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Redução da maioridade penal como forma de combate à criminalidad


Autoria:

Priscila Silva Freitas


Graduanda do décimo semestre da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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Resumo:

Os altos índices de criminalidade juvenil fazem com que muitos acreditem que a redução da maioridade é o meio ideal para diminuir os casos de jovens infratores. Mas o estudo aprofundado mostra que tal mudança é impossível de acordo com a Constituição

Texto enviado ao JurisWay em 02/11/2014.

Última edição/atualização em 20/11/2014.



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Introdução

Quando se trata de segurança pública, pode-se dizer que, em nível nacional, a situação é bastante crítica: a população vive insegura e as já elevadas taxas de criminalidade não param de crescer do Norte ao Sul do país. Somam-se a isso a brutalidade dos crimes e a sensação de impunidade, o que faz com que a maioria da sociedade clame pela redução da maioridade penal.

A mídia exerce forte influência sobre a opinião popular: é notório que os crimes cometidos por menores de idade não são apenas noticiados, como também são transformados em verdadeiras “novelas” pelos programas televisivos sensacionalistas, que sempre destacam a insensibilidade e a violência dos jovens criminosos, visando principalmente captar mais e mais audiência. Os políticos igualmente se utilizam dos meios de comunicação para atender aos anseios das massas, que, no geral, se posicionam a favor da redução.

Breve evolução histórica da maioridade na legislação brasileira

Para entender melhor o contexto da maioridade penal no Brasil, inicialmente deve-se analisar sua evolução histórica na legislação brasileira. Quando o país foi descoberto, os colonizadores portugueses aplicaram aqui as Ordenações Afonsinas, pois não havia povoamento efetivo nestas terras. Já em 1521, surgiram as Ordenações Manuelinas, que continham normas de direito penal material e processual e que vigoraram por mais de 80 anos. No entanto, foi somente com as Ordenações Filipinas, de 1603, que houve a adoção de regras mais rígidas em relação à prática de condutas criminosas e suas respectivas penas. Tais ordenações inclusive tratavam das punições aos menores de idade: o Título CXXXV do Livro V das Ordenações Filipinas previa que os maiores de vinte e menores de vinte e cinco anos sempre eram punidos com o total da pena; porém, réus entre dezessete e vinte anos de idade poderiam ser punidos com a pena total ou diminuída, a critério do juiz.

Com o surgimento do Código Criminal de 1830, encerrou-se a vigência das Ordenações Filipinas e iniciou-se no Brasil a chamada “etapa penal indiferenciada”, na qual havia igualdade de tratamento entre adultos e menores de idade. Ademais, a pena de morte foi substituída pela pena de prisão e a idade para a responsabilidade penal foi fixada em quatorze anos. Entretanto, essa regra poderia ser mitigada se o julgador acreditasse que o menor tivesse discernimento, situação em que ele iria para uma casa de correção. Por fim, caso o indivíduo tivesse entre quatorze e dezessete anos, o juiz poderia diminuir sua punição. Há que se ressaltar que este Código foi duramente criticado devido à impossibilidade de sua implementação, pois, como não eram construídas casas de correção, os menores eram enviados para as mesmas prisões usadas pelos adultos.

Já em 1890, pouco tempo depois da proclamação da República, foi editado novo Código Penal, no qual a inimputabilidade penal foi fixada em nove anos de idade. No entanto, quem fosse maior de nove e menor de quatorze anos e não tivesse discernimento poderia sim ter sua pena reduzida, bem como previa o Código Criminal de 1830. Assim como as casas de correção, o estabelecimento disciplinar industrial, previsto no novo Código, nunca foi colocado em prática.[1]

Com o advento da lei 4.242, de 1921, o Código Penal republicano foi parcialmente revogado, marcando o fim da etapa penal indiferenciada e o começo do período tutelar. O marco desse início da etapa tutelar no Brasil foi a criação do primeiro Juizado de Menores, em 1923, e a consequente promulgação do Código Mello Matos em 1927.[2]

