárcere já estaria cumprido; dependendo apenas de um remédio processual para se verem livres, permanecem presos, pois, o próprio estado não oferece defensores públicos a todos, restando ao preso, prejuízo irreparável.

Por fim, a própria alteração do art. 312 do CPP, ocorrida em 2011, banaliza, de certo modo, a aplicação, principalmente da prisão preventiva, vez que, deixa muito vasto um juízo cognitivo a par do magistrado, ao permitir a prisão para a “garantia da ordem pública ou da ordem econômica”.

Escrevendo sobre a prisão preventiva como garantia da ordem pública, Aury Lopes Jr., diz que:

 

 

Por ser um conceito vago, indeterminado, presta-se a qualquer senhor, diante de uma maleabilidade conceitual apavorante [...]. Não sem razão, por sua vagueza e abertura, é o fundamento preferido, até porque ninguém sabe ao certo o que quer dizer... Nessa linha, é recorrente a definição de risco para a ordem pública como sinônimo de “clamor público”, de crime que gera um abalo social, uma comoção na comunidade, que perturba a sua tranqüilidade. Alguns, fazendo uma confusão de conceitos ainda mais grosseiramente, invocam a “gravidade” ou a “brutalidade” do delito como fundamento da prisão preventiva. Também há quem recorra à “credibilidade das instituições” como fundamento legitimante da segregação, no sentido de que se não houver a prisão, o sistema de administração da justiça perderá a credibilidade. A prisão seria um antídoto para a omissão do Poder Judiciário, Polícia e Ministério Público. É prender para reafirmar a “crença” no aparelho estatal repressor. (LOPES JR., 2012, p. 854-855)

 

 

De fato, não se pode olvidar que as conquistas democráticas foram obtidas com muito suor e sangue de nossos antepassados. É totalmente dicotômico a falácia de que se tem que prender para que as instituições democráticas não percam a credibilidade.

Aliás, o Poder Judiciário tem papel de garantir a aplicação dos direito ditos fundamentais, e não, as se agarrar a entendimentos claramente inconstitucionais, a fim de segregar indivíduos. Neste sentido, Aury Lopes Júnior, citando a fala do Ministro Eros Graus prescreve:

 

 

[...] o combate à criminalidade é missão típica e privativa da administração (não do judiciário), seja através da polícia, como se lê nos incisos do artigo 144 da Constituição, quanto do Ministério Público, a quem compete, privativamente, promover a ação penal pública (artigo 129, I). (LOPES JR., 2012, p. 868)

 

 

No mesmo esteio, a possibilidade de aplicação da prisão preventiva a fim de evitar a reiteração de práticas delituosas não coaduna com o pensamento garantista. Aliás, a ideia do direito penal proteger uma futura reiteração delituosa é rechaçada por Aury Lopes Jr. Veja:

 

 

A prisão para garantia da ordem pública sob o argumento de “perigo de reiteração” bem reflete o anseio mítico por um direito penal do futuro, que nos proteja do que pode (ou não) vir a ocorrer. Nem o direito penal, menos ainda o processo, está legitimado à pseudotutela do futuro (que é aberto, indeterminado, imprevisível). Além de existir um periculosômetro (tomando emprestada a expressão de ZAFFARONI), é um argumento inquisitório, pois irrefutável. Como provar que amanhã, se permanecer solto, não cometerei um crime? Uma prova impossível de ser feita, tão impossível como a afirmação de que amanhã eu o praticarei. Trata-se de recusar o papel de juízes videntes, pois ainda não equiparam os foros brasileiros com bolas de cristal... (LOPES JR., 2012, p. 869)  

 

 

De igual modo, a prisão preventiva para a garantia da ordem econômica é inconstitucional, na medida que, como a anterior, o conceito não é impreciso.

No mesmo esteio, acreditamos que a aplicação da lei penal deve ser de forma vinculada, principalmente quando o assunto é a segregação, e não, de forma discricionária, como quer parte do caput do art. 312 do CPP.

Por fim, no que tange a prisão temporária, esta é, como sabido, uma lei inconstitucional, haja vista que, sua criação, se deu através de Medida Provisória (MP n° 111, de 24 de novembro de 1989), logo, considerando, conforme dicção do art. 62, § 1°, inciso I, alínea “b”, não poderia existir.

Diga-se também que, embora tenha sido convertida em lei, seu vício na origem não pode ser sanado, sendo, portanto, inconstitucional.

 

 

CONCLUSÃO

 

 

Após este estudo, conclui-se que, as prisões cautelares, em partes são constitucionais.

A prisão em flagrante, realizada nos moldes do art. 302 do Código de Processo Penal, encontra-se plenamente de acordo com o estabelecido no art. 5°, inciso LXI da Constituição.

Já a prisão preventiva, como descrito anteriormente, fundamentada sob o paradoxo de garantia da ordem pública ou da ordem econômica, não poderia existir, haja vista que, a lei processual penal deveria descrever claramente quando ocorreria tal situação, e não, deixar a encargo de um juízo cognitivo dos magistrados.

Quanto à prisão para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, ao nosso ver, é totalmente Constitucional, e revela-se verdadeiramente uma prisão cautelar, de modo assegurar, nos casos em que o réu tenta se furtar a aplicação da persecução criminal, a aplicação das normas penais.

No mesmo esteio, descumprindo o réu as medidas cautelares diversas da prisão, a aplicação da prisão preventiva é totalmente válida, pois, demonstra um claro indício de que o celerado poderá se esquivar de eventual condenação.

Por fim, quanto à prisão temporária, esta é, como descrito alhures, inconstitucional desde a origem.

Neste norte, prender alguém sob o argumento de ser imprescindível para as investigações, como quer com a prisão temporária, revela-se contrário ao princípio da presunção de inocência, na medida que, a prova de culpa é incumbência do próprio estado, e não, do acusado.

Logo, a polícia que deve buscar meios para provar a culpabilidade do agente, não devendo os magistrados, colocar em cárcere o indivíduo para que isso ocorra.

Assim, denota-se que para aplicar as medidas cautelares, deve o magistrado analisar se estas são verdadeiramente cabíveis, não se furtando a banalizar, como vemos atualmente, sua aplicação.

Cremos que o Legislativo deve especificar com exatidão as hipóteses para aplicação da prisão preventiva, sob pena de termos, com se tem havido, um cumprimento de pena antecipado, sendo esta incompatível com o princípio da presunção de inocência

Conclui-se por fim, que as prisões cautelares, devem ser utilizadas como derradeira e ultima alternativa, e não ao alvedrio do que se tem aplicado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

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