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DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS MAUS ANTECEDENTES PENAIS


Autoria:

Antonio Tavares Dos Santos Neto


Graduado em Física em 2003 pela UnB Graduado em Direito pela UnB Servidor Público efetivo do Senado Federal

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Resumo:

Pretende-se demonstrar o descompasso existente entre o aumento de pena por maus antecedentes decorrentes de ato praticado há tempos imemoráveis e a vedação constitucional da pena de caráter perpétuo.

Texto enviado ao JurisWay em 18/08/2014.

Última edição/atualização em 01/09/2014.



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         Introdução:

 

A promulgação da Constituição Federal de 1988 obrigou uma releitura das normas penais e processuais penais, sobretudo sob o enfoque dos Direitos Fundamentais. Essa “adaptação” das normas concebidas anteriormente ao novo paradigma constitucional não ocorreu do dia para a noite, mas, ao contrário, está sendo um processo caracterizado pela desconstrução de conceitos e ideais, o que o obriga a ser lento e gradual.

Assim, o presente artigo pretende demonstrar o descompasso existente entre o aumento de pena por  maus antecedentes decorrentes de ato praticado há tempos imemoráveis e a vedação constitucional da pena de caráter perpétuo, ou, dito de outra forma, o direito ao esquecimento (right to be let alone) aplicado às normas penais e processuais penais.

 

 

         Algumas considerações sobre a dosimetria da pena no Código Penal Brasileiro

 

 O sistema  de dosimetria da pena no Brasil é o denominado trifásico, onde o magistrado deverá primeiramente fixar a pena-base, depois apurará as circunstâncias agravantes e atenuantes e, por último, aplicará os casos de aumento ou diminuição da pena.

Em relação à primeira fase da dosimetria da pena, ou seja, o da fixação da pena-base, o juiz verificará se ocorreram algumas das circunstâncias judiciais taxadas no art. 59 do CPB, onde figura entre elas os maus antecedentes.[1]

Já na segunda fase, será analisado se está presente alguma circunstância que agrava e/ou atenua a pena. Vale destacar que figura entre as agravantes uma circunstância que tem a mesma natureza que os maus antecedentes, a reincidência[2], sendo que a diferença básica entre elas é que somente pode ser considerada reincidência aquela condenação de um fato que ocorreu há menos de cinco anos e maus antecedentes serão considerados aqueles fatos que ocorreram há qualquer tempo. Dessa forma, um mesmo réu pode ter a sua pena base majorada por possuir uma condenação por um fato ocorrido há quinze anos e a pena agravada por outro fato que ocorreu há menos de cinco anos, por exemplo.

Na terceira e última fase da dosimetria, será considerado se está presente alguma causa de aumento e/ou diminuição da pena[3], podendo elas estarem elencadas tanto na parte geral do código[4] quanto na sua parte especial[5].

 

 

         A perpetuação dos efeitos da condenação em relação ao réu possuidor de maus antecedentes

 

Tendo como único escopo a instigação à reflexão, iniciarei este tópico com as seguintes indagações: Considerando o que preceitua a CF/88 em relação à vedação do caráter perpétuo das penas, qual seria o limite temporal para se considerar um fato pretérito como maus antecedentes? De outra forma, assiste ao réu o direito de ter “esquecido” aqueles fatos que ocorreram há muito tempo? Diante de todos os efeitos decorrentes direta e indiretamente pela condenação, qual o período que objetivamente deveria ser estabelecido  para se considerar que um ex-condenado não mais deve ser lembrado como tal? Seria o tempo um critério objetivo para se saber se alguém está ou não recuperado e reinserido socialmente do ponto de vista penal?

É razoável entender que a vedação à não adoção de penas de caráter perpétuo prescrita na Constituição Federal de 1988[6] pode também ser compreendida como uma proibição dirigida ao Estado de não atribuir-se um poder de remoer ad infinitum feridas já cicatrizadas.

Uma análise um pouco mais acurada dessa permissão legal de se alargar a pena base no caso de uma apenação em virtude de uma outra condenação relativa a algum fato que já ocorrera há muitos anos, permite-nos concluir por sua total desproporcionalidade e irrazoabilidade, além de constituir um verdadeiro bis in idem, levando o sujeito a ser punido duas vezes pelo mesmo crime.

Também deve ser considerado que é no mínimo contraditória a atuação do Estado quando se considera que a ele não mais assiste o ius puniendi diante de um fato já prescrito que ocorreu, e.g., há vinte anos, e, por outro lado, ser deferido a esse mesmo Estado o poder de aumentar a pena porque o réu já possui uma condenação anterior de um fato que também ocorreu há 20 anos, por exemplo.

 

 

         Poder ser esquecido: um direito fundamental implícito

 

Seja pela leitura mais abrangente e sistemática dos direitos elencados em seu art. 5º ou seja pela expressa previsão constitucional da não exclusão de outros direitos fundamentais decorrentes dos princípios adotados pela CF/88 ou de tratados internacionais em que o Brasil seja parte[7], é incontestável o fato de que aquele rol, apesar de extenso, é apenas exemplificativo, o que nos autoriza a inferir que a nossa constituição traz em seu bojo direitos fundamentais implícitos[8].

Veremos aqui que o direito ao esquecimento também se enquadra como um direito fundamental implícito, decorrendo diretamente da vedação à adoção de penas de caráter perpétuo e dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade.