De acordo com o artigo 1° deste Código, existiam duas categorias de menores de idade: os menores delinquentes e os menores abandonados. Em seu artigo 68, foi fixada a inimputabilidade penal aos quatorze anos. Porém, quem tivesse entre quatorze e dezoito anos seria submetido a um processo penal especial. Também havia previsão de que os menores infratores não deveriam ser recolhidos às prisões comuns, o que, mais uma vez, não foi colocado em prática.[3]

Em 1979, o Código Mello Matos foi substituído pelo Código de Menores, que, no entanto, não trazia muitas modificações à legislação da época. Previa a vigilância e a proteção dos menores até dezoito anos ou até os vinte e um, nos casos expressos em lei. O novo Código trazia a idéia de que os menores infratores eram um problema a ser tratado, sendo que, portanto, o juiz de menores possuía amplo poder inquisitivo e arbitrário.

Em seguida, houve a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), conhecida como “Constituição cidadã”, que foi elaborada depois de um longo período de autoritarismo na história da política brasileira. Marcou o começo da etapa garantista, ligada a todo um contexto mundial de proteção às crianças e adolescentes. O texto constitucional prevê, em seu artigo 228, que são inimputáveis os menores de dezoito anos e os sujeita a regras de lei especial. Insta ressaltar que essa maioridade penal tem caráter de garantia individual: de acordo com o artigo 60, § 4°, da própria Constituição, tem-se aí uma cláusula pétrea, a qual não pode ser mudada sob hipótese alguma.

Por fim, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, completou o sistema de proteção integral das crianças e adolescentes. Assim, pode-se afirmar que o ECA abandonou o entendimento dos Códigos anteriores de que a finalidade do Direito Penal era a de tratar apenas da delinquência juvenil e passou a adotar a doutrina da proteção integral. Segundo seu artigo 2°, crianças são os indivíduos com até doze anos de idade incompletos, enquanto que os adolescentes são aqueles entre doze e dezoito anos de idade. Excepcionalmente, esse Estatuto também pode ser aplicado a maiores de dezoito e menores de vinte e um anos de idade.

Neste ponto, é importante ressaltar que, no sistema punitivo previsto no ECA, a criança infratora não é submetida a medida de caráter punitivo: ela se submete às medidas protetivas elencadas no artigo 101 do Estatuto. Tais medidas envolvem tratamento no seio familiar e comunitário, sem qualquer privação de liberdade.

De maneira diversa, o adolescente está sujeito a medidas socioeducativas, mais severas, podendo, inclusive, ser privado de sua liberdade. Porém, estas não possuem natureza sancionatória, mas sim protetiva e educacional. Salienta-se, portanto, que a medida prevista no ECA não é pena imposta pelo cometimento de ato infracional (este engloba o cometimento tanto de crimes propriamente ditos como de contravenções penais). Outro ponto a ser ressaltado: as medidas socioeducativas não estão vinculadas a um “tipo penal”, não estando o juiz obrigado a aplicá-las de acordo com o ato infracional cometido.

Critérios para fixar a maioridade penal

Após essa análise, é preciso citar os critérios para fixar a inimputabilidade penal, quais sejam: biológico, psicológico e biopsicológico. Na Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, encontra-se a explicação sobre cada um deles.

Para o presente artigo, cabe explicar que, no caso dos menores de dezoito anos, o Código Penal brasileiro adotou unicamente o critério biológico, que condiciona a responsabilidade à saúde mental, à normalidade da mente.[4] Portanto, fica claro que esse sistema não considera o desenvolvimento mental do menor, que, mesmo que entenda plenamente o caráter ilícito do fato cometido, não está sujeito à pena.

Por óbvio, trata-se de critério baseado em política criminal, já que não se pode afirmar que, a partir dos dezoito anos, todos os jovens passam a ter consciência de suas ações. É notório que o processo de amadurecimento varia de pessoa para pessoa, não ocorrendo da mesma maneira para todos.

