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Breves apontamentos sobre a evolução do conceito de família e sua adequação ao primado da dignidade da pessoa humana


Autoria:

Cesar Augusto De Oliveira Queiroz Rosalino


Juiz de Direito no Rio de Janeiro, ex-Procurador Municipal de Santo André - SP, Especialista em Processo Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), Especialista em Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito (EPD)

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Resumo:

A evolução do conceito de família e sua conformação à nova ordem constitucional

Texto enviado ao JurisWay em 21/02/2015.

Última edição/atualização em 24/03/2015.



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O surgimento da família, enquanto fenômeno histórico, sociológico e antropológico, relaciona-se com a evolução da própria sociedade humana organizada, havendo necessidade de se regulamentar um sistema de regras para organizar questões como parentesco, casamento e transmissão do patrimônio adquirido.

 É certo, contudo, que a conceituação de família sofre influência direta das transformações econômicas, sociais e culturais de determinado momento histórico conforme a variação tempo-espaço, não havendo, uma homogeneidade de padrão  fixo e invariável.

 Família é um fato natural e não uma criação da sociedade ou do legislador, de modo que as regras regulamentadoras estatais buscam conceber maior segurança aos indivíduos envolvidos (bem como a terceiros), mas jamais conceituar restritivamente o fenômeno familiar.

 A dinâmica evolutiva de cada grupo social repercute diretamente na formação dos arranjos familiares, podendo-se extrair, todavia, um sentido universalmente aceito, como sendo o lugar da elaboração da personalidade humana, de fortalecimento dos laços emocionais conjuntos permitindo-se a subsistência material, o desenvolvimento e o conforto espiritual de cada um de seus membros. 

Segundo a definição utilizada pelo IBGE[1] em suas pesquisas: Família consiste no “conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, residente na mesma unidade domiciliar, ou pessoa que mora só em uma unidade domiciliar. (...) Consideram-se como famílias conviventes as constituídas de, no mínimo, duas pessoas cada uma, que residam na mesma unidade domiciliar (domicílio particular ou unidade de habitação em domicílio coletivo.)”

Em meio à complexidade característica da sociedade contemporânea plural e multifacetada, a conceituação de família agrega elementos jurídicos, econômicos, sociais, psicológicos e afetivos, não cabendo em simples definições gramaticais.

 O termo família origina-se de famulia, por derivação de famulus, i, do osco famel,  antigo povo que habitava a Itália central, designando o conjunto de pessoas submetidas à autoridade do pater famílias, e, por conseguinte, todos os escravos e o acervo patrimonial pertencentes a um Senhor.[2]

 Com efeito, a família romana, originalmente, possuía forte vínculo religioso constituindo uma unidade politica e econômica submetida à autoridade absoluta e despótica do pater famílias, organizada sob a forma patriarcal e hierarquizada.

A manutenção da unidade doméstica dependia diretamente da comunhão religiosa, da continuidade do culto aos antepassados que passava do pai ao filho varão, estabelecendo a religião os fundamentos de organização da família romana.

 A mulher somente era considerada integrante da família quando a cerimônia do casamento a tivesse iniciado no culto doméstico de seu marido, além do que, o herdeiro ou legatário perderia o beneficio patrimonial se abandonasse o culto do autor da herança.

 Assim, o vínculo de sangue mostrava-se mais frágil do que o liame religioso, constituindo a família romana uma unidade política, econômica e religiosa visando a invocação dos mesmos antepassados, pouco preocupada com a felicidade pessoal de cada um de seus membros.

 No topo da entidade familiar encontrava-se pater-famílias exercido exclusivamente pelo varão que cumulava as funções de sacerdote, legislador e juiz, detentor do poder absoluto sobre todo o patrimônio, escravos e demais membros vinculados ao culto doméstico.

 A crescente influência da Igreja Católica acarreta profundas transformações na família romana, enfraquecendo o culto doméstico a partir de Constantino, vindo a declínio a autoridade do pater famílias que perdeu muitas de suas funções para entes estatais.

 As ideias liberais provenientes das revoluções burguesas do século XVIII também exerceram influência sobre a estrutura familiar, privilegiando a individualidade e o afastamento do caráter religioso do casamento.

 O Código de Napoleão (1804) ao admitir o instituto do divórcio, qual seja, a dissolução da unidade familiar, acarretou profundas transformações no conceito de casamento, atrelado agora a natureza contratual e não mais, eminentemente sacramental.

