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A INSERÇÃO DOS ATOS INTERNACIONAIS NO ÂMBITO DO DIREITO POSITIVO INTERNO BRASILEIRO: Necessidade premente de revisão constitucional como salvaguarda da integração comunitária


Autoria:

Marcelo Eduardo Freitas


MARCELO EDUARDO FREITAS, Delegado de Polícia Federal (MG), ex-assessor de Ministro do STF, pós-graduado em criminologia e Direito Processual, Doutorando em ciências jurídicas e sociais.

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Resumo:

O ordenamento jurídico comunitário é constituído de normas que ultrapassam o direito nacional, configurando total primazia do direito comunitário sobre o nacional, sem extinção do ordenamento interno.

Texto enviado ao JurisWay em 22/01/2014.



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A INSERÇÃO DOS ATOS INTERNACIONAIS NO ÂMBITO DO DIREITO POSITIVO INTERNO BRASILEIRO: Necessidade premente de revisão constitucional como salvaguarda da integração comunitária

 

 

Marcelo Eduardo Freitas

 

 

RESUMO

 

 

O ordenamento jurídico comunitário é constituído de normas que ultrapassam o direito nacional, configurando total primazia do direito comunitário sobre o nacional, sem extinção do ordenamento interno. Diferentemente da União Européia, a mecânica de incorporação do direito do Mercosul aos direitos nacionais foi e continua sendo a recepção. O direito do Mercosul se assenta no modelo clássico, advém de Tratados Internacionais negociados pelos governos, posteriormente aprovados pelos Congressos, ratificados e promulgados. Incorpora-se, portanto, a norma do Mercosul ao direito nacional de cada um dos seus integrantes. Trata-se do típico, clássico e exaustivo fenômeno da recepção. O Supremo Tribunal Federal analisando o processo de ratificação dos tratados, procurando identificar o momento exato para sua vigência no direito interno, tem proferido decisões no sentido de que, mesmo após a aprovação ou referendo do Poder legislativo, com a conseqüente troca ou depósito na ordem internacional, não basta para adquirir vigência no ordenamento jurídico interno. Faz-se necessário, segundo a Suprema Corte, que tenhamos a promulgação de decreto, pelo Chefe do Poder Executivo. As decisões da Suprema Corte brasileira seguem plenamente os ditames da Constituição da República Federativa do Brasil. Nada há, portanto, a ser reparado no campo jurídico. A questão poderia, sim, ser melhor solucionada na seara política, o que se almeja ao apresentar-se a vertente pesquisa que entende por imprescindível a revisão constitucional como salvaguarda da integração comunitária, tendo em vista a impossibilidade do efeito direto e da aplicabilidade imediata dos atos internacionais no âmbito do direito interno positivo brasileiro.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Mercosul. União européia. Direito Internacional. Integração. Tratados. Incorporação. Direito Positivo Interno. Necessidade. Revisão constitucional.

 

 

SUMÁRIO: 1. Introdução; As teorias monista e dualista; 3. A Constituição do Brasil e os tratados internacionais; 4. O mercado comunitário: Breves incursões; 5. O STF e o processo de ratificação dos tratados; 6. Conclusão.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

 

Não obstante tenham decorridos mais de vinte anos da promulgação da Constituição Federal brasileira, que inovou nosso ordenamento jurídico ao declarar o Brasil um Estado Democrático de Direito e estabelecer em seu artigo 4º (quarto), que trata dos princípios pelos quais o país se rege em suas relações internacionais, a busca pela integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações[1], ainda persistem algumas incongruências e desrespeitos aos princípios que compõem o direito de integração e às normas mais basilares de uma ordem jurídica comunitária.

O propósito desta pesquisa, assim, é voltado à elaboração de artigo científico tendente a analisar a necessidade de se revisar a Constituição Federal brasileira, como salvaguarda da integração comunitária, tendo em vista a impossibilidade do efeito direto e da aplicabilidade imediata dos atos internacionais no âmbito do direito interno positivo brasileiro.

