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A Sentença Citra Petita e o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição


Autoria:

Juliana De Campos Ribeiro


Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2012). Pós-graduanda em Direito Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

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Resumo:

O presente estudo busca fazer uma análise do disposto no artigo 515, §1º do CPC, de forma a arguir a nulidade da sentença citra-petita, em que pese a impossibilidade de violação do princípio constitucional do duplo grau de jurisdição.

Texto enviado ao JurisWay em 25/08/2014.



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INTRODUÇÃO

 

Com sua origem etimológica no latim, a palavra jurisdição traz consigo o ius dicere, que impõe, assim, o poder do Estado de dizer o direito. Assim é função do Estado tutelar e aplicar o direito pleiteado pelo povo ao ser provocado.

A jurisdição, ao ser aplicada, deve estar de acordo com o direito positivo e os princípios gerais e constitucionais do direito.

Ainda no aspecto jurisdicional, serão analisadas as espécies de jurisdição, de forma a elucidar o procedimento adotado no direito brasileiro para que o ius dicere do Estado seja aplicado.

Desta forma, a análise se dirige a atividade decisória do poder judiciário, onde veremos como se dá o conhecimento e julgamento de uma causa pelo Estado Juiz.

Neste aspecto, discutiremos as sentenças em suas modalidades, de acordo com os artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil, onde apresentamos as sentenças que julgam o mérito da causa e das que extinguem o processo sem esta análise.

Há que se falar ainda nos modelos de sentença quanto a sua carga de eficácia, quais sejam: declaratória, constitutiva e condenatória.

Diante de todo esse aspecto processual, partiremos para um debate mais específico acerca das nulidades das sentenças, partindo das gerais até as nulidades específicas.

Assim, no mérito do presente estudo, o cerne da questão será debatido em relação a sentença citra petita e o princípio do duplo grau de jurisdição.

Ao proferir uma sentença, o juiz dá procedência, improcedência ou parcial procedência aos pedidos do autor. Quando parte dos pedidos deixa de ser apreciada pelo julgador, forma-se a sentença citra petita.

Dessa forma, em grau de apelação, o autor questiona a parte não apreciada pelo primeiro grau, restando ao colegiado se revestir de poderes de primeira instância, julgando originariamente o assunto não abordado pela sentença.

O que ocorre é que a aparente solução fere o princípio do duplo grau de jurisdição do direito brasileiro, sendo a matéria julgada aquém, analisada e decidida somente pelo segundo grau.

Assim, seria nula a sentença que deixou de julgar parte do pedido do autor?

O princípio do duplo grau de jurisdição está implícito na Constituição Federal, fazendo com que alguns doutrinadores questionem sua existência em nossa Carta Magna.

No entanto, em que pese a falta de indicação expressa deste princípio, o duplo grau de jurisdição existe há quase tanto tempo quanto o próprio direito em si. Usado para garantir que os atos decisórios sejam expostos a um reexame, o duplo grau de jurisdição serve para prevenir erros do judiciário e assegurar um julgamento justo ao caso apreciado.

No atual Código de Processo Civil Brasileiro, encontramos, no art. 515 e parágrafos, os casos em que pode o Tribunal, em grau de apelação, julgar originariamente a matéria não analisada pelo primeiro grau.

Dentre estas hipóteses, está o caso da sentença citra-petita:

Art. 515 - A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

 

Desta forma, o Tribunal julga a matéria, sem expor a mesma ao duplo grau de jurisdição, ferindo tal princípio constitucional.

Assim, proferida a sentença de primeiro grau, a parte que se sentiu prejudicada recorre, por meio do recurso de apelação, a fim de remediar o problema, para que tal matéria seja analisada por órgão diverso do prolator, de hierarquia igual ou superior, prevalecendo a segunda decisão sobre a primeira.

 

Contudo, quando parte da matéria presente na exordial deixa de ser analisada pelo juiz de primeiro grau, tal matéria será apreciada somente pelo juizado da segunda estância, conforme previsão legal. Porém, não encontramos aí, o princípio do duplo grau de jurisdição.

Em síntese, o problema se mostra assim: o juízo de primeiro grau profere a sentença, contudo, sem analisar parte do pedido, deixando uma lacuna na solicitação do autor. Este, irresignado, recorre por meio do recurso de apelação, devolvendo a matéria ao segundo grau do Poder Judiciário, que, por sua vez, se reveste com os poderes de primeiro grau para analisar e julgar a matéria esquecida pelo juízo ad quo. Desta forma, ceifando o direito das partes ao duplo grau de jurisdição que lhes é constitucionalmente garantido.

Analisando assim, resta clara a supressão de um grau jurisdicional, ficando a lide comprometida pela a apreciação passível de erro somente do juízo ad quem, restando as partes sem vias recursais possíveis para garantir seus direitos.

Portanto, sendo garantido pela Constituição Federal o direito ao duplo grau de jurisdição, não pode o Código de Processo Civil – lei hierarquicamente inferior a Carta Magna – permitir a violação deste princípio, a fim de, ineficazmente, tentar proporcionar maior celeridade a prestação jurisdicional.

De tal maneira, o tema se mostra de grande importância na análise do esquema judiciário brasileiro, questionando a ampla análise da lide apresentada, pois, mesmo que se busque rapidez na prestação da tutela jurisdicional, não se pode, em detrimento disso, tolher as partes de uma adequada análise de seus requerimentos.

De forma prática, o tema se exemplifica de forma a privar o requerente de uma análise considerada justa aos olhos de quem vê o direito através da Constituição Federal, de forma a buscar garantir o que nela é assegurado ao cidadão.

Ou seja, o que processualmente é aceito, no âmbito constitucional seria nulo, pois priva a parte interessada do direito ao duplo grau de jurisdição.

 

A FUNÇÃO JURISDICIONAL DO ESTADO

 

A função jurisdicional, portanto, embora seja uma das expressões da soberania do Estado, só é exercida mediante provocação da parte interessada, princípio este que se acha confirmado pelo art. 262”. 

 

CONCEITO E FINALIDADE DE JURISDIÇÃO

A palavra jurisdição tem sua origem etimológica no latim, onde ius significa direito e dicere, dizer. O poder de dizer o direito emana do Estado-juiz, que, ao ser provocado pelas partes que possuem um conflito, tem o dever de buscar dirimir este, em prol do interesse das partes, a fim de atingir o bem comum. 

Jurisdição, portanto, é a atividade exercida pelo Estado, onde este conhece das pretensões das partes para assim decidir os conflitos de cada uma delas. Dessa forma, o Estado age de forma a substituir as partes, já que estas não podem por lei fazer justiça com as próprias mãos.

Liebman preconiza que jurisdição é 

o poder que toca ao Estado, entre as suas atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurídica correta, que, por força do direito vigente, disciplina determinada situação jurídica” 

Como dito, o Estado deve ser provocado, não podendo atuar espontaneamente. Como justificativa para o princípio do ne procedat iudex ex officio, várias correntes se formaram, dentre elas a que defende que, caso o Estado não necessitasse ser provocado pelas partes para resolver os conflitos destas, mas sim por sua vontade interferisse por elas, já não haveria imparcialidade, tendo em vista que ele já estaria motivado por um erro, que o despertou a iniciar a lide.

Theodoro, ao invocar os conhecimentos de Couture, afirma que 

em vez de conceituar a jurisdição como poder, é preferível considerá-la como função estatal e sua definição poderia ser dada nos seguintes termos: jurisdição é a função do Estado de declarar e realizar, de forma prática, a vontade da lei diante de uma situação jurídica controvertida.

Assim, o Estado tem o dever de manter o equilíbrio de uma sociedade e, assim, substitui as partes, administrando a justiça, de forma a dar a cada um o que é seu de direito, através do devido processo legal, com uma solução ponderada, desprovida de parcialidade.

Nesta senda, por intermédio do Poder Judiciário, utilizando-se de um processo, o Estado investiga qual dos litigantes está com a razão, aplicando para isso a lei ao caso concreto e decidindo de forma imperiosa.

O próprio Código Penal Brasileiro estabelece, em seu artigo 345, a impossibilidade do cidadão fazer justiça com as próprias mãos, deixando claro, assim, que a jurisdição é uma emanação da própria soberania estatal.

 

PRINCÍPIOS GERAIS E CONSTITUCIONAIS

PRINCIPIO DA INVESTIDURA

Sendo o Estado uma pessoa jurídica de direito público, não há possibilidade dele, sem o uso de pessoas físicas, fazer o exercício de sua função jurisdicional. Desta forma, para que pessoas físicas possam então exercer a jurisdição, se faz necessário que estas estejam regularmente investidas no cargo de juiz e, ainda, que estejam em pleno exercício como tal.

 

PRINCÍPIO DA INDECLINABILIDADE OU DA INAFASTABILIDADE

Conforme determina o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Desta forma, não é possível o Estado-juiz abster-se de fornecer a tutela jurisdicional aos que o procuram para que resolva um problema baseado em uma pretensão amparada pelo direito.

Portanto, ainda que haja lacuna ou obscuridade na lei, o juiz deve proferir uma decisão de acordo com o princípio da indeclinabilidade, com fundamento também no artigo 126 do Código de Processo Civil brasileiro.

 

PRINCÍPIO DA INDELEGABILIDADE

Conforme lecionam Cintra, Grinover e Dinamarco, “o princípio da indelegabilidade é, em primeiro lugar, expresso através do princípio constitucional, segundo o qual é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições”.

Nesta senda, não pode a lei, nem mesmo alguma deliberação dos próprios membros do Poder Judiciário alterar a distribuição neste órgão feita.