 A evolução do conceito de família acompanhou a própria evolução da sociedade, influenciada diretamente pelos grandes conflitos armados mundiais do século XX, pela revolução dos jovens da década de 1960 e também pelas profundas transformações do sistema de produção capitalista.

 Conforme Eduardo de Oliveira Leite[3]

A revolta estudantil de maio de 1968, em Paris, Berlim ou Berkeley, como em todas as partes do globo, inclusive no Brasil (lutando contra a reforma universitária ou contra o golpe militar de 1964), não se limitava à mera contestação politica, antes uma contestação cultural, revelando que os movimentos sociais desta década, libertários e libertadores, são porta-vozes de exigência de Felicidade e Liberdade, e que esta é única e indivisível.

 

A partir da segunda metade do século XX, a família atravessa uma grande reformulação, deixando de lados o modelo previamente determinado pelo legislador e pela sociedade tradicional (estereotipado) para se transformar no locus da busca da felicidade e realização pessoal.

 Abandona-se a ideia de que somente a união matrimonializada pela Igreja constitui legitima unidade familiar, possibilitando-se a cada um firmar o relacionamento afetivo que melhor atenda às suas legitimas expectativas afetivas e existenciais, firmando-se a heterogeneidade dos arranjos familiares.

 Na lição de Manuel Catells[4]:

 Nasce uma nova família, que continua sendo imprescindível como célula base da sociedade, mas que se funda em valores e princípios diversos daqueles do modelo liberal. Rompendo com o modelo de família fundada exclusivamente no casamento, inscreveu ao lado desta, como o mesmo status, a união estável e a monoparentalidade, igualmente entidades familiares. A família passa a ser sujeito de deveres e instrumento de realização existencial de seus membros. Desta sorte, o legislador constituinte de 1988 forneceu material instigante para a renovação da família, com a consequente superação do paradigma da família patriarcal, fundada na igualdade e na dignidade da pessoa de seus integrante, em regime de cogestão e não discriminatória, eudemonista, pois que já não é mais o patrimônio seu valor fundamental.

 Nesta nova conceituação de família, a autoridade quase absoluta dos ascendentes cede espaço ao amor, compreensão e igualdade, como forma de reafirmação dos laços afetivos fundados na humanização dos relacionamentos.

A constitucionalização do ordenamento jurídico não poderia excluir, logicamente, o direito de família, ramo imprescindível à manutenção dos vínculos sociais, garantindo-se a introdução de valores como liberdade, responsabilidade, igualdade, solidariedade e afetividade.

É inegável que o direito civil brasileiro, em especial, o direito de família passou por profundas transformações a partir da vigência da atual Constituição Federal, superando o tradicional modelo patriarcal rural, fundado no matrimônio indissolúvel, na desigualdade conjugal e assimetria do tratamento legal dos filhos.

A urbanização acelerada ao longo do século passado, a emancipação feminina, a popularização de métodos anticoncepcionais e o ingresso da mulher no mercado de trabalho, acarretaram modificações intensas nas relações familiares, remodelando conceitos até estão estabilizados pelas ciências sociais.

O instituto da família superou as tradicionais funções religiosa, econômica e politica para se transformar em instrumento para a realização da felicidade humana, espaço reservado ao desenvolvimento de laços afetivos e à plena comunhão de vida.

A repersonalização das relações familiares ressaltou a necessidade de proteção constitucional do núcleo familiar, afastando-se, contudo, qualquer ingerência do Estado na possibilidade de constituição, convivência e dissolução dos arranjos afetivos, que devem se pautar pelos princípios da dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade e afetividade.

Alguns autores[5] chegam a cunhar o termo proletarização da família, para ressaltar a tendência verificada de se valorizar cada vez mais a pessoa em detrimento do patrimônio, do capital, dos valores financeiros que pouco dizem sobre a natureza humana dos vínculos afetivos.

A família constitucionalizada pelos artigos 226 a 230 da Magna Carta tem hoje como função primordial o desenvolvimento da pessoa humana, a dignidade de seus membros e a realização dos valores existenciais da solidariedade, ética e respeito recíprocos.

Mais que fotos nas paredes, quadros de sentido, (a família passa a ser) possibilidades de convivência[6], razão pela qual a afetividade ganha relevo na reestruturação do Direito de Família contemporâneo.

Conforme ressalta Paulo Lobo[7], “(...) enquanto houver affectio haverá família, unida por laços de liberdade e responsabilidade, e desde que consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão de vida.”

