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Reconhecimento da Multiparentalidade


Autoria:

Ray Andrade


Bacharel, atuante em Brasília. Graduada em Direito pela Faculdade Projeção de Taguatinga.

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Resumo:

O objeto de estudo deste trabalho é a possibilidade do reconhecimento da Multiparentalidade.

Texto enviado ao JurisWay em 18/12/2014.

Última edição/atualização em 10/01/2015.



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RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE

RAYANNE ANDRADE DE SOUZA DANIEL

 

Trabalho de conclusão de curso apresentado perante Banca Examinadora do curso de Direito da Escola de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade Projeção como pré-requisito para a aprovação na disciplina de “TCC2” e para a obtenção do grau de bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Flávio Gonçalves Louzada

 

RESUMO

 

Para a realização do presente trabalho de conclusão de curso, no formato de monografia, foi utilizado o método científico e dedutivo. O objetivo da pesquisa foi a análise da possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade no ordenamento jurídico brasileiro, a partir da apresentação de conceitos e formas de família, princípios aplicáveis ao direito de família, considerações sobre filiação, poder familiar, parentesco e, principalmente, jurisprudências. O conceito de família sofreu diversas mutações em suas funções e núcleo familiar, adquirindo várias composições. Dessa forma, a parentalidade socioafetiva, resultado dessas mudanças, e apesar de perceber a mesma proteção jurisprudencial e legislativa dirigida à paternidade biológica, oportunizou conflitos entre as formas de filiação, que são biológica, registral e socioafetiva. Nesse sentido, compete ao magistrado o encargo de analisar qual critério deverá ser eleito em detrimento de outro na caracterização da parentalidade, e por diversas vezes, diante do caso concreto, impedir a prevalência de uma parentalidade sobre a outra, fazendo com que elas coexistam juridicamente. Diante da realidade das famílias, que são multifacetadas, surge a multiparentalidade como a solução mais adequada, uma vez que garante a prevalência da observância dos interesses do menor, impedindo que este precise escolher uma parentalidade em detrimento da outra, podendo escolher a coexistência das duas. Ademais, a multiparentalidade garante os direitos constitucionais e infralegais tanto dos pais e dasmães, quanto dos filhos(as).

 

Palavras-chave: Família, Filiação, Poder familiar, Parentalidade, Multiparentalidade. 

 

ABSTRACT

 

To carry out this work of completion, in monograph format was utiizado scientific and deductive method. The research objective was to examine the possibility of recognizing multiparentalidade within the Brazilian legal system, from the presentation of concepts and forms of family principles applicable to family law, considerations of affiliation, family, kinship and power mainly jurisprudence. The concept of family has undergone several changes, especially in their roles and the nuclear family, which now has several compositions. Thus, the socio-affective parenting is the result of these changes, and today sees the same jurisprudential and legislative protection directed to biological parenthood. In this context, conflicts arose between the forms of membership, which are biological, and socio-affective registral. In this sense, it is the magistrate's responsibility to analyze what criteria should be chosen over another in the characterization of parenting, and several times before the case, prevent the prevalence of parenting over another, causing them to coexist legally . Faced with the reality of families who are multifaceted, the multiparentalidade as the most appropriate solution, since it ensures the prevalence of observance of interests of the child arises, preventing this need to choose a parenting over another, choosing the coexistence of both . Moreover, the constitutional guarantees multiparentalidade infralegal and rights of both mothers and fathers, as sons (as).

 

Keywords: Family, Membership, Power Family, Parenting, Multiparentalidade.

SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO11

1 FAMÍLIA: PRINCÍPIOS APLICÁVEIS E PARENTESCO6

1.1 Origem da família

1.2 Conceito da família

1.3 Princípios aplicáveis ao direito de família

1.4 Princípio da dignidade da pessoa humana

1.5 Direitos da personalidade

1.6 Princípio da igualdade entre os filhos

1.7 Princípio da proteção integral

1.8 Princípio da solidariedade familiar

1.9 Parentesco

2 ESPÉCIES DE FILIAÇÃO, PODER FAMÍLIAR E RECONHECIMENTO DOS FILHOS

2.1Filiação

2.2 Filiação biológica

2.3 Filiação por substituição

2.4 Filiação adotiva

2.5 Filiação socioafetiva

2.6 Poder familiar

2.7 Reconhecimento dos filhos

3 PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E MULTIPARENTALIDADE

3.1 Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973

3.2 Lei nº 11.924 de 17 de abril de 2009

3.3 Multiparentalidade

3.4 Divergências jurisprudenciais

3.5 Posicionamento do STJ a respeito da parentalidade socioafetiva

3.6 Julgados que reconhecem a multiparentalidade

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

 

INTRODUÇÃO

 

A sociedade evoluiu e em decorrência disso a família sofreu diversas modificações. O núcleo familiar, antes composto por pai, mãe e filhos, pode ser representado pelo pai e seus filhos, pela mãe e seus filhos, por parentes e até por casais homossexuais. Tais famílias podem ser chamadas de família mosaico, devido aos diversos arranjos que podem ser feitos.

 

A multiparentalidade advém da parentalidade socioafetiva que decorre do fato de alguém possuir filho de outrem como se seu fosse, e, a partir disso, tratá-lo perante a sociedade com amor, afeto, respeito e todos os sentimentos que podem advir de uma relação de pai e/ou mãe com os filhos.

 

Devido aos arranjos familiares existentes, a multiparentalidade, que decorre de filiação socioafetiva, tem sido frequentemente encontrada nos lares brasileiros, quando, por exemplo, uma mãe se casa novamente com um homem e traz para sua nova família um filho, fruto de relação anterior, que com a convivência constrói com esse padrasto uma relação de amor, como se seu filho fosse. Entretanto, por ainda possuir vínculos afetivos e convivência com o pai biológico, não quer que esse seja excluído do seu registro de nascimento, apenas deseja que seu pai de criação seja inserido no seu assento de nascimento, e, a partir disso, tenha todos os direitos e deveres resultantes deste ato.

 

O Superior Tribunal de Justiça reconhece a filiação socioafetiva e elenca algumas de suas características: a convivência, o amor e o afeto. Os Tribunais do Brasil também a reconhecem, entretanto, há divergências jurisprudenciais e doutrinárias quando se fala em que tipo de parentalidade deve prevalecer, se é a socioafetiva ou a biológica, e há quem defenda que as duas podem coexistir, já que o julgador apenas estaria declarando uma situação existente.

 

No que concerne à existência concomitante entre a filiação biológica e socioafetiva, há divergências, pois uns a aplicam com base em certos princípios e outros deixam de aplicá-la, pois alegam omissão legislativa, a própria Lei de Registros Públicos não prevê essa situação.

 

A lei já permite que o(a) enteado(a) inclua em seu nome o nome de seu padrasto e/ou madrasta, entretanto, não existe, no ordenamento jurídico, a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade.

 

O presente estudo tratará desta multiparentalidade. É possível reconhecê-la, mesmo que haja omissão legislativa? Em caso positivo deve basear-se nos princípios gerais do direito e daqueles específicos ao direito de família?

 

O primeiro capítulo trará o conceito sobre a família e os princípios aplicáveis ao direito de família, que serão norteadores do reconhecimento da multiparentalidade. Verificar-se-á que a origem da família é desconhecida, uma vez que nunca existiu apenas um núcleo familiar. Entretanto, pode afirmar que a família atual baseou-se na família romana, que possuía função econômica, biológica, educacional, assistencial, espiritual e afetiva. Essas funções foram perdidas com o passar do tempo, contudo, a função afetiva no ambiente familiar é hoje priorizada, e serve de fundamento para a multiparentalidade.

 

No que tange ao conceito de família, existem vários modelos: a tradicional, a romântica e a contemporânea, aquela em que a multiparentalidade está presente e é resultante de transformações sociais – família mosaico.

 

Quanto aos princípios aplicáveis ao direito de família, tem-se o da dignidade da pessoa humana, previsto no art 1º, III, da Constituição Federal – um dos fundamentos do Estado, e que se traduz no direito de os indivíduos terem uma vida plena e protegida contra o arbítrio de terceiros; o direito da personalidade, que protege bens imateriais e que são inerentes ao homem, inclui-se nesse direito à proteção ao nome – um dos fundamentos da multiparentalidade, e o princípio da igualdade dos filhos, previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, que consiste em conferir aos filhos igualdade, independentemente de qualquer origem.

 

Há também o princípio da proteção integral, que servirá para fundamentar a multiparentalidade, já que a legislação deve ser aplicada em prol da proteção do menor.

 

Outrossim, haverá considerações sobre o parentesco, que pode ser por laços sanguíneos, adoção, afinidade ou outra origem. A multiparentalidade incluir-se-à em outra origem.

 

O segundo capítulo relacionará as espécies de filiação: biológica, por substituição, por adoção e a socioafetiva, o principal fundamento da multiparentalidade. Tecerá ainda considerações sobre opoder familiar decorrente da filiação, bem como as hipóteses de reconhecimento dos filhos.

 

E finalmente, o terceiro capítulo discorrerá sobre a Lei de Registros Públicos, a omissão legislativa sobre o tema do presente estudo e a modificação legislativa sobre a inclusão do nome do padrasto e madrasta no sobrenome do enteado(a), bem como explicará a multiparentalidade. Também trará os julgados que reconhecem a filiação socioafetiva e o posicionamento favorável a ela do Superior Tribunal de Justiça. Prinicipalmente, apresentará julgados que reconhecem a multiparentalidade em diversos estados do Brasil. 

 

1 FAMÍLIA: PRINCÍPIOS APLICÁVEIS E PARENTESCO

1.1 Origem da Família

 

Os laços sentimentais não são apenas privilégio dos seres humanos. O ato de procriar-se é perpetuado há muitos anos e amolda o ser humano em grupos, Dias (2013, p. 27) diz que:

 

Manter vínculos afetivos não é uma prerrogativa da espécie humana. O acasalamento sempre existiu entre os seres vivos, seja em decorrência do instinto de perpetuação da espécie, seja pela verdadeira aversão que todos têm à solidão. Parece que as pessoas só são felizes quando têm alguém para amar.

 

 Não se sabe ao certo a origem da família, como, quando e em que circunstâncias ela surgiu, pois nunca existiu apenas um tipo (COELHO, 2013, P.16). Sabe-se, entretanto, que o homem, em sua trajetória evolutiva deixou de praticar relações sexuais quando o homem ou a mulher eram descentes do mesmo tronco, trazendo a ideia do incesto. Nesse sentido, pode-se dizer que a vedação do incesto foi seu marco inicial.

 

Em Roma, é possível conhecer, pelos registros, o essencial – senão tudo – da família chefiada pelo cidadão romano. Apesar de se tratar de uma sociedade complexa, naquele tempo, para abrigar uma única forma de família, pode-se discriminar com veracidade, que a família era comandada pelo pater. Vale ressaltar que a família produzia, inicialmente, os bens necessários a sua sobrevivência. (COELHO, 2013, p. 16)

 

Com o estudo da família romana, passa-se a perceber o viés econômico, biológico, educacional, assistencial, espiritual e afetivo presente nela. Em termos esquemáticos,  Coelho (2013, p. 17) aponta as seguintes funções da família romana: 

 

a) função biológica, relacionada à preservação e aprimoramento da espécie(...); b) função educacional: pertinente à preparação dos filhos menores para a vida em sociedade (...); c) função econômica: compreende a produção dos bens necessários à vida humana (...); d) função assistencial: pelo qual a família amparava os seus principais membros nas enfermidades e velhice (...); e) função espiritual: sendo a família o local privilegiado das práticas religiosas; f) função afetiva: indispensável à estruturação psíquica do ser humano, construção de sua identidade e auto estima: a família é condição essencial para a felicidade.

Para este autor, “a difusão do cristianismo retirou da família a função religiosa (...). As revoluções industriais, por sua vez, tiraram da família por completo a função econômica (...)” (COELHO, 2013, p. 18), ou seja, a obrigação de preparar as práticas religiosas foram suprimidas das famílias, bem como sua função econômica, devido às consequências das revoluções industriais. 

 

Na Idade Média, a função educacional da família foi retirada e a Igreja Católica ficou encarregada de educar seus sacerdotes,  criando as intuições que estão na origem das escolas. (COELHO, 2013, p. 18)

 

No que tange ao assistencialismo prestado pelas famílias, tal função vem sendo suprimida gradualmente. A partir do século XX, os cuidados aos membros das famílias em situações mais graves, como doença e velhice, já não é tão efetiva. (COELHO , 2013, p. 19). 

 

O fator biológico das famílias está se esvaindo, devido às novas tecnologias e conhecimentos adquiridos pelos seres humanos, um exemplo é a técnica de inseminação artificial. Hoje não é mais preciso que haja relação sexual entre os genitores para que o filho seja concebido.  De acordo com Coelho (2013, p. 19): 

 

A função biológica a família está começando a perder. O conhecimento humano já tem outros meios de garantir a diversidade genética além do limitado recurso da proibição do incesto. Mas é cedo para dizer de que modo exatamente as clínicas médicas poderiam substituir a família nessa tarefa e quais seriam todas as implicações morais e jurídicas dessa desfuncionalização. Dá para afirmar com certeza apenas que o processo já teve início.

  

Acerca da função afetiva, Coelho (2013, p. 20) explica:

 

E quanto à função afetiva? Esta a família tem conservado. Mais ainda: dispensada das funções econômicas, religiosa e, em parte, da educacional e assistência, a família tende a ser cada vez mais o espaço para aflorar a afetividade, contribuindo para que os homens e mulheres cresçam psicologicamente sadios, com autoestima e identidade. É claro que muitas e muitas e muitas famílias não cumprem essa função a contento, gerando para a sociedade pessoas perturbadas, sexualmente reprimidas, inseguras e infelizes. Mas é provável que possa cada vez mais se dedicar à importante tarefa de estruturação psicológica de homens e mulheres pelo afeto, na medida em que se fortaleçam os sistemas públicos de saúde e de seguridade social.

Pode-se concluir que a função afetiva é de suma importância, uma vez que é mantida no seio familiar desde a família romana. O ambiente familiar é cada vez mais calcado na afetividade, e com isso gera indivíduos fortalecidos na sociedade.

 

1.2 Conceito da Família

 

Não existe um conceito único de família nos campo jurídico, sociológico e jurídico, já que é um fenômeno social que vive em constante mutação. Assevera Venosa (2013, p.1) a esse respeito:

 

A conceituação de família oferece de plano, um paradoxo para sua compreensão. O Código Civil não a define. Por outro lado, não existe identidade de conceitos para o Direito, para a Sociologia e para a Antropologia. Não bastasse ainda a flutuação de seu conceito, como todo fenômeno social, no tempo e no espaço, a extensão dessa compreensão difere nos diversos ramos do direito. 

 

Existem três modelos familiares: o tradicional, na qual o poder girava em torno do homem; o romântico, em que o homem perde parcela significativa de seu poder e o contemporâneo, a atual, que resulta da mudança profissional da mulher e sua inserção no mercado de trabalho, bem como de outros direitos que foram garantidos, tal como o acesso aos métodos contraceptivos. (COELHO, 2003, p. 21-2) 

 

Na família convencional, formada pelos pais e filhos, ocorreram transformações em seu núcleo, tais como composições, finalidades, direitos e deveres dos indivíduos nas famílias. Venosa (2013, p.5) diz que “a célula básica da família, formada por pais e filhos, não se alterou muito com a sociedade urbana. A família atual, contudo, difere das formas antigas no que concerne as suas finalidades, composição e papel de pais e mães”.

 

Entre os fatores que influenciam a família, um deles é o econômico. Venosa (2013, p. 1) preleciona que:

 

Por vezes, no mesmo sistema, a noção de família sofre um alargamento de natureza econômica, como ocorre na Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), ao proteger como sucessores do locatário as pessoas residentes no imóvel que viviam na dependência econômica do falecido (art. 11, I); em outras oportunidades, a lei restringe o alcance do conceito familiar apenas a pais e filhos (art. 47, III).

 

Dessa forma, pode-se concluir que atualmente existem vários núcleos familiares, podendo ser feitos vários arranjos, Coelho (2013, p. 20) diz que: 

 

Não se consegue identificar uma estrutura única de família. Centrada a atenção apenas no ambiente urbano, podem-se divisar os mais variados tipos: há os núcleos compostos pelo (...) viúvo ou a viúva e seus filhos, biológicos ou adotivos; pai ou mãe, divorciados e seus filhos, biológicos ou adotivos; pai ou mãe, divorciados e seus filhos biológicos ou adotivos; esposo, esposa e os filhos deles de casamentos anteriores; esposo, esposa e o filho biológico de um deles havido fora do casamento; esposo, esposa e filho adotivo (...).

 

Pode-se inferir que, além da ligação biológica, consideram-se familiares aqueles relacionados pela afetividade, inclusive a adoção. Gonçalves (2009, p. 1) explica que “lato sensu, o vocábulo família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção”.

 

Existe menção à família na Carta Magna e no Código Civil, entretanto, não há conceituação, como assevera Gonçalves (2009, p. 1): “A Constituição Federal e o Código Civil a ela se reportam e estabelecem a sua estrutura, sem, no entanto defini-la, uma vez que não há identidade de conceitos tanto no direito como na sociologia”.

 

As mudanças feitas na legislação atual possibilitaram o exercício da função social da família, que nada mais é do que a possibilidade dos indivíduos nela presentes exercerem os seus direitos e cumprir com seus deveres. As mudanças advindas da Carta Magna e do Código Civil culminaram, inclusive, a consagração de princípios norteadores da família, qual seja, o da igualdade absoluta entre os cônjuges. Gonçalves (2009, p. 19) diz:

 

Frisa-se, por fim, que as alterações pertinentes ao direito de família, advindas da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, demonstram e ressaltam a função social da família no direito brasileiro, a partir especialmente da proclamação da igualdade absoluta dos cônjuges e dos filhos; da disciplina concernente à guarda, manutenção e educação da prole, com atribuição de poder ao juiz para decidir sempre no interesse desta e determinar a guarda a quem revelar melhores condições de exercê-la, bem como suspender ou destituir os pais do poder familiar, quando faltarem aos deveres a ele inerentes; do reconhecimento do direito a alimentos, inclusive aos companheiros e da observância das circunstâncias socioeconômicas em que se encontrarem os interessados; da obrigação imposta a ambos os cônjuges, separados judicialmente, de contribuírem, na proporção de seus recursos, para a manutenção dos filhos.

 

Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 40, grifo do autor) asseveram que: 

 

Tal previsão, de per si, já justificaria a necessidade imperiosa – e obrigação constitucional –, de os governos, em suas três esferas – federal, estadual e municipal -, cuidarem de, prioritariamente, estabelecer, como metas inafastáveis, sérias políticas públicas de apoio aos membros da família, especialmente a criança, o adolescente e o idoso

 

Dessa forma, o art. 226 da Constituição Federal diz que a família é a base da sociedade e goza de proteção especial do Estado, e explicando esse dispositivo, os autores acima afirmam que o mesmo já seria o bastante para se exigir do Estado políticas públicas efetivas a proteção da família, com ênfase nos mais vulneráveis, quais sejam, as crianças, adolescentes e idosos.