Com efeito, é cediço que em se tratando de princípios que compõem o direito de integração e que regem as relações entre o direito nacional dos Estados-membros e a ordem jurídica comunitária, o princípio do efeito direto e o princípio da aplicabilidade imediata são diretrizes essenciais à própria configuração institucional do espaço comunitário, posto que, em última análise, objetivam tornar as regras comunitárias imediatamente invocáveis, mormente em matéria de direitos e obrigações, pelos particulares, além de aplicáveis, desde logo, sem qualquer intermediação formal, no âmbito doméstico dos Estados nacionais.

Nas palavras de JOSÉ FRANCISCO REZEK, ainda não há um direito verdadeiramente comunitário, uma vez que as convenções e acordos celebrados qualificam-se como instrumentos regionais de direito internacional público, sujeitos ao procedimento formal de prévia recepção estatal:

 

A marca do direito comunitário seria a desnecessidade da recepção, como ponderou o professor Barav, para o caso europeu. Por ser comunitário, de elaboração comunitária, e congenitamente incorporado aos direitos nacionais, este direito prescinde do mecanismo tradicional de incorporação.

Quando não há ainda, e tal é o nosso caso, de estrito ponto de vista técnico, tal como sucede no Mercosul, um direito comunitário, mas há direito internacional público, regional, integracionista, há necessidade da recepção e esta recepção se passa ainda nos quatros países fundadores, à luz do figurino clássico[2].

 

Evidentemente, a pesquisa jurídica não é mera compilação do conhecimento adquirido por seu autor, mas envolve necessariamente a criação de soluções novas a serem incorporadas à doutrina nacional. Oportuna é a lição do Professor CELSO ALBUQUERQUE DE MELLO:

 

A meu ver existem duas categorias de juristas: os criadores de novas teorias e os sistematizadores que tentam classificar e aprofundar o trabalho dos primeiros. Contudo, em países atrasados como o Brasil, há ainda espaço para uma categoria, cujos integrantes não podem ser denominados juristas, que são os ‘divulgadores de Direito’. Ela existe devido à ausência de bibliotecas públicas, o preço elevado dos livros estrangeiros, bem como poucos estudantes lêem língua estrangeira.[3]

 

Mantendo, assim, a trajetória teórica da produção científica no Brasil, os clássicos modelos dos constitucionais pátrios, além de renomados estudos de Direito Internacional, serão profundamente investigados nesta publicação, apresentando-se novo paradigma para as ciências jurídicas: A INSERÇÃO DOS ATOS INTERNACIONAIS NO ÂMBITO DO DIREITO POSITIVO INTERNO BRASILEIRO: Necessidade premente de revisão constitucional como salvaguarda da integração comunitária.

Este trabalho não poderia deixar de consignar a possibilidade e a intenção de não esgotar o exame do tema, permitindo, decorrentemente, a revisitação, a complementaridade e a concepção de novas perspectivas do pensamento jurídico que alcançam institutos e processos das ciências constitucionais e do Direito da Integração.

 

 

2. AS TEORIAS MONISTA E DUALISTA

 

 

Didaticamente, pode-se afirmar que monismo e dualismo são duas correntes doutrinárias que têm por objetivo esclarecer a sobreposição do Direito Interno, constituído pelo conjunto legislativo vigente dentro dos limites territoriais de um determinado Estado, ou do Direito Internacional, este composto por tratados e convenções entronizados por mediação entre dois ou mais Estados independentes, com vistas a surtir o efeito jurídico almejado para ambos, quando da ocorrência de conflito normativo entre as duas esferas de atuação.

A teoria monista pressupõe que o Direito Internacional e o Direito Interno são elementos de uma única ordem jurídica e, dessa forma, haveria uma norma hierarquicamente superior regendo este único ordenamento. Esta Teoria sustenta a tese da existência de uma única ordem jurídica e apresenta duas variáveis de compreensão e aceitação junto à comunidade jurídica.