Cumpre referir que este princípio admite exceções, como os casos de execução forçada pelo STF e também nas chamadas cartas de ordem (precatórias e rogatórias).

 

PRINCÍPIO DA IMPRORROGABILIDADE

Também conhecido como Princípio da Aderência ao Território, este princípio veda ao juiz o exercício da função jurisdicional fora dos limites delineados pela lei.

Como bem leciona Tourinho Filho, “não é lícito, mesmo mediante acordo dos interessados, submeter uma causa à apreciação de autoridade que não tenha, para isto, jurisdição e competência próprias”.

Mirabete ainda esclarece que:

por vezes é possível que haja prorrogaçao de competência, como nos casos de conexão ou continência, na hipótese prevista no artigo 74, §2º do CPP, na circunstância de quando é oposta e admitida a exceção da verdade e no caso de desaforamento.

 

PRINCÍPIO DA INICIATIVA DAS PARTES E DA INÉRCIA

Conhecido pelos aforismos nemo judex sine actore (não há juiz sem autor) e ne procedat judex ex officio (o juiz não pode proceder – dar início ao processo – sem a provocação da parte), este princípio se consubstancia na índole inerte dos órgãos jurisdicionais, de forma que estes somente podem aplicar a lei ao caso concreto se forem devidamente provocados pela parte interessada.

Como bem lecionam Cintra, Grinover e Dinamarco, “a experiência ensina que quando o próprio juiz toma a iniciativa do processo ele se liga psicologicamente de tal maneira a idéia contida no ato de iniciativa, que dificilmente teria condições de julgar imparcialmente”.

Portanto, é necessário que a parte interessada, que tem interesse em ter sua pretensão atendida, provoque o judiciário para que este, assim, aplique o ordenamento jurídico ao caso concreto, buscando a resolução do conflito.

PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO

O princípio da correlação estabelece que é imperiosa a necessidade da correspondência entre a condenação e a imputação, ou seja, o fato descrito na peça inaugural de um processo, deve guardar estrita relação com o fato constante na sentença pelo qual o réu é condenado.

Bem ilustra Vallisney de Souza Oliveira o conceito do referido princípio:

(...) pelo princípio da correlação, concede-se liberdade ao julgador apenas dentro dos contornos da lide, cabendo-lhe, destarte, apreciar as questões argüidas e, também, se sua análise na sentença chegar até tal estágio, examinar o pedido veiculado na demanda.

Assim, Tourinho Filho assevera que “o juiz não pode dar mais do que foi pedido, não pode decidir sobre o que não foi solicitado”.

 

PRINCÍPIO DA DEFINITIVIDADE

Tal princípio determina que, encerrado o desenvolvimento legal de um processo, a manifestação judicial consubstanciada na sentença adquire caráter definitivo e imutável, ou seja, não cabendo mais revisão por qualquer outro poder, ao contrario, por exemplo, das decisões administrativas, que tem como “órgão recursal” o judiciário.

Assim, um conflito, no âmbito judicial, só se considera resolvido por definitivo quando tiver sido apreciado e julgado pelos órgãos jurisdicionais, sem que se possa novamente discuti-lo, sendo do Poder Judiciário a última palavra.

 

PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

Através deste princípio, buscam os dispositivos constitucionais impedir que pessoas estranhas ao organismo judiciário exerçam funções que lhe são específicas (salvo, é claro, quando houver autorização da própria Constituição Federal nesse sentido).

Desta forma, nenhum órgão, por mais importante que seja, se não tiver o poder de julgar assentado na Constituição Federal não poderá exercer a jurisdição.

Fernandes Scarance afirma que a dúplice garantia assegurada por este princípio – proibição de tribunais extraordinários e de subtração da causa ao tribunal competente – desdobra-se em três regras de proteção: 

a) só podem exercer jurisdição os órgãos instituídos pela Constituição Federal; b) ninguém pode ser julgado por órgão instituído após o fato; c) entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja. 

Nessa esteira, portanto, conclui-se que sem o juiz natural, não há jurisdição, pois a relação jurídica não pode nascer.

 

PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA

Semelhante ao princípio da correlação, o princípio da congruência é definido por Vallisney de Souza Oliveira de forma clara, caracterizando-se então como:

Segundo o princípio da congruência, o juiz não pode deixar de analisar a parte objetiva da demanda. Ou seja, não é lícito ao magistrado conceder bem maior ou estranho ao pedido, não lhe cabe omitir-se quanto às questões fáticas suscitadas no momento apropriado nem se omitir de decidir com base na causa de pedir ou no pedido deduzido.

 

Conclui-se então que:

Em síntese, por princípio da congruência entenda-se aquele ditame delimitador da atividade do órgão judiciário em relação ao pedido, compreendido este também como mérito, já que a sentença não pode descarrilar nem parar no caminho e nem ir além da via traçada pela vontade do jurisdicionado.

Desta forma, é ilícito ao magistrado julgar a causa de forma ultra, extra ou citra-petita.

PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDÇÃO

O princípio do duplo grau de jurisdição tem seu conceito fundado no artigo 5º da Carta Magna, em seu inciso LV, onde, subjetivamente, destacamos sua presença.

Eis que tal princípio centra-se na questão de que todos os indivíduos tem direito ao duplo grau de jurisdição em seus entraves judiciais.

Colocando de forma prática, este princípio serve para assegurar que, quando um indivíduo se dirigir ao judiciário a fim de ter sua pretensão atendida e que, após a resposta do réu, exarada for a sentença, caso o indivíduo não esteja de acordo com a mesma, ou o réu considere-a injusta ou errônea, enfim, a parte interessada dirigir-se-á ao segundo grau de jurisdição, para assegurar uma ampla análise de sua pretensão.

A Constituição Federal de 1988 assegura a todos os litigantes, em seu art. 5º, inciso LV, em processo administrativo ou judicial, o direito ao contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O que podemos extrair deste artigo, conforme lecionam os doutrinadores Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier, é que “sem embargo de não vir expresso no texto constitucional, o principio do duplo grau de jurisdição é considerado de caráter constitucional em virtude de estar umbilicalmente ligado à moderna noção de Estado de Direito”.

Calmon de Passos ilustra o tema de forma simples, afirmando que o princípio do duplo grau de jurisdição seria uma subespécie do gênero constitucional, referido por ele como “devido processo constitucional jurisdicional”, de forma que a aplicação do referido princípio gere um efeito, qual seja o controle das decisões, de forma a corrigir a ilegalidade praticada pelo julgador de primeiro grau e sua responsabilização pelos erros que possa vir a cometer.

Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal atribui caráter constitucional ao princípio do duplo grau de jurisdição, conforme se depreende das seguintes decisões:

Habeas Corpus. 2. Tráfico de drogas. Necessidade de o réu recolher-se à prisão para apelar (Lei 11.343/2006, art. 59). Ofensa aos princípios constitucionais da presunção de inocência, ampla defesa, contraditório e duplo grau de jurisdição. Constrangimento ilegal caracterizado. 3. Ordem parcialmente concedida.”(grifei)

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO, COM PEDIDO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. SUPRIMENTO DE OMISSÃO QUANTO À ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E DO JUIZ NATURAL. MATÉRIA DE CUNHO INFRACONSTITUCIONAL, CONSTITUINDO EVENTUAL OFENSA INDIRETA OU REFLEXA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PERSISTÊNCIA DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. A garantia constitucional do duplo grau de jurisdição (art. 5º, LV) insere-se no âmbito de proteção do princípio constitucional da ampla defesa, insculpido no mesmo enunciado normativo da Carta Magna, razão pela qual o tema foi enfrentado no acórdão embargado sob essa ótica, consignando-se a natureza infraconstitucional da controvérsia. 2. A violação do princípio constitucional do juiz natural (art. 5º, LIII), implica suprir a omissão do acórdão embargado para assentar que, também nessa hipótese, há eventual ofensa indireta ou reflexa, que não autoriza a interposição do recurso extraordinário. 3. Mantida a inadmissibilidade do recurso extraordinário, é de se rejeitar a atribuição dos pretendidos efeitos infringentes. 4. Embargos declaratórios a que se dá provimento parcial.(grifei)

 

ESPÉCIES DE JURISDIÇÃO

A jurisdição, segundo a doutrina, possui duas grandes espécies, quais sejam a contenciosa e a voluntária. A doutrina tem apresentado a jurisdição contenciosa segundo uma classificação ou divisão delimitada da seguinte forma: Jurisdição Comum e Jurisdição Especial, sendo que de forma geral conceitua-se como “jurisdição propriamente dita, isto é, aquela função que o Estado desempenha na pacificação ou composição dos litígios. Pressupõe controvérsia entre as partes (lide) a ser solucionada pelo juiz”.

A jurisdição comum divide-se em civil e penal. Dentro da civil estão as demandas de natureza empresarial, previdenciária e administrativa. A jurisdição comum possui âmbito de atuação nas esferas federal, estadual e distrital. A jurisdição especial divide-se em trabalhista, militar e eleitoral. Destas, a jurisdição trabalhista é exclusivamente federal, pertencente à justiça federal, ressalvado casos onde não haja cobertura por esta justiça especializada, ocasião em que o juiz estadual comum desempenhará as funções própria do magistrado trabalhista.

Todas estas jurisdições possuem primeira e segunda instâncias, possibilitando análise das decisões pelos Tribunais Superiores competentes a cada decisão conforme a matéria tratada (STJ, TST, STM, TSE, STF).