 

1.3 Princípios Aplicáveis ao Direito de Família

 

Os princípios que norteiam o direito da família são aqueles que servem de base a todo o ordenamento jurídico, porém existem princípios específicos que somente são aplicáveis no direito das famílias, devendo ser sempre observados pelo aplicador do Direito, entre eles incluem-se o princípio da solidariedade e da afetividade. Para Dias (2013, p. 64):

 

Existem princípios gerais que se aplicam a todos os ramos do direito, assim o princípio da dignidade, da igualdade, da liberdade, bem como os princípios da proibição de retrocesso social e da proteção integral a crianças e adolescentes. Seja em que situações se apresentem, sempre são prevalentes, não só no âmbito do direito das famílias. No entanto, há princípios especiais que são próprios das relações familiares e devem servir de norte na hora de se apreciar qualquer relação que envolva questões de família, despontando entre eles os princípios da solidariedade e da afetividade.

 

1.4 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

 

O princípio da dignidade da pessoa humana é norma fundamental prevista na Carta Magna, sendo ela um dos alicerces do ordenamento jurídico, devendo ser sempre observada, vinculando assim os aplicadores do Direito, Garcia (2003, p. 45) diz que:

 

 (...) As normas de direito fundamental previstas no sistema constitucional, cumprem funções estruturais do Estado constitucional democrático e, assim sendo, ocupando grau superior na ordem jurídica, submetendo-se a processos dificultosos de revisão; vinculam de imediato os poderes públicos e, a interpretação dos demais preceitos legais e constitucionais se farão a luz daquelas normas.

 

 Esse princípio decorre da Carta Magna, art. 1º, III, fundamenta-se na República Federativa do Brasil, e é uma das maiores conquistas do direito nos últimos tempos. Aduzem Gagliano e Pamplona Filho (2011, p. 75) que “dignidade traduz um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as suas possibilidades e expectativas, patrimoniais e afetivas, indispensáveis à sua realização pessoal e a busca à felicidade”. Todos são atingidos por esse princípio, independente de quaisquer qualificações e diferenças. Para Garcia (2003, p. 32), “tal princípio atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, ser humano, seja de qual origem for, sem discriminação de raça, sexo, religião, convicção política ou filosófica”.

 

Por conseguinte, esse princípio traduz o que há de mais importante aos indivíduos, que é o direito de ter uma vida plena, sem qualquer abuso, arbítrio, tanto por parte do Estado quanto de particulares, sendo indispensável ao implemento do Estado Democrático de Direito. Para Gagliano e Pamplona Filho (2011, p. 75), “a dignidade da pessoa humana somente é preservada na medida em que se garante o respeito à dimensão existencial do indivíduo, não apenas na sua esfera pessoal, mas, principalmente, no âmbito de suas relações pessoais”. Consequentemente, por ter o direito de família o principal objetivo de tutelar a vida dos indivíduos, bem como proteger seus direitos e deveres, a utilização desse princípio é essencial no que tange à aplicação do direito na família, de forma a assegurar real proteção a coletividade e ao indivíduo no contexto familiar.

 

Os grupos formados pelas minorias, ou indivíduos das maiorias, mas que possuam fragilidades, em todos os aspectos, podem, baseados no princípio da dignidade da pessoa humana, exigir efetiva proteção do Estado, por meio de leis e políticas públicas, aduz Moraes (2006, p. 15): 

 

Esse princípio constitucional visa garantir o respeito e a proteção da dignidade humana não apenas no sentido de assegurar um tratamento humano e não degradante, e tampouco conduz ao mero oferecimento de garantias à integridade física do ser humano. Neste ambiente, de um renovado humanismo, a vulnerabilidade humana será tutelada, prioritariamente, onde quer que ela se manifeste. De modo que terão precedência os direitos e as prerrogativas de determinados grupos considerados, de uma maneira ou de outra, frágeis e que estão a exigir, por conseguinte, a especial proteção da lei. 

 

Há direito a tutela jurisdicional individual, que será exercida frente ao Estado, bem como aplicada no plano horizontal, com relação aos outros indivíduos, o princípio da igualdade decorre desse princípio, Paulo e Alexandrino (2010, p. 90) dizem que: 

 

A dignidade da pessoa humana assenta-se no reconhecimento de duas posições jurídicas ao indivíduo. De um lado, apresenta-se como um direito de proteção individual, não só em relação ao Estado, mas, também, frente aos demais indivíduos. De outro, constitui dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes (grifo do autor).

 

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente expressamente adota o princípio da dignidade da pessoa humana como direito das crianças e adolescentes: 

 

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

 

Com isso, fica claro, mais uma vez, a importância do princípio da dignidade da pessoa humana aplicada ao direito de família, já que irá fornecer elementos basilares a aplicação desses direitos, não apenas para garantir um bom tratamento, que não seja degradante, e sim a proteger toda e qualquer vulnerabilidade presente no campo fático do cotidiano dos indivíduos. 

 

1.5 Direitos da Personalidade

 

Uma das principais inovações do atual  Código Civil é a existência de um capítulo destinado aos direitos da personalidade.   

 

O Código Civil Brasileiro, em seu art. 11 dispõe sobre algumas características dos direitos da personalidade quando destaca o seu aspecto intransmissível e irrenunciável, como elementos resultantes da infungibilidade própria da pessoa, que não permite que eles sejam adquiridos por outras pessoas, em face da ligação íntima do direito com a personalidade (PONTES DE MIRANDA, 2000, p. 31). A seguir, é possível conferir o que diz o art. 11 do referido Código:

 

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

 

Existem direitos que são personalíssimos, ou seja, aqueles que abrangem bens impalpáveis, que possuem máxima importância, devido a sua essencialidade na vida em coletividade e são inerentes aos seres humanos, como afirma (VENOSA, 2012, p. 174), a seguir.

 

Há direitos denominados personalíssimos porque incidem sobre bens imateriais ou incorpóreos. (...) São, fundamentalmente, os direitos à própria vida, à liberdade, à manifestação do pensamento. A Constituição Brasileira enumera longa série desses direitos e garantias individuais (art. 5º). São direitos privados fundamentais, que devem ser respeitados como conteúdo mínimo para permitir a existência e a convivência dos seres humanos. Muitos veem nesse aspecto direitos inatos, que são ínsitos à pessoa, cabendo ao Estado reconhecê-los. 

 

Segundo Glagliano e Pamplona Filho (2014, p. 185), “conceituam-se os direitos da personalidade como aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais”.

 

Os direitos da personalidade são indisponíveis. ou seja, os direitos da personalidade resguardam a dignidade humana, de modo que ninguém pode renunciá-los, transmiti-los ou dispor a outrem. São necessários, universais, absolutos, imprescritíveis, intransmissíveis, impenhoráveis e vitalícios (VENOSA 2012, p. 178). A partir da individualização do ser, pode-se visualizá-lo e identificá-lo em suas características únicas;  torna-se dono da sua própria personalidade. Segundo Rosenvald (2005, p. 26), “A pessoa é uma unidade interativa, centro de referência de relações sociais. Daí se impõe um sistema pluralista e democrático, como modo assertivo dos direitos invioláveis e desenvolvimento da personalidade humana”. 

 

A banalização do direito da personalidade é comum na atualidade, de forma que vários direitos autônomos e sem conexão são criados. É necessário não banalizar tais direitos, pois a ampliação resultaria na falta de efetividade da prestação jurisdicional, é necessário focar. Rosenvald (2005, p.26) diz que “somente partindo de um único direito de personalidade é possível evitar a multiplicação indefinida de direitos autônomos e desconexos, sob pena de desvirtuamento do solidarismo e fragilização da própria tutela ao ser humano.” 

 

O art 4º do Código Civil diz que a personalidade civil do homem começa quando ele nasce com vida. O direito ao nome é direito de personalidade. Venosa (2012, p. 177, grifo do autor) diz que “geralmente, os direitos da personalidade decompõem-se em direito à vida, à própria imagem, ao nome e à privacidade”.

 

A respeito do nome, Coelho (2010, p. 199) afirma que “o nome é a identificação da pessoa natural. É o principal elemento de individuação de homens e mulheres. Tem importância não apenas jurídica, mas principalmente psicológica: é a base para a construção da personalidade”, ou seja, é a partir do nome que o indivíduo passa a ser sujeito de direitos e deveres na ordem civil, além de identificá-lo no seio da sociedade e ajudar a definir a sua personalidade, que são as suas características. 

 

O artigo 16 do Código Civil dispõe que toda pessoa possui direito ao nome, que deverá ser composto pelo prenome e sobrenome, que será a forma de identificar o indivíduo na família. A seguir, veja o que dispõe o referido artigo.

 

Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nome compreendidos o prenome e o sobrenome. (CF 2002, art. 16)

 

Compete aos pais dar o prenome à criança, e sendo falecido qualquer um, ao outro será dado este encargo. Existe certa discricionariedade na escolha dos prenomes, entretanto, ela é mitigada, não podendo submeter o filho a situações constrangedoras perante a sociedade. Nesse sentido, Coelho (2010, p. 199) assevera que:

 

Quem atribui o prenome à pessoa são os seus pais, em conjunto, ou qualquer um deles, quando falecido o outro na época do registro de nascimento. Sendo desconhecido ou ausente o pai, a escolha cabe naturalmente a mãe. Há plena liberdade de escolha, podendo os pais optar por expressões mais ou menos usuais ou incomuns na designação de pessoas, segundo seu desejo. Vedam-se apenas os prenomes suscetíveis de expor ao ridículo a pessoa (Lei nº 6.015/73, art. 55, parágrafo único).

 

 

Acerca do sobrenome, diz Coelho (2010, p. 199) que “a mesma liberdade na definição do prenome não existe na composição do sobrenome. Este identifica a família, e, portanto, deve reproduzir, ainda que em parte, o sobrenome dos pais.” Portanto, não há a mesma liberdade no que concerne à escolha do prenome.

Quanto à alteração do prenome e sobrenome, a regra é a sua imutabilidade, como afirma Coelho (2010, p. 200), a seguir:

 

A escolha do prenome e a composição do sobrenome pelos pais são, em princípio, definitivas. O nome, integrado pelo prenome escolhido pelos pais e pelo sobrenome composto por eles, não pode ser alterado a não ser nas hipóteses legalmente estipuladas. (...) A mutação do nome diz respeito a substituição ou acréscimo de expressões. A regra, pois, é a da definitividade do nome.

 

Existem hipóteses em que é possível a alteração do prenome e sobrenome, como afirma Coelho (2010, p. 200) a seguir:

 

Em casos específicos, porém, é possível sua mudança, a saber: a) vontade do titular, no primeiro ano seguinte ao da maioridade civil; b) decisão judicial que reconheça motivo justificável para a alteração; c) substituição do prenome por apelido notório; d) substituição do prenome de testemunha de crime; e) adição ao nome do sobrenome do cônjuge; f) acréscimo do sobrenome do padrasto ou madrasta; g) adoção.

 

Como se trata de direito da personalidade, é necessário garantir a proteção ao nome. Coelho (2010, p. 203) diz que “a proteção do nome como direito da personalidade confunde-se com a da imagem do seu titular. São indissociáveis os dois atributos, já que quem diz o nome de alguém invoca necessariamente a imagem associada a essa pessoa, existente ou por construir”.

 

Embora a maioria dos preceitos relativos ao direito da personalidade serem tratados como direitos e garantias fundamentais, há entre eles distinções, pois os direitos da personalidade exprimem aspectos que não podem deixar de ser conhecidos sem afetar a própria personalidade humana, enquanto que os direitos fundamentais demarcam em particular a situação do cidadão perante o Estado, com a preocupação básica da estruturação constitucional. De acordo com Miranda (1993, p. 55):

 

Direitos fundamentais pressupõem relações de poder, os direitos de personalidade relações de igualdade. Os direitos fundamentais têm uma incidência publicística imediata, quando ocorram efeitos nas relações entre os particulares; os direitos de personalidade uma incidência privatística, ainda quando sobreposta ou subposta a dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais pertencem ao domínio do Direito Constitucional, os direitos de personalidade ao do Direito Civil.

 

 1.6 Princípio da Igualdade entre os Filhos

 

O princípio da igualdade está previsto em cláusula pétrea devido à sua relevância na sociedade, pois afeto, carinho e zelo devem ser dispensados igualmente a todos os filhos, independentemente de sua origem, dessa forma, Cassettari (2014, p. 18) diz que: 

 

Se todos são iguais perante a lei, não podemos fazer distinção entre pais e filhos tentando valorar a importância do afeto para um ou outro, já que exististe importância desse valor jurídico para ambos. Não podemos esquecer que o direito à igualdade é uma garantia fundamental prevista em cláusula pétrea, e que qualquer interpretação contrária a isso afrontaria nossa Constituição Federal.

 

Os filhos havidos ou não pelo casamento, bem como na união estável devem ser tratados com igualdade. Rizzardo (2011, p. 338-9) informa que: 

 

Os direitos decorrem do simples fato da filiação, e não da circunstância de se nascer em determinado momento, antes ou depois da união matrimonial, ou paralelamente a esta, mas em união com pessoa estranha. A distinção outrora existente não mais perdura, uma vez que a Constituição veda qualquer designação que leve à desigualdade. Todo filho é simplesmente filho, seja qual for à natureza do relacionamento de seus pais.

 

Tal princípio também está previsto na Constituição Federal. Para  Dias (2013, p. 68), “a supremacia do princípio da igualdade alcançou também os vínculos de filiação, ao ser proibida qualquer designação discriminatória com relação aos filhos havidos ou não da relação de casamento por adoção (CF 227 §6º)”. Segue a transcrição do artigo da Constituição Federal:

 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

[...]

 

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

 

Existem dois tipos de igualdade: a formal, que diz respeito à aplicação dos direitos de forma igualitária em um grupo e a igualdade material, que se refere à justiça aplicada ao caso concreto. É necessário alinhar essas duas classificações de igualdade no plano fático para que a função social desse princípio seja cumprida. Dias (2013, p. 67, grifo do autor) afirma que: 

 

É necessária a igualdade na própria lei, ou seja, não basta que a lei seja aplicada igualmente para todos. O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos no âmbito social. A ideia central é garantir a igualdade, o que interessa particularmente ao direito, pois está ligada a ideia de justiça. Os conceitos de igualdade e de justiça evoluíram. Justiça formal identifica-se com igualdade formal, consistindo em conceder aos seres de uma mesma categoria idêntico tratamento. Aspira-se à igualdade material precisamente porque existem desigualdades.

 

O princípio da igualdade deve ser observado pelo aplicador do Direito. A isonomia é prioritariamente utilizada no âmbito do direito da família, como assevera Dias (2013, p. 69):

 

O princípio da igualdade não vincula somente o legislador. O intérprete também tem que observar suas regras. Assim como a lei não pode conter normas que arbitrariamente estabeleçam privilégios, o juiz não deve aplicar a lei de modo a gerar desigualdades. Em nome do princípio da igualdade, é necessário que assegure direitos a quem a lei ignora. Preconceitos e posturas discriminatórias, que tornam silenciosos os legisladores, não podem levar também o juiz a se calar. Imperioso que, em nome da isonomia, atribua direitos a todas as situações merecedoras de tutela.

 

Esse princípio é tão importante que foi incorporado ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no art. 20, como explica Elias (2005, p. 23-4), “a norma constitucional, que é repetida no art. 20 do ECA, produz vários efeitos. Entre outros, o do  reconhecimento imediato do filho havido fora do casamento e a da legitimação para ingressar com a ação de investigação de paternidade”. 

 

1.7 Princípio da Proteção Integral

 

O art. 227 da Constituição Federal de 1988 afirma que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e à comunitária, colocando-os a salvo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

 

 

A Carta Magna traz em seu bojo, a essência desse princípio, pois determina que compete aos familiares, podendo ser pais, mães, irmãos, tios, sobrinhos e demais parentes, bem como a sociedade, que são as pessoas com quem as crianças e os adolescente convivem e o Estado, que atuará por meio de políticas públicas e elaboração de leis, garantam a proteção integral às crianças e aos adolescentes, responsabilizando-os pelas consequências advindas de qualquer ação ou omissão, neste sentido, explicam Rossato, Lépore e Cunha (2013, p. 74):

 

Pretende, pois, que a família se responsabilize pela manutenção da integridade física e psíquica, a sociedade pela convivência coletiva harmônica, e o Estado pelo constante incentivo à criação de políticas públicas. Trata-se de uma responsabilidade que, para ser realizada, necessita de uma integração, de um conjunto devidamente articulado de políticas públicas. Essa competência difusa, que responsabiliza uma diversidade de agentes pela promoção da política de atendimento à criança e ao adolescente, tem por objetivo ampliar o próprio alcance da proteção dos direitos infanto-juvenis. Note-se que a fundamentalidade desses dispositivos é tamanha que contou com a reprodução praticamente integral no art.4º do ECA.

 

O art. 1º, da Lei nº 8.069/1990, denominado Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), adota expressamente o princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, baseando-se nos mandamentos da Carta Magna. Como se pode constatar, esse princípio é tão importante que foi idealizado nos dois sistemas jurídicos.

 

Para afirmar que o princípio da proteção integral foi adotado, Dias (2011, p. 349) dispõe que “a nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência familiar, adotando a doutrina da proteção integral. Transformou crianças e adolescentes em sujeitos de direitos. Deu prioridade à dignidade da pessoa humana, abandonando a feição patrimonialista da família”.

 

Antes da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, levava-se em consideração para fins de proteção, apenas aqueles que se encontrava em conflito com a lei, e adotava-se a doutrina da situação irregular, como explicitam Del-Campo e Oliveira (2012, p. 3, grifo do autor) “o estatuto afastou-se da doutrina da situação irregular, acolhida pelo Código de Menores (Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979), que compreendia como objeto de atenção apenas os menores em situação irregular, ou seja, aqueles em conflito com a lei ou, por qualquer motivo, privados de assistência”.

 

Explicando melhor em que hipóteses o menor se encontrava em situação irregular, discorre Elias (2005, p. 1): 

 

Era, dessarte, considerado em situação irregular o menor privado de condições essenciais à sua subsistência, a saúde e instrução obrigatória, seja pela omissão dos responsáveis, seja pela impossibilidade destes de provê-las, assim como aquele que fosse vítima de maus-tratos ou castigos imoderados impostos por seus responsáveis. Também, o que se encontrasse em perigo moral em face do ambiente contrário aos bons costumes, e aquele privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos responsáveis. Finalmente, o que tivesse desvio de conduta em virtude de grave inaptidão familiar ou comunitária e o que cometesse uma infração penal.

 

Atualmente, o que leva a proteção integral das crianças e adolescentes é a sua vulnerabilidade e fragilidade diante das adversidades. Diante disso, são merecedoras de tratamento diferenciado em prol da proteção dos interesses desses indivíduos, como assevera Dias (2013, p. 70), no texto a seguir:

 

A maior vulnerabilidade e fragilidade dos cidadãos até os 18 anos, como pessoas em desenvolvimento, o faz destinatários de um tratamento especial. Daí a consagração constitucional do princípio de que é assegurado a crianças, adolescentes e jovens, com prioridade absoluta, direito à vida, a forma, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Também são colocados a salvo de toda forma de opressão (CF 227).

 

Deve-se atentar, sempre que for aplicada alguma medida, algum direito ou dever às crianças e aos adolescentes, a proteção integral. Tal princípio é basilar em todo sistema, inclusive os internacionais.  Rossato, Lépore e Cunha (2013, p. 78) afirmam que

 

(...) a doutrina da proteção integral, consubstanciada em um metaprincípio orientador, encontra-se impregnada aos dispositivos da Constituição Federal, compondo um sistema constitucional de proteção à infância e juventude que encontra a sua realização completa e objetiva nas normas do Estatuto, formando, ao lado das normas internacionais de proteção dos direitos humanos e também das inúmeras prescrições administrativas (tais como as resoluções do Conanda), um verdadeiro sistema de tutela dos direitos da criança e do adolescente.

