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Aplicação dos Princípios Gerais do Direito à luz do positivismo jurídico


Autoria:

Otavio Coelho


Advogado em São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-Graduando em Processo Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco/USP). Pós-Graduando em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Realiza pesquisa acadêmica na área de Processo Civil, com artigos publicados em sites especializados. Membro do grupo de Pesquisa "Fundamentos do Processo Civil Contemporâneo" da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui experiência profissional nas áreas de Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito de Família e Sucessões.

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Resumo:

Breve estudo sobre como é possível conciliar o uso dos Princípios Gerais do Direito com o Direito Positivo vigente, sem perder o caráter científico deste.

Texto enviado ao JurisWay em 05/05/2014.

Última edição/atualização em 07/05/2014.



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A lei 4.657/42, conhecida como Lei de Introdução às Normas do Direito brasileiro, em seu artigo 4º, dispõe que “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Ora, tal dispositivo se faz necessário devido a proibição do non liquet (do latim non liquere: "não está claro") de nosso ordenamento; todavia este mesmo não dá a devida definição do que viriam a ser os denominados princípios gerais do direito. Destarte, buscaremos, de maneira sintética, conciliar a interpretação juspositivista com a utilização desses princípios.

À época da Escola da Exegese, os princípios gerais do Direito seguiam a definição de Zacarias: eram mero silogismo de premissas (argumentos “a majori ad minus” e “a minori ad majus”). Ora, professor Antônio Ernani Pedroso Calhao, com muita propriedade, fala em “fetichismo legal” quando se refere a essa Escola interpretativa; e de fato assim o é. Esse juspositivismo exacerbado suprimiu qualquer papel interpretativo do judiciário e pregava um rigor científico na aplicação dos institutos legais. De fato é um fetiche com a lei. Os princípios gerais do Direito eram, então, reflexos de subsunção, da adequação do caso concreto à norma. Podemos inclusive chamar de Princípios Gerais do Direito Positivo, uma vez que o direito escrito e formal, os institutos legais, é sua única fonte.

É oportuno transcrevermos aqui as considerações de François Gény, um dos principais expoentes da Escola da Livre Pesquisa do Direito, acerca dos princípios gerais do Direito. Na página 33 do 1º volume do “Méthode”, em sua 2ª edição afirma que:

 “A falta destes dois primeiros meios (a tradição e o costume) tendentes a descobrir diretamente, com maior ou menor segurança, a ideia mestra da lei, deve-se lançar mão dos meios indiretos. Consultar-se-á a equidade, não em si como fonte imediata de interpretação, mas tendo em vista reconhecer as considerações de justiça e de utilidade, que tenham devido dirigir os redatores da lei. É do mesmo ponto de vista que se recorre, fora da equidade propriamente dita, ao que se chama Princípios Gerais do Direito. Estes princípios gerais do Direito, representando um ideal de razão e de justiça, conforme ao fundo permanente da natureza humana, nós os supomos como base da lei. É de imaginar que eles tenham devido estar constantemente presentes no pensamento do legislador etc.”

 Ora, Gény influenciou diretamente nosso artigo 4º da LINDB. Tentou ele conciliar o rigor da Escola da Exegese (que preconizava que o juiz era mero aplicador da lei; e não intérprete!) com as necessidades de seu tempo. Defendia que essa criação judicial nas lacunas deveria ser “além do Código Civil, mas através do Código Civil”, observando a finalidade da lei (teleologia) e a coerência do ordenamento jurídico. Temos aqui uma visão que, embora ainda ancorada em ditames clássicos do juspositivismo, apresenta-se mais aberta à interpretação. Gény prega uma “livre pesquisa do Direito” somente nos casos de lei omissa: o intérprete assim, buscará em matérias auxiliares as bases, os princípios que o guiarão na compreensão do caso concreto.

Destarte, podemos perceber que, cronologicamente, a definição de Princípios Gerais do Direito foi se abrindo, deixando de ter um rigor científico subordinado unicamente ao Direito Positivo e ao ordenamento vigente, conforme ditava Kelsen, e passou a contemplar outras áreas do conhecimento humano, que integralizam os princípios.

Hodiernamente, no primeiro volume de sua obra Instituições de Direito Civil, Caio Mário da Silva Pereira define princípio geral como um princípio que “perquire o pensamento filosófico sobranceiro ao sistema, ou as ideias estruturais do regime, e impõe a regra em dada espécie se contém implícita no organismo jurídico nacional”. Ora, para o autor, o princípio geral do Direito pode fundamentar-se tanto no Direito Positivo, sendo um reflexo dos valores tutelados pelo ordenamento, ou ainda advir de uma reflexão filosófica, um princípio apoiado em matérias auxiliares ao Direito. Todavia, Caio Mário é deveras sucinto e não desenvolve melhor o tema. Sequer sabemos qual deve preceder na investigação. Mas essa influência não poderia jamais se dar desordenadamente (sob pena de nulidade de caráter científico do Direito).

Resolvemos essa dúvida com as lições do professor Vicent Ráo, que em sua grande obra denominada “O Direito e a vida dos Direitos”, aborda um aspecto de suma importância para o intérprete do direito: a investigação sucessiva dos princípios gerais. Em linhas gerais, são três momentos: por proêmio, a procura desses princípios deve se dar no ordenamento jurídico positivo – os valores tutelados pela ordem; se insuficiente, parte-se às leis científicas da ciência do direito; e, se esta também falhar em resolver a problemática, o intérprete deve-se valer de matérias zetéticas auxiliares ao Direito (filosofia, sociologia, antropologia etc.). Desta sorte, as outras áreas do conhecimento humano só podem intervir tendo falhado todos os métodos dogmáticos e científicos do Direito. Só é permitida essa intervenção ao autossuficiente Direito após este mesmo não ter obtido sucesso em resolver a situação fática. O juspositivismo busca preservar seu caráter de ciência pura até o último momento possível.