Princípios aplicáveis ao Direito Penal Juvenil

As crianças e adolescentes gozam de diversas garantias processuais, elencadas no artigo 111 do ECA. Pela leitura deste dispositivo, deduz-se que as garantias jurídico-processuais dos adultos também se aplicam ao sistema juvenil, de forma a limitar o poder punitivo estatal. Nesse sentido, é possível discorrer acerca de oito princípios penais do Direito Juvenil: princípio da legalidade, princípio da intervenção mínima, princípio da humanidade, princípio da culpabilidade, princípio da lesividade, princípio da proporcionalidade, princípio do melhor interesse do adolescente e princípio da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.[5]

a)                    Princípio da legalidade

A legalidade vem consubstanciada no artigo 5°, XXXIX, da CF/88: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Assim, sem lei escrita definindo o crime e sua respectiva pena, verifica-se sua completa inexistência. Esse princípio visa evitar arbitrariedades por parte do juiz, bem como evitar que um crime seja definido por outra fonte que não seja a lei escrita.

No âmbito do ECA, no entanto, não se usa a palavra “crime”, mas sim o chamado “ato infracional”, que nada mais é do que a conduta descrita como crime ou contravenção penal, conforme já explicado. Assim sendo, o ato infracional está vinculado àquelas condutas definidas como crime ou contravenção, o que remete ao princípio da legalidade, já que as condutas infracionais devem, obrigatoriamente, estar previstas em lei.

Ainda há que se ressaltar que não se pode impor medida socioeducativa, sem que tenha havido prática de ato infracional. Ademais, as medidas socioeducativas devem estar expressas no ECA para que possam ser aplicadas, respeitando-se a legalidade.

Por fim, cabe dizer que o princípio em análise também está expresso em documentos internacionais, como, por exemplo, nas Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing) e na Convenção sobre os Direitos da Criança.

                       Princípio da intervenção mínima

Basicamente, o princípio da intervenção mínima traz o entendimento de que o Direito Penal deve ser utilizado como a última hipótese. Ou seja, ele é o último recurso de controle social, que se caracteriza pela intervenção do Direito Penal nas situações em que ele seja totalmente necessário e não exista outra alternativa para alcançar o mesmo fim.

Dentro do ECA, é facilmente perceptível o caráter subsidiário  do direito penal juvenil em relação a todo o sistema de justiça da infância e juventude. Essa característica é clara quando se verifica a possibilidade de aplicar três diferentes tipos de políticas públicas aos jovens: políticas sociais básicas, políticas públicas protetivas ou políticas socioeducativas. Estas últimas somente serão aplicadas quando as duas primeiras não alcançarem os resultados desejados.[6]

c)                          Princípio da humanidade

 A base deste princípio reside no disposto no artigo 1°, III, da CF/88, que prevê a dignidade da pessoa humana. Ademais, o texto constitucional prevê, em seu artigo 5°, III, que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

 Consequentemente, conclui-se que as sanções impostas aos menores infratores devem obedecer a regras de proporcionalidade e racionalidade: enquanto esta afasta da pena a ideia de vingança, aquela garante um equilíbrio entre o fato cometido e a sanção aplicada.[7]

 No ECA, inúmeras regras buscam proteger os direitos humanos das crianças e dos adolescentes. Isso ocorre, por exemplo, nos artigos 5°, 15 e 18:

 “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”

 “A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.”

 “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”

 d)                        Princípio da culpabilidade

Inicialmente, cabe dizer que esse princípio não está expresso na Constituição, estando implícito no artigo 1°, III, bem como no artigo 5°, XVL e XLVI.

A culpabilidade é constituída da imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Faltando qualquer desses elementos, não há crime.

O artigo 228 da Constituição definiu que o começo da imputabilidade se dá aos dezoito anos de idade. Entretanto, ainda se pode dizer que os menores de idade possuem certa carga de responsabilidade, o que se chamou de “responsabilidade juvenil”,prevista no ECA.