 

O art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que se considera criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até do12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade. O parágrafo único deste dispositivo diz que nos casos expressos em lei, deve-se aplicar excepcionalmente o Estatuto às pessoas entre 18 e 21 anos de idade.

 

Entretanto, apesar do parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente dizer expressamente que se aplicam as pessoas com até 21 anos, deve ser desconsiderado, uma vez que o Código Civil determinou que a maioridade seria alcançada com 18. Nesse sentido, Elias (2005, p. 2) assevera que: 

 

A proteção integral é abrangente. Aplica-se a todos os indivíduos que não completaram dezoito anos. Os casos em que se aplica àqueles que já atingiram essa idade, mas não chegaram aos vinte e um anos não devem mais ser considerados, pois o novo Código Civil reduziu a maioridade para dezoito anos. Ademais, tal proteção atinge todas as áreas da vida da criança e do adolescente. Assim, refere-se à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, à profissionalização, ao lazer e ao esporte.

 

 

No art. 7° do Estatuto da Criança e do Adolescente está previsto que a criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

 

O art. 15 diz que os tutelados pelo Estatuto possuem direito à liberdade e à dignidade da pessoa humana.

 

No mesmo diploma, em seu artigo 18, está previsto que é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

 

O art. 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que é dever de todos prevenirem a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente. Esse dispositivo nada mais é do que o concretizador do princípio da proteção integral, já que obriga todos aqueles que de alguma forma são ligados aos tutelados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente a protegê-los. Del-Campo e Oliveira (2012, p. 174) afirmam que “o dispositivo, reafirmando o princípio da proteção integral, busca conscientizar a sociedade da necessidade de preservar os direitos da criança e do adolescente”. 

1.8 Princípio da Solidariedade Familiar

 

O princípio da solidariedade consiste no dever que os indivíduos tem entre si de colaboração. Tem fulcro nos vínculos afetivos e observa o indivíduo no meio em que existe. Ele só vive quando inserido na coletividade. Dias (2013, p. 69) diz que:

 

Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna.

 

Esse princípio pode ser demonstrado quando existe a reciprocidade do dever de prestar alimentos entre aquele que fornece e aquele que o recebe. Dias (2003, p. 69) diz que: 

 

A lei civil igualmente consagra o princípio da solidariedade ao prever que o casamento estabelece plena comunhão de vidas. Também a obrigação alimentar dispõe deste conteúdo. Os integrantes da família são, em regra, reciprocamente credores e devedores de alimentos. A imposição de obrigação alimentar entre parentes representa a concretização do princípio da solidariedade familiar. Também os alimentos compensatórios têm como justificativa o dever de mútua assistência, nada mais do que a consagração do princípio da solidariedade.

 

1.9 Parentesco

 

A relação que liga alguns seres humanos a outros, seja por laços sanguíneos, seja por adoção ou apenas afinidade, é denominada parentesco, Gonçalves (2009, p. 276, grifo do autor): 

 

Em sentido estrito, a palavra “parentesco” abrange somente o consangüíneo, definido de forma mais correta como a relação que vincula entre si pessoas que descendem umas das outras, ou de um mesmo tronco. Em sentido amplo, no entanto, inclui o parentesco por afinidade e o decorrente da adoção ou de outra origem, como algumas modalidades de técnicas de reprodução medicamente assistida, que, nos países de língua francesa, é chamada de procréation médicalement assistée.

 

No mesmo sentido, aduzem Glagliano e Pamplona (2011, p. 643) que “entende-se por parentesco a relação jurídica, calcada na afetividade e reconhecida pelo Direito, entre pessoas integrantes do mesmo grupo familiar, seja pela ascendência, descendência ou colateralidade, independentemente da natureza (natural, civil ou por afinidade)”.

 

As relações de parentesco estão previstas nos arts. 1.591 a 1595 do Código Civil:

 

Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.

Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.

Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente.

Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.

§ 1o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.

§ 2o Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.

 

O parentesco pode ser natural ou consanguíneo, aquele que liga as pessoas por traços biológicos, tal nomenclatura já é autoexplicativa. Diniz (2010, p. 443) diz que “é o vínculo entre pessoas descendentes de um mesmo tronco ancestral, portanto, ligadas umas às outras pelo mesmo sangue. P. ex.: pai e filho, dois irmãos, dois primos etc”.

 

Parentesco por afinidade é estabelecido no art. 1.595 do Código Civil e decorre do casamento ou da união estável. É ligação que ocorre entre o companheiro ou cônjuge com os familiares do outro. Vejamos o que diz Gonçalves (2009, p. 277, grifo do autor):

 

Afinidade é o vínculo que se estabelece entre um dos cônjuges ou companheiro e os parentes do outro (sogro, genro, cunhado etc.). A relação tem os seus limites traçados na lei e não ultrapassa esse plano, pois não são entre si parentes os afins de afins (affinitas affinitatem non parit). Tal vínculo resulta exclusivamente do casamento e da união estável.

 

Ainda nesse sentido, no casamento ou na união estável, o casal torna-se apenas um, para efeitos sentimentais e econômicos, ocorrendo inclusive o aumento da família, em que os parentes de um cônjuge passam a ser reconhecidos pela lei como parentes do outro. Glagliano e Pamplona Filho (2011, p. 647, grifo do autor) informam que “o parentesco por afinidade, por sua vez, é estabelecido como consequência lógica de uma relação de afeto. Assim, o núcleo familiar do cônjuge ou companheiro é agregado ao núcleo próprio de seu(sua) parceiro(a) de vida”.

 

Há limitação expressa no parágrafo primeiro do art. 1.595 do Código Civil acerca do parentesco por afinidade, de que não há parentesco entre os parentes ligados pelo vínculo da afinidade, os denominados contraparentes, Venosa (2011, p. 221) diz que:

 

 Como a afinidade é de ordem pessoal e não se amplia além dos limites traçados pela lei, decorre que não existe vínculo de afinidade entre os parentes dos cônjuges (vulgarmente denominados contraparentes). Os afins dos cônjuges não são afins entre si porque a afinidade não gera afinidade. Desse modo, os concunhados não são afins entre si. Na hipótese de segundo casamento, os afins do primeiro casamento não se tornam afins do esposo casado em segundo matrimônio. A afinidade não tem repercussões no direito sucessório.

 

Os filhos de um cônjuge são considerados filhos do outro. Esse parentesco serve, por exemplo, para impedimentos matrimoniais, Dias (2013, p. 357) aduz que “o vínculo de afinidade se estabelece também com relação aos filhos de um dos cônjuges ou companheiros. Assim, o filho de um passa a ser filho por afinidade do seu cônjuge ou parceiro”.

 

Por fim, há o chamado parentesco civil, o originado da adoção ou qualquer outro reconhecimento jurídico, inclusive do resultante da socioafetividade. Nesse sentido, dizem Gagliano e Pamplona (2011, p. 646): 

 

Se o parentesco natural decorre da cognação, ou seja, do vínculo da consanguinidade, o denominado parentesco civil resulta da socioafetividade pura, como se dá no vínculo da filiação adotiva, no reconhecimento da paternidade ou maternidade não biológica calcada no afeto, na filiação oriunda da reprodução humana assistida (em face do pai ou da mãe biológicos), enfim, em todas as situações em que o reconhecimento do vínculo familiar prescindiu da conexão do sangue.

 

A constituição de uma nova família e de relação de parentesco, seja pelo casamento, seja por união estável, seja pelo nascimento e seja adoção, entre outros, geram efeitos jurídicos, Gagliano e Pamplona Filho (2011, p. 651) dizem que “se o reconhecimento de uma relação de parentesco gera alegria e a satisfação social de se fazer parte de um mesmo núcleo familiar também acarreta algumas restrições no ordenamento jurídico brasileiro, todas sempre com o intuito de evitar favorecimentos pessoais decorrentes da intimidade entre os parentes”.

 

 

O intuito dessas restrições tem foco na preservação das relações e negócios com terceiros, sejam relações de caráter processual ou material, como, por exemplo, as inelegibilidades da Carta Magna e os impedimentos matrimoniais. Venosa (2011, p. 221) aduz que “as relações de parentesco afetam os mais diversos campos do Direito, desde os impedimentos que se traduzem em inelegibilidades da Constituição até os impedimentos para o casamento”

 

Um exemplo de restrição decorrente da relação de parentesco é o presente no art. 405, §2º, I, do Código de Processo Civil, em que estão impedidas de depor como testemunha o cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade. 

 

Outros exemplos são citados por Rizzardo (2011, p. 328), “a repercussão do direito parental atinge vários setores, destacando-se os impedimentos para casar, a vocação hereditária, a prestação de alimentos, a guarda de menores etc.”

 

 

2 ESPÉCIES DE FILIAÇÃO, PODER FAMÍLIAR E RECONHECIMENTO DOS FILHOS

2.1 Filiação

 

A filiação é o vínculo que liga crianças ou adolescentes a seus pais, trata-se de filiação quando relativa ao filho e à paternidade ou maternidade quando relativa aos genitores. Explica Gonçalves (2009, p. 285, grifo do autor), que: 

 

Filiação é a relação jurídica que liga o filho a seus pais. É considerada filiação propriamente dita quando visualizada pelo lado do filho. Encarada em sentido inverso, ou seja, pelo lado dos genitores em relação ao filho, o vinculo se denomina paternidade ou maternidade. 

 

A filiação é um dos principais elementos das famílias e da junção das pessoas. A ordem natural da vida é nascer, crescer, se reproduzir e morrer. Essa capacidade de reprodução trata-se de uma característica nata do ser humano, Rizzardo (2011, p. 338), assevera que: 

 

Desde a antiguidade, a relação de filiação é o vínculo mais importante da união e aproximação das pessoas. Constitui um liame inato, emanado da própria natureza, que nasce instintiva mente e se prolonga ao longo da vida dos seres humanos, embora se atenue o sentimento com o passar do tempo.

 

Sobre o conceito de filiação diz Netto (2010, p. 295) que a relação que existe entre uma pessoa e outra de quem descende em primeiro grau, também, do vínculo de parentesco que liga uma pessoa em relação ao seu pai ou sua mãe”.

3.2 Filiação Biológica

 

A filiação biológica é a mais comum e ocorre quando o filho carrega a herança genética tanto do pai quanto da mãe. Tal filiação pode ser natural se ocorreu devido às relações sexuais dos pais ou por meio de inseminação artificial, a denominada fertilização in vitro ou fecundação assistida homóloga. 

 

A fertilização in vitro dá-se, como explicita Coelho (2013, p. 165), da seguinte maneira: “os gametas tenham sido fornecidos por quem consta no registro de nascimento da pessoa como seu pai e sua mãe, ainda que esta não tenha feito a gestação, mas outra mulher”, ou seja, o material genético colhido e utilizado é do genitor e da genitora que constam na certidão de nascimento do filho, que pode até nascer de outra mulher, que não a que forneceu o material biológico, como é o caso da popularmente chamada barriga de aluguel, mero meio para o nascimento da criança.  Esta não carregará nenhum material biológico da mãe de aluguel que o gerou. 

 

Esse tipo de inseminação, in vitro, necessariamente se origina de uniões estáveis ou casamentos, de pais que podem procriar, mas que, por razões do acaso, não conseguem ter filhos, assevera Venosa (2011, p. 238): “a inseminação artificial homóloga pressupõe que a mulher seja casada ou mantenha união estável e que o sêmen provenha do marido ou companheiro. É utilizada em situações nas quais, apesar de ambos os cônjuges serem férteis, a fecundação não é possível por meio do ato sexual por várias etiologias”.

 

Vale ressaltar que se a prole não for possuidora dos genes dos dois genitores, a filiação não pode ser considerada biológica.

2.3 Filiação por Substituição 

 

A filiação por substituição é uma solução procurada normalmente por casais com dificuldades para procriar e dá-se com a técnica da reprodução assistida heteróloga, em que é utilizado o espermatozoide, o óvulo e o ambiente propício para o desenvolvimento do feto, que é o útero. 

 

As principais causas da utilização deste método ocorrem quando homem é impotente ou doente, portanto, o material genético, que é o sêmen, a ser utilizado para a fecundação será de outro homem. Conceitua Venosa (2011, p. 238) que “a inseminação heteróloga é aquela cujo sêmen é de um doador que não o marido”.

 

Nesses casos, a lei é expressa ao determinar, para que seja feita a inseminação, a autorização do marido, equiparando-se o companheiro. Portanto, o elemento volitivo é essencial, como dispõe o art. 1.597, V, do Código Civil, “deve haver autorização do marido para realização do procedimento de inseminação artificial heteróloga”. 

2.4 Filiação Adotiva

 

A filiação adotiva ocorre quando há um processo judicial, ato solene, para aceitação de uma criança ou um adolescente como filho, por seus futuros pais, ou seja, pressupõe-se manifestação plena de vontade. Nesse caso, ocorre, segundo Diniz, (2011, p. 547), “o começo de uma relação jurídica de parentesco civil entre adotante e adotado”. 

 

Trata-se de uma ficção jurídica, uma simulação de filiação, que passa a ser reconhecida e que confere ao adotante poderes familiares, e ao adotado, status de filho. 

 

Leciona Venosa (2013, p. 279) diz que “adoção é uma filiação exclusivamente jurídica, que se sustenta sobre a pressuposição de uma relação não biológica, mas afeita”. O atual objetivo da adoção é permitir que aqueles que não consigam ter filhos naturalmente os tenham, e as crianças sem auxílio afetivo ou material, a possibilidade de ingressar em um lar, destarte, a adoção trata-se de matéria de ordem pública.

 

A adoção objetiva, primordialmente, o melhor interesse da criança, não possui caráter econômico, esse instituto prioriza amor, afeto e cuidado presente no futuro lar. 

 

Aquele que adota deve ter ciência da importância do seu ato, dos seus direitos e deveres, pois adotar significa envolvimento emocional e financeiro. O objetivo principal da adoção é o melhor interesse da criança, mas não se pode ignorar a repercussão patrimonial que ocorrerá. Vejamos o que diz Zuliane (apud Silva e Neto, 2011) sobre o assunto:

 

Adotar é acolher um ser humano com o coração e os bolsos abertos. É preciso amar para entregar a um estranho tudo o que for necessário para que ele perca essa condição e se integre como verdadeiro filho na família receptiva, sem qualquer restrição com as despesas que decorrem naturalmente do aumento da prole. O adotado não precisa ser privilegiado com benesses, porém não deverá ser excluído ou discriminado, diante da igualdade imposta pelo §6º do art. 227 da CF.

 

Adotar é ato jurídico em sentido estrito, ou seja, ao se optar por comportamento, as consequências dele advindas deverão ser aceitas, são inerentes à situação jurídica e todas as responsabilidades deverão ser arcadas pelo adotante e adotado. Dizem Gagliano e Pamplona Filho (2011, p. 656) que:

 

(...) a adoção mais se aproximaria do conceito de ato jurídico em sentido estrito. Como se sabe, o ato jurídico em sentido estrito ou não negocial caracteriza-se por ser um comportamento humano cujos efeitos estão legalmente previstos. Vale dizer, não existe, aqui, liberdade na escolha das consequências jurídicas pretendidas.

 

Adoção confere ligação de parentesco civil, em linha reta, e rompe toda ligação jurídica com os genitores biológicos, sendo que estes passam a não ter mais obrigações com o filho, sejam elas materiais, morais ou afetivas. É de caráter irrevogável, ou seja, mesmo que o adotante ou adotado desejem desfazer esse vínculo, não será possível. Subsistem os impedimentos para o casamento, por exemplo, o pai biológico não poderá se casar com a filha, mesmo que rompidos os vínculos jurídicos entre eles, por uma questão ética, moral e biológica. Diniz (2010, p. 523): 

 

A adoção é, portanto, um vínculo de parentesco civil, em linha reta, estabelecendo entre adotante, ou adotantes, e o adotado um liame legal de paternidade e filiação civil. Tal posição de filho será definitiva ou irrevogável, para todos os efeitos legais, uma vez que desliga o adotado de qualquer vínculo com os pais de sangue, salvo os impedimentos para o casamento (CF, art. 227, §§ 5º e 6º), criando verdadeiros laços de parentesco entre o adotado e a família do adotante.

 

Tais direito também são reconhecidos no art. 41 da Lei nº 8.069/1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.

 

O art. 39, §1, da Lei nº 8.069/1990 diz que a adoção é medida excepcional e não pode ser revertida, constituindo ao adotado status definitivo de filho do adotante, por esse motivo essa medida deve ser a última a ser tomada e ser utilizada somente quando esgotadas todas as chances de permanência da criança ou do adolescente em seus lares biológicos ou civis.

 

2.5 Filiação Socioafetiva

 

A última forma de filiação a ser apresentada é a socioafetiva. Ocorre quando a criança ou oadolescente possui convivência com um adulto, e a partir de então, surge entre eles o comportamento de pai e filho. Nessa relação há nítido laço sentimental e social. 

 

Nesse sentido, é o entendimento de Coelho (2013, p. 181), “a filiação socioafetiva constitui-se pela manifestação do afeto e cuidados próprios das demais espécies de filiação entre aquele que sabidamente não é genitor ou genitora e a pessoa tratada como se fosse seu filho”. 

 

Pode-se concluir que, se um indivíduo, que não possui laços sanguíneos com a criança ou o adolescente e oferecer-lhe tratamento baseado em afeto e laços sociais durante um período considerável, tratando-lhe como se filho seu fosse, deve ser tratado como pai.  

 

O dever de prestar alimentos pode decorrer da filiação socioafetiva, diz o enunciado n. 341 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (vade mecum 2014 pg. 2143) . O art. 1.697 do Código Civil diz que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo à obrigação nos mais próximos graus, uns em falta de outros”. 

 

Como a obrigação de prestar alimentos compete aos pais, art. 1.697 do Código Civil, e a jornada o Enunciado nº 341 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal descreveu a filiação socioafetiva como fato gerador da obrigação alimentar, aquela foi nitidamente reconhecida e apta a produzir efeitos no âmbito jurídico.

 

Outro conceito importante é a posse do estado de filho, que decorre da filiação socioafetiva, Dias (2013, p. 412, grifo do autor):

 

O desenvolvimento da sociedade e as novas concepções da família emprestaram visibilidade ao afeto, quer na identificação dos vínculos familiares, quer para definir os elos de parentalidade. Passou-se a desprezar a verdade real quando se sobrepõe um vínculo de afetividade. A maior atenção que começou a se conceder à vivência familiar, a partir do princípio da proteção integral, aliada ao reconhecimento da posse do estado de filho, fez nascer o que se passou a chamar de filiação socioafetiva. Assim, em vez de se buscar a identificação de quem é o pai ou de quem é a mãe, passou-se a atentar muito mais ao interesse do filho na hora de descobrir quem é o pai de “verdade”, ou seja, aquele que o ama como seu filho e é amado como tal.

 

Aquele que tem filho de outrem como se seu fosse, causando a todos essa impressão, utilizando uma posição jurídica de pai ou mãe que não lhe pertence, enquadra-se na situação da posse de estado de filho. Dias (2013, p. 73) diz que “a posse do estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de reconhecer a felicidade, como um direito a ser alcançado”.

 

É possível que aquele que possui vínculo socioafetivo ajuíze ação para que o estado de filiação, que é um direito imprescritível, indisponível, personalíssimo e que pode ser exercido sem limites, seja reconhecido. Tal reconhecimento é apenas a declaração pelo Poder Judiciário de uma situação jurídica já existente, a posse no estado de filho. Uma vez reconhecida essa relação, é efetivado o direito à identidade e à personalidade da criança ou do adolescente.