Ressalte-se como corolário desta nova fase evolutiva da família a liberdade de constituição e dissolução dos vínculos afetivos, sem a ingerência externa de terceiros, seja o Estado, a Religião ou mesmo de parentes ou da própria sociedade.

A Carta Federal de 1988, em seu artigo 226, § 7º, dispõe expressamente sobre a liberdade de planejamento familiar fundado na dignidade da pessoa humana e na paternidade responsável, obstando-se a danosa interferência de terceiros na livre escolha do casal.

Sob a influência dos postulados fixados na Constituição Federal de 1988, as relações familiares passaram a ser reedificadas nos princípios da dignidade da pessoa humana e na solidariedade, aplicando-se a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Na visão contemporânea sedimentada a partir da segunda metade do século passado, os princípios (explícitos ou implícitos) adquirem força normativa no ordenamento jurídico, conforme Ronald Dworkin e Robert Alexy, expoentes do assim denominado neoconstitucionalismo.

A partir do entendimento de Robert Alexy, os princípios devem ser considerados mandados de otimização, e assim, aplicados com sua maior carga de efetividade possível nas relações jurídicas, impondo-se ao intérprete acomodar eventuais colisões axiológicas aplicando-se as máximas da ponderação, razoabilidade e proporcionalidade dos valores sociais envolvidos.

Dentre os princípios incidentes sobre o Direito de Família, sem duvida, o do pluralismo das entidades familiares merece destaque, pois os diversos arranjos afetivos passaram a gozar de idêntica proteção estatal, sendo inconcebível a manutenção de distinções injustificadas fundadas em preconceito de ordem moral ou religioso.

A possibilidade de se constituir uma família ganhou status de direito subjetivo assegurado no artigo 17 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), razão pela qual os países signatários devem viabilizar a concretização desta garantia fundamental.

A multiplicação dos modelos familiares foi objeto de matéria veiculada pelo jornal “O Globo[8]” com base nos dados fornecidos pelo IBGE, o que revelou a existência de pelo menos 19 (dezenove) laços diferentes de arranjos afetivos, comprovando-se a pluralidade como fenômeno indissociável da realidade social brasileira,

De fato, não se há de pretender diferenciações fundadas em preconceitos, princípios de ordem moral ou religiosa para impedir o polimorfismo familiar em seus multifacetados arranjos aptos a constituir núcleos de afetividade, merecendo igual respeito e proteção do Estado.

No magistério de Paulo Lobo[9] destacam-se os seguintes princípios aplicáveis ao Direito de Família:

A dignidade da pessoa humana: fundamento da Republica Federativa do Brasil (art. 1º, III) constitui-se em elemento intrínseco à própria natureza humana. Impõe a necessidade de tratamento respeitoso e protetivo do ser humano como um fim em si mesmo, repudiando qualquer pretensão de utilização da pessoa humana como objeto (coisificação) ou instrumento para os designíos de outra pessoa.  Princípio formulado inicialmente por Immanuel Kant (Metafisica dos Costumes, de 1785) e revigorado pelo constitucionalismo do pós-guerra (neconstitucionalismo).

 A solidariedade familiar: objetivo também delineado pelo legislador constitucional de 1988 (art. 3º, I), resulta da superação do individualismo liberal do século passado. Caracteriza-se pelo genuíno interesse pelo outro, pela sobrevivência e bem estar de outra pessoa, extraindo-se um dever jurídico de assistência moral a material, seja entre cônjuges e companheiros ou entre ascendentes e descendentes reciprocamente.

 A Igualdade e direito à diferença: instituído como categoria oponível aos poderes públicos e privados (art. 5º, I), desponta como princípio reformulador, não só do direito de família, mas de todas as demais relações jurídicas.

Agrega a ideia de isonomia de gênero, sendo inaceitável qualquer tratamento discriminatório entre homens e mulheres sem que exista fator justificador da eventual diferença. O legislador constitucional (art. 226, § 6º) pôs fim à odiosa diferenciação entre filhos legítimos e ilegítimos (adulterinos, espúrios, incestuosos), edificando o primado da igualdade da prole, seja de que origem for (casamento, adoção, socioafetividade, etc).

A igualdade entre os cônjuges merece destaque, haja vista o inaceitável patriarcalismo oitocentista que imperou até meados do século XX, havendo direitos e deveres recíprocos na condução da entidade familiar, seja em relação aos cônjuges ou à prole comum.

Também merecem tratamento isonômico as diversas entidades familiares, não se havendo de privilegiar a família matrimonializada em detrimento da união estável, da família monoparental ou qualquer outro arranjo fundado na afetividade, estabilidade e convivência pública e ostensiva.

