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ATIVISMO JUDICIAL E TUTELA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


Autoria:

Rayane De Almeida Filgueira


Advogada. Graduada pela Faculdade Paraíso do Ceará - FAP. Pós Graduanda em Direito Constitucional pela Universidade Regional do Cariri - URCA.

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Texto enviado ao JurisWay em 17/03/2015.



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O advento de direitos sociais encontra arrimo na reinvindicação de grupos da sociedade abrangendo temas como saúde, trabalho, educação, moradia, previdência social, dentre outros. Os meios de instrumentalização dos referidos direitos são eleitos pelo legislador e realizados pelo Administrador, normalmente, como promoção da dignidade humana.

Entretanto, nem sempre o Estado, por meio dessas vias, consegue materializar os direitos sociais deduzidos em normas programáticas – de conteúdo aberto e vago, por meio de políticas públicas, especialmente em países em via de desenvolvimento. Tal fato reclama uma pronta ação do Judiciário.

Argumentando, com apoio na lição de Andreas J. Krell (2002, p. 70), quanto menor o nível de coordenação e atuação da sociedade para participar e influenciar na gênese da vontade política, como é o caso brasileiro, maior é a responsabilidade judicial em relação à efetivação e ao implemento das normas constitucionais, notadamente as que possuem uma alta carga valorativa e ideológica.

Segundo preleciona Daniel Sarmento (2010, p. 394-405), a oposição democrática à assistência judicial dos direitos sociais pode ser afastada com base em três argumentos: (I) o notório déficit democrático das próprias instituições representativas; (II) a adequada compreensão sobre o significado da democracia; (III) a natureza normativa da Constituição.

Pode-se dizer, agora com resguardo na doutrina de Cláudio Pereira de Souza Neto (2010, p. 517-519), que, dependendo do grau de confiança que a saciedade tem em relação aos juízes, a atuação judicial pode observar um modelo “particularista” ou “formalista”.

Por particularista, entende-se a atuação propensa a lançar decisões mais justas, criadas a partir de princípios, valendo-se da ideia de que o juiz considera peculiaridades que o legislador não foi capaz de prever ao editar normas gerais e abstratas. No segundo caso há uma maior segurança jurídica e diminuição da discricionariedade do juiz, que atuaria mediante interpretações normativamente autorizadas. Num caso fático onde houvesse comandos normativos tanto para justificar a abstenção do judiciário, quanto para autorizar sua atuação, o juiz atuaria mediante uma decisão política, a fim da efetivação dos direitos sociais, sem afetar os princípios democráticos e separação dos poderes.

Essa mencionada atividade política dos juízes tem sua legitimidade questionada reiteradamente. Em especial, duas correntes, díssonas, expõem-se: o procedimentalismo e o substancialismo.

O procedimentalismo questiona os limites axiológicos da Constituição, criticando a incursão da política e da sociedade pelo Direito. Argumenta que o desempenho do Judiciário necessita de representação democrática. Assevera que a interpretação constitucional deve sempre primar por um processo democrático de elaboração, traduzindo as expectativas dos cidadãos, que devem compreender seus problemas e a melhor maneira de superá-los através do processo político. Nessa esteira, o controle de constitucionalidade não estaria apto a tratar de mérito substantivo, somente de questões de participação (John Hart, 2010, p.243).

Assim, como sustenta Habermas (2003, vol. I, p. 330-354), o Tribunal Constitucional não precisa ser um guardião de valores substanciais, deve ficar adstrito à empreitada de compreender procedimentalmente a Constituição, ou seja, deve circunscrever-se a resguardar um processo de criação democrática do direito.

Eduardo Cambi (2009, p. 285) vislumbra que essa democracia concebida pelos procedimentalistas é incompatível com a sociedade brasileira, na qual grande parcela da população padece pela falta de direitos sociais básicos, não estando preparada para o pleno exercício da cidadania.

Insurge-se contra esse pensamento a corrente substancialista, que pondera, acertadamente, que a promoção política e científica da Constituição a conduziu ao cerne no sistema jurídico, dotando-a de supremacia formal e material. Assim, a Constituição, além de servir de parâmetro de validade, realiza a função de filtragem constitucional de todas as normas do sistema. Essa corrente parte do pressuposto de que o judiciário deve ostentar uma postura intervencionista, a fim de garantir os direitos fundamentais, alicerces da ordem jurídica.