A primeira preconiza o monismo com primazia no Direito Interno e tem suas raízes fincadas no HEGELIANISMO, que considera o Estado como tendo uma soberania absoluta, de tal forma que não pode estar sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria vontade, criado por seus próprios meios e que seja possível e viável apenas e unicamente se concebido através do seu próprio sistema legislativo vigente, sob pena de perder validade e eficácia que se espera de um instrumento normativo[4].

Com relação à segunda vertente do monismo, esta adota a preponderância do Direito Internacional e foi desenvolvida pela Escola de Viena, cujo principal expoente foi o austríaco HANS KELSEN e pela qual admite-se que o ápice da pirâmide de normas vigentes em um Estado aceita a existência de uma norma superior (“grundnorm”), cuja origem está em um princípio jurídico superior de ordem internacional e consuetudinário com natureza pacta sunt servanda, oriunda de um Direito Internacional organizador das relações entre os Estados[5].

Neste sentido, a lição do professor CELSO ALBUQUERQUE DE MELLO:

 

a) O monismo com primazia do direito interno tem as suas raízes no hegelianismo, que considera o Estado como tendo uma soberania absoluta, não estando, em conseqüência, sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria vontade. Assim sendo, o próprio fundamento do DI é a autolimitação do Estado, na formulação definitiva desta teoria feita por JELLINEK. O DI tira a sua obrigatoriedade do Direito Interno. O DI é reduzido a um simples ‘direito estatal externo’. Não existem duas ordens jurídicas autônomas que mantenham relações entre si. O DI é um direito interno que os Estados aplicam na sua vida internacional. Esta concepção foi seguida por WENZEL, os irmãos ZORN, DECENCIÈRE-FERRANDIÈRE, VERDROSS (inicialmente). Os autores soviéticos (KOROVIN) sustentaram que o direito internacional só é válido para o Estado, como parte do seu direito nacional, filiando-se a esta concepção da soberania absoluta do Estado. Seguiram a esta tese ainda os juristas nazistas e mais recentemente ela foi adotada por GEORGES BURDEAU, que considera o DIP ‘um direito nacional para uso externo’.

 

b) O monismo com primazia do Direito Internacional foi desenvolvido principalmente pela escola de VIENA (KELSEN, VERDROSS, KUNZ, etc). Kelsen, ao formular a teoria pura do direito, enunciou a célebre pirâmide de normas. Uma norma tem a sua origem e tira a sua obrigatoriedade da que lhe é imediatamente superior. No vértice da pirâmide estava a norma fundamental, a norma base (‘GRUNDNORM’), que era uma hipótese, e cada jurista podia escolher qual seria ela. Diante disso, a concepção kelseniana foi denominada na sua primeira fase de teoria da livre escolha; posteriormente, por influência de VERDROSS, KELSEN sai do seu ‘indiferentismo’ e passa a considerar a ‘GRUNDNORM’ como sendo uma norma de DI: a norma costumeira ’pacta sunt servanda’. Em 1927, DUGUIT e POLITIS defendem o primado do DI e com eles toda a escola realista francesa, que apresenta em seu favor argumentos sociológicos. A concepção ora estudada parte da não existência de diferenças fundamentais entre as duas ordens jurídicas. A própria noção de soberania deve ser entendida com certa relatividade e dependente da ordem internacional[6].

 

De outro lado, temos o dualismo que admite a existência de duas ordens distintas: a interna e a externa, onde cada uma não se comunica com a outra. Assim, o Direito Interno é elaborado pela vontade soberana do Estado, enquanto que o Direito Internacional assenta-se na acomodação destas vontades e, via de conseqüência, admite que a norma internacional somente poderá ser aplicada à vida interna por incorporação ao Direito Nacional.

É importante ressaltar, nesta ocasião, que a recente Emenda Constitucional 45 buscou preencher a lacuna existente no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo inserir no artigo 5º, o inciso LXXVIII e seus parágrafos[7], com vigência de força erga omnes, evidenciando a adoção de uma certa e marcante inclinação para a teoria dualista, pelo menos em uma dicção imediata do parágrafo terceiro do novo inciso, elevando ao patamar de Emenda Constitucional os tratados e convenções internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, em cada casa legislativa (Senado e Câmara Federal) por dois turnos, com três quintos dos votos.