Com efeito, não há hierarquia entre casamento e união estável, de modo que qualquer eventual tratamento diferenciado por parte do Estado deve se fundar em elemento justificador (discrímen) alicerçado nos interesses protegidos pela Constituição Federal.

O direito à diferença pressupõe, por sua vez, a possibilidade de livre escolha na constituição e dissolução da entidade familiar, restando inaceitável qualquer ingerência do Estado na  opção existencial de cada um.

Neste aspecto, convém ressaltar a histórica decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 4277 que reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar para todos os efeitos legais, já havendo precedente do Superior Tribunal de Justiça (Resp nº 1.183.378-RS) que permitiu a conversão desta espécie de união estável em casamento civil, uma vez que, inexistente elemento justificador de eventual diferenciação com a união estável heteroafetiva.

O pluralismo familiar engendrado pela Constituição Federal prevê a possibilidade a ser diferente, o direito à auto-afirmação e um projeto de vida independente de tradições, formalidades cartorárias, celebração civil ou liturgia religiosa.

A liberdade ou não intervenção: principio edificador da democracia familiar em substituição do então autoritarismo tradicional, busca conceder aos membros da entidade familiar autonomia na condução e gestão do grupo social.

Com efeito, o Novo Direito Civil, também fundado na noção de responsabilidade e autodeterminação pessoal (autonomia privada), possibilita livre escolha na instituição e extinção da entidade familiar, sem imposições ou restrições pelo Estado, preceito este fortalecido pela recente Emenda Constitucional de nº 66/2010 sobre o divórcio.

Liberdade esta que espraia seus efeitos para a administração do patrimônio, fixação de regime de bens no matrimônio, planejamento familiar, constituição de estado de filiação, definição do modelo educacional religioso e cultural da prole, enfim, possibilidade de escolha de um projeto familiar que se amolde às expectativas existenciais de cada um na busca da realização pessoal, desde que, em harmonia com os demais princípios constitucionais vigentes.

Embora permaneçam no sistema normativo regras cogentes de Direito de Família, o Estado não possui legitimidade para interferir no âmbito familiar de modo injustificado, devendo prevalecer a base afetiva da entidade familiar.

A tutela estatal deve prestar assistência e apoio como forma de garantia da manifestação de vontade dos membros do grupo familiar, bem como, quando necessário à proteção dos interesses ameaçados, mas jamais impor comportamentos interventivos na gestão da entidade afetiva.

A afetividade: princípio implícito no Texto Magno que se consubstancia na prevalência do elemento existencial sobre o patrimonial, na comunhão de vida como fator norteador da entidade familiar. O laço afetivo corrobora a aplicação da solidariedade, da igualdade e do cuidado, liame psicológico que justifica a manutenção de um núcleo de indivíduos ligados entre si na busca de um projeto parental comum.

A relevância deste princípio se faz notar na desbiologização das relações familiares, mitigando-se o elemento biológico em prol da prevalência da socioafetividade para a formação do vínculo de paternidade, ideia esta originalmente edificada por João Baptista Vilella, nos idos de 1980.

A convivência familiar: os membros do grupo familiar devem permanecer unidos como elemento de fortalecimento da afetividade, somente se justificando o afastamento em situações excepcionais.

A intocabilidade do espaço privado, garantido constitucionalmente pelos direitos fundamentais da intimidade e privacidade (art. 5º, X e XI, Constituição Federal), possibilita a interação constante do grupo familiar, firmando um referencial seguro de identidade.

Tal princípio ganha destaque nas relações entre pais e filhos, na estruturação do exercício do poder familiar e também no regime de visitação quando da dissolução da sociedade conjugal, sendo extensível aos avós, por conta da recente alteração do artigo 1589 do Código Civil.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 28 a 32, disciplina a inserção em família substituta, ressaltando a impossibilidade de separação entre pais e filhos apenas em decorrência de questões financeiras.

A lei nº 12.318/2010 (alienação parental) buscou assegurar o direito à saudável convivência familiar entre pais e filhos na hipótese de dissolução da sociedade conjugal, impondo sanções e restrições caso se verifiquem atos de alienação afetiva.

Também a lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) assegura o direito à convivência das pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, impondo deveres à família, à sociedade e ao Estado, como forma de viabilizar a manutenção dos laços de afeto entre os componentes do núcleo familiar.

