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Servir bebidas alcoólicas a Menores de 18 anos: Deficiência de técnica legislativa e ofensa ao princípio da Taxatividade


Autoria:

Jeferson Botelho


Jeferson Botelho Pereira é ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais. Delegado Geral de Polícia, aposentado. Mestre em Ciência das Religiões; Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Especialização em Combate a Corrupção, Crime Organizado e Antiterrorismo pela Universidade de Salamanca - Espanha. Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG. Autor de livros. Palestrante. Jurista. Advogado Criminalista. Membro da Academia de Letras de Teófilo Otoni-MG.

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Resumo:

Todo assunto que envolve Direito Penal sempre tem a potencialidade de causar e promover acirradas discussões jurídicas. Como se sabe, uma das funções da lei penal é proteger os bens jurídicos mais importantes da sociedade.

Texto enviado ao JurisWay em 01/03/2015.

Última edição/atualização em 20/03/2015.



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Servir bebidas alcoólicas a Menores de 18 anos

 Deficiência de técnica legislativa e ofensa ao princípio da Taxatividade

 

                                                                                                               Professor Jeferson Botelho.

  

Todo assunto que envolve Direito Penal sempre tem a potencialidade de causar e promover acirradas discussões jurídicas. Como se sabe, uma das funções da lei penal é proteger os bens jurídicos mais importantes da sociedade.

Essa proteção às vezes ocorre com a incriminalização de condutas nocivas, ultrajantes sociais, realizadas, geralmente, por meio de uma seleção de bens essenciais, e de interesses da comunidade.

Quando um fato é elevado à categoria de crime, é imperativo e necessário seguir alguns passos de garantia, como clareza, objetividade e concisão no tocante a definição dos tipos penais.

Um assunto que sempre causou acaloradas discussões na doutrina foi o fato de servir ou vender bebidas alcoólicas a menores de 18(dezoito) anos de idade.

A Lei de Contravenções Penais, que na verdade trata-se do Decreto-Lei nº 3.688/41, tipifica a conduta contravencional de servir bebidas alcoólicas a menor de dezoito anos, a quem se acha em estado de embriaguez, a pessoa que o agente sabe sofrer das faculdades mentais e a pessoa que o agente sabe estar judicialmente proibida de frequentar lugares onde se consome bebidas de tal natureza, conforme preceitua o artigo 63 da LCP,

Art. 63. Servir bebidas alcoólicas:

I – a menor de dezoito anos;

II – a quem se acha em estado de embriaguez;

III – a pessoa que o agente sabe sofrer das faculdades mentais;

IV – a pessoa que o agente sabe estar judicialmente proibida de frequentar lugares onde se consome bebida de tal natureza:

Pena – prisão simples, de dois meses a um ano, ou multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis.

 

Em 1990 foi publicado o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, criando várias espécies de crimes, a partir do artigo 228, sendo atualmente 23 figuras criminosas, isto em função da revogação do artigo 233 pela Lei de Tortura, nº 9.455/97, e criação de outros crimes ao longo do tempo.

Um dos crimes chamou a atenção da doutrina, o tipificado no artigo 243, com nova redação determinada pela Lei nº 10.764, de 12 de novembro de 2003, consistente de vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida, prevendo no preceito secundário uma pena de detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.  

A partir de então passou a entender que o fato de servir bebidas alcoólicas ou cigarros a crianças e adolescentes deveria ser disciplinado pelo artigo 243 do ECA, sob argumento de que a bebida alcoólica ou o cigarro possui componentes capazes de causar dependência física ou psíquica.

Assim, o artigo 243 do ECA trouxe um tipo penal de conteúdo misto alternativo, também chamado doutrinariamente de conduta de ação múltipla, consubstanciado pelos verbos vender, fornecer, ministrar ou entregar a crianças ou adolescentes produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica.

Mas as decisões eram conflitantes pelos Tribunais do Brasil afora. Alguns julgados de Tribunais Superiores entendiam que a conduta de fornecer a criança ou adolescente adequava-se perfeitamente à descrição típica do artigo 243, enfatizando que tal delito é de mera conduta (crime de perigo abstrato), sem a exigência de resultado naturalístico — que exigiria comprovação da dependência provocada no menor em razão da conduta do infrator.

Em contrapartida, existiam outras decisões entendendo que o fato de vender bebidas alcoólicas ou cigarros a crianças e adolescentes não configuravam crimes.

E assim, formou-se uma enorme confusão na doutrina e na jurisprudência, com graves prejuízos para a segurança jurídica que deve nortear as decisões da justiça.