Marinoni, leciona que jurisdição voluntária não é jurisdição, posto que exerce atividade administrativa, ou seja, a administração pública dos interesses privados. Ensina ainda que esta não objetiva uma lide, o Estado-Juiz não substitui as partes, mas insere-se com estas e que a jurisdição voluntária não visa a constituição de uma situação jurídica nova ou a atuação da vontade concreta do direito.

Theodoro, na mesma linha de pensamento de Marinoni, amparado na doutrina de Carnelutti, afirma que

Para que haja, outrossim, a lide ou o litígio, é necessário que ocorra um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, conforme a clássica lição de Carnelutti. é que muitos conflitos existem sem que cheguem a repercutir no campo da atividade jurisdicional. Se, por qualquer razão, uma parte, por exemplo, se curva diante da pretençao da outra, conflito de interesse pode ter existido, mas não gerou litígio, justamente pela falta do elemento indispensável deste, que vem a ser a resistência de um individuo à pretensão de outro.

Quanto ao caráter não jurisdicional da jurisdição voluntária, ainda acrescenta Theodoro que “jurisdição voluntária é a forma de administração pública de interesses privados”.

Ademais, não possui coisa julgada, e no dizer de Eduardo Couture, sem coisa julgada não há jurisdição, atributo particular desta.

 

A ATIVIDADE DECISÓRIA DO PODER JUDICIÁRIO

JURISDIÇÃO DE CONHECIMENTO E DE JULGAMENTO

Num processo de conhecimento, é função do juiz analisar o mérito para depois proferir uma decisão. Este é o momento do processo em que o juiz conhece do entrave, para, posteriormente, defini-lo na sentença.

No momento em que uma das partes provoca o Judiciário para que este se manifeste a respeito de determinado conflito, ela conta a história do caso para o juiz, que, por sua vez, ouve a outra parte, intima para que provas sejam produzidas e, após conhecer de todo o processo, profere a sentença, favorecendo uma parte e prejudicando a outra.

Portanto, o produto do processo de conhecimento, contido na sentença de mérito, é o preceito concreto que rege a relação entre os litigantes e o “bem da vida” sobre o qual controvertem.

A sentença proferida após o exame do conteúdo do processo e definindo a situação das partes de acordo com o caso concreto se chama sentença de mérito, que, por definição, é o ato em que o juiz põe fim ao processo de conhecimento mediante julgamento da demanda apresentada pelo autor.

Cândido Rangel Dinamarco, ao analisar a doutrina de Carnelutti, afirma que todo o julgamento de mérito contém uma declaração, seja ela de existência ou não de um direito e a correspondente obrigação. De forma mais ampla, declarar aqui é afirmar ou negar. Aquele que declara faz saber a outrem o que pensa acerca de um fato, de uma qualidade ou de uma situação jurídica.

Prossegue Dinamarco, baseando-se na doutrina de Vidigal, referindo que a diferença entre a declaração do homem comum e a do Estado juiz é que a deste vem dotada de imperatividade, ou seja, da capacidade de impor-se, enquanto a daquele tem caráter meramente opinativo. Assim, o poder estatal se manifesta na imperatividade das declarações judiciais exercida pelo juiz.

 MODELOS DE SENTENÇA EM RELAÇÃO AO MÉRITO (ARTIGOS 267 A 269 DO CPC)

Deve-se entender a sentença como o ato do juiz pelo qual o mesmo julga a causa em seu mérito de forma parcial ou plena, rejeitando ou provendo seus pedidos (em sua totalidade ou não) ou, ainda, quando for o caso, é o ato do juiz pelo qual o mesmo extingue o processo, sem julgar-lhe a causa.

Portanto, aqui, dois modelos de sentença em relação ao mérito: a que resolve a lide, através do conhecimento do mérito da causa e a que a extingue sem análise da questão suscitada, tendo em vista algum dos casos do artigo 267 do CPC.

A sentença de mérito é o momento culminante do processo de conhecimento, dito também processo de sentença justamente porque tem a finalidade específica de produzir a tutela jurisdicional mediante o julgamento de pretensões. Julgar é optar por uma solução, entre duas ou várias apresentadas ou postuladas, e o mérito a ser julgado é a pretensão trazida ao juiz em busca de satisfação (objeto do processo). O juiz, no exercício do poder estatal, julga com fundamento na capacidade de decidir imperativamente sobre interesses alheios.

Para uma melhor analise do tema, se faz necessária uma breve leitura do artigo 267 do Código de Processo Civil:

Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:

I - quando o juiz indeferir a petição inicial;

II - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes;

III - quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;

IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;

V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;

VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;

VII - pela convenção de arbitragem;

VIII - quando o autor desistir da ação;

IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal;

X - quando ocorrer confusão entre autor e réu;

XI - nos demais casos prescritos neste Código.

§ 1º O juiz ordenará, nos casos dos incisos. II e Ill, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas.

§ 2º No caso do parágrafo anterior, quanto ao no II, as partes pagarão proporcionalmente as custas e, quanto ao no III, o autor será condenado ao pagamento das despesas e honorários de advogado (art. 28).

§ 3º O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e Vl; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento.

§ 4º Depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação.

 

Entende-se então que, nos casos que se enquadram no disposto no supracitado artigo, o juiz não fará o conhecimento do mérito do processo, extinguindo-o, não por conta de seu conteúdo, mas sim por alguma irregularidade processual ou por opção das partes.

Do lado oposto, encontra-se a sentença de mérito, no artigo 269 do Código de Processo Civil, onde, também para melhor análise, faremos a leitura do artigo:

Art. 269. Haverá resolução de mérito:

I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;

II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido; 

III - quando as partes transigirem;

IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição;

V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.

 

Portanto, nos casos acima, o juiz conhecerá de todo o teor da pretensão das partes e decidirá com base no que foi dito e provado, solucionando assim o entrave das partes.

Se a sentença julga o mérito, diz-se que é definitiva, porque define a lide. Nos demais casos, é meramente terminativa.

 

3.3. MODELOS DE SENTENÇA QUANTO A CARGA DE EFICÁCIA

3.3.1. DECLARATÓRIA

A ação declaratória (ou meramente declaratória) visa à declaração da certeza objetiva de "existência ou inexistência de relação jurídica", ou da "autenticidade ou falsidade de documento" (CPC, art. 4º), ou ainda da inconstitucionalidade de uma lei (ação declaratória de inconstitucionalidade: CF, arts. 102, I, a, e 103).

O único objetivo do autor é obter a certeza jurídica, representada por uma sentença revestida da autoridade de coisa julgada e, como tal, indiscutível entre as mesmas partes (Buzaid).

Originou-se das prejudiciales, no Direito Romano, que visavam "à simples declaração de um fato, ou de um direito, para uso em causa que o autor devesse, posteriormente, intentar, ou para defesa em processo que contra ele fosse movido, ou mesmo para qualquer outro fim" (Barbi, comentários, p. 58).

Conceituando, é a sentença declaratória aquela que tende a simples declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica.

Portanto, esta sentença será positiva ou negativa, conforme reconheça a existência ou inexistência de tal relação. Em geral, os efeitos das sentenças declaratórias são retroativos (ex tunc), ou seja, voltam no tempo para apanhar a situação de fato ou a relação jurídica na sua formação, salvo se obstado pela prescrição extintiva.

 

3.3.2. SENTENÇA CONSTITUTIVA

A sentença constitutiva é a que cria, modifica ou extingue uma relação jurídica. Em outras palavras é a que altera o status jurídico existente. 

Uma das diferenças mais expressivas entre a sentença declaratória e a constitutiva está em que esta possui, com relação àquela, um plus consistente no estabelecimento de uma nova relação jurídica, ou na alteração ou extinção de uma relação já existente. 

Encontra-se na sentença constitutiva, além da declaração de certeza, no que concerne a preexistência do direito, também, as condições exigidas para a constituição da relação jurídica, sua modificação ou extinção.

A sentença constitutiva não cria direito, declarando apenas a sua preexistência, da qual emanam os efeitos previstos no ordenamento jurídico.

As sentenças constitutivas, como regra, têm efeito ex nunc, isto é, para o futuro, seus efeitos produzem-se a partir da sentença transitada em julgado.

Este modelo de sentença, por si só, satisfaz o credor, independentemente de ação de execução. Aqui não há novo processo que se abre contra o réu, mas mera ordem administrativa dirigida um funcionário do Registro Público. Não se pode considerar como execução a inscrição ou averbação no Registro Público determinada pela sentença, salvo se a considerarmos como uma execução imprópria. A execução propriamente dita é condição sem a qual a ação condenatória não produz efeitos; já aqui, há uma mera subordinação da eficácia da ação constitutiva a uma providência a ela posterior – o registro (Alvim. Manual. p.434).

 

3.3.3. SENTENÇA CONDENATÓRIA

A sentença condenatória é aquela que, declarando a certeza da relação jurídica e conseqüente imperativo da lei reguladora da espécie, contém, ainda, a aplicação da sanção à espécie decidida. Além de declarar a certeza da relação jurídica e assim estabelecer a obrigação do devedor, a sentença condenatória especifica a sanção para o caso do devedor deixar de cumprir a obrigação.

A sentença condenatória observa duas finalidades: a) declarar a existência do direito material invocado (cogitando-se apenas este); b) impor ao vencido a obrigação de satisfazer aquele direito.

Essa obrigação pode consistir em uma prestação de dar, fazer ou não fazer ou de pagar quantia certa. 

A sentença condenatória é a única, dentre as demais, que atribui ao autor um novo direito de ação: a execução forçada, que traduz o direito à prestação jurisdicional executiva, em fase de cumprimento de sentença.