Neste trabalho, optou-se por uma posição de equilíbrio entre essas duas correntes, ou seja, entre o formalismo e o arbítrio judicial. Devem ser reverenciados os processos de criação do direito pelo exercício da democracia representativa, porém, compete ao Judiciário, nos limites dos enunciados normativos, consolidar a Constituição, em caráter excepcional, se houver ações ou omissões inconstitucionais por parte dos representantes populares.

Deve-se atentar para o fato de que no Brasil a constituição disciplina meios e fins hábeis a suplantar as desigualdades regionais (art. 3º da CF/88), assumindo uma feição dirigente, estabelecendo balizes de atuação política, ampliando os espaços de cidadania.

Na esteira do que preleciona Gustavo Binenbojm (, 2010, p. 118), os direitos fundamentais, vistos como esteios da democracia, devem “[...] ficar à margem das disputas políticas, sob a proteção de um órgão independente e capaz de subordinar os demais poderes à autoridade moral e intelectual de suas decisões”, que consecutivamente se refreia à crítica intersubjetiva, seja pela via recursal, pela imprensa, ou por qualquer cidadão.

Finalizando, pontua  Marcelo Neves (2006, p.212) que, perante a complexidade da sociedade contemporânea é natural o questionamento sobre o conteúdo das decisões normativas, a despeito do consenso sobre as normas procedimentais. Para que não haja ilegitimidade, a decisão normativa deve se fundar em bases constitucionais, inclusive no âmbito do STF[1], que deve buscar um consenso ético, fundado em valores compartilhados.

 

           Ativismo Judicial e Políticas Públicas

O papel do Judiciário no controle das omissões dos demais poderes tem se intensificado bastante, exigindo-se deste, inclusive, uma atuação ativa em busca de suprir tais omissões, principalmente quando se está diante de direitos fundamentais sociais.

É complexa a tarefa de conceituar precisamente o que sejam políticas públicas, mas, pode-se dizer que são essencialmente ações e programas estatais que miram atender às necessidades coletivas. A doutrinadora Maria Garcia (1996, p. 65-66) alega que as políticas públicas são diretrizes, princípios, metas coletivas que objetivam direcionar a atividade estatal em prol do interesse público. Para Maria Paula Dallari Bucci (2002, p. 241), as “políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”. Independentemente da definição que se afilie, não há dúvidas de que as políticas públicas são imprescindíveis para a efetivação dos direitos fundamentais sociais.

O controle judicial de políticas públicas é tema que sempre foi debatido nos cenários políticos das mais diversas partes do globo. Como não poderia deixar de ser, também reservamos um pequeno espaço do trabalho para essa breve discussão.

A priori, a implementação de políticas públicas cabe aos Poderes Legislativo e Executivo que deliberam acerca da aplicação de recursos orçamentários e, a partir desse direcionamento, a execução de programas sociais, respectivamente.

Pois bem, a aplicação dos recursos orçamentários e a execução dos projetos sociais prescindem a tomada de decisões políticas. Boa parte da doutrina aponta que a legitimidade dessas escolhas cabe ao Legislativo e Executivo. Assim, o Judiciário carece de tal legitimidade, pois não é composto de membros eleitos, mas de ingresso através de concurso público ou desígnio da autoridade política.

Filiamo-nos ao entendimento de Cláudio Pereira de Souza Neto (2003, p. 58) quando afirma que na perspectiva democrático-deliberativa - onde os direitos sociais seriam condições da democracia, só existindo esta em um contexto de igualdade material razoável - o Judiciário teria legitimidade para materializar os direitos sociais básicos, independentemente de decisões majoritárias. Também faz uma anotação interessante, asseverando que se o Judiciário tem legitimidade para invalidar leis que julgue inconstitucionais, não haveria problema em se conhecer legitimidade ao mesmo para interferir diante a inércia dos demais poderes:

Se o Poder Judiciário tem legitimidade para invalidar normas produzidas pelo Poder Legislativo, mais facilmente pode se afirmar que é igualmente legítimo para agir diante da inércia dos demais poderes, quando essa inércia implicar um óbice ao funcionamento regular da vida democrática. Vale dizer: a concretização judicial de direitos sociais fundamentais, independentemente de mediação legislativa, é umminus em relação ao controle de constitucionalidade (Idem, p. 45).