Senão vejamos:

...a venda de bebida alcoólica a menor de dezoito anos guarda relevância penal (cf. art. 63, inc. I, da Lei de Contravenções Penais). Mas não se constitui em infração administrativa, na órbita do Estatuto da Criança e do Adolescente, apesar da proibição inscrita no seu artigo 81, inciso I” (Apelação Cível nº 29.239-0/2, da comarca de Amparo).

 

“Venda de bebida alcoólica a menores. Fato comprovado. Imputação conforme o artigo 243, do estatuto da criança e do adolescente. Desclassificação para modalidade contravencional. Possibilidade. Condenação adequada. O fato de vender bebida alcoólica a menores, que dela fazem uso, subsume-se no artigo 63, I, da Lei das Contravenções Penais, que não foi revogado pelo art. 243 da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente)” (Apelação Criminal 43.571-8, Nova Fátima, Apte: Denilson Cardoso – Apdo: Ministério Público – Rel: Juiz Moacir Guimarães).

Ainda como norma de reforço preventivo, o legislador previu no artigo 81 da Lei nº 8.069/90, relação de algumas substâncias, cuja venda é proibida a crianças e adolescentes, in verbis:

Art. 81. É proibida a venda à criança ou ao adolescente de:

I - armas, munições e explosivos;

II - bebidas alcoólicas;

III - produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica ainda que por utilização indevida;

IV - fogos de estampido e de artifício, exceto aqueles que pelo seu reduzido potencial sejam incapazes de provocar qualquer dano físico em caso de utilização indevida;

V - revistas e publicações a que alude o art. 78;

VI - bilhetes lotéricos e equivalentes.

 

Também é verdade que a norma proibitiva administrativa se refere tão somente a venda dessas substâncias, não se enquadrando na proibição o fato de fornecer, ministrar ou entregar tais produtos a criança ou adolescente.

Quem sustenta a criminalização de quem vende, fornece, ministra ou entrega a crianças ou adolescentes bebidas alcoólicas, entende que não obstante ter o legislador inserido no texto contido no inciso II, do artigo 81 da Lei nº 8.069/90, que trata especificamente da bebida alcoólica, não afasta a sua aplicação, posto que citada regra refere-se a normas de prevenção, ao contrário do artigo 243 do ECA que vem previsto na seção referente aos crimes em espécie.

É bem verdade que a confusão foi formada em detrimento da segurança jurídica das decisões judiciais.

Visando estancar com toda essa insegurança jurídica, a Câmara dos Deputados aprovou, recentemente, Projeto de Lei do Senado nº 5502/2013, que tipifica como crime a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos.

O projeto prevê pena de detenção de dois a quatro anos, além de pagamento de multas.

Assim, o projeto aprovado altera o Estatuto da Criança e do Adolescente para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes posam causar dependência física ou psíquica.

A nova modificação também estabelece medida administrativa de interdição do estabelecimento comercial e recolhimento de multa.

 

Desta feita, o Ofício nº 1064, de 02 de maio de 2013, encaminhou matéria para revisão da Câmara dos Deputados, nos termos do art. 65 da Constituição Federal, o Projeto de Lei do Senado nº 508, de 2011, de autoria do Senador Humberto Costa, constante dos autógrafos em anexo, que “Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou adolescente; e revoga o inciso I do art. 63 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais)”.

Destarte, o texto altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou adolescente; e revoga o inciso I do art. 63 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).

 

A nova construção típica ficou assim desenhada:

 

"Art. 1º O art. 243 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), passa a vigorar com a seguinte redação:

 

“Art. 243. Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica:

Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.” (NR)

 

Art. 2º A Lei nº 8.069, de 1990, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 258-C: “Art. 258-C. Descumprir a proibição estabelecida no inciso II do art. 81: Pena – multa de R$ 3.000,00 (três mil reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Medida Administrativa – interdição do estabelecimento comercial até o recolhimento da multa aplicada.”

Art. 3º Revoga-se o inciso I do art. 63 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação".

 

Permita-se, de forma perfunctória, portanto, não exauriente, tecer alguns comentários acerca da nova figura típica que se avizinha.

A primeira abordagem é que a questão da revogação expressa da contravenção penal do artigo 63, I, da LCP.

O legislador cumpre assim, aquilo que vem determinado na Lei Complementar nº 95/98, que dispõe sobre redação, elaboração e técnica legislativa, revogando expressamente o texto anterior.