NULIDADES DAS SENTENÇAS

Os atos do juiz não correspondem à nenhum ônus, o juiz não tem ônus, e sim, o poder-dever de agir nos termos da lei, conduzindo o processo ao seu final. O código no art. 162 definiu os atos do juiz como: sentença, decisão interlocutória, despacho e sentença, decisão que põe fim ao processo, com ou sem julgamento de mérito.

No plano conceitual será terminativa a sentença que extingue o processo com o julgamento de mérito e meramente terminativa a que extingue o processo sem julgar o mérito. o recurso cabível na sentença é a apelação (art. 513).

No direito material temos dois tipos de nulidades. A grande maioria dos autores opera a distinção entre nulidade absoluta e nulidade relativa, ou então, entre nulidade e anulabilidade. Esse é o primeiro ponto em que o direito processual diverge do direito civil propriamente dito. No processo três são as espécies de nulidades. No magistério de Galeno Lacerda, coloca-se entre essas duas nulidades citadas uma terceira, que é um tipo médio entre as ambas. Trata-se a nulidade relativa, por ele assim determinada.

Então teremos, no plano substancial, nulidades absolutas, nulidades relativas e anulabilidades. As primeiras em muito se assemelham às nulidades do direito civil. Já as anulabilidades são muito semelhantes às nulidades relativas do direito material. Eis, que entre as duas, como que um meio termo, surge uma entidade média que é justamente o conceito de nulidade relativa como aparece em Carnelutti.

Esse é o primeiro ponto que pode causar alguma dificuldade, pois que no plano material as expressões nulidade relativa e anulabilidade são, freqüentemente, tomadas como sinônimos, ao passo que aqui o modo de pensar deve ser diferente. A maioria da doutrina é assente no sentido dessa classificação tríplice das nulidades processuais: 1) nulidades absolutas, defeitos severos; 2) nulidades relativas, esse meio termo, em parte semelhantes às nulidades absolutas, parte semelhantes às anulabilidades, mas que com elas não se confundem; e, 3) anulabilidades, caso de defeito menos grave nos atos processuais.

A segunda diferença, que por ora se apresenta, diz respeito ao saneamento.

 

Devemos ter muito cuidado para não confundir a noção de saneamento como aparece no direito civil, com a que aqui, no processo civil, se analisará.

Ao observar a noção de saneamento no direito material, vê-se que é ela é em grande parte correspondente à idéia de tomar um ato defeituoso e expurgar o defeito que contém, e logo, rigorosamente oposta à noção de repetição do ato. Se por exemplo, uma pessoa relativamente incapaz celebra um contrato e, depois de se tornar plenamente capaz decide manter aquele vínculo obrigacional na forma como antes fora celebrado, ela ratifica, isto é, manifesta novamente a sua vontade, dessa vez sem o vício anterior, e esse gesto tem o condão de fazer com que aquele ato que, lá atrás, foi realizado fique expurgado de todo e qualquer defeito que possuísse. Portanto a ratificação não é propriamente uma nova realização do ato ignorando-se o ato que ficou o para trás. É, ao contrário disso, uma complementação, uma reiteração de uma vontade já manifestada, uma confirmação do ato anteriormente praticado. É isso que se costuma chamar de saneamento, de correção do defeito consistente numa nulidade, no direito civil.

Já no processo civil é extremamente raro este tipo de coisa. Se um ato é realizado de modo defeituoso, a verificação desse defeituosidade do ato não leva, normalmente, a uma convalidação do ato defeituoso que já se realizara. O que correntemente se faz é tomar esse ato por inválido e realizá-lo novamente. Assim, se uma intimação é publicada sem o nome do advogado, ou sem o nome das partes, e se a parte interessada alegar sua nulidade no tempo devido, acolhida essa pelo juiz se republicará a intimação, não se aproveitando o ato processual já realizado.

Então quando o juiz determina o saneamento num caso desses, esse não deve ser compreendido como o aproveitamento do ato processual defeituoso, e sim, em corrigir, expurgar o defeito desse ato. O que se faz é repetir o ato, ignorando aquele que foi praticado, de modo a extrair agora a eficácia desejada. De certa forma, pode-se entender saneamento por repetição do ato.

No direito material, se quer saber se a nulidade é absoluta ou relativa se verifica a regra de direito, o norma jurídica que foi ferida. Então, se trata-se de norma de ordem pública, tem-se nulidade absoluta, se a norma é de ordem privada, que protege interesse privado, tem-se nulidade relativa. Esse mesmo pensamento se repete no processo civil, ou seja, a idéia de que se classificam as nulidades pondo atenção na norma jurídica violada.

Desta forma, os atos processuais, assim como os demais atos jurídicos, podem apresentar certos vícios que os tornem inválidos ou ineficazes. E no campo direito processual civil, estes vícios em geral são decorrentes da inobservância da forma pela qual o ato devia ter sido regularmente realizado. Observe-se que o conceito de forma aqui empregado deve corresponder ao modo pelo qual a substância exprime e adquire existência, compreendendo não só os seus requisitos externos, como também a noção de tempo e lugar, que também não deixam de ser modo por meio dos quais os atos ganham existência no mundo jurídico.

Superada a questão das nulidades dos atos processuais, passamos a uma análise específica das nulidades acerca das sentenças.

Sentença, segundo o disposto no artigo 162, §1º do Código de Processo Civil brasileiro, é o ato do juiz que implica em alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269 do referido código. Assim, entende-se por sentença, em razão das situações do artigo 267, “extingue-se o processo, sem resolução de mérito”, ao passo que as do artigo 269 levam à “resolução de mérito”, ainda que possam não conduzir à extinção do processo.

Assim, concluímos que “A sentença é ato do juiz unipessoal que encerra uma etapa de primeiro grau, com julgamento do processo ou da lide propriamente dita.”

Conforme bem preceitua Vallisney de Souza Oliveira,

Sabe-se que a sentença precisa estar em harmonia com a demanda, sob pena de decretação de nulidade pelo juízo recursal.

É a regra geral prevista no CPC vigente, que prestigia sobremodo o princípio da congruência, conforme se pode assinalar: art. 128: “O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”; art. 293: “Os pedidos devem ser interpretados restritivamente”; art. 459: “O juiz proferirá a sentença, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor” e parágrafo único: “Quando o autor tiver formulado pedido certo, é vedado ao juiz proferir sentença ilíquida”. Art. 460, caput: “É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

 

NULIDADES GERAIS

Nulas são as sentenças proferidas equipadas com um vício processual, passando a sentença prolatada a padecer de nulidade.

Acerca dos vícios que podem macular a sentença temos, primeiramente, os que se referem aos elementos essenciais da sentença dispostos no art. 458 do Código de Processo Civil: 

Art. 458.  São requisitos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe submeterem.

 

A sentença, tendo sido proferida de acordo com o artigo supracitado, terá validade e eficácia, de forma a produzir efeitos, salvo quando houver existência de nulidades processuais.

No entanto, de forma geral, estando ausente qualquer requisito processual que possa gerar, através desta ausência, o chamado error in procendendo, nula será a sentença, vindo esta a invalidar todo o processo.

 

NULIDADES ESPECÍFICAS DAS SENTENÇAS

Conforme suscitado anteriormente, 

A decisão em desconformidade com o pedido se enquadra na categoria de nulidade (por ultra, extra ou citra petita), porque, além de violar princípios processuais, malfere os importantes preceitos constantes dos arts. 128, 459 e 460, do CPC (...)

Assim, entende-se por ultra-petita a sentença que julga além do pedido, ou seja, “Decide o pedido, mas vai além para julgar o que não foi pedido. Segundo o art. 461 do CPC, o órgão julgador fica proibido de condenar o réu em quantidade superior ao que foi demandado.”

Extra-petita é a sentença que julga fora do pedido. Exemplificando de forma exacerbada, é a sentença em processo onde o autor pediu indenização por danos materiais fundamentada em acidente de trânsito e condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais por conta de inscrição em órgãos restritivos de crédito.

De forma simples e resumida, a sentença extra-petita concede ao autor a tutela que não foi pedida.

A sentença citra-petita, derradeiramente, é aquela onde o pedido do autor é apreciado somente em parte pelo juiz, restando a decisão incompleta, ou seja, “na incongruência citra petita o juízo abstém-se de apreciar acerca de algum ou alguns dos pedidos e, portanto, concede menos do que postulado.”

Em brilhante voto, o Excelentíssimo Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Dr. Marcelo Cezar Muller arrebatou a matéria atacada:

Ao juiz incumbe decidir a lide “nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”, consoante dispõe o artigo 128, CPC.

A parte autora é quem fixa os limites da lide, deduzindo sua pretensão por meio da petição inicial.

Por conseguinte, deve haver estreita correlação – segundo o princípio da congruência – entre o pedido e a sentença, sendo vedado ao magistrado prolatar sentença além [ultra petita], fora [extra petita] ou aquém [citra ou infra petita] do pedido da parte, sob pena de macular o pronunciamento judicial.

Assim, o magistrado, ao interpretar o pedido, deverá fazê-lo de forma restritiva, a teor do artigo 293 do Código de Processo Civil.

Para ilustrar, transcrevo:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. [...] JULGAMENTO EXTRA PETITA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 128 E 460 DO CPC. PROVIMENTO. 1. Na invalidação judicial de ato administrativo, o julgador deve, por força dos princípios da inércia da jurisdição, do dispositivo e da correlação entre causa de pedir, pedido e sentença, obedecer aos limites objetivos da pretensão jurisdicional deduzida (CPC, arts. 128 e 460), sob pena de proferir decisão infra petita (aquém), ultra petita (além) ou extra petita (fora), suscetível à correção jurisdicional. [...] (REsp 784.159/SC, Rel. Ministra  DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 07/11/2006 p. 250).