 

Não existe distinção entre os filhos biológicos ou provenientes de outra origem, portanto, uma vez reconhecida a filiação socioafetiva, os direitos e deveres inerentes ao estado de filiação passam a ser plenamente exigíveis.

 

O Supremo Tribunal Federal reconheceu que a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica é matéria de repercussão geral:

 

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO - FILHO REGISTRADO POR QUEM NÃO É O VERDADEIRO PAI - RETIFICAÇÃO DE REGISTRO - IMPRESCRITIBILIDADE DIREITO PERSONALÍSSIMO - PRECEDENTES – RECURSO DESPROVIDO.

Noticiam os autos que a ora agravada ajuizou Ação de Anulação de Assento de Nascimento c/c Investigação de Paternidade, tendo em vista que, quando do seu nascimento em 1961, fora registrada pelos avós paternos, como se estes fossem seus pais. Requereu fosse reconhecida a paternidade de seu pai biológico, para averbação junto ao Cartório de Pessoas Naturais e a anulação do registro feito pelos avós. O juízo monocrático julgou procedente a ação. Em sede de apelação a sentença foi mantida. Os ora recorrentes interpuseram recurso especial ao qual foi negado seguimento, nos termos da ementa acima transcrita. Irresignados com o teor do acórdão prolatado, os recorrentes interpuseram recurso extraordinário com fulcro no art. 102, III, a, da C.F., apontando como violado o art. 226, caput, da Carta Federal. Alegam, em síntese, os recorrentes que a decisão do Superior Tribunal de Justiça ao preferir a realidade biológica, em detrimento da realidade socioafetiva, não priorizando as relações de família que tem por base o afeto, afronta o art. 226, caput, da Constituição Federal. Verifico que o presente tema - prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica - é relevante sob os pontos de vista econômico, jurídico e social. Assim, manifesto-me pela configuração da repercussão geral do tema, e, desde já, submeto a matéria ao conhecimento dos demais Ministros do Supremo Tribunal Federal. Ministro Luiz Fux. Relator (ARE 692.186 RG / PB (grifo nosso).

 

Tal decisão foi proferida devido à importância econômica, social e jurídica da matéria, devendo ser submetida ao voto dos demais Ministros da Corte.

 

Anteriormente, a filiação biológica era privilegiada, porém, com a evolução da sociedade, cedeu lugar a paternidade socioafetiva. Conforme Macedo Júnior (2013, p. 208), “o vínculo biológico, antes considerado como elemento essencial e insuperável à caracterização da paternidade, perdeu sua exclusividade e passou a coexistir com outra causa remota – vínculo socioafetivo – que por si só tem o condão de reconhecer o estado de filiação”.

 

Afirmando que a filiação socioafetiva deve prevalecer sobre a biológica, Dias (2005, p. 361) diz que “a filiação socioafetiva é o valor que precisa prevalecer, e se sobrepõe a filiação biológica, ultrapassando até mesmo os efeitos da coisa julgada, não sendo possível destruir o elo consolidado pela convivência, devendo o poder judiciário respeitar os laços constituídos no decorrer do tempo”.

 

Ainda sobre o tema, preleciona Dias (2011, p. 349, grifo da autora) que “a desbiologização da paternidade – expressão cunhada por João Batista Villela – identifica pais e filhos não biológicos, não consanguíneos, mas que construíram uma filiação psicológica”. 

 

Acerca da desconstituição da parentalidade socioafetiva baseada em adoção à brasileira, é entendimento recente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que ela não poderá ser desconstituída se for comprovada a relação de afetividade:

 

 

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO. ANULAÇÃO DE REGISTRO. ALEGAÇÃO DE ERRO DE CONSENTIMENTO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DO ATO REGISTRAL. CABIMENTO. ADOÇÃO À BRASILEIRA. VERIFICAÇÃO. VÍNCULO SOCIOAFETIVO. POSSE DO ESTADO DE FILHO. PREVALÊNCIA. DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ E TJDFT. SENTENÇA MANTIDA 1. Embora a contestação da filiação possa ser requerida pelo genitor a qualquer tempo e tenha por finalidade precípua a anulação do registro civil de nascimento, ela em regra é irrevogável e depende de prova robusta de ocorrência de vício de consentimento a envenenar a vontade que ensejou o ato registral.

2. Mesmo restando cabalmente afastada a paternidade biológica pelo resultado negativo do exame de DNA que fora realizado, o registro de nascimento do réu, na espécie, somente poderia ser anulado caso houvesse comprovação do noticiado erro, encargo do qual não se desincumbiu o réu (CPC, 333, I).

3. O contexto probatório, além de não ter corroborado a alegação de existência de erro de consentimento na assunção da paternidade, aponta para efetiva configuração de relação paterno-filial entre as partes decorrente da posse do estado de filho, denotando a formação da PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA.

4. Essa circunstância, na realidade, informa que o autor realizou a denominada adoção à brasileira, o que infirma a sua intenção recursal, devendo-se privilegiar a presunção de validade do ato de reconhecimento de paternidade - tal como constatou o eminente julgador “a quo” – e a verificada relação de afetividade, a qual se configurou independentemente do atual relacionamento dos envolvidos.

5. Na hipótese, não há como admitir a desconstituição do autêntico estado de filiação do apelado em relação ao apelante, representado pelo reconhecimento espontâneo e indene de vícios da paternidade no registro civil de nascimento há quase vinte anos, o que inviabiliza a pretensão recursal e assegura a manutenção da sentença. 6. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. (TJDFT; APC 0031434-46.2011.8.07.0003; 1ª Turma Cível; Rel. Alfeu Machado; j. 01/10/14;DJE 06/10/14)

 

 

O reconhecimento da parentalidade socioafetiva é de extrema relevância para o atual ordenamento jurídico, pois implica o reconhecimento de uma situação fática, que pode coexistir com a realidade biológica e até mesmo prevalecer sobre ela. Aduzem Glagliano e Pamplona (2011, p. 628-9): 

 

O que vivemos hoje, no moderno Direito Civil, é o reconhecimento da importância da paternidade (ou maternidade) biológica, mas sem fazer prevalecer a verdade genética sobre a afetiva. Ou seja, situações há em que a filiação é, ao longo do tempo, construída com base na socioafetividade, independente do vínculo genético, prevalecendo em face da própria verdade biológica.

 

Um dos objetivos do reconhecimento da filiação socioafetiva é, segundo Coelho (2013, p. 179), “impedir que o homem, depois de anos se portando como pai de alguém, por razões que não dizem respeito direto ao relacionamento paternal, pretenda se exonerar de responsabilidades patrimoniais”. O reconhecimento da filiação socioafetiva é um amparo legal ao filho, uma vez que esse ficará resguardado nas obrigações alimentares. Não se pode desvalorizar esse instituto, que possuiu outros objetivos além dos alimentares e pecuniários, como fornecer à criança e ao adolescente elementos jurídicos que efetivem o direito a personalidade.

 

Dizem Gagliano e Pamplona (2011, p. 629) que “há situações que a filiação é, ao longo do tempo, construída com base na socioafetividade, independente do vínculo genético, prevalecendo em face da própria verdade biológica. Pelo exposto, há possibilidade do vínculo socioafetivo prevalecer sobre o biológico”.  Para que um seja tratado como filho, não necessariamente deve portar a carga genética daquele que o criou. Pai é aquele que cria, fornece elementos à sobrevivência e apoio emocional. O vínculo socioafetivo pode prevalecer sobre o biológico.

 

Com os avanços tecnológicos atuais, é possível descobrir, por meio do Exame de DNA, quem é o verdadeiro genitor da criança, entretanto, mesmo com essa facilidade, há que se privilegiar, sempre, a verdade socioafetiva. Destaque-se a explicação de Dias (2013, p. 372):

 

(...) nunca foi tão fácil descobrir a verdade biológica, mas essa verdade passou a ter pouca valia frente a verdade afetiva. Tanto é assim que se estabeleceu a diferença entre pai e genitor. Pai é o que cria, o que dá amor, e genitor é somente o que gera. Se, durante muito tempo – por presunção legal ou por falta de conhecimentos científicos -, confundiam-se essas duas figuras, hoje é possível identificá-las em pessoas distintas.

 

Embora haja a possibilidade de reconhecimento e até sobreposição da filiação socioafetiva, há proteção aos demais tipos de filiação, quando, por exemplo, os genitores biológicos são privados do convívio com a prole, nos casos de sequestro de um bebê, ou seja, há relativização da prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica. Asseveram Gagliano e Pamplona Filho (2011, p. 633), “a teoria da filiação socioafetiva não deve ser reconhecida em favor daquele que subtraiu o menor de sua família natural”.

 

Em todos os casos, é necessário fazer o uso da hermenêutica por aquele que irá elaborar a lei, bem como ao que irá aplicá-la. Venosa (2011, p. 224) diz que “o legislador deve procurar o possível no sentido de fazer coincidir a verdade jurídica com a verdade biológica, levando em conta as implicações de ordem sociológicas e afetivas que envolvem essa problemática”.

 

Diante do exposto, é plenamente justa e importante a filiação socioafetiva, baseada no amor, no respeito, no cuidado, na construção de uma relação que demanda muito mais do que vínculos genéticos. 

 

A procriação pode-se resumir apenas ao ato de ter um filho, mas criá-lo exige muito mais envolvimento dos pais e aqueles que exercem as atribuições de pais não podem deixar de ser reconhecidos pelo ordenamento jurídico.

 

Por tais razões, há que se ponderar que o direito de família, no que concerne à filiação, pode ser enquadrado em um direito mais justo, humano, solidário, afetivo e fatídico e principalmente mutável. Verifica-se que a sociedade está em constante mudança de padrões, atitudes e princípios, devendo o direito de família se adaptar as novas realidades e a lei se adaptar as famílias. Fachim (2001, p. 99) aduz que “o direito de família, no limiar do novo século, tem apresentado sérios desafios aos estudiosos do Direito. O debate revela um Direito em constante movimento, cujas relações intersubjetivas denotam que a lei pura e simples não socorre a todas as perguntas e questionamentos que surgem”.

 

A aplicação da socioafetividade na questão da filiação dá-se graças às mudanças sociais atuais, em que os núcleos familiares estão mudando, se reestruturando às novas tendências. A utilização da socioafetividade como parâmetro estimula a dependência recíproca entre os indivíduos de uma família, além de trazer segurança jurídica e paz aquela, Nery Junior e  Nery (2013, p 1317):

 

A cada dia cresce a influencia da teoria da socioafetividade sobre os institutos do direito de família, para realçar os traços de lealdade e de boa-fé, que estimulam um comportamento de solidariedade entre membros da entidade familiar. Prega-se, e com razão, que os laços afetivos e a expectativa de segurança e proteção suscitada pelo convívio afetivo familiar criaram também laços jurídicos capazes de impor deveres e obrigações e de gerar direitos e poderes entre os membros do grupo familiar que cultivaram laços de família.

 

Dizem Gagliano e Pamplona Filho (2011, p. 633) que “o grande passo uma sociedade dá quando verifica que a relação paterno-filial é muito mais profunda do que o vínculo de sangue ou mera marca da genética”. Assim, ao reconhecer e declarar a filiação socioafetiva, fazendo-a em alguns casos prevalecer sobre a filiação biológica, respeita-se o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos a personalidade.

 

2.6 Poder Familiar

 

O poder familiar é hipótese de encargo público que é imposto aos pais e é de extrema importância, pois o Estado sozinho não consegue disponibilizar a assistência necessária a esses indivíduos submetidos ao poder familiar, sejam eles crianças ou adolescentes. De acordo com Rizzardo (2011, p. 538):

 

É natural que a ordem social e o desenvolvimento sadio de um povo dependem e muito do perfeito encaminhamento daqueles que, por não terem atingido a maturidade do corpo e do espírito, necessitam da assistência e da tutela de seus responsáveis. Se de um lado a autoridade do Estado não pode substituir a autoridade dos pais, de outro, em especial num país com tantas deficiências culturais como o Brasil, deve impor-se a autoridade do Poder Público em inúmeros setores, como, aliás, o fez a Lei nº 8.069, de 1990.

 

Conceituando poder familiar, Gonçalves (2009, p. 372) diz que “poder familiar é o conjunto de direitos deveres atribuídos aos pais no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores”.

 

Os pais possuem, de forma igualitária, dever e poder de decidir sobre a vida da prole, isso decorre de uma necessidade natural de divisão dos deveres da família. Se os genitores discordarem em algum aspecto nesses deveres, observando-se o melhor interesse dos filhos, poderão recorrer, em último caso, à tutela jurisdicional do Estado. Diniz (2010, p. 564 e 565) explica que “ambos têm, em igualdade de condições, o poder decisório sobre a pessoa e bens de filho menor não emancipado. Se, porventura, houver divergência entre eles, qualquer deles poderá recorrer ao juiz à solução necessária, resguardando o interesse da prole (CC, art. 1.690, parágrafo único).”

 

Como está disposto no art. 226, §5º da Constituição Federal que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Esse dispositivo constitucional consagra o princípio da igualdade entre os cônjuges, que está intimamente ligado ao exercício do poder familiar no casamento, mas isso não impede que pais que não sejam casados exerçam esse poder, uma vez que o dever de cuidar dos filhos decorre apenas do estado de filiação.

 

 

 

Afirmando a igualdade entre os cônjuges ou companheiros, diz Rizzardo (2011, p. 535): 

 

Chegou-se em um momento histórico de igualdade praticamente total entre os membros da família, onde a autoridade dos pais é consequência do diálogo e entendimento, e não de atos ditatoriais ou de comando cego. Diríamos que hoje preponderam direitos e deveres numa proporção justa e equânime no convívio familiar.

 

O exercício do poder familiar decorre tão somente da filiação, seja ela natural ou civil, não possuindo relação com o fato dos pais estarem ou não casados. Mais uma vez sedimentando o princípio da igualdade entre os cônjuges, Diniz (2011, p. 305) explica que “o poder familiar decorre da paternidade e da filiação e não do casamento, tanto que o mais recente código se reporta também à união estável”. A respeito do tema, dispõe o Código Civil em seus arts 1.631 e  1632:

 

Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.

Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.

Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.

 

O antigamente denominado pátrio poder, que hoje é o poder familiar, decorre do estado de pai e filho, pura e simplesmente, Rocha (1960, p. 47): 

 

O fato só da geração não é suficiente para explicar o pátrio poder, que pode existir independente de laços de sangue, tal como ocorre no caso da adoção (...) Quer se trate de filho adotivo, quer se cogite de filho resultante do vínculo de sangue, temos que o pátrio poder deriva de um imperativo inevitável, que é a ordem social, em razão da qual o pai é investido de autoridade, a fim de dar a proteção e a assistência devidas ao filho menor e não emancipado.

 

Os direitos e deveres dos genitores estão descritos no Código Civil, como descrito a seguir.

 

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

 

Para que os direitos e deveres constantes na lei possam ser plenamente exercidos, faz-se necessário o uso do poder familiar, caso contrário, seria quase impossível exercê-los, uma vez que inexiste possibilidade de pleitear algo, se não houver motivo para isso. Rizzardo (2011, p. 539) aduz  o seguinte: 

 

É o poder familiar indispensável para o próprio desempenho ou cumprimento das obrigações que têm os pais de sustento, criação e educação dos filhos. Assim, impossível admitir-se o dever de educar e cuidar do filho, ou de prepará-lo para a vida, se tolhidos o exercício de certos atos, o cerceamento da autoridade, da imposição ao estudo, do afastamento de ambientes impróprios etc. Daí a íntima relação no desempenho das funções derivadas da paternidade e da maternidade com o exercício do poder familiar. E para bem dirigir ou encaminhar os negócios do filho, é necessário que a lei lhe reconheça o direito de administrar o patrimônio respectivo.

 

O exercício do poder familiar é hipótese de encargo público, ou seja, é uma obrigação do detentor desse poder exercê-lo de forma efetiva, caso isso não ocorra, o Estado poderá intervir, em prol do melhor interesse da criança ou adolescente, de forma a privilegiar o melhor interesse da criança, como dispõe o Código Civil:

 

Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:

I - pela morte dos pais ou do filho;

II - pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único;

III - pela maioridade;

IV - pela adoção;

V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.

 

A extinção do poder familiar está prevista em rol taxativo. Para que ocorra não é necessário se aprofundar no mérito, ela apenas decorre de uma situação fática, desvinculada da vontade dos genitores. Rizzardo (2011, p. 543) afirma que “a extinção é a forma menos complexa, verificável por razões decorrentes da própria natureza, independente da vontade dos pais, ou não concorrendo eles para os eventos que a determinam”.

 

Se a extinção do poder familiar é verificada por motivos oriundos da própria natureza, a suspensão desse poder ocorre quando os genitores se omitem ou atuam em desconformidade com os interesses da prole. Rizzardo (2011, p. 544) assevera que: 

 

Os pais, por seu comportamento, prejudicam os filhos, tanto nos interesses pessoais como nos materiais, com o que não pode compactuar o Estado. Usam mal da função, embora a autoridade que exercem, desleixando ou omitindo-se nos cuidados aos filhos, na sua educação e formação; não lhe dando a necessária assistência; procedendo inconvenientemente; arruinando seus bens e olvidando-s na gerência de suas economias.

 

Na suspensão, o poder é limitado por algum tempo. Segundo Diniz (2010, p. 576) “na suspensão, o exercício do poder familiar é privado, por tempo determinado, de todos os seus atributos ou parte deles, referindo-se a um dos filhos ou a alguns”. As hipóteses de suspensão estão arrolas no Código Civil:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

 

O teor do artigo supracitado permite que outras medidas, além da suspensão, sejam tomadas. Gonçalves (2009, p. 391, grifo do autor) explica que “o dispositivo em apreço não autoriza somente a suspensão, mas igualmente, outras medidas que decorram da natureza do poder familiar”. Portanto, fica a cargo do aplicador do Direito analisar o caso concreto e verificar qual a melhor medida a ser tomada.

 

O art. 157 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que, em razões de grave motivo, a suspensão do poder familiar poderá ocorrer, em tutela antecipada nos autos ou por meio de ação cautelar preparatória.

2.7 Reconhecimento dos Filhos

 

O art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que os direitos acerca da filiação são personalíssimos, indisponíveis e imprescritíveis, podendo ser exercitados contra os pais ou herdeiros, sem qualquer restrição.

 

Antigamente, havia distinções entre os filhos, que podiam ser ilegítimos, naturais, espúrios ou incestuosos. Explica Gonçalves (2013, p. 342, grito do autor):

 

Antes da atual Constituição Federal, os filhos de pais não casados entre si eram chamados de ilegítimos e podiam ser naturais ou espúrios. Naturais, quando entre os pais não havia impedimento para o casamento. Espúrios, quando não era permitida a união conjugal dos pais. Os espúrios podiam ser adulterinos, se o impedimento resultasse do fato de um deles ou de ambos serem casados, e incestuosos, se decorre do parentesco próximo, como entre pai e filha ou entre irmão e irmão

 

Atualmente não existem mais essas classificações, pois, com o advento da Constituição Federal, foi expressamente mencionado o princípio da igualdade entre os filhos. \\\\\nesse sentido Dias (2013, p. 387) leciona:

 

A Constituição Federal proíbe qualquer designação discriminatória relativa à filiação, assegurando os mesmos direitos e qualificações aos filhos havidos ou não da relação de casamento ou por adoção (CF 227, §6.º). Assim, indispensável que o Código Civil abandonasse a velha terminologia que diferenciava filhos legítimos e ilegítimos, pelo fato de terem nascido na constância do casamento ou serem fruto de relações extra matrimoniais.