Deste modo, quando o Estado falha em prover o mínimo necessário a existência digna, inviabilizando a efetivação dos direitos sociais, cabe ao Poder Judiciário intervir com o fito de garantir a aplicabilidade do direito, podendo até interferir no processo de implementação de políticas públicas, constrangendo o Estado a, por exemplo, fazer matrículas em escolas, garantir leitos hospitalares, resguardando a dignidade humana.

O ativismo judicial é indispensável para que os direitos sociais sejam, de fato, respeitados pelo Estado, não devendo o juiz ser um mero personagem do processo de transformação social, mas sim corresponsável no implemento de políticas públicas quando haja omissão estatal. Segundo Dirley da Cunha Júnior (2004, p. 352-353, grifos nossos):

“[...] O Juiz, no Estado Social da sociedade de massas, deve assumir novas responsabilidades e aceitar a nova missão de interventor e criador das soluções reclamadas pelas novas demandas sociais, tornando-se co-responsável pela promoção de interesses finalizados por objetivos socioeconômicos. Do contrário, mostrando-se incapaz de garantir a efetividade dos direitos fundamentais, máxime dos direitos sociais, na prática caba sendo conivente com sua sistemática violação.[...] Noutras palavras, quando os órgãos de direção política (Legislativo e Executivo) falham ou se omitem na implementação de políticas públicas destinadas à efetivação dos direitos sociais, cumpre ao Poder Judiciário – co-responsável no processo de construção da sociedade do bem-estar – adotar uma posição ativa e dinâmica na realização das finalidades do Estado Social, desenvolvendo e efetivando diretamente os preceitos constitucionais definidores desses direitos sociais”.

Ressalte-se há parte da doutrina brasileira que combate um maior controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário, baseados em teorias Alemãs, os quais defendem que os direitos sociais não ensejariam direitos subjetivos a prestações, estando limitados à reserva do possível.

Nesse contexto, é conveniente citar as ponderações do alemão Andreas Joachim Krell (2002, p. 108-109, grifos nossos) – que vive no Brasil desde 1993 - sobre a problemática da inclusão no direito brasileiro de institutos e posicionamentos jurídicos construídos no direito comparado, muitas vezes afastados da realidade brasileira:

“Devemos nos lembrar também que os integrantes do sistema jurídico alemão não desenvolveram seus posicionamentos para com os direitos sociais num Estado de permanente crise social e milhões de cidadãos socialmente excluídos. Na Alemanha – como nos outros países centrais – não há um grande contingente de pessoas que não acham uma vaga nos hospitais mal equipados da rede pública; não há a necessidade de organizar a produção e distribuição da alimentação básica a milhões de indivíduos para evitar sua subnutrição ou morte; não há altos números de crianças e jovens fora da escola; não há pessoas que não conseguem sobreviver fisicamente com o montante pecuniário de “assistência social” que recebem, etc. Temos certeza de que quase todos os doutrinadores do Direito Constitucional alemão, se fossem inseridos na mesma situação socioeconômica de exclusão social com a falta das condições mínimas de uma existência digna para uma boa parte do povo, passariam a exigir com veemência a interferência do Poder Judiciário, visto que este é obrigado de agir onde os outros Poderes não cumprem as exigências básicas da constituição (direito à vida, dignidade humana, Estado Social)”.

É importante também ressaltar que a intervenção do Poder Judiciário em questões de políticas públicas, controlando a omissão estatal a favor da realização dos direitos sociais, não viola o princípio da separação dos poderes[2]. A separação dos poderes não pode importar em limites à proteção dos direitos sociais, do mesmo modo fundamentais.

É correto que o Legislativo e o Executivo apresentam a função ordinária de formular e de implementar políticas públicas que atendam os direitos fundamentais sociais, no entanto, quando esses poderes políticos se omitem ou são insuficientes na consecução dessas políticas públicas, não há que se buscar uma intervenção legítima do Poder Judiciário.