 

Desse modo, constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal, “sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação” (art. 515, § 4º, do CPC).

De fato, no caso de sentença ultra e extra petita, “pode o tribunal em qualquer caso invalidar a decisão e substituí-la desde logo, sem a necessidade de devolver os autos para o primeiro grau de jurisdição”, consoante lição de Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI, Luiz Guilherme. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. pág. 423).

Nesse sentido, transcrevo:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. ARTIGOS 128 E 460, DO CPC). [...] 1. O julgamento ultra ou extra petita (artigos 128 e 460, do CPC) viola a norma que adstringe o juiz a julgar a lide nos limites das questões suscitadas, sendo-lhe defeso alterá-las, e impõe a anulação da parte do aresto objurgado que exarcebou os limites impostos na inicial. [...] 7. Recurso especial desprovido. (REsp 900.959/PE, Rel. Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/11/2008, DJe 01/12/2008).

Por conseguinte, impõe-se a desconstituição da sentença recorrida para que outra seja proferida em conformidade com os pedidos formulados na inicial.

Descabe ao juízo ad quem pronunciar-se sobre os pleitos não analisados no juízo a quo, sob pena de supressão de um grau de jurisdição em manifesta afronta ao Princípio do Duplo Grau, sendo necessária a desconstituição da decisão.

 

 

No mesmo sentido se pronuncia o Excelentíssimo Desembargador, também do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Dr. Marco Antonio Angelo:

Por conseguinte, embora seja possível anular os tópicos que extrapolaram os limites impostos na petição inicial –, descabe ao juízo ad quem pronunciar-se sobre os questões jurídicas não analisadas no juízo a quo, sob pena de supressão de um grau de jurisdição em manifesta afronta ao Princípio do Duplo Grau, sendo necessária a desconstituição da decisão.

 

Assim, citra petita é aquela sentença que não aprecia toda a demanda, ou seja, não aprecia por inteiro o que foi pedido. Vallisney muito bem ressalta que “na incongruência citra petita o juízo abstém-se de apreciar acerca de algum ou alguns dos pedidos e, portanto, concede menos do que postulado.” Essa decisão está sujeita a declaração de nulidade, principalmente pelo fato de que, havendo um duplo grau de jurisdição, constitucionalmente previsto, o órgao recursal, então, não pode conhecer e julgar aquilo que não foi apreciado pelo juiz singular, sob pena de suprimir o referido princípio, ou seja, uma instância.

A decisão proferida abaixo do pedido fere, ainda, o artigo 128 do CPC, o qual se faz necessária a leitura: “Art. 128 - O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.”

Claro e objetivo, o legislador impôs que o juiz deve se limitar ao que foi pedido na peça inicial, ao proferir sua decisão.

Outra questão levantada pelo Sábio Desembargador Vallisney é que

Se a omissão for total existirá na verdade transgressão ao princípio da indeclinabilidade da jurisdição, pelo fato de que nenhum pronunciamento foi exarado, ao passo que na omissão decisória parcial há jurisdição deficiente e negação parcial do poder judicial de decidir.

A sentença citra petita pode ser gerada por total ou parcial omissão, nesta ultima, o juiz se abstém de analisar o pedido alternativo ou um ou mais pedidos cumulados, entre outros possíveis fatores, advindo então, daí, a incongruência omissiva da parte dispositiva em face da lide.

Da mesma maneira, ocorrerá o aludido vício de julgamento na falta de pronunciamento quanto à denunciação da lide, à reconvenção, à ação declaratória incidental, etc., bem como quando se remete à fase de liquidação a sentença que deveria ser líquida.

Importante frisar que não ocorrerá a invalidade citra petita na circunstância em que, tratando-se de pedidos alternativos, o juiz acolher um deles e deixar de apreciar o outro, já que a alternatividade implica caber ao juiz a escolha de uma ou outra pretensão, com razoável aumento de sucesso em razão da ampliação da demanda.

A incongruência omissiva ocorrerá quando, em pedidos contrapostos, o juiz deixar de examinar o pedido do réu. Se tratar-se de ações dúplices, a situação é diversa, tendo em vista que já está implícito o pedido do réu. Nos processos com as referidas peculiaridades, a rejeição do pedido do autor acarreta a concessão automática e natural, mesmo sem pedido, do bem jurídico ao demandado.

Segundo o parágrafo único do art. 459, o juiz fica proibido de proferir sentença ilíquida quando o autor tiver formulado pedido certo. Assim, na hipótese de pedido determinado, incidirá em julgamento citra petita o juiz que profere sentença genérica e determina a apuração do quantum em liquidação de sentença, uma vez que deveria ter esgotado a prestação jurisdicional, de acordo com a vontade do demandante sobre bem específico.

Quanto à sentença citra petita, o efeito devolutivo do recurso, no qual o tribunal pode apreciar todas as questões, mesmo não decididas, possibilita ao órgão ad quem preencher, apenas em situações excepcionais, a lacuna e decidir questões omitidas pelo julgador, ou seja, em caso de apreciação deficiente da matéria por este, frente ao disposto no artigo 515, §1º do CPC.

Porém, o que ocorre na prática é que não são em situações excepcionais que o parágrafo primeiro do artigo 515 (CPC) é usado. A supressão de um grau jurisdicional ocorre freqüentemente, sem que isso enseje nulidade da sentença que julgou deficientemente o processo.

Observe-se, porém, que, quando a omissão ocorreu quanto a um dos pedidos cumulados, o tribunal não precisa anular toda a sentença. Cabe-lhe remeter os autos de volta ao juízo de origem apenas para se proceder à apreciação do pedido não examinado. Quanto à parte da sentença em que o juiz decidiu o outro pedido, não há o que anular, porque continua válido.

A SENTENÇA CITRA PETITA E O PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

 

O ARTIGO 515 E SEUS PARÁGRAFOS 1º, 2º E 3º

Muito se discute a constitucionalidade do princípio do duplo grau de jurisdição, tendo em vista que esta, se negada, permitiria que normas infraconstitucionais facilmente conseguissem suprimir o duplo grau jurisdicional.

Partindo do princípio que o duplo grau de jurisdição é sim um principio constitucional, seguimos a questão do parágrafo 1º do artigo 515, conforme analisaremos a seguir:

Art. 515 A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

§2º Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

§3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 2001)

§4º Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação. (Incluído pela Lei nº 11.276, de 2006)

 

O caput do artigo 515 determina que a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, ou seja, o efeito devolutivo, segundo ensina Bortowski, se apresenta quando: 

ao apelar, a parte manifesta expressamente uma vontade de alterar a decisão que, sob o ponto de vista prático, lhe trouxe prejuízo. Assim, todo o recurso leva ao reexame da causa ao órgão encarregado pela lei de analisá-lo, pouco importando seja ele um tribunal ou o mesmo órgão que proferiu a decisão atacada.

 A este fenômeno, portanto, identifica-se como “devolução”, que, no caso da apelação, nada mais é que o ato de “devolver” ao juízo ad quem, o conhecimento da matéria impugnada pelo recurso de apelação.

Categoricamente, explica Bortowski que, assim, as questões que foram suscitadas no processo anteriores a sentença, mas que não receberam julgamento, são trasladas, por força do §1º do artigo 515 do Código de Processo Civil. 

 

O ALCANCE DA SENTENÇA CITRA PETITA

O efeito principal de uma sentença é o de pôr fim ao processo, segundo o artigo 463 do CPC, mas, como vimos, existem particularidades: se for uma sentença condenatória, o fim será a geração de um título executivo que possibilita a execução forçada da decisão; se for uma sentença constitutiva, o fim é a extinção da relação litigiosa que levou ao processo, com a criação de uma nova situação para as partes; e se for uma sentença declaratória, o fim é a obtenção da certeza jurídica sobre a relação deduzida em juízo.

Quanto aos efeitos relativos ao tempo, as sentenças podem produzir efeitos jurídicos para o futuro (ex nunc) ou podem se reportar ao passado (ex tunc), mas esse alcance de situações anteriores à própria sentença não significa que ela seja retroativa, mas sim que “tem efeitos retardados em relação à possibilidade de auto-tutela imediata e é para corrigir esse retardamento que pode ter efeitos ex tunc”.

As sentenças declaratórias e condenatórias produzem efeitos ex tunc; nas primeiras, o efeito retroage à época em que se formou a relação jurídica, e nas segundas, se faz apenas até a data em que o devedor foi constituído em mora. Já as sentenças constitutivas são normalmente ex nunc, produzindo efeitos a partir do trânsito em julgado.

As sentenças podem ainda ter um efeito mediato e imediato. Nas de efeito mediato, o pronunciamento estatal sobre a lide extingue o processo e esgota o ofício jurisdicional. Nas de efeito imediato, ocorre ou não o acolhimento da tutela jurisdicional atendida. O efeito imediato principal é onde se encontra o comando da sentença, onde estão os efeitos provenientes da declaração, condenação, absolvição, anulação, constituição, mandamento, execução ou acautelamento da relação jurídica em questão.

O limite básico de toda sentença é que esta se atenha ao pedido do caso que julga, estabelecido pela petição inicial, principalmente. Mas há hipóteses em que a sentença não se conforma ao pedido, o que gera sua nulidade total ou parcial e um destes casos é o da sentença citra petita.