 

Entretanto, apesar da discriminação entre os filhos ser vedada, a filiação existente hoje se refere apenas aos filhos havidos no casamento, baseando-se em presunções. Se os genitores forem casados, presumem-se filhos do casal aqueles concebidos na constância do casamento e estes não precisam ser reconhecidos.

 

A filiação matrimonial é a que se origina na constância do casamento dos pais, ainda que anulado ou nulo – arts. 1.561 e 1.617 do Código Civil. 

 

A união estável também pode gerar essa presunção de paternidade. Para Dias (2013, p. 388), “havendo prova pré-constituída da união, como decisão judicial declarando sua vigência no período coincidente com a época da concepção, é imperioso admitir dita presunção”.

 

O Código Civil traz expressamente as hipóteses de presunção de paternidade: 

 

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

 

Existe o reconhecimento voluntário, que se dá com a inserção do nome dos pais na Certidão de Nascimento da criança não concebida na constância do nascimento. Aduz Rizzardo (2011, p. 367):

 

Cuida-se do reconhecimento através do qual há a declaração da paternidade ou maternidade, conforme procede do pai ou da mãe, relativamente ao filho havido fora do casamento, em cujo registro não consta a filiação de um dos pais ou de ambos. Simplesmente não se apôs no ato registrário o nome de um ou de ambos os progenitores.

 

Os casos em que o nome dos dois genitores não constam na Certidão de Nascimento da criança são raros, mas existem em razão da precariedade e do desenvolvimento em certas regiões do país.

 

As hipóteses de reconhecimento voluntário dos filhos estão previstas no Código Civil:

 

Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito

I - no registro do nascimento;

II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;

III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;

IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.

Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.

 

Ao ser feito o registro de nascimento, devem ser apresentadas todas as qualificações necessárias dos genitores e da criança, como explicam Santos e Cascaldi (2011, p. 477):

 

O assento de nascimento deve precisar, ademais, a ordem de filiação de outros irmãos da criança, prenome que existirem ou tiverem existido, bem como os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e o cartório onde se casaram, a idade da genitora, do registrando em anos completos, na ocasião do parto, e o domicílio ou a residência do casal. Os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos também devem ser lançados.

 

 

O reconhecimento do filho não pode ser revogado, nem mesmo quando feito por testamento, conforme dispõe o art. 1.610 do Código Civil.

 

Há hipótese do reconhecimento judicial do filho, que pode ser feita por meio da ação investigatória de paternidade ou maternidade. De acordo com Gonçalves (2013, p. 353, grifo do autor), “o filho não reconhecido voluntariamente pode obter o reconhecimento judicial, forçado ou coativo, por meio de ação de investigação de paternidade, que é ação de estado, de natureza declaratória e imprescritível”.

 

A imprescritibilidade dá-se em virtude do direito inerente ao ser humano, e por isso não pode ser alieanado, tampouco disponibilizado, seja pelo indivíduo ou pelo Estado. Rizzardo (2011, p. 394) diz que 

 

Ocorre que o estado da pessoa constitui emanação da personalidade, sendo indisponível, sequer podendo a lei subtrair o direito inato no ser humano em fazê-lo valer a qualquer tempo. A ninguém é facultado abdicar de seu próprio estado, e nem é sustentável a fixação de prazo para o exercício do direito a determinada paternidade.

 

Segundo Diniz (2011, p. 517) “o reconhecimento judicial de filho resulta de sentença proferida em ação intentada para esse fim, pelo filho, tendo, portanto, caráter pessoal, embora os herdeiros do filho possam continuá-la”. Esse direito é personalíssimo,  somente o filho pode propor, mas nada obsta que venha a ser representado pelo seu representante legal, se não puder ingressar com a ação sozinho.

 

Atualmente, a ação pode ser proposta sem qualquer restrição, inclusive pelo filho adotivo, como dispoe o art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse sentido, Gonçalves (2013, p. 356) explica que “não há empecilho a que o filho adotivo intente ação de investigação de paternidade em face do pai biológico, de caráter declaratório e satisfativo do seu interesse pessoal”.

 

Apesar de existirem diversas críticas a respeito da legitimidade do Ministério Público para propor a demanda, é essencial que ele intervenha, devido à relevância do reconhecimento da filiação. Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 617) não concordam com essas críticas, uma vez que, para esses autores,  “na medida em que é de interesse social a busca da verdade da filiação, exercendo, portanto, as Promotorias de Justiça, um relevantíssimo serviço a toda sociedade brasileira”.

 

Segundo Rizzardo (2011, p. 388), a hipótese de intervenção do Ministério Público ocorre, quando “a mãe efetua o registro do filho, sem o comparecimento do pai". Neste caso compete ao oficial cartorário recolher, junto a mãe, as informações sobre  o pai, e enviá-las, com cópia do assento de nascimento, ao magistrado da vara em que ocorreu o registro.

 

O art. 1.616 do Código Civil confere a sentença que julgar procedente a ação de investigação de paternidade ou maternidade os mesmos efeitos do reconhecimento do filho.

 

Atualmente, há a relativização da coisa julgada nas ações de investigação de paternidade, se anteriormente não foi possível a descoberta da verdade biológica. Hoje com o exame de DNA é possível. Então, as ações acobertadas pelo manto da coisa julgadas eram revistas, em prol do direito a verdade biológica, como discorre Dias (2013, p. 400):

 

Quando o desacolhimento da ação decorre da falta de provas – prova bem difícil antes do DNA -, a sentença não nega a paternidade, não afirma que o réu não é o pai do autor. Limita-se a declarar que o autor não provou que o réu é seu pai. Não tendo sido identificada a verdade biológica na anterior demanda, esse ponto não foi alvo da apreciação judicial. Como o juiz nada decidiu, é inadequado falar em coisa julgada. Dai a possibilidade da propositura de uma nova ação.

 

Obviamente, o polo passivo da ação são os genitores da criança. Rizzardo (2011, p. 392) diz que “a legitimidade passiva recai, evidentemente, no pai e na mãe que se investiga. Se tiver falecido, dirige-se a ação contra os respectivos filhos, por serem herdeiros ou sucessores”.

 

Se a mãe tiver qualquer dúvida sobre a paternidade do filho, que recaia sobre mais de um homem, esse filho poderá ajuizar uma ação em face dos supostos pais. (RIZZARDO, 2011, p. 392)

 

A prova da filiação faz-se mediante coleta de material genético, para que seja realizado exame de DNA, no entanto, este não é o único meio, podendo o magistrado, a seu critério, em razão do interesse maior que norteia a ação, determinar outros meios de prova, como discorre Gonçalves (2013, p. 368), “malgrado a prova pericial genética não seja o único meio idôneo de prova nas ações em apreço, nem constitua prova inconteste, deve o juiz determinar a sua realização, ainda que de ofício, dada a sua precisão e elevado grau de acerto”.

 

A Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça consagra a inversão do ônus da prova em relação ao pai que recusar se submeter ao exame de DNA, ou seja, caberá a ele provar que não é pai.

 

Tanto o reconhecimento voluntário, quanto o judicial, segundo o art. 1.613 do Código Civil, não poderão constar nele, qualquer tipo de condição ou termo, pelo valor do objeto em questão, que é direito à personalidade.

 

Hoje, não há que se falar apenas em reconhecimento da origem biológica. Deve-se levar em conta a realidade socioafetiva. Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 619) dizem que “a regra atual é no sentido de se permitir a discussão da paternidade ou da maternidade de quem quer que seja, o que também importa ao reconhecimento da origem genética, sem se descuidar da perspectiva da socioafetividade”.

 

Há entendimentos contrários ao reconhecimento de filiação socioafetiva, como mostra Coelho (2011, p. 187):

 

O reconhecimento de filhos é ato ligado essencialmente à filiação biológica. Não pode ter por objeto a instituição de filiação adotiva ou socioafetiva. Tem lugar quando o registro de nascimento do filho não confere com a verdade biológica de sua concepção, por parte da mãe ou do pai, excluída a hipótese de filiação por substituição

 

Os efeitos do reconhecimento do filho são a inserção do sobrenome de pais e avós no registro de nascimento do menor. Isso resultará na existência de direitos e obrigações recíprocos entre pais e filhos, decorrentes do poder familiar, como discorre Gonçalves (2013, p. 376):

 

Com o reconhecimento, o filho ingressa na família do genitor e passa a usar o sobrenome deste. O registro de nascimento deve ser, pois, alterado, para que dele venham a constar os dados atualizados sobre sua descendência. Se menor, sujeita-se ao poder familiar, ficando os pais submetidos ao dever de sustentá-lo, de tê-lo sob sua guarda e educá-lo (CC, art. 1.566, IV). Entre o pai e o filho reconhecido há direitos recíprocos aos alimentos (CC, art. 1.696) e à sucessão (art. 1.829, I e II).

 

Com o reconhecimento, as obrigações alimentares recíprocas passam a existir, como está previsto no art. 1.696 do Código Civil. Nesse sentido, Rizzardo (2011, p. 379) aduz que “no pertinente aos alimentos, as regras são iguais às estabelecidas para os demais filhos. Havendo possibilidade do progenitor e necessidade do filho, impõe-se a obrigação alimentar, tanto mais quando totalmente incapaz o último para se sustentar.”

 

O art. 27 da Lei nº 8.069/2009 diz que o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça. 

 

 

3 PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA E MULTIPARENTALIDADE 

3.1 Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973

 

No que concerne ao nascimento, a Lei de Registros Públicos, no capítulo IV, dispõe o seguinte: 

 

Art. 50. Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais, dentro do prazo de quinze dias, que será ampliado em até três meses para os lugares distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório. 

(...)

Art. 54. O assento do nascimento deverá conter: 

1°) o dia, mês, ano e lugar do nascimento e a hora certa, sendo possível determiná-la, ou aproximada;

(...)

7º) Os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais, o lugar e cartório onde se casaram, a idade da genitora, do registrando em anos completos, na ocasião do parto, e o domicílio ou a residência do casal.

8º) os nomes e prenomes dos avós paternos e maternos;

(...)

Art. 57.  A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei. 

(...)

 

Dessa forma, a lei prevê que toda criança que nascer terá o direito de ser registrada, constando no seu assento de nascimento o nome e pronome dos pais e dos avós e a alteração posterior do nome somente será permitida com sentença judicial motivada.

 

Vale citar que não há menção na lei de Registros Públicos sobre a multiparentalidade.

3.2 Lei nº 11.924 de 17 de abril de 2009

 

A jurisprudência admite a possibilidade de o enteado incluir o nome do padrasto em seu nome, sem modificação do poder familiar do genitor. Nesse sentido, Dias (2011, p. 50) explica que “seguindo a trilha da jurisprudência, a Lei nº 11.924/2009 admitiu a possibilidade de o enteado agregar o nome do padrasto, o que, no entanto, não gera a exclusão do poder familiar do genitor”.

 

Essa lei é popularmente chamada de Lei do Clodovil, pois foi proposta pelo deputado Clodovil Hernandes e aprovada após a sua morte. Rizzardo (2011, p. 550) explica: 

 

Uma situação nova veio trazida pela Lei nº 11.924, de 17 de abril de 2009, consistente na permissão ao enteado ou à enteada em acrescentar o nome do padrasto ou da madrasta ao seu. A lei veio de projeto apresentado pelo então deputado Clodovil Hernandes, cuja aprovação, ocorrida poucos dias depois de sua morte, se deu mais como homenagem à sua pessoa. O propósito desse acréscimo é estreitar os laços familiares, ou reforçar o vínculo emocional que une as pessoas numa mesma família. Considerou-se que, nos casos em que as crianças não são criadas pelo próprio pai ou mãe, mas pelas pessoas com quem aquelas que têm sua guarda vivem, é salutar que se acrescentem ao nome que traz o da pessoa que vive com o pai ou a mãe.

 

Conclui-se que o objetivo desse acréscimo é encurtar os vínculos entre familiares e aqueles que convivem sob o mesmo teto, mesmo que não possuam vínculos biológicos, como é o caso dos enteados(as), padrastos e madrastas, que se tratam com respeito, amor, afeto, e vivem como genitores e filhos. 

 

Com essa mudança legislativa, o sentimento foi valorizado, tornando-se um dos requisitos para a inserção do nome do padrasto e/ou madrasta na Certidão de Nascimento da criança ou do adolescente. Nesse sentido, Rizzardo (2011, p. 550) diz que é “condição primordial para ser aposto o nome é a existência de motivo ponderável, isto é, importante, como afinidade, amizade, afetividade, dedicação, desvelo, tratamento filial do progenitor ou progenitora em relação ao enteado ou enteada”.

 

Além do motivo relevante, é requisito para a averbação ao nome do enteado a concordância do padrasto ou da madrasta. Coelho (2010, p. 202) diz que:

 

 O enteado pode requerer ao juiz a averbação ao seu assentamento de nascimento do sobrenome de seu padrasto ou madrasta. A lei sujeita esse pedido à existência de motivo ponderado e à concordância do padrasto ou madrasta. Não basta, assim, a vontade do enteado, devendo provar-se vínculo afetivo entre eles suficientemente forte para justificar a medida excepcional

 

Mais uma vez no Direito, foi visto que a realidade afetiva deve prevalecer, devendo o juiz autorizar a averbação no assento de nascimento daqueles que comprovarem tal realidade. Insta salientar que não é necessário o falecimento dos pais biológicos para que ocorra o acréscimo no nome do enteado(a), como explica Coelho (2010, p. 2012):

 

Note-se que os dicionários, atualmente, ao definirem “padrasto” e “madrasta”, não mais se referem ao falecimento respectivamente do pai e da mãe como pressuposto; e é nesse sentido que a lei deve ser aplicada. Vale dizer, mesmo que vivo ainda o pai (ou a mãe), se alguém quiser incorporar ao seu o sobrenome do novo marido da mãe (ou nova mulher do pai), havendo vínculo afetivo especial entre eles, o juiz deve autorizar a averbação.

 

A Lei nº 11.932/2009 acrescentou o §8º ao art. 57 da Lei nº 6.015/1973, que trata dos Registros Públicos, transcrita a seguir:

 

Art. 57.  A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009).

(...)

§ 8º  O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2º e 7º este artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus apelidos de família. (Incluído pela Lei nº 11.924, de 2009)

3.3 Multiparentalidade 

 

A vida é cheia de faces e realidades e diante disso, afirmar que se deve ater sempre a uma visão convencional sobre a composição das famílias e a filiação é equivocado. É a oportunidade de reconfigurar a estrutura legislativa para adaptar-se às novas realidades. A parentalidade socioafetiva abriu um leque de opções para os novos arranjos familiares, entre eles, a multiparentalidade, que é a possibilidade do filho(a) possuir mais de um pai ou uma mãe, simultâneamente. Uma vez que essa situação for reconhecida, surgirão seus efeitos jurídicos. Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 644) defendem que:

 

A visão tradicional sobre a filiação é no sentido de que o seu reconhecimento resultaria em uma dual perspectiva de parentalidade (em primeiro grau): o(os) filho(os) vinculam-se a um pai e uma mãe. Todavia, seria isso uma verdade absoluta? Definitivamente, este posicionamento, quase um dogma, é algo que deve ser mais bem analisado, diante da multiplicidade de situações da vida. De fato, será que, com o advento de uma visão mais aberta das relações de família, com admissão de novas formas de composição familiar, não seria hora de rever este aparente dogma? Não que ele esteja equivoca. Mas ele responderia com justiça todas as exigências da vida? Notadamente com o prestígio que se dá, hodiernamente, à parentalidade socioafetiva, não haveria sido descortinado novo horizonte para o reconhecimento da possibilidade jurídica de multiparentalidade? Ou seja, será que não é o momento de se amparar, juridicamente, a situação – muitas vezes ocorrente -  de um filho possuir dois pais e duas mães? Se não existe hierarquia entre os parâmetros de filiação, por que forçar a exclusão de alguém que é visto como pai ou mãe de uma criança? Respondendo a essa pergunta, vem a lume o tema da multiparentalidade, qual seja, uma situação em que um indivíduo tem mais de um pai e/ou mais de uma mãe, simultaneamente, produzindo-se efeitos jurídicos em relação a todos eles.

 

Ainda sobre o tema, a pluralidade familiar existente diz respeito a diversas formas de família, inclusive as reconstituídas, que trazem em seu bojo a existência de uma vinculação parental múltipla entre os filhos advindos de relações anteriores e os indivíduos presentes nas famílias reconstituídas, que assumem o papel de genitor ou genitora, com base na socioafetividade, como sugerem Teixeira e Rodrigues (2010, p.204):

 

Em face de uma realidade social que se compõe de todos os tipos de famílias possíveis e de um ordenamento jurídico que autoriza a livre (des)constituição familiar, não há como negar que a existência de famílias reconstituídas representa a possibilidade de uma múltipla vinculação parental de crianças que convivem nesses novos arranjos familiares, porque assimilam a figura do pai e da mãe afim como novas figuras parentais, ao lado de seus pais biológicos. Não reconhecer esses vínculos, construídos sobre as bases de uma relação socioafetiva, pode igualmente representar ausência de tutela a esses menores em formação.

 

A família pluriparental é resultado de vínculos variados e mudanças nas funções dos indivíduos no seio familiar. Entretanto, a lei não as especificou. Dias (2011, p. 50), diz que: 

 

As famílias pluriparentais são caracterizadas pela estrutura complexa decorrente da multiplicidade de vínculos, ambiguidade das funções dos novos casais e forte grau de interdependência. A administração de interesses visando equilíbrio assume relevo indispensável à estabilidade das famílias. Mas a lei esqueceu delas!.

 

Atualmente, a possibilidade de inserção do nome dos pais socioafetivos ao registro de nascimento do filho concomitantemente com o nome do pai biológico é defendida por Cassettari (2014, p.147):

 

Essa hipótese é viável em várias oportunidades, tais como nos casos em que for possível somar a parentalidade biológica e socioafetiva, sem que uma exclua a outra, e, ainda, na adoção homoafetiva, ou na reprodução medicamente assistida entre casais homossexuais, em que o adotado passaria a ter duas mães ou dois pais.

 

Quando se fala sobre o reconhecimento da multiparentalidade como algo justo, baseia-se na justiça subjetiva, pois não há ainda no atual ordenamento jurídico uma norma que a reconheça. Montoro (2006, p. 163-4) vem explicar o conceito de justiça objetiva e subjetiva: 

 

Uma característica, ligada a todas as noções fundamentais, dá ao conceito de justiça certa variedade de significações. Como as noções de ser, verdade, instituição ou direito, o conceito de justiça é análogo. Entre as múltiplas significações de justiça, podemos assinalar duas fundamentais: uma subjetiva e outra objetiva. Muitas vezes falamos da justiça como uma qualidade de pessoa, como virtude ou perfeição subjetiva. Fulano é um homem justo. O senso de justiça é fundamental no magistrado. É nesse sentido que nos referimos à “justiça”, à prudência, à temperança e à coragem como virtudes humanas. Outras vezes empregamos a palavra justiça para designar objetivamente uma qualidade de ordem social. Nesse sentido falamos da justiça de uma lei ou instituição. 

 

O filho não precisa optar entre pais e mães, pois dependendo da realidade que se encontra, poderá ser concedida a inserção, concomitantemte,  do nome dos genitores biológicos e socioafetivos, como assevera Cavallazzi (2012, p. 9): 

 

Ora, não há porque necessariamente ter que fazer uma escolha entre um e outro genitor. Para tais casos, a solução mais adequada e justa é o reconhecimento da multiparentalidade, ou seja, tanto o pai/mãe genético quando o afetivo seriam registrados como genitores, com todas as consequências decorrentes da relação que entre eles se estabelece com a filiação. 