Vale lembrar que, na ADPF nº 45(STF – ADPF nº 45 MC/DF, Relator: Ministro Celso de Mello, Diário da Justiça da União, 04 maio 2004.) o Ministro Celso de Mello destacou que o Judiciário poderá intervir em políticas públicas:

“Não obstante a formulação e” a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado”.

Logo, caberá ao Judiciário interferir em caso de omissão injustificada do poder público, ainda que para isso tenha que viabilizar políticas públicas. Este ativismo judicial, na busca da concretização dos direitos fundamentais sociais, aumenta consideravelmente sua carga perante à sociedade que, diante de uma omissão por parte do Estado, muitas vezes localiza naquele Poder o único meio de obter a prestação material que pode, inclusive, ser forçoso para a própria sobrevivência.

Como visto, a postura proativa do poder judiciário, buscando tutelar direitos, a exemplo do direito a saúde – principal foco deste trabalho, influi diretamente nas esferas dos poderes legislativo e executivo. Entretanto, o ativismo e a judicialização de questões relacionadas à saúde possui duas faces. O Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, Renato Mimessi, analisou que alguns gestores têm se aproveitado dos ditames judiciais para burlar os procedimentos licitatórios, advertindo que “A interferência do Judiciário, nestes casos, não está beneficiando a cidadania, mas concorrendo para agravar o problema da desorganização no setor de Saúde”.

No tocante à intervenção do Judiciário frente às políticas públicas relacionadas à saúde, Barroso adverte que:

As políticas públicas de saúde devem seguir a diretriz de reduzir as desigualdades econômicas e sociais. Contudo, quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implementação dessas políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à Justiça, seja por conhecerem seus direitos, seja por poderem arcar com os custos do processo judicial.

 

Para este autor, há ainda que se avaliar que “o excesso de judicialização das decisões políticas pode levar a não realização prática da Constituição Federal”, tendo em vista o engessamento dos outros poderes e o desequilíbrio funcional dos órgãos atingidos por decisões judiciais que afetam sua atuação.

Analisando estas e outras questões acerca do ativismo judicial Luís Roberto Barroso conclui que:

(...) o Judiciário é o guardião da Constituição e deve fazê-la valer, em nome dos direitos fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos, inclusive em face dos outros Poderes. Eventual atuação contra majoritária, nessas hipóteses, se dará a favor, e não contra a democracia.

 

            Destarte, vislumbra-se que a tutela judicial dos direitos fundamentais, em detrimento dos poderes legislativo e executivo, pode gerar prejuízos ao desempenho das políticas públicas, contudo não constitui afronta aos princípios democráticos, bem como não se pode constituir em prejuízo para a afirmação destes valores perante a sociedade. Do contrário, apresenta-se como solução frente à omissão dos Poderes Legislativo e Executivo, na efetivação de direitos fundamentais, através da implementação de políticas públicas.


Judicialização da Política e Politização da Justiça

O tema descrito acima vem ganhando bastante notoriedade nos últimos dez anos no Brasil. O Supremo Tribunal Federal, frente à ordem de acontecimentos que ocasionaram transformações na jurisdição constitucional, encontra-se em um estágio de sua magistratura talvez não conhecido pelos clássicos do direito constitucional pátrio. É que, recentemente, a Corte enfrenta uma sucessão de casos que demandam, como nunca antes, um “atravessar de fronteiras” do papel judicial rumo às questões “essencialmente” não jurídicas, ou pelo menos, condizentes com a moral, o poder e mesmo com a justiça.

Não há que se confundir ativismo judicial com judicialização, como bem esclarece o constitucionalista Luís Roberto Barroso (2009), a judicialização significa que importantes questões políticas e sociais estão sendo decididas pelo Judiciário e não pelo Legislativo e Executivo. No Brasil, a judicialização tem como principais causas, a redemocratização do, a constitucionalização abrangente e o sistema de controle de constitucionalidade. Fatores esses já apresentados anteriormente.

Então, a judicialização no Brasil é um fato que decorre do modelo constitucional vigente e não da vontade do Judiciário. Já o ativismo judicial é uma atitude do intérprete, importando numa crescente interferência no espaço destinado aos Poderes Legislativo e Executivo, como ocorre na determinação de condutas ao Estado, em matéria de políticas públicas.