Portanto, o menor de dezoito anos que praticar fato típico e ilícito poderá ter analisada sua culpabilidade e então poderá se valer de excludentes de culpabilidade, da mesma forma como os adultos o fazem. Porém, tal exame deverá levar em conta algumas peculiaridades pelas quais passa o adolescente nesta fase de sua vida.[8]

e)                          Princípio da lesividade

A ideia básica deste princípio é de que somente as condutas típicas podem ser alvo de intervenção estatal, diversamente do que ocorria na época tutelar do Direito penal juvenil. Aqui, ressalte-se que há conexão clara com o princípio da legalidade, pois apenas as condutas expressamente previstas em lei podem ensejar a apuração do fato de acordo com o devido processo legal.

f)                           Princípio da proporcionalidade

 Tal princípio não está expressamente previsto na Constituição Federal. Mas pode ser inferido de diversos dispositivos: artigo 1°, III, artigo 3°, I, artigo 5°, caput, II, V, XXXV e LIV. NO ECA, pode-se citar o artigo 227, §3°, IV, que prevê a igualdade da relação processual.

 Da mesma forma que ocorre no Direito Penal aplicável aos adultos, no Direito Penal juvenil, é preciso contrabalancear a sanção ao ato praticado pelo menor. Neste ponto, insta dizer que também deve ser observado o princípio do melhor interesse do adolescente, o que demonstra certa atenuação da proporcionalidade.

 g)                          Princípio do melhor interesse do adolescente

 Esse princípio é aplicado às crianças e adolescentes e faz com que haja mitigação dos princípios aplicáveis aos adultos quando transpostos para o campo do Direito Penal juvenil.

 Após a leitura do artigo 227 da Constituição Federal e do artigo 3°, 1, da Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, verifica-se que é preciso analisar, no caso concreto, qual é a melhor solução para o menor.

 “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”

 “Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.”

 Conforme expõe Sposato, as limitações trazidas pelo princípio do melhor interesse do adolescente “devem impedir a imposição de medidas abusivas e evitar os efeitos negativos decorrentes da aplicação das medidas, especialmente das privativas de liberdade.”[9]

 h)                         Princípio da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Este princípio é expressamente citado no artigo 6° do ECA:

          “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”

 Assim, podemos afirmar que, o menor de idade será sim responsabilizado pelos seus atos, mas não nas mesmas condições de um adulto.Portanto, além de os menores infratores possuírem todos os direitos dos adultos, eles também possuem certos direitos especiais, já que se encontram em uma situação peculiar de desenvolvimento.[10]

 Assim, deve-se considerar que as mudanças por que passam crianças e adolescentes também são de ordem psicológica, o que afeta seu caráter e exige tratamento diferenciado.

Causas da criminalidade de menores

Conforme explica Shecaira, é possível diferenciar três níveis explicativos da criminalidade entre os jovens: individual, micro-sociológico e macro-sociológico. No plano individual, são analisadas questões como a personalidade e os fatores bio-psicológicos; em nível micro-sociológico, estudam-se os modos de interação entre os indivíduos e grupos; por fim, no plano macro-sociológico, busca-se estudar os sistemas sociais, culturais e subculturais.[11]

Inicialmente, precisamos ressaltar que a genética não deve ser considerada como fator individual. Ao contrário do que se pensava, atualmente já ficou comprovado que nem os fatores genéticos nem a inteligência têm qualquer influência no cometimento de crimes.[12]

 De forma inversa, a personalidade é, de fato, fator decisivo no estudo dos crimes, já que muitos jovens praticam delitos para elevar ser status e autoestima e buscar a aceitação dos outros.

