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A PENHORA E A PATRIMONIALIDADE NA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE: A (im) penhorabilidade dos bens de família


Autoria:

Vanessa Veiga Nóbrega


Cursando direito na faculdade UNDB.

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Resumo:

O presente trabalho se propõe a analisar o instituto da penhora, com especial atenção aos bens considerados de família, tecendo um olhar crítico sobre a lei n. 8.009/1990, que trata da impenhorabilidade dos bens de família.

Texto enviado ao JurisWay em 02/09/2014.

Última edição/atualização em 10/09/2014.



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A PENHORA E A PATRIMONIALIDADE NA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE: A (im) penhorabilidade dos bens de família[1]

                                                                                     Camila Marques de Araújo Silva     Vanessa Veiga Nóbrega[2]

Christian Barros[3]

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 A Penhora e seus efeitos; 2 Princípios norteadores da Penhora: Patrimonialidade e Menor Onerosidade/Gravosidade ao Executado; 3 A execução por quantia certa contra devedor solvente; 4 Bens de família; 5 Possibilidade da Penhora em bens de família; 6 Considerações finais.

 

RESUMO

O presente trabalho se propõe a analisar o instituto da penhora, suas particularidades e efeitos, com especial atenção aos bens considerados de família, tecendo um olhar crítico sobre a lei n. 8.009/1990, que trata da impenhorabilidade dos bens de família, bem como analisar possíveis aplicações da penhora a estes bens.

 

PALAVRAS-CHAVE

Penhora. Efeitos. Princípios. Bem de família.

 

Introdução

A execução por quantia certa é uma atividade estatal realizada dentro da função jurisdicional, à custa de bens particulares. A penhora é o primeiro ato expropriatório de patrimônio, onde há a definição dos bens do devedor que irão se submeter à expropriação judicial para pagar, mesmo que forçosamente, a obrigação contraída por ele.

Porém, na legislação pátria, nem todos os bens podem ser objeto da penhora. O artigo 649 do Código de Processo Civil enumera vários casos de impenhorabilidade absoluta, tais como vestuários, pertences de uso pessoal do executado, instrumentos do exercício de profissão e salário.

Ademais, a Constituição Federal tem como pilar o princípio da dignidade da pessoa humana, e em seu artigo 6º, estabeleceu a moradia como um direito fundamental, e no artigo 226, garante especial proteção à família. Por esses motivos, o imóvel residencial da entidade familiar recebe um tratamento diferente dos bens “comuns”, do que decorre a sua impenhorabilidade, estabelecida pela Lei 8.009 de 29 de março de 1990. Esse efeito, no entanto, não é absoluto.

Pretende-se analisar o instituto da penhora, trazendo seus efeitos, bem como alguns de seus princípios norteadores, para então discutir a possibilidade da penhora em bens de família.

1. A Penhora e seus efeitos

A penhora consiste em ato de apreensão e depósito de bens do exequente para que uma obrigação seja satisfeita, sendo a primeira das fases que ocorrem na execução por quantia certa contra devedor solvente.

Segundo Fredie Didier, “a penhora satisfaz diretamente a pretensão do exequente, quando o bem penhorado for por ele adjudicado como pagamento da dívida; satisfaz indiretamente, quando o bem penhorado for alienado, e o produto da venda for entregue ao exequente.”.

Então, a penhora tem função individualizadora de bens que satisfaçam, direta ou indiretamente, a obrigação inadimplida. Portanto, de forma concomitante com a função individualizadora dos bens, está a função garantidora, que diz respeito à satisfação da dívida (SALOMÃO, Lídia).

Quanto à natureza jurídica da penhora, a doutrina costuma divergir sobre o assunto. Uns dizem que ela tem natureza de medida cautelar, outros, de ato executivo e, há, ainda, outra corrente que a entende como ato executivo com efeitos de conservação do bem, tendo assim, natureza mista. Para Humberto Theodoro Júnior, assim como para a maior parcela da doutrina, a penhora tem natureza de ato executivo, já que consiste em uma forma de o Estado determinar a responsabilidade executiva sobre alguns bens do devedor. Esta é a posição predominante.

O artigo 664 do Código de Processo Civil (CPC) narra que a penhora será considerada como concluída no momento em que ocorrerem o depósito e a apreensão dos bens, sendo lavrado apenas um auto, se as diligências forem finalizadas no mesmo dia.