Em linha de conclusão, neste tópico, no entender de JOSÉ CARLOS DE MAGALHÃES[8], perdeu sentido a polêmica sobre dualismo e monismo, podendo-se considerá-la ultrapassada, uma vez que a questão se resume ao exame da Constituição do país e dos mecanismos por ela adotados para a celebração e ratificação dos tratados.

Trata-se, assim, de matéria constitucional, mais do que internacional, devendo-se sempre examinar a Constituição para se verificar a constitucionalidade de um tratado e, assim, sua regularidade perante a ordem interna.

Pode-se então afirmar, portanto, que o que se depreende da leitura dos dispositivos constitucionais, é que a Carta Magna de 1988 adotou um sistema misto para a incorporação dos tratados internacionais no direito interno. Um tratamento de incorporação imediata dispensado aos tratados de direitos fundamentais e direitos humanos e um tratamento de incorporação mediata para os tratados convencionais.

 

 

3. A CONSTITUIÇÃO DO BRASIL E OS TRATADOS INTERNACIONAIS

 

 

Basicamente, duas são as formas através das quais se originam os tratados internacionais:

a) pela aprovação do texto em uma instância de organização internacional, ou;

b) pela assinatura de um documento por sujeitos de direito internacional público.

De forma simples, tem-se, seqüencialmente, as negociações, conclusões e assinaturas dos tratados. FLÁVIA PIOVESAN, por seu turno, afirma que “a assinatura do tratado, via de regra, indica tão somente que o tratado é autêntico e definitivo”[9].

No Brasil, como se depreende do artigo 84, VIII da CF[10], é de competência privativa do Presidente da República a celebração de tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos posteriormente a referendo do Congresso Nacional [11].

 De igual modo, por força do artigo 49, I[12], é de competência exclusiva do Congresso Nacional, materializada através da elaboração de decreto legislativo (artigo 59, VI)[13], resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

            Sucessivamente, tem-se que a próxima etapa, com o propósito de que o tratado se incorpore por definitivo ao ordenamento jurídico interno, é a fase em que o Presidente da República, mediante decreto, promulga o texto, publicando-o em português, em órgão da imprensa oficial, dando-se, destarte, ciência e publicidade da ratificação da assinatura já lançada, ou caso esta não se tenha externada, da adesão a um determinado tratado ou convenção de direito internacional. Consoante MIRTÔ FRAGA, o decreto do Presidente da República atestando a existência de nova regra e o cumprimento das formalidades requeridas para que ela se concluísse, com a ordem de ser cumprida tão inteiramente como nela se contém, confere-lhe (ao tratado) força executória, e a publicação exige sua observância por todos: Governo, particulares, Judiciário[14].

            No entendimento de PEDRO LENZA[15] podemos resumir, então, a integração da norma internacional no direito interno em quatro fases distintas, a saber:

a) Celebração do tratado internacional (negociação, conclusão e assinatura) pelo Órgão do Poder Executivo (ou posterior adesão [terceira etapa], art. 84, VIII – Presidente da República);

b) Aprovação (referendo ou “ratificação” lato sensu), pelo Parlamento, do tratado, acordo ou ato internacional, por intermédio de decreto legislativo, resolvendo-o definitivamente (Congresso Nacional – art. 49, I);

c) Troca ou depósito dos instrumentos de ratificação (ou adesão, caso não tenha tido prévia celebração) pelo órgão do Poder Executivo em âmbito internacional;

d) Promulgação por decreto presidencial, seguida da publicação do texto em português no Diário Oficial. Neste momento o tratado, acordo ou ato internacional adquire executoriedade no plano do direito positivo interno, guardando estrita relação de paridade normativa com as leis ordinárias.