É bem verdade que a revogação diz respeito tão somente ao inciso I, do artigo 63 do Decreto-Lei 3.688/41.

Isto quer dizer que os incisos II, III e IV permanecem intactos. A meu sentir perdeu o legislador uma ótima oportunidade de também revogar os incisos citados, mesmo porque, a título de exemplo, cita-se os casos dos incisos II e III, do artigo 63, consistente em servir bebidas alcoólicas a quem se acha em estado de embriaguez ou a pessoa que o agente sabe sofrer das faculdades mentais.

A meu sentir a não revogação dos demais incisos do artigo 63 pode causar situações teratológicas para a Ciência Jurídica, a ponto de alguém servir bebidas alcoólicas a um menor de 18 anos e justificar sua conduta argumentando que pelo princípio do efeito não contagiante, não pode ser punido porque serviu bebidas alcoólicas a quem já se apresentava com traços de embriaguez, e nesse caso, não se pode falar em crime, mesmo porque o inciso II do artigo 63 não foi revogado.

Também criaria outra situação monstruosa. Ao invés e se livrar da incidência do crime como acima citado, o agente poderia argumentar que servir bebidas alcoólicas a um menor de 18 anos que já esteja em situação de embriaguez ou que o agente sabe sofrer das faculdades mentais, poderia configurar no máximo contravenção penal, artigo 63, II e III, não revogados pelo futuro comando normativo. 

E ainda usaria um fundamento geralmente utilizado pelas defesas, de que a lei não possui palavras inúteis. Se o legislador quisesse revogar também os incisos II, III e IV, assim, o teria feito.

De outro lado, o novo tipo penal pode ser classificado como crime de conteúdo misto alternativo, subsidiário, doloso, plurissubsistente, de mera conduta, tipo de dupla definição, ou seja, fechado, e também tipo de definição aberta. É crime afiançável.

 

É de conteúdo misto alternativo porque o tipo é plurinuclear, formado pelos verbos "vender", "fornecer", "servir", "ministrar" ou "entregar".

 

Assim, vender é um verbo transitivo que significa ceder a posse de um bem. Fornecer é também verbo transitivo que significa colocar a disposição, dar. O verbo servir significa atender, pôr na mesa. Por sua vez o verbo ministrar também é verbo transitivo é significa dar a tomar, do latim ministrãre. E por último, o verbo entregar, igualmente, transitivo, que significa pôr nas mãos ou na posse de alguém.

Analisados os elementos objetivos da figura típica, passaremos ao estudo da subsidiariedade expressa do novo injusto penal.

Assim, o novo modelo de conduta criminosa do artigo 243 do ECA é subsidiária, anunciado pela expressão "se o fato não constituir crime mais grave"

 

É tipo doloso, caracterizado pela livre e consciente vontade de praticar as condutas expressas no tipo penal objetivo.

É plurissubsistente porque pode ser praticado por diversos atos.

É de mera conduta, porque necessário o mero comportamento do agente,  hábil para a configuração do crime.

É tipo penal de definição fechada, quando se refere expressamente a bebidas alcoólicas.

Também é tipo de definição aberta, ou seja, aquele que depende de uma construção normativa de conteúdos, de uma valoração, para explicar e definir a elementar "outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica"

É crime afiançável, porque na forma do artigo 322 do Código de Processo Penal, com nova redação determinada pela Lei nº 12.403/2011, a autoridade policial  poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.

Sabe-se que já existe grande confusão na doutrina e na jurisprudência em relação a venda de cigarros a menores de 18 anos, que teria na sua composição produtos capazes de causar dependência, ponto de divergência nos Tribunais, mas o legislador não quis ou por deficiência legislativa não se atentou para esse detalhe.

Por fim, a meu juízo, a nova figura criminosa vem para causar mais confusão ainda na doutrina pátria.

Assim, o nosso legislador perdeu a grande oportunidade de construir uma nova figura criminosa que viesse, efetivamente, estancar as divergências doutrinárias e, sobretudo, proteger os nossos jovens dos vícios perniciosos e dos blecautes alcoólicos, em função de estaremexperimentado cada vez mais cedo de bebidas alcoólicas, seguramente, portal de entrada de novas drogas, trazendo consequências deletérias para a saúde pública e inúmeros aborrecimentos para as nossas famílias.

 Pois bem. O texto aguarda sanção presidencial. Seria bom alvitre se houvesse alguém para alertar a Presidenta acerca das inconsistências presentes do projeto de lei, em nome da segurança jurídica da sociedade.

 

 

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