Conhecidos os efeitos das sentenças, impende saber qual o procedimento que cabe ao tribunal, quando a omissão do juiz na sentença citra petita não foi suprida por meio de embargos de declaração e o autor interpõe recurso de apelação, requerendo a anulação da sentença ou o julgamento do pedido não apreciado.

De início, cabe frisar que a extensão do efeito devolutivo da apelação é determinada pela extensão da impugnação, ou seja, limita-se ao conhecimento da matéria impugnada.  Isso porque, consoante Nery, “O efeito devolutivo do recurso tem sua gênese no princípio dispositivo, não podendo o órgão ad quem julgar além do que foi pedido na esfera recursal”. Não se opera, no caso, o efeito translativo, em se tratando de questões de ordem pública, “(...)  em que o sistema processual autoriza o órgão ad quem a julgar fora do que consta das razões ou contrarrazões do recurso”.O efeito translativo decorre do princípio inquisitório, contrapondo-se ao princípio dispositivo. Portanto, se o autor somente pede a anulação da sentença citra petita, o tribunal fica adstrito a se pronunciar sobre a invalidade da decisão do órgão ad quo.

Apresenta-se o vício da sentença citra petita como uma questão prévia a ser decidida pelo tribunal antes do mérito do pedido, ainda que o recorrente não o tenha argüido. Não obstante autores do quilate de DIDIER, BRAGA e OLIVEIRA asseverem que a decisão omissa não apresenta vício, porque “(...) Não há vício naquilo que não existe. (...)”, há infração ao princípio da congruência, assim como ao direito fundamental de acesso à justiça. A omissão judicial compromete a efetividade e a celeridade da tutela jurisdicional, frustrando os fins do processo.

A sentença proferida citra petita padece de error in procedendo. Se não suprida a falha mediante embargos de declaração, o caso é de anulação pelo tribunal, com devolução ao órgão ad quo, para novo pronunciamento. De modo nenhum se pode aceitar que o art. 515, parágrafo 1º, autorize o órgão ad quem, no julgamento da apelação, a “completar” a sentença de primeiro grau.

Sabendo, então, que ato processual inválido é aquele que não alcança sua finalidade e que a finalidade da sentença é solucionar determinado litígio, temos que a sentença citra petita é invalida, já que não se presta a sua finalidade, deixando pendente de julgamento pedido feito pela parte. Logo, o não alcance da finalidade do ato reflete na existência de prejuízo, traduzindo-se nas características essenciais do ato processual inválido.

 

A SUPRESSÃO EVIDENTE DE UM GRAU JURISDICIONAL

Marcelo Amaral Bezerra, professor de direito processual civil da Universidade Católica de Pelotas, em artigo sobre o duplo grau de jurisdição, destaca que 

A bíblia é a primeira fonte na qual se apresenta a busca por um outro pronunciamento, recorrendo-se a autoridade hierarquicamente superior. No capítulo XXV, versículo 11-12, ato dos apóstolos, de autoria de São Lucas, surge: ‘Se fiz algum agravo, ou cometi alguma coisa digna de morte, não recuso morrer, mas, se há das coisas que estes me acusam, ninguém me pode entregar a eles: apelo para César’.

 

Como destaca Alcides Mendonça Lima,

A idéia de recurso deve ter nascido com o próprio homem, quando, pela primeira vez, alguém se sentiu vítima de alguma injustiça.” e prossegue afirmando que “o fato importante, sem dúvida, é o de estabelecer, nas fontes históricas, que, em essência, a idéia de recurso se acha arraigada no espírito humano, como uma tendência inata e irresistível, como uma decorrência lógica do próprio sentimento de salvaguarda a um direito já ameaçado ou violado em uma decisão.

 

Conforme relatam José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo, no tempo do Imperador Adriano (117-138 d.C), ao lado da appellatio, foi instituída também a supplicatio, que se constituía em recurso extraordinário, sucedâneo da appellatio, pelo qual era facultado ao cidadão recorrer ao juízo do Imperador, quando inapelável a decisão do praefectus praetorio.

 

De acordo com Marcelo Amaral Bezerra, 

Com o Direito Canônico as utilizações do duplo grau de jurisdição se deram de forma intensa, acarretando, com isto, sérios problemas no que tange ao retardamento das causas. Em quaisquer casos poderiam surgir as apelações até que fossem consideradas três sentenças idênticas.

Conclui-se, portanto, que o princípio do duplo grau de jurisdição está ligado à própria natureza humana, pois, como bem observa Marcelo Amaral Bezerra, 

todos nós procuramos, devido a própria condição, quando não satisfeitos, uma segunda opinião ou julgamento sobre determinadas situações, até mesmo as de somenos importância. Isto se dá por sabermos que o erro é inerente a própria humanidade e pois, por ninguém possuir as tão almejadas condições do ‘ser perfeito’.

 

No mesmo sentido é a conclusão do jurista Sérgio Bermudes, que afirma que “aos homens não acontece aceitarem uma decisão adversa, principalmente quando única”.

Conforme conceitua o professor Moacyr Amaral Santos,

O princípio do duplo grau de jurisdição, consagrado na Revolução Francesa, consiste em admitir-se, como regra, o conhecimento e decisão das causas por dois órgãos jurisdicionais sucessivamente, o segundo de grau hierarquicamente superior ao primeiro. A possibilidade do reexame recomenda ao juiz inferior maior cuidado na elaboração da sentença e o estímulo ao aprimoramento de suas aptidões funcionais, como título para sua ascensão nos quadros da magistratura. O órgão de grau superior, pela sua experiência, acha-se mais habilitado para reexaminar a causa e apreciar a sentença anterior, a qual, por sua vez, funciona como elemento e freio à nova decisão que se vier a proferir.

 

Humberto Theodoro Junior, discorrendo sobre o princípio do duplo grau de jurisdição, ensina que 

Não basta, porém, assegurar o direito de recurso se outro órgão não se encarregasse da revisão do decisório impugnado. Assim, para completar o princípio da recorribilidade existe, também, o princípio da dualidade de instâncias ou do duplo grau de jurisdição. Isto quer dizer que, como regra geral, a parte tem direito a que sua pretensão seja conhecida e julgada por dois juízos distintos, mediante recurso, caso não se conforme com a primeira decisão.

 

Interessante lição sobre o assunto é a de Ricardo Procópio Bandeira de Melo, que argumenta:

Não se está a afirmar que o vocábulo ‘recursos’ tenha sido incluído no texto constitucional (art. 5º, LV) com o específico sentido do implemento material do princípio do duplo grau de jurisdição, pois o certo é que a expressão tem alcance mais amplo, grafada na acepção de ‘instrumentos’, genericamente considerados. Mas não se pode deixar de entender que o princípio em estudo esteja ali abrangido, ou seja, ao garantir a ampla defesa ‘com os meios e recursos a ela inerentes’, a Constituição, utilizando-se de palavra que notoriamente exprime a manifestação de inconformismo que força o reexame de um primeiro julgamento (julgamento de primeiro grau), envolveu no conceito de ampla defesa princípio que reflete característica peculiar à natureza mesma do ser humano.”. E conclui: “Com efeito, não se afigura razoável, num Estado Democrático de Direito que proclama a cidadania e a dignidade da pessoa humana como valores fundamentais (CF, art. 1º, caput e incisos I e III), considerar como ampla defesa à qual não se agregue, como desdobramento – ou prolongamento – natural de sua própria essência, a possibilidade de provocar o reexame da sentença, a fim de evitar o império de um único juiz ou órgão julgador na apreciação e julgamento das causas. Tais julgamentos, então teriam caráter absoluto, não obstante a intransponível falibilidade característica dos agentes que encarnam os órgãos do Poder Judiciário.

Outro não é o posicionamento dos professores Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier, que destacam a impossibilidade de ser inteiramente suprimido o princípio do duplo grau de jurisdição, “porquanto, se o fosse, os tribunais, criados pela Constituição Federal, nada teriam a fazer, dado que o grosso do que fazem é julgar recursos.”

Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier, conclusivamente, lecionam: 

Do que se disse, portanto, se pode legitimamente concluir que o duplo grau de jurisdição é, sim, um princípio constitucional. Nem por isso, todavia, como se observou, tem-se que será inconstitucional o dispositivo legal que determinar seja, em certas condições, suprimido da parte o direito ao duplo grau de jurisdição.

Assim, entendida a origem histórica e fundamentada a constitucionalidade do duplo grau de jurisdição, remetendo-nos ao ponto 4.1, o que Bortowski quer dizer com “questões suscitadas no processo, anteriores a sentença, mas que não receberam julgamento”, nada mais é do que a sentença citra petita, se não vejamos: em ação de indenização por danos materiais e morais, o autor, na petição inicial, pede que o réu seja condenado ao pagamento de R$500 reais, a título de danos materiais e pede também danos morais a serem arbitrados pelo juízo. Eis que na sentença, o juiz decide por deferir o pedido de dano material e conclui a sentença, sem analisar o pedido de danos morais. O autor, irresignado, apela, tendo em vista seu descontentamento com a sentença proferida. Eis que, de acordo com o artigo 515, §1º, o Tribunal poderá julgar a matéria que deixou de ser apreciada pelo primeiro grau. Desta forma, analisam o pedido de dano moral do autor (apelante) e decidem por negar provimento ao recurso, alegando a inexistencia do referido dano.

O autor claramente teve seu direito constitucional a um duplo grau de jurisdição suprimido e não pode levar a decisão a reexame, por conta do disposto no parágrafo primeiro do artigo 515.