Na observação de LOUIS HENKIN, citado por FLÁVIA PIOVESAN, “o motivo principal da instituição de uma particular forma de ‘checks and balances’ talvez fosse o de proteger o interesse de alguns Estados, mas o resultado foi o de evitar a concentração de poder de celebrar tratados no Executivo, como era então a experiência européia”[16].

 

 

4. O MERCADO COMUNITÁRIO: BREVES INCURSÕES

 

 

            O Direito Comunitário pode ser definido na visão da professora MARIA TERESA CÁRCOMO como ramo de direito cujo objeto é o estudo dos tratados comunitários, a evolução jurídica resultante de sua regulamentação e a interpretação jurisprudencial das cláusulas estabelecidas nos referidos tratados[17].

Logo após a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, a América do Sul deu o primeiro passo em direção a uma nova realidade, instituindo o Mercosul. Sabe-se que atualmente o Mercosul se encontra na Segunda fase do processo integracionista, retratado numa União Aduaneira Imperfeita, tencionando, entretanto, à consolidação de um mercado Comum, situação que inexoravelmente implicará na adoção de um ordenamento jurídico comunitário, abandonando o atual ordenamento jurídico internacional clássico.

Em linha comparativa, depreende-se da história da formação da Comunidade Européia que um dos maiores óbices para a efetivação da estrutura integracionista foi exatamente a aceitação do partilhamento da soberania entre os Estados-Partes. Com o Mercosul a realidade não é diferente, embora os percalços pareçam ser de difícil transposição.

A Comunidade Européia revolucionou o conceito de soberania, caracterizado pela unidade, indivisibilidade e inalienabilidade, superprotegido sob a égide da segurança nacional, instituindo o direito comunitário.

            Relativamente ao Mercosul, o que se pode afirmar é que as constituições do Paraguai e Argentina admitem a ordem jurídica supranacional, ao contrário do Brasil e Uruguai. Naquilo que se refere ao Brasil, urge destacar que em 1994, o então Deputado NELSON JOBIM, ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, propôs emenda constitucional que viabilizava a vigência imediata de diretivas e decisões tomadas por organismos internacionais, desde que nos tratados que o Brasil tivesse firmado, e conseqüentemente fossem ratificados pelo Congresso, fosse prevista a hipótese de essas decisões serem tomadas por órgãos supranacionais. Dessa forma, a vigência seria imediata como um direito supranacional, independentemente do mecanismo tradicional de recepção, como atualmente acontece. Essa proposta de emenda foi derrotada pelo Congresso na concepção do isolamento econômico brasileiro e no conceito ultrapassado de soberania.[18]

Sob a ótica moderna do conceito de soberania, NELSON JOBIM, com o qual tivemos a oportunidade de trabalhar na Suprema Corte do Brasil, asseverou:

 

No momento em que a sociedade brasileira compreender que a soberania nacional é o direito de definir e aceitar a delimitação externa do próprio poder, e que essa decisão possa ser tomada soberanamente pelo país, caminharemos seguramente para o processo integracionista.[19]

 

            De acordo com ELIANE MARIA OCTAVIANO MARTINS, o grau de soberania num projeto integracionista é a pedra de toque do progresso integracionista. Se a opção do Mercosul realmente é consolidar um mercado comum, isso fatalmente implicará em delegação de parte da soberania, para que um órgão possa ditar uniformemente as regras a serem cumpridas por todos, instaurando-se a supranacionalidade.[20]

 

 

5. O STF E O PROCESSO DE RATIFICAÇÃO DOS TRATADOS

 

 

O Supremo Tribunal Federal analisando o processo de ratificação dos tratados, procurando identificar o momento exato para sua vigência no direito interno, tem proferido decisões no sentido de que, mesmo após a aprovação ou referendo do Poder legislativo, com a conseqüente troca ou depósito na ordem internacional, não basta para adquirir vigência no ordenamento jurídico interno. Faz-se necessário, segundo a Suprema Corte, que tenhamos a promulgação de decreto, pelo Chefe do Poder Executivo.