 Já a família é fator micro-sociológico extremamente importante e que afeta a criminalidade, pois é a principal responsável por transmitir valores pessoais e morais. É certo que alguns problemas intrafamiliares acabam interferindo na personalidade e na criminalidade, como, por exemplo, separação dos pais, divórcio, agressões, abandono dos filhos, brigas internas, ausência de regras e limites, discussões frequentes.[13]

 No mesmo plano, a escola exerce igual influência na formação do jovem, pois tem um papel não só educador, mas também só socializador. Segundo Schecaira, a proibição de trabalho aos menores de dezesseis anos, associada à evasão escolar, está ligada ao aumento dos índices de criminalidade.[14]

Os meios de comunicação também exercem papel determinante em relação à criminalidade, sendo que já foi objeto de estudo o fato de a agressividade de crianças e adolescentes aumentar após a exposição a programas violentos.

Já no plano macro-sociológico, Shecaira afirma que existem quatro teorias para explicar a criminalidade juvenil: teoria do controle, teoria da desviação social, teoria da tensão e teoria ecológica.

A teoria do controle defende que a ação delinquente do indivíduo resulta da ruptura do vínculo do indivíduo com a sociedade. Assim, a criação de vínculos de afeto entre o autor, instituições e atores sociais é importante para evitar que adolescentes cometam atos criminosos.[15]

Por outro lado, a desviação social acredita que a criminalidade entre os jovens resulta de um sistema de valores culturais do menor que conflitam com a sociedade. Aqui, a subcultura surge como a cultura de um grupo social menor inserido dentro do contexto de uma cultura maior.[16] Mas, algumas vezes,  a subcultura pode permitir a prática de transgressões, como ocorre nos casos das gangues de periferia e hoolingans.[17]

Já a teoria da tensão afirma que os obstáculos às oportunidades para atingir metas da sociedade é a razão da crimininalidade juvenil. Há uma convenção social de que crianças e adolescentes devem estudar, trabalhar e alcançar a independência financeira, mas nem todos possuem oportunidades e recursos para driblar todos esses obstáculos. Neste ponto, surge a tensão que leva à prática de crimes.[18]

Por fim,  a teoria ecológica  preceitua a existência de maiores taxas de criminalidade em áreas geográficas diferentes.[19] A justificativa seria a existência de aglomerados onde os habitantes possuem baixo status social, as habitações são precárias e as condições de vida são degradantes.[20] É sabido que existe uma patente desigualdade na distribuição de rendas e recursos nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, contribuindo para o aumento dos índices de criminalidade.

                Propostas de reduzir a maioridade penal

No contexto da segurança pública atual, é facilmente perceptível que a maioria da população se posiciona a favor da redução da maioridade penal, acreditando estar vivendo numa sociedade muito violenta, com índices alarmantes de criminalidade juvenil. Ainda acreditam que as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente são brandas e não punem devidamente os infratores.

Daí surge a idéia de que a única solução seria endurecer as normas penais: não somente punir com mais severidade os jovens, como também tratar como adultos os menores de dezesseis anos, pois estes possuem o mesmo discernimento daqueles indíviduos com mais de dezoito anos.

Cabe ressaltar o papel da mídia nesse contexto: essa deveria transmitir as informações à população, de forma objetiva, mas, muitas vezes, não o faz imparcialmente. Os meios de comunicação sofrem influência de grupos políticos, que se interessam em veicular notícias de uma certa maneira.

Um bom exemplo disso é o fato de grande parte das revistas e programas de televisão retratarem as histórias de crimes praticados por menores de dezoito anos como sendo verdadeiras novelas, traçando um perfil delinquente do autor. Ademais, exploram o sofrimento das famílias que perderam um ente querido em virtude da violência do menor.

A mídia também costuma se posicionar favoravelmente à redução da maioridade, para agradar espectadores, leitores e determinados grupos políticos.

Outros ainda argumentam que o Estado brasileiro já reconheceu a maturidade dos jovens de dezesseis anos, entretanto não a estendeu à seara criminal. Exemplo comumente citado é o voto opcional facultado aos jovens que se encontram na faixa etária dos dezesseis a dezoito anos. Isso significaria que, como o Estado entendeu pela maturidade do indivíduo no âmbito eleitoral, nada impediria o jovem de responder por seus atos no âmbito criminal.