Neste sentido, Ernane Fidélis dos Santos aduz que, realizada a penhora sem que tenha ocorrido o depósito do bem, este ato é considerado incompleto:

A penhora, em princípio, consiste na apreensão, pelo juízo, de bens que vão responder pela execução, mas ela só se considera efetivamente feita, quando se tratar de coisa, com o depósito (art. 664). Isto equivale a dizer que penhora sem depósito é ato incompleto, ainda sem os efeitos específicos que dela decorrem.

Quanto aos efeitos, ou seja, o resultado e as consequências decorrentes do ato da penhora, estes podem ser classificados, segundo a doutrina brasileira, como materiais ou processuais.

De acordo com o autor Araken de Assis, a penhora afeta as relações materiais do executado, de maneira relativa ao bem, mesmo que, de outra via, não outorgue ao credor o direito material referente à coisa penhorada. Os efeitos da penhora, portanto, no plano material, são três: a ineficácia relativa dos atos de disposição, a reorganização da posse e a perda do direito de fruição.

A ineficácia relativa dos atos de disposição, segundo o supramencionado doutrinador, diz respeito à alienação de bens, que só tem validade inter partes, ou seja, não é eficaz quanto à execução, podendo, consequentemente, o produto da venda do bem ser utilizado para satisfazer a obrigação. Esta ineficácia surge com o ato de citação, sendo, portanto, anterior à própria penhora.

Portanto, se diz que os atos de disposição tem ineficácia relativa, porque entre as partes, ou seja, o executado e a pessoa para quem este transferiu o bem, a disposição foi revestida de eficácia, o que não significa que tenha validade para a execução.

A reorganização da posse, que também é um efeito material da penhora, trata da modificação do sujeito que tem a posse direta do bem penhorado, a qual, antes da penhora, pertencia ao executado.

Nas palavras de Pontes de Miranda apud Araken de Assis, “A penhora concede ao Estado a posse mediata imprópria do bem. Depois da penhora, o executado retém somente a posse mediata própria, pois o devedor, após a penhora, não é devedor sem posse.”. Isto significa que, ao menos, a posse mediata própria permanece com o devedor, já que, uma vez que ele não a tenha, fica impossibilitado de ser devedor de algo. (MIRANDA apud ASSIS, 2012, pág. 701).

Quanto à perda do direito de fruição, significa que, penhorado o bem, o executado deve observar os limites impostos quanto ao uso da coisa.

A lei 10.931/2004, que trata do patrimônio de afetação, em seu artigo 34, parágrafo 2º, aduz no sentido de que os bens abarcados pela garantia somente podem ser alterados, retirados, deslocados ou destruídos com autorização prévia do credor.

§ 2o Até a efetiva liquidação da obrigação garantida, os bens abrangidos pela garantia não poderão, sem prévia autorização escrita do credor, ser alterados, retirados, deslocados ou destruídos, nem poderão ter sua destinação modificada, exceto quando a garantia for constituída por semoventes ou por veículos, automotores ou não, e a remoção ou o deslocamento desses bens for inerente à atividade do emitente da Cédula de Crédito Bancário, ou do terceiro prestador da garantia.

Já os efeitos processuais, são a garantia do juízo, a individualização dos bens que suportarão a atividade executiva e, por fim, o direito de preferência gerado para o exequente.

Para Alexandre Freitas Câmara, a garantia do juízo consiste em fornecer ao processo e, por consequência, ao exequente, a garantia de que existem, no patrimônio do executado, bens bastantes para que a obrigação seja adimplida.

Quanto ao 2º efeito processual da penhora, o artigo 591 do Código de Processo Civil entende que o devedor responderá, com todos os bens presentes e futuros, para a satisfação de suas obrigações.

O ato de individualização dos bens que suportarão a atividade executiva nada mais é que identificação, dentre os bens do devedor, daqueles que poderão ser alvo da execução. “Assim sendo, realizada a penhora, os atos expropriatórios incidirão sobre os bens apreendidos, e não sobre os outros bens que compõem o patrimônio do executado.” (CÂMARA, 2009, pág. 269).

O último efeito processual da penhora, qual seja, direito de preferência gerado ao exequente está previsto pelo artigo 612 do Código de Processo Civil e, como o nome sugere, ocorrendo a penhora sobre bens do devedor solvente, o credor adquire o direito de preferência sobre os bens penhorados.