Desta forma, clarividente a supressão de um grau jurisdicional nos casos do referido parágrafo do artigo 515 do CPC.

Nesta senda, entendimento majoritário do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nas palavras proferidas no voto do Excelentíssimo Desembargador Dr. Altair de Lemos Junior:

A omissão configura sentença citra petita, a teor do art. 460 do CPC, o que acarreta a nulidade da decisão recorrida. 

Nesse sentido:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. SENTENÇA "CITRA PETITA". NULIDADE. A ausência de análise, pelo juízo de origem, dos pedidos formulados pela autora de adequação do valor da parcela à taxa contratada e nulidade dos juros sobre as tarifas bancárias configura a sentença "citra petita" e impõe sua nulidade. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA, "EX OFFICIO". APELOS PREJUDICADOS. (Apelação Cível Nº 70042108464, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernando Flores Cabral Junior, Julgado em 25/05/2011)

 

Além disso, descabe ao juízo ad quem pronunciar-se sobre os pleitos não analisados no juízo a quo, sob pena de supressão de um grau de jurisdição em manifesta afronta ao Princípio do Duplo Grau.

Para ilustrar, transcrevo:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. [...] JULGAMENTO EXTRA PETITA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 128 E 460 DO CPC. PROVIMENTO. 1. Na invalidação judicial de ato administrativo, o julgador deve, por força dos princípios da inércia da jurisdição, do dispositivo e da correlação entre causa de pedir, pedido e sentença, obedecer aos limites objetivos da pretensão jurisdicional deduzida (CPC, arts. 128 e 460), sob pena de proferir decisão infra petita (aquém), ultra petita (além) ou extra petita (fora), suscetível à correção jurisdicional. [...] (REsp 784.159/SC, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2006, DJ 07/11/2006 p. 250).

 

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. REVISIONAL DE CONTRATO. SENTENÇA EXTRA PETITA. O órgão ad quem não pode julgar pretensões não analisadas no juízo a quo, sob pena de supressão de um grau de jurisdição em manifesta afronta ao Princípio do Duplo Grau. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA DE OFÍCIO. PREJUDICADO O EXAME DA APELAÇÃO E DO RECURSO ADESIVO. (Apelação Cível Nº 70029847571, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em 26/01/2011)

 

A CONSTITUCIONALIDADE DISCUTIDA DO DISPOSITIVO CONTIDO NO ART. 515 E SEUS PARÁGRAFOS 1º, 2º E 3º

O Artigo 515 do Código de Processo Civil traz, em seu caput, a disposição legal acerca do efeito devolutivo do recurso de apelação.

Este efeito, já discutido anteriormente, determina que será devolvido ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada no recurso em pauta, ou seja, a devolução aqui debatida é referente a matéria já discutida em primeiro grau, que vem a ser impugnada pela parte insatisfeita com o julgamento realizado pelo juízo ad quo, e que será revista e decidida pelo juízo ad quem.

No entanto, os parágrafos 1º, 2º e 3º deste artigo atribuem exceções a esta devolução, abrindo precedentes para o julgamento originário pelo tribunal, nos casos ali previstos.

Ou seja, segundo o parágrafo 1º, “serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal, todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro”.

Tal disposição afeta diretamente o princípio constitucional, como já explicado, do duplo grau de jurisdição, dando poderes ao tribunal para conhecer de matéria não analisada pelo juízo de primeiro grau.

Ora, visível ao menos constitucionalidade a ser discutida desta previsão, tendo em vista a clara supressão de um grau jurisdicional.

Exemplificando: a parte ingressa com uma ação judicial, ou seja, provoca o Estado para que lhe preste a jurisdição sobre um direito que considera ferido. Esta mesma parte, em sua peça inicial – que, conforme já discutido, limita os parâmetros da lide – pede que a parte ré seja condenada em danos morais e materiais. O processo tem seu curso normal e na sentença, o juiz somente faz a analise e fundamentação acerca do dano material pedido, deixando de conhecer e decidir a respeito do dano moral. Ainda que julgado procedente a pretensão do autor da ação, este resta inconformado por conta da jurisdição precária e incompleta prestada, recorrendo, então, através da apelação. Ocorre que, em grau de recurso, o tribunal conhece (com base no parágrafo 1º do artigo 515, CPC) e decide por não dar provimento ao pedido do apelante (ora autor) em relação ao dano moral.

Conclui-se, através do exemplo acima, que a parte autora da ação não terá um segundo grau para debater o pedido conhecido pelo juízo ad quem e, portanto, seu direito constitucional ao duplo grau de jurisdição restou ferido, sem que este tenha plenamente atendida a sua pretensão.

A analise prática do conteúdo aqui debatido demonstra mais claramente a ofensa que o disposto no parágrafo 1º do artigo 515 do CPC a lei maior que rege o direito brasileiro, de forma que é possível concluir que a constitucionalidade do referido parágrafo deve, ao menos, ser discutida.

Por mais que os defensores da aplicação deste artigo aleguem que o procedimento nele previsto vem a dar mais celeridade ao processo, não se pode, com  este intuito, torná-lo prejudicial às partes.

Quanto ao parágrafo 2º do artigo 515, “quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais”, não há irregularidades ou inconstitucionalidades a serem discutidas, em que pese sua redação, quando trata de não acolhimento de pedido e não de ausência de análise do mesmo.

Já o parágrafo 3º é alvo de profundas e delongadas discussões, pois novamente aqui o legislador abre precedentes para que o tribunal exerça originariamente a função do juízo de primeiro grau, ao conhecer de todo o processo e decidi-lo, quando este foi extinto sem julgamento do mérito pelo juízo ad quo, tratando-se a causa de questão exclusivamente de direito e estando ela em condições de imediato julgamento: 

Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.

 

Dessa forma, o tribunal, ao prover recurso de apelação interposto contra sentença terminativa do feito, ao invés de remeter os autos ao Juízo de origem para a prolação de nova sentença, se investe da competência originária para a apreciação do feito, julgando a causa, na forma e nas condições estabelecidas pelo dispositivo processual supramencionado.

O debate em torno deste dispositivo se assemelha ao que paira sobre o parágrafo 1º do artigo 515, tendo em vista que, sob a mesma escusa da celeridade processual, é feita a supressão de um grau jurisdicional constitucionalmente previsto.

Tal atribuição de competência originária ao tribunal, para a apreciação do mérito da causa, embora de boa aceitação pela doutrina e jurisprudência de respeito no âmbito nacional, gera uma série de reflexos negativos às partes litigantes ignorados em nome do alcance da tão buscada celeridade processual.

Nogueira menciona que

O dispositivo legal objetivou prestigiar os princípios processuais da instrumentalidade e da celeridade, evitando que a causa retorne ao grau de jurisdição inferior, para novo sentenciamento (de mérito), quando ela pode ser, ali mesmo, no tribunal, prontamente resolvida.

Contudo, evitar que a causa retorne ao grau de jurisdição inferior é violar o direito da parte interessada de ter uma prestação jurisdicional completa. Assim, por mais que na forma do §3º do CPC, o direito do cidadão de que o processo corra de forma célere, para que este tenha alcançada a tutela jurisdicional buscada, o mesmo corre o risco de, não resultando a decisão a ele favorável, não ter meios de reformá-la.

Agravam ainda mais a situação encontrada no dispositivo em comento os doutrinadores que estendem seu efeito, de forma a aplicá-lo em casos onde a matéria da ação não é exclusivamente de direito.

Neste sentido, Paulo Afonso Brum Vaz, desembargador federal, assinala que

Sobre o alcance da expressão questão exclusivamente de direito, deve-se dizer que se equipara a processo maduro para julgamento de mérito. Mesmo que a causa não verse questão exclusivamente de direito, o Tribunal pode julgar o recurso se o processo encontrar-se "maduro", isto é, se a instrução probatória já tiver sido amplamente produzida em primeiro grau.

 

Assim, passando o tribunal à análise do mérito da questão após dar provimento ao recurso interposto, não mais à parte sucumbente será possível se valer do recurso de apelação para a reapreciação da decisão que, no caso, não lhe favorece, por expressa vedação advinda do princípio da singularidade recursal.

A parte não poderá demonstrar a sua insatisfação com a decisão primitiva, buscando reforma em instância superior em razão de que o acórdão nesse caso proferido não autoriza a interposição do recurso de apelação.

Com a introdução do parágrafo 3º ao art. 515 do CPC, criou-se a suposição de que as decisões proferidas pelo tribunal serão sempre as adequadas ao caso por ele analisado, sem a mínima possibilidade de erro dos julgadores.

O posicionamento defendido por Cândido Rangel Dinamarco citado por Antônio de Pádua Souhie Nogueira informa que

o julgamento de meritisque o tribunal fizer nessa oportunidade será o mesmo que faria se houvesse mandado o processo de volta ao primeiro grau, lá ele recebesse sentença, o autor apelasse contra esta e ele, tribunal, afinal voltasse a julgar o mérito. A novidade representada pelo 3º do art. 515 do CPC nada mais é do que um atalho legitimado pela aptidão a acelerar os resultados do processo e desejável sempre que isso for feito sem prejuízo de qualquer das partes.

 

Da parte, portanto, fora retirado o direito de não se conformar com o provimento jurisdicional recebido e da tentativa de reversão do provimento através de uma segunda análise.

Chega-se a conclusão, portanto, que à parte sucumbente, em uma hipótese tal qual a permitida pelo dispositivo legal estudado, resta apenas assimilar a decisão proferida pelo Poder Judiciário, ainda que com ela não se conforme, aceitando, assim, que não dispõe do direito de revê-la em outra instância.