Não foi somente o direito de votar que foi conquistado: os jovens brasileiros também podem trabalhar com carteira de trabalho registrada e, com a devida autorização dos pais, casar e se emancipar civilmente.

Nesse contexto, fica claro que políticos frequentemente se posicionam a favor da redução para agradar eleitores, e não por uma questão de convicção. Prova disso são os dezessete projetos de emenda consitucional que procuravam reduzir a maioridade penal: muitos deles se baseavam na mera sensação de impunidade e no sensacionalismo decorrentes dos crimes praticados por menores de idade.

               Impossibilidade de redução da maioridade penal

 É inegável que boa parte dos jovens infratores possuem total consciência em relação à ilicitude dos atos que praticam. No entanto, a redução da maioridade como questão política não se mostra eficaz.

 Além disso, várias regras que tratam desse tema não são apenas constitucioanis, mas também internacionais.

 a)                          Constituição Federal

 Neste ponto, devemos retomar a análise da legislação. Conforme já dito, o artigo 228 da Constituição Federal garante um tratamento diferenciado aos menores de dezoito anos, que são considerados penalmente inimputáveis.

Essa previsão legal deve ser interpretada à luz do artigo 60, § 4°, IV, também da Constituição, o qual prevê que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais”. Insta ressaltar que o disposto no artigo 60 não é aplicado restritamente aos direitos previstos apenas no artigo 5° do texto constitucional, mas sim a qualquer direito individual que venha expresso na Constituição e que proteja a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade.

Conclui-se, pois, que o artigo 228 da Constituição Federal não integra apenas o rol de garantias individuais, mas também trata de cláusula pétrea, que não pode sofrer mudança no sentido de aplicar a lei penal a menores de dezoito anos. Se isto ocorrer, a proposta deve ser declarada inconstitucional.

b)                           Tratados internacionais

 Neste mesmo sentido, devemos citar o artigo 5°, § 2°, da Constituição, que preconiza que os tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte possuem caráter constitucional. O parágrafo 3° do mesmo artigo prevê que, quando um tratado internacional de direito humano for aprovado por três quintos dos membros, em dois turnos, nas duas casas do Congresso Nacional, será equivalente a uma emenda constitucional.

Assim, não se pode aprovar uma proposta de emenda constitucional que seja claramente contrária às regras previstas em tratados internacionais, já que isso viola o próprio documento e também as normas constitucionais que lhe asseguram status elevado.

Mesmo que os tratados internacionais não tragam previsão de idade para início da imputabilidade, é importante ressaltar que o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, em que se comprometeu a não reduzir o limite de idade para a maioridade penal da legislação nacional.[21]

Vale lembrar que a maioria dos países fixou em dezoito anos a idade para se atingir a maioridade penal. No entanto, grande parte desses países também determina uma idade a partir da qual o menor passa a ser responsável por suas ações, o que significa que ele não sairá impune caso cometa uma infração.

Portanto, ao contrário do que muitos pensam, a redução da maioridade levaria o país a entrar em dissonância em relação aos países mais desenvolvidos do mundo e não igualaria o Brasil a essas nações.

 c)                         Presídios brasileiros

 É fato sabido e notório que as prisões brasileiras, em sua maioria, encontram-se superlotadas e em degradantes condições. Assim, não há qualquer tipo de suporte ou apoio psicológico aos detentos, nem qualquer sistema educacional e  profissionalizante. Também são recorrentes os casos de violência física e moral que envolve o tratamento dado aos presos. Ainda é de se notar que no interior das cadeias existe forte facilitação nas trocas de experiência entre criminosos, bem como na formação de quadrilhas e bandos.[22]

 Nesse contexto, fica claro que a prisão em nosso país não cumpre o seu papel, qual seja, ressocializar o preso. Pelo contrário, o período em que passa na cadeia só estimula o indivíduo a praticar mais atos violentos.

 Assim, a redução da maioridade penal para os dezesseis anos envolveria a inserção de adolescentes em tais locais, o que provavelmente acarretaria inúmeros efeitos negativos.  Além de se aumentar de forma considerável o número de presos, os jovens estariam sujeitos a péssimas condições de higiene e salubridade.