 

Inicialmente, houveram dificuldades na sociedade em reconhecer os direitos da família monoparental e homoafetiva. Entretanto, como não foi possível ignorar esses novos arranjos familiares, que foram se multiplicando, os direitos foram reconhecidos, assim deverá acontecer com a multiparentalidade, que se espalha com força nos lares brasileiros. Póvoas (2012, p. 10) diz que:

 

Essa situação pode parecer estranha, de início, como também era estranho imaginar uma família monoparental, ou uma família homoafetiva, ou a adoção conjunta por pessoas de mesmo sexo, casos hoje que se avolumam em nossos tribunais e que já começam inclusive a merecer discussões nas casas legislativas pátrias. 

 

Algumas relações familiares entre genitores e prole só poderão ser reguladas e asseguradas se a multiparentalidade for reconhecida. Tal reconhecido se baseia nos princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade. Vejamos o que diz Póvoas (2012, p. 11) sobre o assunto:

 

Não há como deixar de reconhecer que a multiparentalidade será, em breve, mais comum do que se imagina, na medida em que, em determinados casos, é a única forma de garantir interesses dos atores envolvidos nas questões envolvendo casos de filiação, albergando-lhes os princípios constitucionalmente a eles garantidos da dignidade da pessoa humana e da afetividade.

 

A multiparentalidade pode ser baseada na justiça, que é a utilização do bom senso dos indivíduos. Nada mais justo do que conferir à criança ou ao adolescente o status legal de filho, já que na realidade fática, ela já é considerada e tratada como filho, no dizer de Nunes (2013, p. 346) sobre a justiça:

 

Dizer que, como a Justiça é o fundamento do ordenamento jurídico e o fim buscado de harmonia e paz social, só se concretiza numa sociedade justa. Por isso a Ciência do Direito, o trabalho do intérprete e de todos os que militam no e com o direito devem pautar-se na Justiça. O intérprete, por exemplo, deve orientar sua conduta e ação por aquilo que é justo ou, pelo menos, o que é razoável, de “bom senso”.

 

Insta salientar que, além de basear-se nos ideais de justiça, ao reconhecer a multiparentalidade, há uma obrigação como um dever. Dever ou obrigação de reconhecer a multiparentalidade, em razão do status de filho que o pai fornece, oferecendo-lhe amor, carinho, amizade, gratidão, intimidade, responsabilidade e gastos financeiros. Montoro (2006, p. 170-1) vem falar a respeito de dar a um homem o que lhe é devido:

 

Mas há certo dever ou debito em outras virtudes sociais, além da justiça. Há, por exemplo, um dever na virtude da gratidão, da amizade ou da veracidade, e, no entanto, elas não constituem espécie de justiça, em sentido próprio. É que existem, na realidade, dois tipos de débito ou obrigação. Há um dever simplesmente moral, menos rigoroso, que não pode ser imposto por lei ou exigido pelo interessado (debitum morale ou debitum mere morale). E outro, estrito e rigoroso, que pode ser exigido e legalmente imposto (debitum legale). No caso da gratidão, da amizade ou da veracidade existe apenas um debitum morale. Na justiça, o débito é rigoroso, estrito, legal. Pode ser exigido (...). Há no caso rigorosa relação de justiça: um homemdá a outro o que lhe é “devido”. 

 

Pode-se concluir que, diante das teses apresentadas, que a multiparentalidade existe nos lares brasileiros, devendo ser reconhecida pelo ordenamento jurídico.

3.4 Divergências Jurisprudenciais 

 

A seguir serão analisados alguns casos sobre a parentalidade socioafetiva. Há julgados em que a parentalidade socioafetiva prevaleceu sobre a biológica; outros em que a biológica prevaleceu; e ainda julgados que as duas parentalidades foram reconhecidas ao mesmo tempo.

 

Em 2009, o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul era no sentido de ser impossível uma pessoa ser filho de dois pais ou mães, como mostra o julgado a seguir:

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. EFEITOS MERAMENTE PATRIMONIAIS. AUSÊNCIA DE INTERESSE DO AUTOR EM VER DESCONSTITUÍDA A PATERNIDADE REGISTRAL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. Considerando que o autor, embora alegue a existência de paternidade socioafetiva, não pretende afastar o liame parental em relação ao pai biológico, o pedido configura-se juridicamente impossível, na medida em que ninguém poderá ser filho de dois pais. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO RECONHECIDA DE OFÍCIO. PROCESSO EXTINTO. RECURSO PREJUDICADO. Apelação Cível, nº  70027112192 , Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 02/04/2009. (grifo nosso) (Disponível em: http://www.espacovital.com.br/consulta/noticia_ler.php?id=14511)

 

O caso, a seguir, trata de reconhecimento da maternidade socioafetiva, em que os sobrinhos órfãos foram morar com a tia materna e, em consequência disso, obteve a guarda dos menores e tratou-os como filhos frente à sociedade, fornecendo-lhes apoio sentimental e econômico: 

  

Apelação cível. Ação declaratória. Maternidade socioafetiva. Prevalência sobre a biológica. Reconhecimento. Recurso não provido. 1. O art. 1.593 do Código Civil de 2002 dispõe que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. Assim, há reconhecimento legal de outras espécies de parentesco civil, além da adoção, tais como a paternidade socioafetiva. 2. A parentalidade socioafetiva envolve o aspecto sentimental criado entre parentes não biológicos, pelo ato de convivência, de vontade e de amor e prepondera em relação à biológica. 3. Comprovado o vínculo afetivo durante mais de trinta anos entre a tia já falecida e os sobrinhos órfãos, a maternidade socioafetiva deve ser reconhecida. 4. Apelação conhecida e não provida, mantida a sentença que acolheu a pretensão inicial (TJMG; Apelação Civel 1.0024.07.803827-0/001; Real. Des. Caetano Levi Lopes; 2ª Camera Cível; public. 9.7.2010). 

 

O sentimento construído durante anos entre a mãe socioafetiva e os filhos deve ser privilegiado, no acórdão do julgado acima mencionado. O Desembargador Caetano Levi diz que:

 

Neste feito existe muito mais que uma questão jurídica. Trata-se da nobreza de sentimentos que eleva o amor muito além do interesse material. Mãe é quem atribuiu afeto, quem realmente se faz presente, quem se regozija e sofre com acertos e desacertos dos filhos. 

 

No presente caso, a verdade socioafetiva prevaleceu sobre a biológica. 

Em 2009, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul disse que o estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho, constituindo-se na posse do estado de filho e, em razão disso, nem a paternidade biológica ou a socioafetiva devem prevalecer sobre a outra, ou seja, as duas podem coexistir.

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PRESENÇA DA RELAÇÃO DE SOCIOAFETIVIDADE. DETERMINAÇÃO DO PAI BIOLÓGICO ATRAVÉS DO EXAME DE DNA. MANUTENÇÃO DO REGISTRO COM A DECLARAÇÃO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. POSSIBILIDADE. TEORIA TRIDIMENSIONAL. Mesmo havendo pai registral, o filho tem o direito constitucional de buscar sua filiação biológica (CF, § 6º do art. 227), pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O estado de filiação é a qualificação jurídica da relação de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres reciprocamente considerados. Constitui-se em decorrência da lei (artigos 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, e 227 da Constituição Federal), ou em razão da posse do estado de filho advinda da convivência familiar. Nem a paternidade socioafetiva e nem a paternidade biológica podem se sobrepor uma à outra. Ambas as paternidades são iguais, não havendo prevalência de nenhuma delas porque fazem parte da condição humana tridimensional, que é genética, afetiva e ontológica. APELO PROVIDO. ( TJRS; APELAÇÃO CÍVEL 70029363918; OITAVA CÂMARA CÍVEL; REL. DES. CLAUDIR FIDÉLIS FACCENDA; J. 7.5.2009).

 

No mesmo sentido do julgado proferido, o julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão é a favor da coexistência da parentalidade socioafetiva e da biológica. No caso, está configurada adoção à brasileira, que não pode ser desconstituída posteriormente, em razão do vínculo sentimental existente entre as partes. Entretanto, não há que se desconsiderar a filiação biológica da autora, que requer que seus direitos como filha biológica sejam reconhecidos concomitantemente com a filiação socioafetiva. Diante disso, o Tribunal foi a favor da coexistência da parentalidade socioafetiva com a biológica. Dessa forma, observemos a ementa:

 

APELACAO CIVEL. ACAO DE INVESTIGACAO DE PATERNIDADE. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE CONTRAPROVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRENCIA. AUSENCIA DE COMPROVACAO DE VICIO NA PRODUCAO DO EXAME DE DNA. AGRAVO RETIDO IMPROVIDO. ADOCAO A BRASILEIRA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA X BIOLOGICA. PREVALENCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E DA RELACAO FAMILIAR CONSTRUIDA AO LONGO DE 27 ANOS. PROVIMENTO DO APELO. I  Embora se leve em consideração a existência de margem de erro, mesmo que mínima, pode a parte impugnar o DNA, mas para que seja deferida, e necessário apresentar motivos sérios, substanciais, que realmente permitam por em duvida o resultado obtido, na medida em que o mero inconformismo da parte com o resultado do laudo pericial não e razão suficiente para que seja determinada a sua repetição. Agravo retido improvido. II  Comungo com as correntes doutrinarias que entendem que a adoção a brasileira não pode ser desconstituída após vinculo de socioafetividade. Ao longo de varios anos, conforme afirmação da própria autora, considerou o Sr. Jose Elias como pai, ou seja, por 27 anos viveram uma perfeita relação de pai e filha e pelo simples fato de não ser o pai biológico Da autora, após a morte, automaticamente o intitulou de padrastro, desconsiderando por completo a relação familiar havida entre eles. III  Não ha razoes nos autos que levem a justificar a nulidade do registro de nascimento. A intenção da autora e apenas de ter o nome de seu verdadeiro pai biológico em seu assento. Ha de se ressaltar que o Sr. Jose Elias, por livre e espontânea vontade demonstrou e efetivou o interesse em ter a Apelada como filha. Não havendo nenhum erro ou coação para tal atitude que justifique a anulação do registro. (precedente do Superior Tribunal de Justiça). IV - Apelo provido. (TJMA; Apelação Cível 002444/2010; Relatora Desa. Nelma Celeste Souza Silva Sarney Costa; j. 22.06.2010)

 

Porém, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em julgamento proferido pela 7ª Câmara Cível, decidiu que a parentalidade biológica prevalece sobre a socioafetiva, vejamos:

 

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. IMPRESCRITIBILIDADE E NÃO-SUJEIÇÃO À DECADÊNCIA. Sendo imprescritível a ação investigatória de paternidade, o simples fato de alguém haver sido registrado por outrem, que não o seu pai biológico, não pode impedir a livre investigação da verdadeira filiação, ainda que haja decorrido o prazo do art. 1.614 do CCB. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DA SENTENÇA. PRELIMINAR REJEITADA. Se os apelantes foram citados por edital e a contestação apresentada por curador especial nomeado pelo juízo, quando já existente nos autos prova pericial, não requeridas outras provas, não há falar em cerceamento de defesa. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE E ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. NÃO COMPROVAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA DA AUTORA COM O PAI REGISTRAL. PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. Embora a autora tenha ajuizado a presente ação somente após a morte do pai registral, do pai biológico e da mãe, a existência de um pai registral não configura por si só a paternidade socioafetiva, nem obsta a investigação de paternidade em relação a terceiro, mormente quando exame de DNA aponta o investigado como o pai biológico da autora. Preliminares rejeitadas e recurso de apelação desprovido. (TJRS; AC 70029502531; 7ª C. Cív.; Rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel; DJERS 22/01/2010).

 

Na ementa, foi explicado que o fato de uma pessoa ser registrada como filho por outrem que não é seu pai biológico não obsta a busca pela verdade biológica. O pai registral havia falecido, e a autora não conseguiu comprar vínculos afetivos com ele. Devido à ausência de provas nos autos, o Desembargador Ricardo Raupp Ruschel declarou a verdade biológica em detrimento da socioafetiva.

 

No mesmo sentido do julgado, o entendimento do recente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, concluiu que a verdade biológica sobrepujou a realidade socioafetiva:

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO COM O INVESTIGADO, COMPROVADO POR EXAME DE DNA. SENTENÇA QUE SOMENTE DECLARA A PATERNIDADE BIOLÓGICA, SEM CONCEDER, CONTUDO, OS REFLEXOS NA ESFERA REGISTRAL E PATRIMONIAL. EXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA QUE NÃO PODE INIBIR AS REPERCUSSÕES DA INVESTIGATÓRIA, EM DETRIMENTO DOS INTERESSES DO INVESTIGANTE. 1. O argumento da prevalência da paternidade socioafetiva em relação à paternidade biológica somente é passível de acolhimento para fins de manutenção do vínculo existente em prol do filho, e não contra este - salvo em circunstâncias muito especiais, quando a relação socioafetiva é consolidada ao longo de toda uma vida, o que não se verifica no caso. 2. Desse modo, na espécie, ainda que o pai registral defenda a manutenção do vínculo socioafetivo existente, não se pode negar à investigante o direito de ter assegurados todos os reflexos do reconhecimento da paternidade biológica, com a devida retificação de seu registro civil e com todas as repercussões daí decorrentes, inclusive as de ordem patrimonial. POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70057989337, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 08/05/2014)

 

A sentença proferida na apelação cível que tramitou perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu ao filho a dupla maternidade, uma vez que foi concebido mediante reprodução assistida heteróloga, passando a conferir a ele o direito de ser reconhecido como filho das apelantes, que são a família socioafetiva, bem como o registro da família biológica, vejamos o que diz a ementa:

 

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE DUPLA MATERNIDADE. PARCEIRAS DO MESMO SEXO QUE OBJETIVAM A DECLARAÇÃO DE SEREM GENITORAS DE FILHO CONCEBIDO POR MEIO DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA HETERÓLOGA, COM UTILIZAÇÃO DE GAMETA DE DOADOR ANÔNIMO. AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO LEGAL EXPRESSA QUE NÃO É OBSTÁCULO AO DIREITO DAS AUTORAS. DIREITO QUE DECORRE DE INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DE DISPOSITIVOS E PRINCÍPIOS QUE INFORMAM A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NOS SEUS ARTIGOS 1º, INCISO III, 3º, INCISO IV, 5º, 226, § 7º, BEM COMO DECISÕES DO STF E STJ. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA. SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA QUE IMPÕE O REGISTRO PARA CONFERIR-LHE O STATUS DE FILHO DO CASAL. 1. o elemento social e afetivo da parentalidade sobressai-se em casos como o dos autos, em que o nascimento do menor decorreu de um projeto parental amplo, que teve início com uma motivação emocional do casal postulante e foi concretizado por meio de técnicas de reprodução assistida heteróloga. 2. Nesse contexto, à luz do interesse superior da menor, princípio consagrado no artigo 100, inciso IV, da Lei nº. 8.069/90, impõe-se o registro de nascimento para conferir-lhe o reconhecimento jurídico do status que já desfruta de filho das apelantes, podendo ostentar o nome da família que a concebeu. 2. Sentença a que se reforma. 3. Recurso a que se dá provimento. (TJ-RJ - APL: 00177955220128190209 RJ 0017795-52.2012.8.19.0209, Relator: DES. LUCIANO SILVA BARRETO, Data de Julgamento: 07/08/2013, VIGÉSIMA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 04/04/2014 16:20)

 

 

Pode-se concluir que os Tribunais Brasileiros reconhecem, de forma unanime, a possibilidade de existência da parentalidade socioafetiva, entretanto, existem divergências quanto a parentalidade deve prevalecer, se é a socioafetiva ou a biológica. Há alguns no sentido de prevalência da parentalidade biológica sobre a afetiva, outros o contrário, e há quem defenda que as duas podem coexistir.

 

3.5 Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça a respeito da Parentalidade Socioafetiva

 

O Superior Tribunal de Justiça reconhece a filiação socioafetiva e aponta os requisitos necessários a sua existência, vejamos o que diz o julgado: 

 

Direito civil. Família. Recurso Especial. Ação de anulação de registro de nascimento. Ausência de vício de consentimento. Maternidade socioafetiva. Situação consolidada. Preponderância da preservação da estabilidade familiar. (...)Vê-se no acórdão recorrido que houve o reconhecimento espontâneo da maternidade, cuja anulação do assento de nascimento da criança somente poderia ocorrer com a presença de prova robusta – de que a mãe teria sido induzida a erro, no sentido de desconhecer a origem genética da criança, ou, então, valendo-se de conduta reprovável e mediante má-fé, declarar como verdadeiro vínculo familiar inexistente. Inexiste meio de desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade daquela que um dia declarou perante a sociedade, em ato solene e de reconhecimento público, ser mãe da criança, valendo-se, para tanto, da verdade socialmente construída com base no afeto, demonstrando, dessa forma, a efetiva existência de vínculo familiar. - O descompasso do registro de nascimento com a realidade biológica, em razão de conduta que desconsidera o aspecto genético, somente pode ser vindicado por aquele que teve sua filiação falsamente atribuída e os efeitos daí decorrentes apenas podem se operar contra aquele que realizou o ato de reconhecimento familiar, sondando-se, sobretudo, em sua plenitude, a manifestação volitiva, a fim de aferir a existência de vínculo socioafetivo de filiação. (...) Nesse contexto, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também “parentescos de outra origem”, conforme introduzido pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural. - Assim, ainda que despida de ascendência genética, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. (...) Configurados os elementos componentes do suporte fático da filiação socioafetiva, não se pode questionar sob o argumento da diversidade de origem genética o ato de registro de nascimento da outrora menor estribado na afetividade, tudo com base na doutrina de proteção integral à criança. - Conquanto a adoção à brasileira não se revista da validade própria daquela realizada nos moldes legais, escapando à disciplina estabelecida nos arts. 39 usque 52-D e 165 usque 170 do ECA, há de preponderar-se em hipóteses como a julgada  consideradas as especificidades de cada caso a preservação da estabilidade familiar, em situação consolidada e amplamente reconhecida no meio social, sem identificação de vício de consentimento ou de má-fé, em que, movida pelos mais nobres sentimentos de humanidade (...) Mantém-se o acórdão impugnado, impondo-se a irrevogabilidade do reconhecimento voluntário da maternidade, por força da ausência de vício na manifestação da vontade, ainda que procedida em descompasso com a verdade biológica. Isso porque prevalece, na hipótese, a ligação socioafetiva construída e consolidada entre mãe e filha, que tem proteção indelével conferida à personalidade humana, por meio da cláusula geral que a tutela e encontra respaldo na preservação da estabilidade familiar. Recurso especial não provido. (RESP 1.000.356/SP; STJ, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 25/05/2010, T3 - TERCEIRA TURMA)

 

A lide desse julgamento, segundo a ementa, baseia-se no fato de uma irmã formular pretensão em face da outra com o objetivo de anular seu assento de nascimento. Ela alega que ocorreu falsidade ideológica no registro, que foi feito pela mãe, que já faleceu, e a registrou como sua filha, entretanto, esta seria filha de outra pessoa.

 

A solução da lide, como é uma questão de família, deve ser resolvida com base na socioafetividade, já que não houve, por parte da mãe registral, qualquer vício de consentimento ao registrar a criança, ou seja, não foi induzida ao erro, e realmente registrou livremente a criança como sua filha.

 

A mãe registral sempre apresentou a criança como filha, fornecendo-lhe amor, afeto, mediante vínculo que perdurou por muitos anos. Com essa atitude e baseando-se na proteção integral da criança, a mãe não deverá ser punida. 