Tal argumento fez com que o Supremo Tribunal Federal proferisse decisão no sentido de recusar o cumprimento de carta rogatória expedida pela Argentina,alegando que a Convenção sobre Cumprimento de Medidas Cautelares celebradas pelo Brasil no âmbito do Mercosul,mesmo tendo sido ratificado, não se encontrava em vigência no direito interno ante a ausência do decreto de promulgação do Chefe do Poder Executivo (STF, CR 8279 AGR, Min. CELSO DE MELLO).[21]

Para HERRERA VEGAS[22], a decisão do então presidente do Supremo Tribunal Federal de aplicar aos tratados do Mercosul a doutrina dualista e exigir o ditame de uma norma de incorporação, criou insegurança nas relações entre os países integrantes do Mercosul:

 

Nesse caso o ministro presidente CELSO DE MELLO mostrou que o Protocolo de Medidas Cautelares, um dos tratados de Ouro Preto firmados em 1994, não estava vigente entre os países do Mercosul, apesar de sua aprovação parlamentar e de sua ratificação pelo presidente, já que não havia sido incorporado ao direito positivo brasileiro porque requeria uma norma especial, um decreto do presidente da República. Deve-se lembrar que esse Protocolo está vigente nos demais Estados-membros da união aduaneira.

A aplicação do dualismo, doutrina que mantém a separação absoluta entre o direito internacional e o direito interno, aparece como um anacronismo jurídico. Segundo essa posição, o direito internacional é a lei entre os Estados soberanos e o direito interno se aplica dentro de um Estado e regulamenta as relações entre seus cidadãos e com o Estado. O dualismo não se compadece com o aumento das relações jurídicas coincidente com a atual situação internacional, e é por isso que foi abandonado tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência internacional. Inclusive pela Corte Constitucional da Itália, país que deu origem e principal sustento à doutrina.

Essa decisão causou maior surpresa porque é contrária à doutrina do monismo atenuado que tradicionalmente sustenta a doutrina brasileira. Quer dizer que os tratados entram em vigência logo depois do câmbio ou depósito de seus instrumentos de ratificação, salvo se o tratado indique expressamente outra coisa. Essa é a posição que sustenta, nesse caso, o procurador-geral da República ao manter a vigência do Protocolo de Medidas Cautelares. A sentença cria uma grande insegurança jurídica e põe em dúvida os fundamentos legais do Mercosul, já que seus tratados não têm uma norma de incorporação ao direito interno como a exigida nesse caso, na decisão do ministro presidente.

Deve-se considerar que os tratados envolvem outros membros da comunidade internacional, nesse caso os outros Estados partes do Mercosul e estes negociam de boa-fé suas obrigações internacionais e não esperam que a legislação interna lhes seja contrária, como exceção para não cumprir com os compromissos internacionais. Para isso há a norma estabelecida na Convenção de Viena sobre o direito dos tratados, que diz no Artigo 27: O direito interno e a observância dos tratados. Uma parte não poderá invocar as disposições de seu direito interno como justificativa do não-cumprimento de um tratado. Exigir uma norma de incorporação de maneira inesperada supõe que os outros Estados partes devam averiguar que normas estão vigentes em sua relação com o Brasil para manter o princípio de reciprocidade básico em nosso processo de integração.

(...).

Nesse caso, a reintegração de uma doutrina em grande medida esquecida tem levado a insegurança jurídica aos países do Mercosul, o que constitui um dos fatos mais negativos desde a assinatura do Tratado de Assunção e põe em perigo nossa credibilidade internacional[23].

 

Embora, entretanto, seja possível concordar com as palavras de HERRERA VEGAS, a decisão da Suprema Corte brasileira seguiu plenamente os ditames da Constituição da República Federativa do Brasil. Nada há, portanto, a ser reparado no campo jurídico. A questão poderia, sim, ser melhor solucionada na seara política, o que se almeja ao apresentar-se a vertente pesquisa que entende por imprescindível a revisão constitucional como salvaguarda da integração comunitária.