A teoria da judicialização da política propõe que o Poder Judiciário vem assumindo funções que antes cabiam fundamentalmente aos poderes executivo e legislativo, como a recepção e catalisação de demandas sociais. A positivação dos chamados direitos sociais, como educação, saúde, trabalho, moradia entre outros, fez com que este poder se tornasse o guardião de interesses coletivos, inclusive quando ameaçados pelo próprio Estado, bastando ao cidadão acioná-lo quando necessário.

Um dos pressupostos dessa concepção é que, uma vez estando os direitos sociais assegurados pelas normas jurídicas, sua aplicação deverá ser automática, bastando ao judiciário aplicar as normas vigentes de forma mais isenta e técnica possível. Isto é, não é necessário exercer nenhum tipo de pressão social para a aplicação dos direitos sociais, uma vez que este está garantido pela letra da lei.

Entretanto, verifica-se que a simples inclusão no rol dos direitos fundamentais na legislação não serviu como um fator determinante nas mudanças sociais, e nem mesmo propiciou uma maior inclinação do judiciário em favor dos desfavorecidos.

O fato é que este contexto tem feito do judiciário um alvo de reivindicações que muitas vezes fogem ao seu âmbito “técnico”, entrando no campo da política, quando é acionado para o atendimento a demandas sociais. Dessa forma, grupos afetados por políticas públicas ou ações privadas buscam por meio da ação coletiva de mobilização na esfera pública, ações de visibilidade que possam tematizar e problematizar determinadas questões de modo a fazer prevalecer seus interesses. Assim, a mobilização dos agentes envolvidos funciona como uma variável determinante na decisão judicial. A verificação desse fenômeno sugere que embora o judiciário possa muitas vezes substituir o legislativo, e até mesmo, o executivo, no fenômeno que já ficou conhecido como judicialização da política, também a política pode ser determinante nas decisões judiciais, provocando um fenômeno oposto: a politização da justiça.

Neste caso, politização da justiça não significa que a justiça esteja submetida a interesses políticos, mas sim, que a justiça é sensível às pressões da sociedade manifestadas através de ações coletivas e políticas.

O foco dos movimentos sociais tem se voltado para o Poder Judiciário. Isto porque várias de suas reivindicações integram os chamados “direitos sociais”, descritos no artigo 6º da constituição, como a saúde, por exemplo. A inclusão dos diretos sociais na Constituição brasileira, a exemplo de outros países, aponta para uma tendência surgida no pós-guerra, na Europa Ocidental, de ampliar a agenda da igualdade, transformando determinadas expectativas em direitos. (Werneck Vianna, 1999)

Assim, demandas criadas e colocadas em pauta na esfera pública encontram amparo na legislação, fazendo do sistema jurídico um meio para garantir o seu provimento. Dessa forma, os magistrados vêm se tornando “guardiões” das expectativas de justiça, já que, em torno do Poder Judiciário, vem se formando uma nova arena pública, onde procedimentos políticos de mediação cedem lugar aos judiciais, expondo este poder a uma interpelação direta de indivíduos e grupos sociais.

Werneck Vianna (1999) destaca que em torno do Poder Judiciário tem se formado uma nova arena pública, como uma alternativa para a solução de conflitos coletivos. Neste contexto, cabe aqui retomar o debate entre procedimentalistas (Jungen Habermas e Antoine Garapon) e substancialistas (Mauro Cappelletti e Ronald Dworkin) que avaliam o fenômeno de forma bem diferente[3]. Enquanto a vertente procedimentalista mostra-se bastante crítica com relação à judicialização, por considerá-la desmobilizadora, propiciando uma postura de cidadania passiva, os substancialistas a defendem por compreenderem que tal fenômeno possibilita a realização de um ideal de justiça social baseados em princípios e valores construídos histórica e socialmente.

Habermas, por seu turno, focaliza seu argumento na defesa dos procedimentos democráticos de formação da vontade. Defende, portanto, a existência de uma ordem constitucional que os garanta, ao invés de apresentar normas de conteúdo substantivo com base em princípios. Em sua concepção, o conteúdo do direito deve fazer parte de uma construção intersubjetiva, no processo de formação da vontade, sob a salvaguarda dos procedimentos garantidores da formação. Este papel não cabe, portanto, ao intérprete da lei (juiz) que, agindo assim, fere os procedimentos democráticos de formação da vontade.