2. Princípios norteadores da penhora: Patrimonialidade e Menor Onerosidade/ Gravosidade ao Executado

O princípio da patrimonialidade, também conhecido por responsabilidade processual, significa que, no Brasil, toda execução recai exclusivamente sobre o patrimônio do devedor, e não sobre a pessoa dele.

No Código de Processo Civil brasileiro ele está presente no artigo 591, e garante que “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.”.

Como explica Fredie Didier Jr., este princípio decorre da humanização do direito:

A humanização do direito trouxe consigo este princípio, que determina que só o patrimônio e, não a pessoa submete-se à execução. Toda execução é real. A humanização do Direito ainda fez com que, mesmo no patrimônio do devedor, alguns bens não se submetessem à execução, compondo o chamado beneficium competentiae.(DIDIER, 2011, p.52).

 

Porém, nossos dispositivos legais permitem a prisão civil do devedor de pensão alimentícia que não cumprir com suas obrigações. Apesar da restrição de liberdade decorrente de uma dívida não paga, esse não é um caso de exceção ao princípio da patrimonialide, pois essa se caracteriza como uma medida coercitiva para induzir o pagamento do devedor e não como um adimplemento da dívida com o próprio corpo.

A execução assume então, como leciona Didier, caráter híbrido, se comportando como coerção pessoal e sujeição patrimonial. A coerção pessoal incide sobre a vontade do devedor, através de medidas coercitivas, de execução indireta, com o objetivo de fazê-lo cumprir sua obrigação, como por exemplo, o disposto nos artigos 461, parágrafo 5º e 475-J do CPC. A sujeição patrimonial aparece quando não for possível ou adequada a coerção pessoal, recaindo então a obrigação sobre os bens do devedor.

Outro princípio que norteia a penhora é o da menor onerosidade/ gravosidade ao executado, também chamado de princípio da economia. Ele garante que, quando houver mais de uma possibilidade de se efetivar a execução, esta será feita pela via menos onerosa ou gravosa ao executado, ou seja, a que gere menos prejuízos. Esses meios disponíveis para a execução devem, porém, ser igualmente eficazes.

O princípio supramencionado está consagrado no artigo 620 do Código de Processo Civil: “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.”.

Então, o princípio da menor onerosidade ao executado tem a função de impedir a execução desnecessariamente onerosa ao executado, ou a execução abusiva. Baseia-se na boa-fé, ética e lealdade processual, visando evitar o abuso de direito do credor, que poderia se valer do meio mais gravoso na execução, sem necessidade.

A sua aplicação pode se dar ex-officio, já que o juiz pode determinar, por conta própria, que a execução se processe por meio menos oneroso, se o mesmo atentar para o fato de que o credor optou pelo meio mais danoso. Porém, se a execução for autorizada mesmo que por meio mais prejudicial e o executado interveio nos autos, não a impugnando, ocorre preclusão.

A menor onerosidade ao executado não autoriza a interpretação que o valor deve ser reduzido, parcelado, ou que os juros sejam abatidos. Ele autoriza, porém, o executado a pedir a substituição do bem penhorado por dinheiro, por ser sempre mais favorável ao exequente e, dependendo do caso, também mais vantajoso para o executado.

Fredie Didier não entende esse princípio como uma cláusula geral de proteção ao executado, mas sim como uma cláusula geral que serve para vedar o abuso de direito pelo credor, o proibindo de valer-se de via mais gravosa. 

Não se deve entender essa norma como uma cláusula geral de proteção ao executado, que informaria todas as demais regras de tutela do executado (princípio do favor debitoris) espalhadas pela legislação. O princípio é uma dessas normas de proteção ao executado, e não a fonte de todas as outras. O art. 620 do CPC é uma cláusula geral que serve para impedir o abuso de direito pelo exequente: em vez de enumerar situações em que a opção mais gravosa revelar-se injusta, o legislador valeu-se, corretamente, de uma cláusula geral para reputar abusivo qualquer comportamento do credor que pretender valer-se de meio executivo mais oneroso do que outro igualmente idôneo à satisfação do seu crédito. (DIDIER, 2011, p. 57).

 

Ademais, cabe destacar, de forma rápida, dois princípios fundamentais, desta vez da impenhorabilidade, que são a tipicidade e a disponibilidade. A tipicidade da impenhorabilidade decorre da parte final do artigo 591 do CPC: “salvo as restrições estabelecidas em lei”, significa que ela tem que resultar de regra expressa, são casos estritos, e que estão definidos pelo CPC, tais como “os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado”, “livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão” e seguro de vida.