 Ademais, o contato com bandos e quadrilhas poderia gerar o efeito inverso do cumrpimento da pena, levando à reincidência ou a uma “profissionalização” do jovem no mundo do crime. Finalmente, o fato de ser exposto a tratamento desumano e humilhações poderia gerar graves consequências no desenvolvimento psicológico do jovem.

                Conclusão

 O presente artigo analisou aspectos relativos à maioridade penal e a eventual possibilidade de reduzi-la. Nesse sentido, foi crucial o estudo da evolução histórica por que passou o Direito Juvenil, demonstrando que antes o Brasil adotava a etapa indiferenciada, passando ao período tutelar e hoje adota uma posição garantista na proteção de crianças e adolescentes.

Nesta esteira, a legislação brasileira sofreu diversas mudanças, culminando nas previsões da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. Ambos trazem previsões no sentido de que a maioridade penal somente é atingida aos dezoito anos, o que coaduna com o ordenamento jurídico brasileiro e internacional.

Foi necessário também analisar o motivo do cometimento de crimes por jovens, bem como as razões por que há uma pressão social para que o Estado reduza a maioridade. Aqui, percebe-se uma questão de populismo punitivo do próprio Estado, que, junto com a influência da mídia, a sensação de insegurança e impunidade e a falta de informação,  leva à criação de várias propostas para alterar a lei brasileira.

No entanto,  resta incontestável a impossibilidade de redução da maioridade penal, tanto por motivos jurídicos como de política criminal. O artigo 228 do texto constitucional, o qual prevê que  a maioridade penal se dá aos dezoito anos, é cláusula pétrea,  já que trata de direito individual, não podendo sofrer modificações, por força do artigo 60, § 4°, IV, da Constituição Federal.

Ademais, na prática, a redução da maioridade traria problemas ao sistema carcerário brasileiro: a superpopulação dos presídios aumentaria ainda mais, o que levaria a uma piora nas condições de higiene e privacidade. A inserção de adolescentes nas prisões também poderia levar ao efeito inverso do esperado, qual seja a redução da criminalidade juvenil. Isso já que nesses locais, além de serem submetidos a violência física, psíquica e moral, os jovens não conseguem aperfeiçoar sua formação acadêmica, profissional e pessoal da mesma forma que teriam se estivessem inseridos em sociedade.

 



[1] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 32-33.

[2] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 34.

[3] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 37-39.

[4] Exposição de Motivos do Código Penal de 1940. In: BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 379.

[5] SPOSATO, Karyna Batista. O Direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 84-86 e SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 141.

[6] SPOSATO, Karyna Batista. O Direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 90-92.

[7] SPOSATO, Karyna Batista. O Direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 98.

 

[8] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo; Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 157-158.

[9] SPOSATO, Karyna Batista. O Direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2006. p. 109.

[10] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 161.

[11] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 114-115.

[12] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 116.

[13] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 119.

[14] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 120-121.

[15] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 124.

[16] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia, 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 213-214.

[17] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 125-126.

[18] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 128-129.

[19] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia, 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 147.

[20] SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 130.

[21] FERREIRA, Ivette Senise. Imputabilidade e maioridade penal. In: CRISÓSTOMO, Eliana Cristina R. Taveira, NUNES, Irineide da Costa e Silva, SILVA, José Fernando da e BIERRENBACH, Maria Ignês (Org.). A razão da idade: mitos e verdades. 1.ed. Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2011. p. 101.

[22] DALLARI, Dalmo de Abreu. A razão para manter a mioridade penal aos 18 anos. In: CRISÓSTOMO, Eliana Cristina R. Taveira, NUNES, Irineide da Costa e Silva, SILVA, José Fernando da e BIERRENBACH, Maria Ignês (Org.). A razão da idade: mitos e verdades. 1. Ed. Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2011. p. 26.

 

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