Por outro lado, autores como Cappelletti e Dworkin entendem que as novas relações entre direito e política, pautadas por meio de criação jurisprudencial do direito estariam favorecendo a realização da agenda igualitária. Pertencem a um viés pragmático, valorizando o ativismo judicial, sustentando a criação jurisprudencial do direito, fundamentada na primazia da Constituição, documento no qual se declaram os direitos e liberdades fundamentais.

O paradigma de Dworkin é o da ação de Hércules, “protetor das minorias contra as injustiças praticadas pelas maiorias.” (Werneck Viana, 1999: 35) Encara o direito como um conjunto indivisível dos princípios e valores que se encontram sedimentados historicamente e compartilhados socialmente. Dessa forma, estes autores depositam no Poder Judiciário a tarefa de criação do direito com base na interpretação do conteúdo substantivo presente nos textos constitucionais e nos princípios que representam valores socialmente construídos enraizados num forte ideal de justiça.

Como vimos, o debate sobre a judicialização da política envolve posições divergentes com relação ao seu impacto sobre os movimentos sociais e a sociedade civil e sobre a democracia representativa. Há aqueles que acreditam no seu aspecto desmobilizante, na transformação do cidadão numa espécie de cliente que ao invés de se mobilizar e atuar na esfera pública, visando alcançar uma sociedade mais justa, prefere recorrer à justiça e esperar passivamente por sua decisão.

Há, por outro lado, os que acreditam que uma constituição baseada em princípios de justiça social serve como ferramenta de mobilização.

Nossa linha de investigação não sugere que o papel do cidadão é o de cliente do judiciário, ao contrário, o processo judicial é apenas uma das suas ferramentas e a mobilização política pode influenciar decisivamente o caráter da decisão judicial. No estudo em tela o objetivo é demonstrar que as decisões devem caminhar no sentido de promover o direito à saúde, até mesmo quando o mesmo se encontra em confronto com outros direitos igualmente amparados pela Constituição.

De certa forma, assim, os próprios movimentos sociais contribuem para tornar as decisões do judiciário mais políticas do que técnicas. A visão de uma justiça neutra não é reiterada e nem mesmo almejada. O objetivo é fazer suas demandas chegarem ao núcleo das decisões, influenciando o campo de lutas que se materializa também na justiça.

 

 



[1]Na lição de Álvaro Ricardo de Souza Cruz, “ao Supremo recomenda-se humildade. É preciso frisar: ele não é o guardião da Constituição. Ele deve ver-se como um de seus guardiões, e estar consciente desta condição. Dialogar, perguntar, indagar, colocar de público suas dúvidas, certamente possibilitará decisões muito mais legítimas e acatadas por todo o Judiciário e pela sociedade brasileira” (Jurisdição constitucional democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 449).

[2]A Constituição Federal de 1988 acolhe expressamente a separação dos poderes (art. 2º), prevendo a independência e harmonia que deve existir entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Esta Constituição não adota uma separação rígida dos poderes, ou seja, não há funções exclusivas, mas sim preponderantes, e, então, cada Poder possui funções típicas e atípicas, por exemplo, o Judiciário tem a função típica de julgar e funções atípicas de elaborar seu regimento interno (legislar) e organizar seus órgãos e servidores (administrar). Vale citar, ainda, que a Constituição prevê um controle recíproco entre os Poderes, por exemplo: quando o Judiciário controla a constitucionalidade das leis; quando o Executivo veta um determinado projeto de lei; quando o Legislativo fiscaliza sob o aspecto financeiro, contábil, os atos dos outros poderes.

 

[3] Debate presente na Teoria do Direito, especialmente na Teoria Constitucional, onde os procedimentalistas defendem que a Constituição deve se ocupar das normas que garantem as condições do procedimento democrático as quais permitem que a qualquer momento um determinado tema possa ser debatido na esfera pública de modo a atingir as instâncias deliberativas. Os substancialistas, por seu turno, entendem que a Constituição é guardiã de valores construídos socialmente e, por isso, o intérprete da lei deve agir pautado por estes valores que devem ser considerados em suas decisões. (Souza Neto, 2006)

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