Ante o exposto, e seguindo as lições do professor Vicent Ráo, concluímos que os Princípios Gerais do Direito, à luz do positivismo jurídico, seguem uma hierarquia: só podem ser utilizados na ausência de lei, após a analogia e análise dos costumes terem igualmente falhado em solucionar o caso. A busca desses princípios se dá, em primeiro momento, no próprio ordenamento jurídico. Uma vez que nossa Constituição, à guisa de exemplo, tutela o valor da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III) ou a igualdade entre gêneros (Art. 5º, I) esses ditames passam a ser objetivos mor do ordenamento, e assim, princípios fundantes de qualquer decisão. E sequer precisamos nos apoiar na premissa instrumental (dogmas que precedem à intelecção) de Unidade Valorativa do Sistema (que preconiza uma harmonia de valores em todo ordenamento), que por vezes poderia ser objeto de crítica dos positivistas; podemos muito bem fundar essa hierarquia obrigatória na premissa instrumental de Supremacia da Constituição (pirâmide de Kelsen): o ditame constitucional é hierarquicarmente superior a todo resto do ordenamento, e destarte deve ser obedecido.

Mas tal preferência pelos princípios positivos não excluem, em caso de insucesso destes, investigação em matérias auxiliares. Filosofia, Sociologia, Antropologia, Economia, Psicologia etc podem fornecer materiais que construirão um princípio guiador da decisão. Até mesmo o Direito Comparado auxilia o intérprete. É de nosso entendimento que, ao positivismo jurídico considerar uma plenitude sistemática, uma ciência fechada de subjetivismos, conforme propôs Kelsen no século XIX, encontrou um paradoxo em que qualquer solução agride seu status de ciência: ou o juiz se exime de julgar a lide, quebrando a proibição do non liquet, desrespeitando uma premissa fundante da ciência do Direito e admitindo ser impossível fazer justiça em determinados casos – o que agride completamente a visão positivista de Kelsen e Hart, para os quais justiça é a mera aplicação da lei, aplicar a lei a todos os casos, tratando igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.; ou ainda, em última instância, utiliza-se de matérias auxilares, para seguir essa premissa, mas mesmo assim, ao apoiar-se em zetéticas, arrisca-se em levar o Direito ao subjetivismo de outras áreas, e assim também ameaça a concepção positivista do Direito ser pura ciência fundamentada na imputabilidade (vide Kelsen).

À guisa de exemplo: a antropologia nos mostra que, dentro do seio unitário de uma sociedade, há agrupamentos (sub-sociedades) que nem sempre estão em assonância com os ditames da sociedade maior. Ora, é o caso de diversos povos (indígenas, ciganos, curdos) que apresentam uma sociedade própria e completamente divergente da qual, juridicamente, estão inseridos. Não é necessário que o Direito Positivo contemple esse pluralismo jurídico para assumirmos sua existência: a antropologia já nos prova ser realidade. Essa prova de realidade formará um Princípio Geral do Direito – omisso no Positivo (temos que lembrar que essa “livre pesquisa” só pode ser usada após esgotados todos os outros meios – analogia, costumes – de completar a lacuna existente.)

Destarte, compactuamos da crítica de Del Vecchio, em “Los Principios Generales del Derecho”, ao afirmar que: “Aquela exigência fundamental, que inspira as teorias jusnaturalistas, e que se denomina em sentido amplo como equidade – ao considerar todos os elementos da realidade para determinar o equilíbrio ou a proporção correspondente às relações entre pessoa e pessoa -, não pode ser repudiada na legislação positiva; a qual, depois de haver procurado suprir por si mesma, a seu modo, aquela exigência, deve admitir em último termo que se possa fazer valer diretamente [...] em todos os casos não previstos em normas expressas, nem resolúveis sequer analogicamente por meio delas.”

Ronald Dworkin, em sua obra “Levando os direitos à sério”, assim traz o tema: “Denomino ‘princípio’ um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade". Para o autor, sem embargos, o princípio está intimamente conectado com o ideal de justiça. Ora, a investigação dos Princípios Gerais do Direito visam trazer justiça e equidade para uma situação fática na qual o ordenamento positivo tenha falhado em resolver com seus próprios institutos.

Assim sendo, entendemos os Princípios Gerais do Direito, embora doutrinas divirjam de nós, como sendo um sacrifício do positivismo jurídico ao naturalismo: entre o juiz eximir-se de julgar e o risco de subjetivismo, o ordenamento preferiu o segundo. A predileção pode ser facilmente explicada: o não julgamento, embora não acarrete injustiça direta, também não traz justiça. Em verdade acarreta uma injustiça indireta: a parte “com razão” fica sem tutela do ordenamento. Todavia, o uso de matérias auxiliares, essa “discricionariedade” do juiz apoiada na equidade, embora possa sim trazer injustiças, por vezes também traz justiça. E tendo falhado todos os outros métodos positivos, os Princípios Gerais do Direito determinados por matérias auxiliares é, conforme expôs Gény, a “ultima ratio” do Direito Positivo para se atingir a justiça.

Referências

  1. LIMONGI FRANÇA, R. Princípios Gerais do Direito. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
  2. BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a constituição do novo modelo. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.
  3. HART, Herbert. O Conceito de Direito. 3ª edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
  4. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 4ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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