 

Dessa forma, conceder à irmã que pleiteou a anulação do registro de nascimento da outra irmã, é retirar da criança, que na época trâmite processual estava com 17 anos, a sua identidade e personalidade, já que possuía como referência materna a sua mãe registral.

 

Não se pode permitir que haja instabilidade nos lares e conceder a anulação do registro, segundo a Ministra Nancy Andrighi, culminaria na ruptura emocional entre os familiares.

 

A Ministra em seu julgado impôs a irrevogabilidade do reconhecimento voluntário da maternidade, mesmo que a mãe que registrou a criança não é de fato a mãe biológica dela. E preservou a realidade sociafetiva, preservando o vínculo que existiu entre mãe registral e filha. 

 

Sobre esse julgado, Cassettari (2014, p. 84) diz que:

 

Mesmo que despida a ascendência genética, constatamos, ainda da citada ementa, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a maternidade nasce de uma decisão espontânea deve ter guarida no direito de família, assim como os demais vínculos advindos da filiação. Como fundamento maior a consolidar a acolhida da filiação socioafetiva no sistema jurídico vigente, erige-se a cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano.

 

O autor explana que a ausência de vínculo biológico por si só não é motivo para desconsiderar a filiação se existe um vínculo socioafetivo e que a decisão de não anular o registro de nascimento da criança fundamenta-se na tutela da personalidade humana. 

 

Em 2010, o Superior Tribunal de Justiça publicou informativo jurisprudencial em seu site, denominado “Maternidade socioafetiva é reconhecida em julgamento inédito no STJ”, vejamos:

 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a maternidade socioafetiva deve ser reconhecida, mesmo no caso em que a mãe tenha registrado filha de outra pessoa como sua. “Não há como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade daquela que, um dia, declarou perante a sociedade ser mãe da criança, valendo-se da verdade socialmente construída com base no afeto”, afirmou em seu voto a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso. 

A história começou em São Paulo, em 1980, quando uma imigrante austríaca de 56 anos, que já tinha um casal de filhos, resolveu pegar uma menina recém-nascida para criar e registrou-a como sua, sem seguir os procedimentos legais da adoção – a chamada “adoção à brasileira”. A mulher morreu nove anos depois e, em testamento, deixou 66% de seus bens para a menina, então com nove anos. 

Inconformada, a irmã mais velha iniciou um processo judicial na tentativa de anular o registro de nascimento da criança, sustentando ser um caso de falsidade ideológica cometida pela própria mãe. Para ela, o registro seria um ato jurídico nulo por ter objeto ilícito e não se revestir da forma prescrita em lei, correspondendo a uma “declaração falsa de maternidade”. O Tribunal de Justiça de São Paulo foi contrário à anulação do registro e a irmã mais velha recorreu ao STJ. 

Segundo a ministra Nancy Andrighi, se a atitude da mãe foi uma manifestação livre de vontade, sem vício de consentimento e não havendo prova de má-fé, a filiação socioafetiva, ainda que em descompasso com a verdade biológica, deve prevalecer, como mais uma forma de proteção integral à criança. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea – com base no afeto – deve ter guarida no Direito de Família, como os demais vínculos de filiação. 

“Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares” disse a ministra em seu voto, acompanhado pelos demais integrantes da Terceira Turma.

 

3.6 Julgados que Reconhecem a Multiparentalidade

 

Nos autos da Apelação Cível 0006422-26.2011.8.26.0286 proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, foi julgada parcialmente procedente a ação declaratória de maternidade socioafetiva cumulada com retificação de assento de nascimento. Sgue ementa:

 

MATERNIDADE SOCIOAFETIVA Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família - Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes - A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade Recurso provido. (TJ-SP - APL: 64222620118260286 SP 0006422-26.2011.8.26.0286, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data de Julgamento: 14/08/2012, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/08/2012)

 

No caso foi apartada a parentalidade socioafetiva, entretanto, ocorreu a inclusão no registro de nascimento do autor o patronímico da coautora. A autora apelou, pois desejava ter a sua parentalidade socioafetiva declarada.

 

Conforme petição inicial, a requerente da ação declaratória de maternidade nasceu em 1993. Sua mãe biológica veio a óbito dias após seu nascimento. Algum tempo depois, o seu genitor contraiu matrimônio com outra mulher, ora apelante. O filho tinha 2 anos à época do casamento e vive com a madrasta como se seu filho fosse.

 

A mãe socioafetiva não desejou retirar o nome da mãe biológica da criança, em respeito à sua memória e o carinho que possui pelos familiares dela que ainda possuem laços afetivos, Cassettari (2014, p. 162) diz que: 

 

A autora poderia simplesmente adotar o enteado, mas por respeito à memória da mãe, vítima de infortúnio, que comoveu toda a comunidade, que a homenageou, atribuindo seu nome a uma rua e a um Consultório Odontológico Municipal, e por carinho à família dela, com quem mantém estreito relacionamento, optou pela ação declaratória para que não fosse retirado da criança esse vínculo de parentesco.

 

 

O desembargador responsável pelo julgado disse que, conforme o art. 1.563 do Código Civil, a filiação pode decorrer de outra origem, o que se inclui a socioafetiva, decorrente da posse do estado de filho, Cassettari (2014, p. 162) diz que:

 

O desembargador relator, Dr. Alcides Leopoldo e Silva Junior, cita em seu voto que a filiação não decorre unicamente do parentesco consanguíneo, pois o art. 1.593 do Código Civil é expresso no sentido de que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”, motivo pela qual a expressão de “outra origem”, sem dúvida alguma, pode ser a filiação socioafetiva, que decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes.

 

O Desembargador afirma nos autos que houve prova inequívoca do alegado, mediante apresentação de fotos anexas e testemunhas, que demonstraram a relação de amor existente entre a autora e o enteado.

 

No acórdão, foi mencionado entendimento da Ministra Nancy Andrighi para sustentar que a filiação socioafetiva tem amparo na Constituição e materializada na tutela geral da personalidade humana, a seguir:

 

DIREITO CIVIL E DA CRIANÇA. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVAVOLUNTARIAMENTE RECONHECIDA PROPOSTA PELOS FILHOS DO PRIMEIROCASAMENTO. FALECIMENTO DO PAI ANTES DA CITAÇÃO. FATO SUPERVENIENTE.MORTE DA CRIANÇA. 1. A filiação socioafetiva encontra amparo na cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade e definição da personalidade da criança. 2. A superveniência do fato jurídico representado pela morte da criança, ocorrido após a interposição do recurso especial, impõe o emprego da norma contida no art. 462 do CPC, porque faz fenecer o direito, que tão somente à criança pertencia, de ser abrigada pela filiação socioafetiva. 3. Recurso especial provido. (STJ - Resp: 450566 RS 2002/0092020-3, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/05/2011, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/05/2011)

 

Não há no presente caso, qualquer tipo de inadequação social, apenas há a declaração da maternidade socioafetiva da criança concomitantemente com maternidade biológica da criança, não havendo risco nenhum à segurança jurídica, Cassettari (2014, p. 163) diz que: 

 

Assim, como não se evidencia qualquer tipo de reprovação social, ao contrário, pelo caminho da legalidade (diversamente da via comumente chamada de “adoção à brasileira”), vem se consolidar situação de fato dos requerentes e de suas famílias, sem risco à ordem jurídica, considerando que a Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento do recurso, esse foi provido, declarando a maternidade socioafetiva da madrasta da criança, e que conste do assento de nascimento, sem prejuízo e concomitantemente com a maternidade biológica.

 

Outro caso que reconhece a multiparentalidade é o julgamento proferido nos autos do Processo nº 0012530-95. 2010. 8. 22. 0002, que tramitou perante a 1ª Vara Cível da comarca de Ariquemes do estado de Rondônia. Trata-se de ação de investigação de paternidade cumulada com anulação de registro civil.

 

Consta na sentença que a requerente alegou que a sua mãe foi companheira de um dos requeridos, pai biológico, por quatro anos no período da adolescência e sua concepção se deu durante esta relação. Entretanto, antes de seu nascimento, sua genitora conheceu o outro requerido, e este desejou assumir a filiação, sendo, portanto, o pai socioafetivo.

 

Em seu pleito, a requerente desejou substituir o pai registral pelo pai biológico. O processo correu a revelia, entretanto, por se tratar de interesses indisponíveis, os seus efeitos não foram aplicados.

 

A autora possui fortes vínculos com aquele que a registrou, configurando-se, assim, a parentalidade socioafetiva, que não deve ser desconstituída, uma vez que não houve por parte do pai registral qualquer vício de vontade no registro.

 

Ao realizar exame de DNA com o suposto pai biológico, e diante da confirmação, pai e filha iniciaram uma aproximação intensa, surgindo aí forte vínculo afetivo.

 

Diante do exposto, caso o pai socioafetivo seja excluído da Certidão de Nascimento da criança, haverá nítida afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois haverá um rompimento de todo o afeto construído durante anos pelo pai socioafetivo e a filha. Entretanto, desconsiderar a relação de amor que surgiu com o pai biológico seria injusto, pois a filha tem o direito de ter a sua verdade biológica reconhecida.

 

A solução mais viável foi incluir o pai biológico no assento de nascimento da criança, sem excluir o pai socioafetivo, resultando, assim, no reconhecimento da multiparentalidade. Veja a seguir a sentença:

 

SENTENÇA: (...) Inicialmente constata-se que o parecer ministerial de fl. 49/72 traz à baila reflexões importantes acerca da filiação socioafetiva e biológica. O laborioso estudo mostra a grandiosidade do contexto em que está inserida a autora, que além da prova do laço consanguíneo, mantém relação estreita de afetividade com o pai registral. A prova pericial de DNA acostada à fl. 27/33 mostrou resultado de praticamente certeza de que o requerido Edvaldo da Silva Silvestre é o pai biológico da autora, que tem como mãe Jussara Alves da Guarda. Neste ínterim é induvidoso que houve falsidade da declaração de paternidade do requerido Mauro da Silva Batista em relação à autora, já que a prova coligida concluiu que este não é o pai biológico da infante, mas sim o requerido Edvaldo. Inexiste, pois, vínculo biológico entre a autora e o requerido Mauro. Todavia, diante do estudo social e psicológico realizado nos autos apurou-se que não houve erro, dolo ou coação por parte do requerido Mauro ao reconhecer a paternidade da autora, mormente porque tinha ciência e era sabedor que não se tratava de sua filha biológica, mas de outrem. Cuida-se da chamada adoção à brasileira em que a pessoa decide adotar o filho de outra pessoa, ciente dessa realidade, mas o faz por meio de reconhecimento direto no próprio cartório, sem atender a legislação correlata da adoção propriamente dita. E assim o fez na hipótese dos autos. Nascendo a autora, o requerido Mauro registrou-a como se sua filha fosse e com ela estabeleceu forte vínculo afetivo, e mesmo sabendo da inexistência de laços consanguíneos em comum, se considera como pai dela. E a recíproca é verdadeira. O estudo social e psicológico revelou que a autora nutre fortes laços de amor pelo pai registral, bem assim com sua família, reconhecendo no requerido Mauro e na avó paterna Dalira sua família de fato. É dos autos que o requerido Mauro, mesmo após a separação com a genitora da autora, nunca abandonou a autora, tanto que em diversos momentos de adversidade enfrentados por esta, acolheu a filha registral na residência da genitora e avó paterna registral Dalira, período relevante de aproximação e estreitamento dos laços de afetividade entre eles. Registre-se que esta avó registral foi quem cuidou da autora nos longos períodos de ausência da genitora, conforme relato do estudo social. De outro norte, a autora conheceu o requerido Edvaldo somente na audiência de coleta do material para exame de DNA, em fevereiro/2011, e com seus 11 anos de idade, no início da adolescência mostrou-se feliz em contatar seu possível pai biológico. Com o resultado positivo da paternidade, o requerido Edvaldo se aproximou da autora, presenteando-a e levando-a para conhecer a família paterna na cidade de Jaru/RO, bem como declarou em audiência (fl. 25), o desejo de reconhecer a paternidade da mesma na hipótese de positividade da paternidade. Após ser ouvida pela assistente social e psicóloga do juízo, a autora demonstrou à equipe interprofissional compreender a complexidade da situação que está envolvida, verbalizando que sua família é a do requerido Mauro, mas que com a aproximação do requerido Edvaldo também terá outra família para lhe acrescentar, demonstrando empolgação com a possibilidade de novas visitas na casa do pai biológico. O parecer psicológico nos dá conta que a criança Alice demonstrou maturidade para sua fase de desenvolvimento, compreende relativamente a complexidade da presente ação, e manifesta seu interesse na alteração de seu registro de nascimento trocando o nome do pai, todavia, percebe-se que mantém laços sólidos de afetividade com o requerido Mauro e sua família, reconhecendo-o como pai e pretende manter contato e vínculos com as duas figuras paternas em sua vida, pois os considera importantes (fl. 45/46). Neste contexto, dessume-se que restou evidente o amor e carinho que a autora mantém com o requerido Mauro, tornando clarividente a existência do forte laço paterno filial socioafetivo entre ambos. Ainda, o requerido Edvaldo, pai biológico, apesar do distanciamento da autora até pouco tempo, deseja reconhecer a paternidade e tem buscado uma aproximação mais estreita, tanto o é que a autora já nutre afeto por ele. Nesta seara, a pretendida declaração de inexistência do vínculo parental entre a autora e o pai registro afetivo fatalmente prejudicará seu interesse, que diga-se, tem prioridade absoluta, e assim também afronta a dignidade da pessoa humana. Não há motivo para ignorar o liame socioafetivo estabelecido durante anos na vida de uma criança, que cresceu e manteve o estado de filha com outra pessoa que não o seu pai biológico, sem se atentar para a evolução do conceito jurídico de filiação, como muito bem ponderou a representante do Ministério Público em seu laborioso estudo. A questão demanda uma análise muito mais aprofundada da dinâmica social e uma releitura dos princípios constitucionais, em especial o da dignidade da pessoa humana. É certo que no ordenamento jurídico atual, a ligação socioafetiva consolidada entre pais e filhos deve ter proteção jurídica, não sendo permitido ao Estado ignorar as relações de fato estabelecidas no ECA está intimamente ligado com a afetividade, já que essa relação está recheada de afeto com vistas ao bom desenvolvimento moral, espiritual e social. No caso sub judice restou evidente que a pretensão da declaração de inexistência do vínculo parental entre a autora e o requerido Mauro partiu de sua genitora, que na tentativa de corrigir os erros do passado, pretende ver reconhecida a verdade biológica, sem se atentar para o melhor interesse de sua própria filha, que já revelou ter na figura de Mauro seu pai. Este, por sua vez, não manifestou interesse algum em negar a paternidade, tanto o é que em contato direto com a autora verbalizou que mesmo ciente da ausência do vínculo de sangue, que a considerava como sua filha e a amava muito. Resultado: ambos se amam e isto basta para conceder efeitos jurídicos à paternidade socioafetiva para preservar o melhor interesse da menor. No tocante à questão jurídica e de fundo desta demanda, a discussão da existência de dois pais no assento de nascimento da criança tem tomado corpo nos últimos anos. A relevância da relação socioafetiva, que em certos casos, se sobrepõe à biológica, tem autorizado o reconhecimento da existência de ambos os vínculos. Em caso como o presente, em que o pai registral resolveu reconhecer a paternidade da criança, mesmo sabedor da inexistência do vínculo sanguíneo, e durante longos anos de sua vida lhe prestou toda assistência material e afetiva, não abandonando-a, mesmo após a separação da genitora, merece respeito e reconhecimento pelo Estado. Situações semelhantes tem surgido nos vários tribunais nas relações homoafetivas, em que a criança gerada ou adotada tem em seu assento de nascimento registrado duas mães ou dois pais. (...) Diante de todo o exposto e a singularidade da causa, é mister considerar a manifestação de vontade da autora no sentido de que possui dois pais, aliado ao fato que o requerido Mauro não deseja negar a paternidade afetiva e o requerido Edvaldo pretende reconhecer a paternidade biológica, e acolher a proposta ministerial de reconhecimento da dupla paternidade registral da autora. Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial formulado por ALICE ALVES BATISTA em desfavor de MAURO DA SILVA BATISTA e EDVALDO DA SILVASILVESTRE, e o faço para manter a declaração de paternidade de Mauro da Silva Batista em relação à autora perante o registro civil, e também declarar Edvaldo da Silva Silvestre o pai biológico da autora.(...). Ariquemes-RO, terça-feira, 13 de março de 2012. Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz Juíza de Direito. . Proc.: 0012530-95. 2010. 8. 22. 0002. 

 

 

Em recente julgado, proferido em setembro de 2014, na Comarca de Santa Maria do estado de Santa/RS, Processo nº: 027/1.14.0013023-9 (CNJ:.0031506-63.2014.8.21.0027) pelo Juiz de Direito Rafael Pagnon Cunha, a multiparentalidade foi reconhecida.

 

As duas mães, que são casadas entre si, desejam que seus nomes constem no registro da criança. Quanto ao pai, não há o que se questionar, pois já possui esse direito e concorda que as duas mães registrem a criança.

Em virtude do vínculo sentimental existente e baseando-se no princípio da proteção integral da criança, bem como o seu melhor interesse, a sentença declarou a multiparentalidade nessa relação homoafetiva. A seguir, seu teor:

 

'... se, para o direito, a família é instrumento de realização da pessoa humana por considerar que toda e qualquer pessoa necessita de relações de cunho afetivo para se desenvolver e viver seu projeto próprio de felicidade e, porque para outras áreas do conhecimento, a família não se estabelece somente pelas formas convencionais de união, parece ficar evidente a possibilidade de reconhecimento do status jurídico e de família às demais formas de organização familiar....' GIRARDI, Viviane. Famílias contemporâneas, filiação e afeto: a possibilidade jurídica de adoção por homossexuais. Porto Alegre, Livraria do Advogado, Ed. 2005, p.133. 'A vida há de nos cobrar duramente por considerarmos pecado o amor que não se enquadra em nossa visão mesquinha; por querermos medir comportamentos segundo nossos padrões poucos generosos; por querermos prender, humilhar, podar todo o relacionamento que não se adapta à medida da nossa ignorância e dos nossos farisaicos valores. Porque o amor, do jeito que pode ser, é o caminho da liberdade e da grandeza – é a nossa única possibilidade de salvação.' LUFT, Lya. Pensar é transgredir. Rio de Janeiro Record, 2004, p. 55.Vistos.Trata-se de analisar ação de suprimento de registro civil com multimaternidade, aviada com o intento de levar a registro anotação de paternidade e de dupla maternidade, articulada por genitores e pela esposa da gestante, em comum acordo. Narraram que a gestação foi concertada pelos três, com concepção natural, intentando fazer constar no registro civil do nascituro os nomes do pai e das duas mães, bem como de seus ascendentes.MP manifestou-se pela competência do Juízo de Família. Mantido o feito junto à Direção do Foro. Novel parecer ministerial, pela realização de estudo social e psi; alternativamente, pela procedência da pretensão. É O RELATO.PASSO A MOTIVAR. Procede a pretensão. Moderna, inovadora, mas, fundamentalmente – e o mais importante -, tapada de afeto. Na riquíssima experiência de um lustro de Jurisdição exclusiva de Família, pronunciava às pessoas, diária e diuturnamente, das poucas certezas que tinha: que afeto demais não é o problema; o problema é a falta (infinda, abissal) de afeto, de cuidado, de amor, de carinho. O que intentam Fernanda, Mariani e Luis Guilherme, admiravelmente, é assegurar à sua filha uma rede de afetos. E ao Judiciário, Guardador das Promessas do Constituinte de uma sociedade fraterna, igualitária, afetiva, nada mais resta que dar guarida à pretensão – por maior desacomodação que o novo e o diferente despertem. Não vislumbro necessidade de providências outras na espécie, embora louvável o cuidado do sensível Promotor de Justiça. As Mães são casadas entre si, o que lhes suporta a pretensão de duplo registro, enquanto ao Pai igualmente assiste tal direito. A desatualização do arcabouço legislado à velocidade da vida nunca foi impediente ao Judiciário Gaúcho; a lei é lampião a iluminar o caminho, não este, como já se pronunciou outrora; a principiologia constitucional dá guarida à (re)leitura proposta pela bem posta inicial. Muito haveria a ser escrito. Serviria o presente case ao articular de erudita e fundamentadíssima sentença. Não é o que esperam, entretanto, Fernanda, Mariani, Luis Guilherme e, mui especialmente, Maria Antônia (lindo nome); aguardam, sim, célere e humana decisão, a fim de adequar o registro civil da criança ao que a vida lhe reservou: um ninho multicomposto, pleno de amor e afeto. Forte, pois, na ausência de impedientes legais, bem como com suporte no melhor interesse da criança, o acolhimento da pretensão é medida que se impõe. Isso, posto, julgo procedente o pedido, para o fim de determinar a expedição de mandado ao Registro Civil, anotando-se a paternidade e a dupla maternidade (e respectivas ascendências), nos termos do pedido. No mandado deverá constar que os interessados fazem jus à gratuidade dos serviços extrajudiciais. Expeça-se, de pronto, mandado, dada a urgência da situação. Registre-se. Intimem-se. Santa Maria, 11 de setembro de 2014. Rafael Pagnon Cunha Juiz de Direito

No estado do Paraná, na Comarca de Cascavel, Ação de Adoção, autos nº 0038958-54.2012.8.16.0021 que tramitou perante a Vara da Infância e Juventude, a multiparentalidade foi reconhecida.