Já o principio da disponibilidade na impenhorabilidade garante que um bem, inicialmente considerado impenhorável, mas disponível pelo devedor, poderá ser objeto da execução por sua livre nomeação.

Além de alienar o bem impenhorável, o executado pode deixar de arguir a impenhorabilidade. Assim, como exemplifica Araken de Assis, um certo instrumento de trabalho, um trator por exemplo, é de regra impenhorável de acordo com o artigo 649, V do Código de Processo Civil, mas deixa de sê-lo quando seu proprietário o empenhou na cédula rural.

Realmente, não é razoável reputar irrenunciável o benefício gerado pela impenhorabilidade. Tampouco blindar o patrimônio do obrigado, tout court, à realização dos créditos se harmoniza com a economia de mercado. O princípio da disponibilidade surge, neste contexto, como forma de ponderar os interesses em jogo, porque o complexo de regras atinentes à impenhorabilidade e o interesse próprio do obrigado asseguram-lhe o mínimo existencial. (ASSIS, 2011, p.249).

 

 

3 A execução por quantia certa contra devedor solvente

Devedor solvente é aquele que se encontra na situação em que o valor do seu patrimônio supera o valor das suas dívidas. A solvência é regra, já que só é insolvente o devedor que já teve sua insolvência declarada por meio de uma sentença judicial.

Como explica Humberto Theodoro Júnior, a insolvência não se decreta ex officio e o credor não é forçado a propor execução concursal, podendo, se for de sua vontade, preferir a execução singular, mesmo que o patrimônio do devedor seja deficiente.

A execução por quantia certa contra devedor solvente consiste em retirar de sua posse tantos bens quanto forem necessários para a satisfação da dívida com o credor.

O credor realiza a provocação, através da petição inicial e se for o caso, já pode indicar bens penhoráveis do devedor, conforme o artigo 652, §2º do Código de Processo Civil. Depois, o juiz analisa a admissibilidade da inicial e pode mandar emendá-la, deferi-la, ou indeferi-la.

Se for deferida, ocorre a citação do devedor (por mandado ou edital), para que ele cumpra a obrigação voluntariamente em três dias, contados do próprio ato da citação. No despacho da inicial o juiz também fixa os valores dos honorários do advogado a serem pagos pelo executado.

Não efetuado o pagamento nesse prazo, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora de bens e a sua avaliação, lavrando o respectivo auto e de tais atos intimando, na mesma oportunidade, o executado. Os bens do devedor são apreendidos pela penhora e inicia-se o procedimento de decretação da perda da propriedade do bem que está sendo penhorado, para o cumprimento da obrigação.(REIS,2007).

Ocorrerá, então, a adjudicação em favor do exeqüente ou das pessoas indicadas no § 2º do art. 685-A, a alienação por iniciativa particular, alienação em hasta pública ou o usufruto de bem móvel ou imóvel.

Se o próprio exeqüente não tiver adjudicado o bem penhorado, findada a expropriação deste, o produto da venda é entregue a ele. Ocorre então o pagamento, e o devedor satisfaz a obrigação, mesmo que de maneira forçada. A ação executiva é então declarada extinta, conforme o artigo 794, I do CPC.

 

4 Bens de família

O bem de família, segundo o artigo 1.712 do Código Civil, é aquele prédio residencial urbano ou rural utilizado por uma entidade familiar como único domicílio, ou seja, não é necessário que, para ser considerado bem de família, seja o único bem da entidade familiar, mas que seja o único que a família possua para fins de moradia. (SOUZA, 2012).

A lei n. 8.009, de 29 de março do ano de 1990, em seu artigo 5º, da mesma forma, entende por bem de família, o único imóvel utilizado pela entidade familiar ou pelos cônjuges para moradia com caráter permanente, constante.

Portanto, se um casal ou uma entidade familiar residem em um imóvel, de forma que tenha o ânimo, a intenção de estabilizarem-se naquele local, sendo este imóvel utilizado como única residência da família, é considerado um bem de família.

Note-se que o Código Civil trata o bem de família como o domicílio de uma entidade familiar, enquanto a lei 8.009/1990 cita-o como residência. Sem adentrar, de forma demasiada, na matéria Civil, Maria Helena Diniz entende por domicílio a “sede jurídica da pessoa”, onde se presume que será encontrada para fins de direito. Enquanto residência, para Ébano Teles, é o lugar que a família tem como habitação e onde é encontrada com habitualidade.