Através desta análise, podemos depreender que atualmente, via de regra, permite-se a supressão de alguns princípios e garantias, sendo que a justificativa apresentada tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência sempre gira em torno da necessidade de se imprimir maior celeridade ao feito o que, a princípio, autorizaria tudo (ou quase tudo).

Ocorre que um princípio não pode ser aplicado em detrimento de outro, sendo que, desta forma, no presente contexto, a parte está sujeita a um processo menos moroso, mas também a uma prestação que não condiz com a esperada, sem a chance de recorrer a uma instância superior.

Quando o principal fator em um processo judicial passa a ser a rapidez com a qual a tutela pedida é prestada, a entrega da decisão passa a ser a questão mais relevante, sendo outros pontos deixados de lado, ou julgados como de menor importância, tornando a prestação jurisdicional incompleta.

Em nome do alcance da celeridade, os parágrafos 1º e 3º do art. 515 do CPC autorizam a possibilidade de ser arrancado da parte o direito de inconformismo de que ela mesma dispõe (que é um princípio basilar da teoria dos recursos), o qual geraria a possibilidade de a decisão inicialmente proferida ser revisitada e, quem sabe, reformada.

CONCLUSÃO

A questão central do presente estudo é a validade da sentença citra petita em confronto com o princípio do duplo grau de jurisdição. Eis que, até chegarmos as vias de fato e concluirmos se tal decisão seria ou não nula, alguns pontos tiveram de ser esclarecidos.

Ovídio Baptista nos remete à parte geral do direito processual civil, servido de base para um maior aprofundamento dentro da área, no que tange à jurisdição, aos princípios e às sentenças.

Portanto, conceitua jurisdição de forma que dois aspectos devem ser observados: a) o ato jurisdicional é praticado pela autoridade estatal, no caso, o juiz, que o realiza por dever de função; o juiz, ao aplicar a lei ao caso concreto, pratica essa atividade como finalidade específica de seu agir, ao passo que o administrador deve desenvolver a atividade específica de sua função tendo a lei por limite de sua ação, cujo objetivo não é simplesmente a aplicação da lei ao caso concreto, mas a realização do bem comum, segundo o direito objetivo; b) o outro componente essencial do ato jurisdicional é a condição de terceiro imparcial em que se encontra o juiz em relação ao interesse sobre o qual recai sua atividade. Ao realizar o ato jurisdicional, o juiz mantém-se numa posição de independência e estraneidade relativamente ao interesse que tutela (...)”. 

Assim, entendido o que é jurisdição, entendemos com maior facilidade o duplo grau de jurisdição do direito brasileiro, facilitando a compreensão do tema suscitado.

Primeiramente, o questionamento acerca da constitucionalidade do princípio do duplo grau de jurisdição no direito brasileiro foi esclarecido, de forma que, apesar de correntes contrárias ao patamar constitucional do mesmo, a jurisprudência se mostra uniforme ao tratá-lo desta forma.

A Constituição Federal prestigia o duplo grau de jurisdição como um princípio, e não como garantia. Na verdade, o principio do duplo grau de jurisdição não chega a consistir numa garantia, pois a Constituição Federal a ele apenas se refere, não o garantindo.

Em suma, é possível haver exceções ao princípio do duplo grau de jurisdição, podendo a legislação infraconstitucional restringir, ou até mesmo eliminar a interposição de recursos em casos específicos.

Sendo o duplo grau de jurisdição um princípio, poderá ocorrer deste se confrontar com outros que se colocam como contraponto, o que deverá o operador neste momento ponderar a sua aplicação e definir limites recíprocos entre os mesmos. Quem mais elucida esta questão é Nelson Nery Jr. lecionando que essa ponderação é feita inicialmente pelo legislador, sopesando valores através das normas principais. Ponderando assim a complexidade da matéria, a importância social da causa, as circunstâncias procedimentais e a duração razoável do processo, pode o legislador, concedendo maior peso à efetividade sem sacrificar (eliminar) os princípios do devido processo legal e ampla defesa, optar restringir o duplo grau de jurisdição em determinadas causas ou em certas circunstâncias

Superada esta questão, analisamos então a conceituação das sentenças e suas espécies, chegando então às sentenças ultra, extra e citra petita, quando tratamos das nulidades das sentenças.

Sentença, segundo o disposto no artigo 162, §1º do Código de Processo Civil brasileiro, é o ato do juiz que implica em alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269 do referido código. Assim, entende-se por sentença, em razão das situações do artigo 267, “extingue-se o processo, sem resolução de mérito”, ao passo que as do artigo 269 levam à “resolução de mérito”, ainda que possam não conduzir à extinção do processo. 

Portanto, sentença é, em regra, o ato judicial que, tratando ou não do mérito, encerra o procedimento, salvo pela continuidade do mesmo, em fase de cumprimento de sentença.

Dentro do estudo do ato decisório do juiz, conhecido como sentença, nos deparamos com sentenças que julgam diferentemente do pedido da parte autora. Neste ponto, encontramos a sentença citra-petita.

Assim, sabemos que a sentença citra petita é aquela em que o juiz profere decisão deixando de analisar um ou mais pedidos feitos pelo autor (ou réu, no caso de contra pedido), dando origem então a uma sentença citra petita.

De forma a ter seu (s) pedido (s) efetivamente analisado (s), a parte prejudicada recorre através do recurso de apelação.

Neste ponto o problema se forma: o artigo 515, §1º do Código de Processo Civil brasileiro autoriza o conhecimento e julgamento por parte do tribunal acerca da matéria que o juízo ad quo deixou de analisar.

Assim, as questões que foram suscitadas no processo anteriores a sentença, mas que não receberam julgamento são trasladas, por força do §1º do artigo 515 do Código de Processo Civil.

Outro exemplo, ao falar sobre o recurso de apelação, abrangendo o juízo de admissibilidade e os efeitos do recurso, Ovídio adentra num campo de extrema importância para o tema tratado, qual seja a extensão do efeito devolutivo da apelação, com uma análise ao artigo 515 e 516 do Código de Processo Civil.

Neste aspecto, exemplifica da seguinte forma: “o autor propusera contra o réu uma ação de indenização, alegando que este fora culpado pelo acidente de trânsito de que resultaram danos pessoais e materiais ao autor, em virtude de estar o demandado dirigindo com velocidade excessiva e embriagado, além de não possuir freios o veículo. (...) O réu, ao contestar a ação, haja alegado: a) a prescrição da pretensão a exigir ressarcimento de danos; b) que a culpa pelo acidente fora exclusivamente do autor; c) que o acidente fora causado em virtude de culpa do autor e de terceiro sem qualquer vínculo com o réu; d) que não houve danos, quer materiais quer pessoais; e) que o autor antes renunciara à pretensão indenizatória. (...) O magistrado, ao julgar a causa, haja dado pela procedência parcial da ação, reconhecendo o dever do réu de indenizar, porém apenas os danos materiais, que a sentença admite terem sido causados por culpa do réu, que dirigia embriagado por ocasião do acidente, recusando-se, no entanto, a admitir que haja ficado provado o excesso de velocidade ou que o acidente haja decorrido da alegada deficiência no sistema de freios do veículo (...).”  

A análise realizada por Ovídio no supracitado exemplo é de que o juiz silenciou no que tange aos demais argumentos suscitados pelo autor e que, em grau de apelação, caberá ao juízo ad quem a apreciação dos mesmos, como determina o artigo 515, §2º do Código de Processo Civil.

Essa parte afastaria, com esse artifício, a possibilidade de ser prontamente afastada do curso do feito através da imposição de decisão que não contou com sua efetiva participação e sobre a qual não cabe recurso de devolutividade ampla. Além disso, demonstraria que a ela não importa que o provimento chegue rápido nos termos propostos, na medida em que ele não lhe trará contentação se dele ela não puder participar, inclusive, com a livre manifestação de seu inconformismo, se necessário.

Analisando assim, resta clara a supressão de um grau jurisdicional, ficando a lide comprometida pela a apreciação passível de erro somente do juízo ad quem, restando às partes sem vias recursais possíveis para garantir seus direitos.

O provimento final só atenderá às perspectivas das partes se elas, de sua produção, puderem participar, o que deixa claro que o importante não é a velocidade com que a decisão é tomada, mas a forma pela qual é produzida.

É importante que o Judiciário preste a efetiva e a devida tutela de direitos, razão pela qual o princípio da congruência se assenta na vontade do jurisdicionado.

Por isso que á assente que a falta de congruência entre a sentença e o pedido contrapõe-se à devida solução da lide e ao mesmo tempo viola os princípios do contraditório, da indeclinabilidade do julgamento, entre outros.

Ao invés de tentar simplificar o processo, suprimindo, cada dia mais, o direito de inconformismo dos litigantes, os reformadores deveriam observar que a questão da morosidade é mais estrutural que do próprio procedimento.

Para manter uma estrutura que suporte a demanda da população pela utilização do processo, desnecessárias se farão as supressões impostas às partes, por meio de reformas como a ora estudada, as quais, ao invés de cuidar de legitimar o provimento final por meio da ampliação da participação dos litigantes, têm o condão de excluí-los do feito, em completa desatenção aos princípios norteadores do modelo de estado, que se diz democrático.

 

Portanto, sendo garantido pela Constituição Federal o direito ao duplo grau de jurisdição, não pode o Código de Processo Civil – lei hierarquicamente inferior a Carta Magna – permitir a violação deste princípio, a fim de, ineficazmente, tentar proporcionar maior celeridade a prestação jurisdicional.

 

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