Inúmeras pessoas sofrem socialmente os efeitos secundários da condenação, sendo estes, muitas das vezes, bem piores do que os do próprio cumprimento da pena. Recentemente, um homem foi aprovado no concurso público para agente de polícia civil no Distrito Federal. Apesar de ele ter passado em todas as fases anteriores do certame, ele foi reprovado na fase da investigação social. A administração pública o considerou contra-indicado para o cargo porque, quando ainda inimputável, sofreu medida sócio-educativa em decorrência da prática de ato infracional análogo ao crime de homicídio. Mais de dezessete anos separam a data do homicídio até o momento da análise da sua conduta social. Nesse período, esse sujeito cumpriu a medida imposta pelo Estado-juiz, não mais cometeu qualquer outra infração penal, concluiu o ensino superior, e logrou êxito na sua aprovação nesse concurso público disputadíssimo.

Nesse caso em específico, fica muito claro que esse rapaz conseguiu se desvencilhar das amarras do crime e se reabilitar. No entanto, apesar de se ter passado quase duas décadas, o mesmo Estado que devia fomentar a sua reinserção e reabilitação social é aquele que lhe retira uma oportunidade de ouro para a superação do seu passado e o discrimina em relação aos seus concorrentes, desenterrando o fantasma da já superada condenação.

            Ser ex-condenado, para esse candidato eliminado, está sendo uma pena perpétua. É também um caso explícito de preconceito, pois, de antemão e em virtude do seu passado, existe uma certeza de que ele não será um bom policial.  Essa é, para o Estado uma característica intrínseca dele, tal como a cor da pele, a origem, a orientação sexual e as demais variáveis utilizadas para fundamentar uma discriminação. Existe dignidade humana e isonomia em face de discriminações?

 

 

         STJ e STF: ensaios jurisprudenciais para o reconhecimento do Direito ao Esquecimento no Esfera Penal

 

A jurisprudência majoritária do Superior tribunal de Justiça ainda  é no sentido de que não há prazo limite para que uma condenação transitada em julgada, mesmo já cumprida a sua pena, sirva de fundamentação para a aplicação dos maus antecedentes numa nova condenação. Para essa corte, o prazo limite de cinco anos só se refere ao instituto da reincidência.

No entanto, mais recentemente, a quarta turma do STJ entendeu a existência do direito ao esquecimento no caso conhecido como “Chacina da Candelária”[9] e também no “Aida Curi”[10].

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal aqueceu a discussão a respeito da estipulação de um prazo limite para se considerar uma condenação como maus-antecedentes. No voto do Ministro Dias Tofolli, relator do HC 119.200/PR, foi inovado que o prazo limite estipulado no art. 64, inciso I, do CPB também  deve ser aplicado para os antecedentes criminais.[11]

Apesar disso, o STF ainda não pacificou esse entendimento pois é aguardado a decisão do mérito do RE 593818 que, em sede de repercussão geral, decidirá se existe ou não um prazo limite para a aplicação de uma condenação anterior como fundamento para maus antecedentes numa eventual nova condenação.

 

 

         Conclusão

 

Como visto, não há qualquer razão jurídica para a história penal de uma pesssoa ser lembrada ad eternum. A condenação, depois de cumprida a pena e passado um certo tempo, deve ser esquecida.

A pecha de ex-condenado viola direitos fundamentais e princípios de várias ordens, como os da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da vedação da pena de caráter perpétuo, da proporcionalidade e razoabilidade, entre outros.

Além disso, esse tipo de discriminação funciona como inibidor da reinserção e reabilitação social do condenado, o empurrando ainda mais para a marginalidade social. O fato é que o Estado deve propiciar a essas pessoas mecanismos jurídicos que o ajudem a ser lembrandos como pessoas dígnas de um tratamento isonômico e não como um criminoso em potencial.

No entanto, apesar dos ensaios do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça na consolidação de uma jurisprudência que reconheça o direito tão fundamental de uma pessoa ter esquecido o seu passado remoto e tentar recomeçar das cinzas uma outra vida, parafraseando a Fênix, os poderes constituídos ainda não acordaram para esse tipo de discriminação que muitas pessoas ainda sofrem.



[1]             Art. 59. - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (...)

 

[2]             Art. 61. - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I – a reincidência; (...)

 

[3]             Art. 68. - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.(grifo nosso)

 

[4]             Art. 14. - Diz-se o crime: (…) Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.

 

[5]             Art. 127. - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

 

[6]             Art. 5º (…)  XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; (grifo nosso).

 

[7]             Art. 5º (…) § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

 

[8]             BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p. 283.

            .

 

[9]    Resp 1.334.097

[10]  Resp 1.335.153

[11]           "Com efeito, a interpretação do disposto no inciso I do art. 64 do Código Penal deve ser no sentido de se extinguirem, no prazo ali preconizado, não só os efeitos decorrentes da reincidência, mas qualquer outra valoração negativa por condutas pretéritas praticadas pelo agente.

                Penso que eventuais deslizes na vida pregressa do sentenciado que não tenha, há mais de cinco anos, contados da extinção de pena anterior que lhe tenha sido imposta, voltado a delinquir, não podem mais ser validamente sopesados como circunstâncias judiciais desfavoráveis (CP, art. 59), sob pena de perpetuação de efeitos que a lei não prevê e que não se coadunam com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e do caráter socializador da reprimenda penal. (...)

                O homem não pode ser penalizado eternamente por deslizes em seu passado, pelos quais já tenha sido condenado e tenha cumprido a reprimenda que lhe foi imposta em regular processo penal. Faz ele jus ao denominado 'direito ao esquecimento', não podendo perdurar indefinidamente os efeitos nefastos de uma condenação anterior, já regularmente extinta. Por isso, delimitou expressamente o legislador o prazo de cinco (5) anos para o desaparecimento dos efeitos da reincidência (CP, art. 64). Se essas condenações não mais se prestam para o efeito da reincidência, que é o mais, com muito maior razão não devem valer para os antecedentes criminais, que são o menos." HC 119.200/PR.

 

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