 

O autor pleiteou a adoção do adolescente com quem convive desde que ele tinha três anos de idade, agindo como se pai fosse, pois casou-se com a mãe biológica do menor, que se divorciou do genitor biológico do adolescente. O genitor biológico do adolescente continuou convivendo com o menor, todos os finais de semana, mas contraiu outra família. O pedido de adoção foi feito, entretanto, em audiência, sabendo ser possível o reconhecimento da multiparentalidade, o requerente desejou que além da inclusão de seu nome, o nome do pai biológico fosse mantido, o que foi plenamente aceito pelo adolescente e todos os genitores. O caso passou a não mais ser de adoção.

 

Tendo em vista o melhor interesse do adolescente, que possui afeto com os dois pais, o biológico e socioafetivo, e que exercem a paternidade concomitante sobre o menor, o Juiz de Direito Sérgio Luiz Kreuz reconheceu a multiparentalidade, expedindo mandado de averbação para incluir o nome do pai socioafetivo, vejamos: 

 

DECISÃO: Diante do exposto e por tudo o que mais dos autos consta, embasado no artigo 227, § 5º, da Constituição Federal, combinado com o artigo 170 e artigos 39 e seguintes da Lei 8069/90, considerando que o adolescente A. M. F, brasileiro, filho de E. F. F. e R. M. F., nascido em 16 de janeiro de 1996, registrado sob o nº XXX, folhas 24, do Livro A/10, perante o Registro Civil de B. V. da C. -PR, estabeleceu filiação socioafetiva com o requerente, defiro o requerimento inicial, para conceder ao requerente E. A. Z. J. a adoção do adolescente A. M. F., que passará a se chamar A. M. F. Z., declarando que os vínculos se estendem também aos ascendentes do ora adotante, sendo avós paternos: E. A. Z. e Z. Z.. Transitada esta em julgado, expeça-se o mandado para inscrição no Registro Civil competente, no qual seja consignado, para além do registro do pai e mãe biológicos, o nome da adotante como pai, bem como dos ascendentes, arquivando-se esse mandado, após a complementação do registro original do adotando. Sem custas. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cascavel, 20 de fevereiro de 2013. (assinado digitalmente) Sérgio Luiz Kreuz Juiz de Direito

 

No Acre, foi homologado pelo Juiz de Direito Fernando Nóbrega da Silva, Acordo de Reconhecimento de Paternidade cumulado com anulação de registro e fixação de alimentos, Autos nºs 0711965-73.2013.8.01.0001.

 

 

No caso, ocorreu dúvida da paternidade da criança, e foi realizado exame de DNA, cujo resultado foi positivo para um dos pais requerentes. Entretanto, como a criança possui laços afetivos com o genitor socioafetivo, houve consenso entre os requerentes de que seu nome deveria ser mantido no assento de nascimento. O Ministério Público emitiu parecer desfavorável ao pleito, alegando não ser possível inserir o nome de dois pais na Certidão de Nascimento da criança, entretanto, o juiz, após análise dos fatos, verificou que de fato existe o vínculo sociafetivo e o biológico, homologando o acordo feito entre as partes. Veja a sentença a seguir:

 

Sentença Vistos (...) “ACORDO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO E FIXAÇÃO DE ALIMENTOS”. (...) Em audiência, os requerentes esclareceram que pretendem o reconhecimento da paternidade biológica de A. em coexistência com a paternidade registral de P., com quem a filha “…mantém laços socioafetivos…”, tendo sido, ainda, celebrado acordo em relação os alimentos em prol da menor, nos mesmos moldes da convenção originária. O Ministério Público exarou parecer pela não homologação do acordo ao argumento de que inexiste previsão legal autorizadora do reconhecimento da dupla parentalidade. É o breve relatório. Decido. Trata-se de pedido de homologação de acordo que visa declarar a paternidade biológica de A. em relação à adolescente A. Q., com inclusão de seu nome e dos ascendentes paternos no assento de nascimento da menor, preservando-se a relação paterno-filial registral exercida por P. A matéria em debate versa sobre a viabilidade jurídica e fática da pluriparentalidade ou multiparentalidade. A convenção firmada em juízo merece ser chancelada. (...) Nessa linha de pensamento, estou plenamente convencido da viabilidade jurídica do pleito homologatório do acordo celebrado no termo de fl. 34, reconhecendo a coexistência da paternidade biológica e socioafetiva da menor, com todos os efeitos jurídicos decorrentes. Isso posto, HOMOLOGO o pacto firmado judicialmente, para reconhecer que A. S. DA S. É O PAI BIOLÓGICO de A. Q. DA S. E S., sem prejuízo e concomitantemente com a paternidade registral e afetiva de P. C. DA S., mantendo-se inalterado o nome da adolescente. Também homologo o acordo celebrado entre pai e filha biológicos quanto aos alimentos. Após o trânsito em julgado, expeça-se mandado para averbação dos nomes do genitor e dos avós biológicos no assento de nascimento da adolescente, preservando-se a paternidade registral e socioafetiva, arquivando-se o caderno processual (art. 10, inc. II, do CC/02). Sem custas processuais por serem os requerentes beneficiários da AJG, devendo, porém, arcar com honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública, que arbitro em R$-724,00, proporcionalmente, ficando sua exigibilidade suspensa, na forma do art. 12, da Lei nº 1.060/50. Publique-se. Intime-se. Cumpra-se. Rio Branco-(AC), 24 de junho de 2014. Fernando Nóbrega da Silva Juiz de Direito

 

E por fim, nos autos da Ação Declaratória de Paternidade, Processo nº 2013.06.1.001874-5, que tramitou perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios foi proferida pela Juíza Ana Maria Gonçalves Louzada sentença que reconheceu a multiparentalidade.

 

Na ação, foi proposta investigação de paternidade em face do genitor biológico, que possuía vinculo empregatício com a genitora, na condição de superior. Entretanto, durante o período em que esteve com o pai biológico, a mãe da autora conviveu em união estável por 17 anos com o seu pai registral e socioafetivo.

 

A autora e pai registral afirmam que entre eles existe relação socioafetiva. Entretanto, foi induzido a erro quando registrou a filha acreditando que fosse sua, mas esse fato para eles não possui relevância. 

 

O pai biológico sempre se negou a assumir a paternidade, mesmo que a genitora da menor o tivesse comunicado da gravidez e paternidade. Contudo, como afirma a Juíza de Direito Ana Maria Louzada na sentença, o simples fato de não desejar a paternidade não afasta o dever que possui com a filha.

 

Neste caso, ao aplicar a multiparentalidade, a juíza afirma que ela está intimamente ligada ao melhor interesse da criança. Que possui o direito de ver reconhecida a verdade biológica, bem como ter a parentalidade socioafetiva preservada. Além de preservar a dignidade e a individualidade da prole.

 

A identidade deve ser preservada e o ser humano conhecido na sociedade conforme o nome e suas relações afetivas. O reconhecimento da multiparentalidade fornecerá ao filho o direito à identidade.

 

A juíza declarou a filiação mesmo contra a vontade do pai biológico, uma vez que não cabe a ele exercer ou não esse encargo, e manteve o nome do pai socioafetivo na Certidão de Nascimento da criança. Segue alguns trechos do julgado disponibilizado pelo Flavio Tartuce em seu site:

 

(...) No presente feito, a autora busca que se declare que YYY não é seu pai biológico e, em contrapartida, que ZZZ seja declarado como tal. Na espécie, verifico que a menor possui 10 anos de idade, sendo sempre cuidada e educada por seus pais registrais, KKK e YYY. Ambos são analfabetos e trabalharam, por diversos anos, na fazenda do investigado ZZZ. Do laudo de exame pericial não há qualquer dúvida de que XXX é filha biológica de ZZZ (fl. 55). DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA: YYY afirma nutrir sentimentos de pai em relação à autora, e que a ama como aos demais filhos que possui com KKK (...) DA PATERNIDADE BIOLÓGICA: Conforme destacado alhures, o exame pericial constatou a paternidade biológica de ZZZ em relação à XXX. Por seu turno, durante o processo, ZZZ sempre se mostrou avesso a esta paternidade, afirmando, inclusive, que não nutre qualquer sentimento pela infante, que possui outra família e que pretende seguir sua vida como antigamente. Contudo, o simples fato de ele alegar que não a reconhece como filha, não lhe outorga o direito de ver afastada a declaração de paternidade por ela almejada. (...) O direito ao reconhecimento da MULTIPARENTALIDADE está embasado nos direitos da personalidade, que se visualizam através da imagem que se tem, honra e também privacidade da vida, direitos estes que se revestem essenciais à própria condição humana. Por derradeiro, em atenção ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente, sempre sublinhado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a MULTIPARENTALIDADE se desenha com cores que anunciam um novo caminho social. (...) O acatamento da MULTIPARENTALIDADE vem a subsidiar o melhor interesse da criança uma vez que poderá ser mantido e cuidado por várias pessoas. Mantém-se todos os vínculos de parentesco até o 4º grau e o dever de assistência se espraia para mais obrigados. é a de um indivíduo a caminho de ser pessoa. (...)É possível que pessoas tenham vários pais. Identificada a pluriparentalidade ou MULTIPARENTALIDADE, é necessário reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação. Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, sendo que o filho desfruta de direitos com relação a todos. (...) A jurisprudência brasileira já se manifestou no sentido de que, se restar configurada a relação afetiva entre o filho e o pai registral, nada mais pode ser alterado. (...) Assim, foi acolhida a tese de MULTIPARENTALIDADE, tendo sido mantido no registro de nascimento da criança tanto o nome do pai registral, quanto de seu genitor. Os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente, da igualdade dos filhos, da afetividade e da realidade, devem subsidiar as questões relacionadas à MULTIPARENTALIDADE. O Direito deve observar e acompanhar as mudanças sociais. Tratar como impossibilidade jurídica do pedido sob o argumento singelo de que uma pessoa só pode ter um pai e uma mãe, não traduz e não acolhe a realidade de determinado caso concreto. (...) Direito ao parentesco: Ao se admitir a MULTIPARENTALIDADE, também deve-se assegurar o parentesco daí advindo. Assim, exemplificativamente, se possuir dois pais e duas mães, terá oito avós e tantos tios quanto irmãos estes pais/mães possuírem, e assim por diante. Também os impedimentos matrimoniais no que diz com o parentesco deverá ser observado em todos esses casos (...) Direito ao nome: O nome faz parte de um dos direitos da personalidade. É através dele que somos conhecidos e reconhecidos pela vida afora. Assim, de suma importância que possamos delinear a amplitude da possibilidade de modificá-lo, quer seja pela inclusão ou exclusão de determinado patronímico. O nome de família materno, paterno, da madrasta, do padrasto, ou socioafetivo e o avoengo poderão ser incluídos no nome civil (...)Direito ao reconhecimento genético: O direito ao reconhecimento genético está intimamente relacionado com o princípio da dignidade humana. Todos temos o direito de saber de onde viemos, por quem fomos gerados. Além da curiosidade natural, gravita em torno deste direito a necessidade de sabermos quem pode vir a ser nossos irmãos e pais biológicos, até mesmo para evitar relacionamento sexual com estas pessoas. Ademais, há casos em que somente parentes consanguíneos podem ajudar no caso de transplante. (...) A MULTIPARENTALIDADE hoje é uma realidade em muitas famílias. A ciência do Direito deve recebê-la e aceitá-la como evolução social. Famílias, em toda sua diversidade, caleidoscópicas, multifacetadas, são verdades que se impõe. Destarte, a MULTIPARENTALIDADE deve ser incluída e acatada no ordenamento jurídico como um novo perfil familiar, sempre respeitando-se a dignidade de cada integrante desta família. Isto posto JULGO PROCEDENTE o pedido para DECLARAR que YYY não é o pai biológico de XXX, mas além de ser seu pai registral é também seu PAI AFETIVO, bem como para DECLARAR que ZZZ é o pai biológico de XXX. Destarte, DECLARO que tanto YYY quanto ZZZ são pais de XXX, e como consequência passará a se chamar XXX Z, devendo constar em seu registro de nascimento a dupla paternidade.(...). Sobradinho/DF, 06 de junho de 2014.

 

Dessa forma, diante dos julgados apresentados, os julgadores vêm se posicionando favoravelmente ao reconhecimento da multiparentalidade, já que atuam defendendo o direito dos filhos à personalidade, dignidade da pessoa humana, à filiação, à proteção integral e ao princípio da solidariedade entre os filhos. De acordo com o julgado, o direito deve cumprir a sua função social e acompanhar as modificações na sociedade. Alegar que inexiste possibilidade jurídica do pedido do reconhecimento da multiparentalidade não reflete a atual situação nos lares brasileiros.

 

Julgados contra

Foram pesquisados em diversas instâncias, casos que não reconheceram a multiparentalidade como ...... tendo em vista....

CONCLUSÃO

 

Diante de pesquisas realizadas, conclui-se que a multiparentalidade, possibilidade da inclusão do nome de dois pais e/ou mães na certidão de nascimento do filho, é hipótese de adequação à nova realidade brasileira, que surgiu devido as transformações nos núcleos familiares. O fator biológico das famílias deixou de ser primordial em sua composição, podendo basear-se na sociafetividade, que se constitui por laços sentimentais. A Constituição Federal diz que a família é a base da sociedade e goza de proteção do Estado e o reconhecimento da multiparentalidade é forma de concretizar essa proteção.

Há princípios que são aplicáveis ao direito de família, como o da Dignidade da Pessoa Humana, que se traduz no respeito à vida e à proteção a ela e o Direito à Personalidade, que confere ao indivíduo proteção as suas características individuais, entre essas características, destaca-se a proteção ao nome, que diferencia o indivíduo na sociedade. A igualdade entre os filhos está previsto na Constituição Federal, no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, esse princípio proíbe quaisquer distinções entre os filhos, principalmente no que concerne a origem, seja biológica, socioafetiva ou outra. Existe também o princípio da proteção integral, que confere às crianças e aos adolescentes, que estão em situação de vulnerabilidade e fragilidade, a aplicação das leis e medidas administrativas que melhor atendam as suas necessidades, e por fim, o princípio da solidariedade familiar, que consiste no dever de colaboração que os indivíduos na família possuem uns com os outros.

 Todos esses princípios são institutos basilares no reconhecimento da multiparentalidade, sendo utilizados pelos magistrados para fundamentar as sentenças que a concedem. Deve-se sempre privilegiar o melhor interesse da criança ou do adolescente, dessa forma, se a criança possui vínculos com dois pais ou mães, um socioafetivo e um biológico, não há sentido que uma parentalidade se sobreponha a outra. As duas podem coexistir! Os tribunais brasileiros e o próprio Superior Tribunal de Justiça já reconhecem pacificamente a parentalidade socioafetiva. A multiparentalidade, que tem por fundamento a parentlidade sociafetiva vem adquirindo maior visibilidade entre os operadores do Direito, já que vai garantir o direito da criança ao nome dos seus pais e mães biológicos e socioafetivos, bem como o direito à filiação e a dignidade da pessoa humana. 

O parentesco pode ser consanguíneo, aquele consagrado por laços biológicos. Pode ser por afinidade, que decorre das relações oriundas do casamento e da união estável e por outra origem, termo que engloba a adoção, que é hipótese de inserção da criança ou adolescente na nova família, cujo poder familiar dos pais anteriores foi desconstituído, perdendo o menor qualquer vínculo com a família de origem, inclusive, sendo-lhe retirado o nome dos pais e avós biológicos do assento de nascimento. Caso a multiparentalidade seja reconhecida, o filho não perderá os vínculos existentes com os pais biológicos, pelo contrário, tal vínculo será mantido concomitantemente com a filiação socioafetiva. Dessa forma, esse instituto em nada se assemelha a adoção.

A Lei nº 6.015/1973, Lei de Registros públicos, dispõe sobre o registro do nascimento, no entanto, não faz menção alguma à multiparentalidade. Pode-se ver que é uma lei antiga e não acompanhou as mudanças nas famílias brasileiras. Entretanto, houve uma inovação legislativa feita pela Lei nº 11.924/2009, que acrescentou o §8º, ao art. 57 da Lei de Registros Públicos. O novo dispositivo trata da possibilidade do enteado acrescer o sobrenome do padrasto e/ou madrasta no seu assento de nascimento, mediante concordância expressa entre ambos. A lei dessa forma privilegiou a realidade afetiva.

Nesse sentido, não basta apenas o acréscimo do sobrenome do padrasto e/ou madrasta. É necessário incluir os seus nomes no próprio registro de nascimento do filho, uma vez que entre eles existe uma relação de amor, afeto e carinho e a essa inclusão dar-se-á o nome de multiparentalidade.

Foram incluídos neste trabalho diversos julgamentos brasileiros reconhecendo a multiparentalidade. Os fundamentos das sentenças foram os princípios aplicáveis ao direito de família já demonstrados e análise do magistrado ao caso concreto.

Diante do exposto, fica claro que a multiparentalidade deve ser reconhecida, baseando-se em princípios constitucionais e infralegais, independentemente de alteração na legislação, tal como foi feito pelos juízes nos julgamentos apresentados no último capítulo deste trabalho. Pode-se afirmar que a multiparentalidade deve possuir respaldo na legislação e a sua omissão na legislação é preocupante, posto que não há ação específica a ser proposta perante o judiciário para que o direito a multifiliação seja reconhecida, devendo aquele que a deseja utilizar outras ações, como a de investigação de paternidade e anulação de registro. Presente a possibilidade na lei do reconhecimento da multiparentalidade, haverá garantia eficaz para os pais e os filhos de ter seus direitos a filiação reconhecidas, já que nenhum julgador poderia negar o reconhecimento da multiparentalidade quando preenchidos os requisitos, que são filiação socioafetiva e biológica, alegando omissão legislativa. 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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