O melhor interesse da criança e adolescente: a prioridade no tratamento das necessidades da criança e adolescente pelo Estado, sociedade e pela família fundamental a existência deste princípio. Funda-se na premissa de que estes interesses ganham relevo, pois se destinam a tutelar pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, sujeito de direitos e objeto de proteção estatal com absoluta prioridade.

O artigo 227 da Carta Magna dispõe expressamente sobre esse princípio, sendo reproduzido no artigo 3º do Estatuto da Criança e Adolescente, impondo ao poder público, ao Estado e à sociedade a prioridade de tratamento das questões relativas à infância de adolescência.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[10], ressaltam além dos princípios acima, outros três que merecem destaque:

A proteção do idoso: o envelhecimento gradativo da população brasileira e a elevação da expectava de vida justificam a existência de um princípio protetivo adequado voltado às pessoas fragilizadas pela idade avançada.

Desdobramento da dignidade da pessoa humana impõe-se ao Estado, à família e à sociedade amparar o idoso, assegurando tratamento diferenciado conforme suas limitações e necessidades, consoante o disposto no artigo 230 da Constituição Federal e também na Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).

A função social da família: a evolução do conceito de família ao longo tempo acarretou a perda de suas funções religiosa, politica e econômica, tão valorizadas na Antiguidade Clássica.

Todavia, a funcionalização social da família possibilitou a edificação de um espaço de realização pessoal, um meio para a realização do projeto existencial de cada um de seus membros na busca da felicidade (eudemonista).

Como base da sociedade, a família abandona sua vetusta função de perpetuação do patrimônio para se transformar no lócus de formação sociocultural do individuo, de assistência, segurança e afeto como elementos necessários à plena realização humana.

A vedação do retrocesso: amparado no ensinamento de José Joaquim Gomes Canotilho[11], o princípio da vedação do retrocesso repugna a ideia de neutralização ou perda de posição jurídica constitucionalmente assegurada, em decorrência de reforma legislativa posterior.

Neste aspecto, qualquer tentativa de modificação legislativa que venha a suprimir ou reduzir direitos assegurados por princípios constitucionais deverá ser considerada inválida, uma vez que colide com direitos fundamentais conquistados ao longo do tempo.

O princípio da vedação do retrocesso significa afirmar que o sistema normativo impõe um direito fundamental à segurança jurídica e à necessidade da proteção da confiança, tema diretamente relacionado ao conceito de dignidade da pessoa humana.

Tal postulado encontra-se implicitamente relacionado com a noção de Estado democrático de direito, exigindo a dignidade da pessoa humana que a ordem normativa futura assegure a eficácia e a efetividade dos direitos fundamentais, vedando-se implicações de cunho retroativo.

Outrossim os órgãos estatais responsáveis pela criação de regras jurídicas devem estar vinculados aos atos normativos anteriores, como corolários da segurança jurídica e da proteção da confiança, ainda mais quando se tratam de princípios garantidos constitucionalmente.

A partir do momento em que um direito fundamental é regulado, veda-se ao Poder Público proceder a reversibilidade das garantias anteriormente alcançadas, constituindo verdadeiro patrimônio social intangível.

Estas foram, portanto, as balizas norteadoras deste Novo Direito Civil, plasmado pela ideia central de proteção à dignidade da pessoa humana, da repersonalização do ordenamento e da sedimentação dos direitos fundamentais inerentes a um Estado Democrático inclusivo e solidário.

 

[1] http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/conceitos.shtm - acesso em 19/02/2015

 [2] GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias reconstituídas - novas uniões depois da separação. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pág. 24.

[3] LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de Direito de Família, pág. 322, apud GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias reconstituídas, novas uniões depois da separação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2010, pág. 62.

 [4] CATELLS, Manuel. A era da informação: economia sociedade e cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, vol. 2, O poder da identidade, pág. 169/285, apud GRISARD FILHO, Waldyr, Famílias reconstituídas - novas uniões depois da separação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pág. 64.

 [5] DIEZ-PICAZO, Luis. Familia y Derecho. Madrid: Civitas, 1984, pág. 82, apud MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pág.  13

[6] FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos de Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, pág. 14

[7] LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito Civil – Famílias. São Paulo: Saraiva, 2012, pág.17

[8] Disponível em http://oglobo.globo.com/infograficos/familia-brasileira/ acesso em 19.02.2015

[9] LOBO, Paulo Luiz Neto. Direito Civil – Famílias. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, pág. 57.

[10] GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, vol. 6, São Paulo: Saraiva: 2013, pág. 73.

[11] CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1988, pág. 321, apud GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. VI, São Paulo: Saraiva: 2013, pág. 87.

 

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