Existem dois tipos de bem de família, quais sejam, o legal e o voluntário. O bem de família voluntário é aquele instituído por testamento ou escritura pública, no caso de a entidade familiar possuir mais de 1 imóvel utilizado como residência, isto para que a impenhorabilidade proteja o bem de maior valor. (VITORIANO, 2009).

Já o bem de família legal é o bem conceituado pela lei 8.009/1990, que é o imóvel residencial do casal ou de entidade familiar que não responderá por dívidas, salvo em casos excepcionais.

 

5. Possibilidade da Penhora em bens de família

A Constituição Federal, em seu artigo 226, enuncia que a família, por ser a base da sociedade, goza de uma atenção especial por parte do Estado.

Já a Lei nº 8.009 de 29 de março de 1990, instituiu a impenhorabilidade do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, ou de qualquer outra natureza, segundo o artigo 1º, salvo as exceções dos artigos 3º e 4º.

Como já citado anteriormente, de acordo com o artigo 5º da referida lei, “considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente”, ou seja, a proteção abrange apenas um imóvel. Se o casal ou a família possuir “vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis”. Esta hipótese de o casal possuir vários imóveis pode ter como exemplo, o casal que tem como residência 2 (dois) imóveis em localidades diferentes por motivos profissionais, já que, como o artigo 5º cita “único imóvel”, isto poderia causar conflito. (ASSIS, pág. 239).

Porém, garante Fredie Didier que, em caso de a família possuir um único imóvel, e este não for habitado, nem garanta sua moradia ou subsistência, este não será abrangido pela impenhorabilidade prevista na lei. São penhoráveis, ainda, os imóveis não residenciais e os terrenos não ocupados.

Esse benefício em questão, conforme o parágrafo único do artigo 1º, também compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional ou móveis que enfeitam a casa, desde que quitados. No caso de locação, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que adornem a residência e que sejam de propriedade do locatário.

Cabe, ainda, definir o que compreende o casal ou entidade familiar designados na lei. De acordo com a Constituição Federal, o conceito de entidade familiar abrange também a família monoparental e a união estável. Além disso, até mesmo a residência de um solteiro, que resida só no imóvel, é resguardada pelo dispositivo. O Supremo Tribunal de Justiça confirma esse entendimento em sua súmula 364: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”.

Nesse sentido, acrescenta Fredie Diddier:

Todos aqueles que se agrupam em instituição social, normamente formada por laços de casamento ou união estável, incluindo-se os ascendentes e descendentes, irmãos solteiros, o viúvo, ainda que seus descendentes hajam constituído outras famílias, o casado, o separado judicialmente e o divorciado, estão protegidos, vez que a norma se destina a garantir um teto para cada indivíduo, não se direcionando, necessariamente a um núcleo de pessoas. (DIDIER, 2011, p.575)

Porém, a impenhorabilidade não recai sobre nenhum dos casos descritos nos artigos 2º, 3º e 4º da referida lei. São eles os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos, ou se movidos em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; pelo credor de pensão alimentícia; para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; ou por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Deixará de incidir a impenhorabilidade também, quando o devedor, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga, redação do artigo 4º da Lei n. 8009/1990.

Como outro exemplo de exceção à impenhorabilidade dos bens de família, temos o processo de um comprador que ingressou na justiça contra a construtora de um imóvel adquirido por ele, pois a mesma não cumpriu o contrato e nem iniciou as obras.

Em primeiro grau, houve desconsideração da pessoa jurídica da empresa e os sócios foram penalizados com seu patrimônio pessoal, ocorrendo a penhora do imóvel residencial de um deles. Por esse motivo a decisão foi impugnada, com base na Lei 8.009/90, que garante a impenhorabilidade do referido bem.

O Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial, pois entendeu que o devedor utilizou-se de má fé ao alienar todos os seus bens menos a sua residência, configurando fraude aos dispositivos legais, e afastou a devida proteção, com fundamento em abuso de direito.

RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VENDA DE BENS EM FRAUDE À EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. AFASTAMENTO DA PROTEÇÃO. POSSIBILIDADE. FRAUDE QUE INDICA ABUSO DE DIREITO. 1. Não há, em nosso sistema jurídico, norma que possa ser interpretada de modo apartado aos cânones da boa-fé. Ao alienar todos os seus bens, menos um, durante o curso de processo que poderia levá-lo à insolvência, o devedor não obrou apenas em fraude à execução: atuou também com fraude aos dispositivos da Lei 8.009/90, uma vez que procura utilizar a proteção conferida pela Lei com a clara intenção de prejudicar credores. 2. Nessas hipóteses, é possível, com fundamento em abuso de direito, afastar a proteção conferida pela Lei 8.009/90. 3. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp 1299580/RJ, rel. Min. NANCY ANDRIGHI. STJ – terceira turma. 20/03/2012)

Portanto, depreende-se quanto à possibilidade ou não da penhora em bens de família, que estes últimos são, em regra, impenhoráveis. Entretanto, como toda regra, permite exceções e, nestes casos excepcionais, a penhora recairá sobre bens de família.

Assim sendo, os bens de família são relativamente impenhoráveis, já que, em regra, não podem ser penhorados. Entretanto, existem situações excepcionais, como as exemplificadas acima, nas quais ocorrerá a penhora de bens de família. Esta restrição decorrente da regra de impenhorabilidade objetiva garantir o direito fundamental à moradia da família, inserido no princípio da dignidade da pessoa humana. (DIDIER, 2013, pág. 562).

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisou-se que a penhora é o primeiro dos atos na execução por quantia certa contra devedor solvente, além de que seus efeitos podem surgir tanto no âmbito material quanto no processual. Sua natureza jurídica, de acordo com a doutrina majoritária, é de ato executivo.

Percebe-se, todavia, que existem vários tipos de bens absoluta ou relativamente impenhoráveis. Os bens absolutamente impenhoráveis, mesmo que raros, estão previstos pelo artigo 649 do Código de Processo Civil, já os bens relativamente impenhoráveis são mais comuns e estão localizados no artigo 650 do mesmo dispositivo, que enuncia a possibilidade da penhora destes bens quando não existirem outros que satisfaçam a obrigação.

Vale ressaltar que, em várias decisões, atentou-se para o fato de que a regra de impenhorabilidade dos bens de família pode desencadear fraudes, fato este que tem como punição a penhorabilidade do bem, ou seja, o bem fica desprotegido quanto à penhora, por má-fé do devedor.

Por fim, chega-se ao entendimento de que, quanto aos bens de família, como dito anteriormente, recai a impenhorabilidade relativa, uma vez que existem situações em que será afastada a regra de impenhorabilidade dos referidos bens, como exemplo, quando se está diante de fraude, má-fé do devedor e, ainda, quanto às exceções previstas nos artigos 2º, 3º e 4º da lei 8.009/1990 e no artigo 650 do Código de Processo Civil.

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

ASSIS, Araken de. Manual de Execução. 13. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

BRASIL. Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

BRASIL. Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, REsp 1299580/RJ, rel. Min. NANCY ANDRIGHI, julgado em 20 de mar. 2012.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. 2. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009.

DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. 5. Ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2013.

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 1. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1995.

Jornal Gazeta do Povo. SOUZA FILHO, Francisco Cunha. Bem de família: Impenhorabilidade absoluta? Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/artigos/conteudo.phtml?id=1301480&tit=Bem-de-familia-impenhorabilidade-absoluta. Acesso em 18/05/13 às 11h30min.

REIS, Nazareno César Moreira. O procedimento na execução por quantia certa por título extrajudicial contra devedor solvente. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1545, 24 set. 2007. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/10436. Acesso em: 23/05/13 às 13h10min.

SALOMÃO, Lídia. A Penhora. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/cursosentrar.asp?id_curso=1079. Acesso em 18/05/13 às 11h30min.

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 14. Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

TELES, Ébano. Do Domicílio: Conceito, aspesctos gerais e classificação. Disponível em http://ebanoteles.blogspot.com.br/2010/11/do-domicilio-conceito-aspectos-gerais-e.html. Acesso em 18/05/13 às 13h20min.

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Cumprimento de Sentença, Processo Cautelar e Tutela de Urgência. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008.

VITORIANO, Rodrigo Murad. Da penhorabilidade do bem de família. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br/artigos/1428338. Acesso em 18/05/13 às 13h55min.

 

 

 

 



[1] Paper apresentado como requisito para obtenção de nota na matéria de Processo de Execução

[2] Alunas do 7º período de Direito vespertino da UNDB

[3] Professor, orientador da disciplina

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