 

 

6. CONCLUSÃO

 

 

O Tratado de Assunção que criou o Mercosul prevê etapas para a sua efetiva implementação. O Mercosul nasce como área de livre comércio, evolui para uma união aduaneira e finalizará como mercado comum, sendo as duas primeiras etapas provisórias e a última definitiva. A fase atual, já delineado alhures, é a da União Aduaneira, uma vez que esta tem como características, além da livre circulação de mercadorias, uma tarifa aduaneira comum, eliminando os complexos problemas da definição das regras de origem[24].

É de se notar, assim, que inerente ao processo prospectivo delineia-se no tempo um processo gradativo de implementação de objetivos que de uma fase transitória desloca-se, paulatinamente, para a fase final e definitiva. A renovação é constante, pois atingido um patamar passa-se a buscar o próximo, dentro de uma ótica pautada nos princípios da gradualidade, flexibilidade, equilíbrio e principalmente reciprocidade, este último de acordo com o parâmetro fundamental estabelecido no artigo 2º do Tratado de Assunção[25].

É cediço que todas as vezes que nos deparamos com situações que se referem ao Direito Comunitário, faz-se menção à integração consolidada pela União Européia. Não se pretende neste trabalho que o Mercosul seja uma cópia fiel da União Européia, mas é de suma importância a busca da experiência, absorvendo e aprimorando o que se enquadra em nossa realidade e perspectivas.

Na União Européia, destarte, as normas relativas à atividade econômica transcenderam a fronteira do Direito Nacional, instalando-se no âmbito comunitário. Inovou-se o cenário jurídico internacional ao abandonar o arcaico conceito de soberania. Instituiu-se o direito comunitário, estabelecendo um quadro jurídico único[26].

O ordenamento jurídico comunitário, assim, é constituído de normas que ultrapassam o direito nacional, configurando total primazia do direito comunitário sobre o nacional, sem extinção do ordenamento interno, como apregoam alguns, não tão bem intencionados. Tais normais passam a estar sujeitas ao Tribunal de Justiça Supranacional, assegurando a uniformidade de aplicação e implementação.

Neste diapasão, há que se ressaltar a importante distinção entre a ordem jurídica internacional clássica e a ordem jurídica comunitária. Como delineado, a ordem jurídica internacional comunitária advém de tratados internacionais, que ocasionaram subordinação do direito interno ao direito comunitário. Distingue-se, portanto, o modelo comunitário vigente na União Européia da comunidade internacional clássica vigente no Mercosul. É aqui, pois, que se destaca a grande diferença entre Mercosul e União Européia.

No modelo comunitário, a relação soberana se assenta em bases verticais, ou seja, os Estados têm sua soberania limitada e esse partilhamento é que assegura o processo de integração e a ordem jurídica internacional comunitária. O direito comunitário nasce, nesse modelo, vinculando os Estados-membros e as pessoas físicas ou jurídicas diretamente no âmbito interno de cada Estado, como conseqüência da primazia do direito comunitário.

Contrariamente, o Mercosul é uma comunidade internacional clássica assentada em modelo societário: resume-se na cooperação de Estados-soberanos, inexistindo poder superior aos Estados. Configura uma relação horizontal de coordenação de soberanias[27].

E assim, diferentemente da União Européia, a mecânica de incorporação do direito do Mercosul aos direitos nacionais foi e continua sendo a recepção. O direito do Mercosul se assenta no modelo clássico, advém de Tratados Internacionais negociados pelos governos, posteriormente aprovados pelos Congressos, ratificados e promulgados. Incorpora-se, portanto, a norma do Mercosul ao direito nacional de cada um dos seus integrantes. Trata-se do típico, clássico e exaustivo fenômeno da recepção.

Ganha importância e serve como indicativo do estágio alcançado nesse modelo comunitário da União Européia, o trabalho de conciliação dos interesses divergentes - muitas vezes opostos -, não somente por parte dos conglomerados empresariais, como também dos setores de produção. No Mercosul, é imprescindível contornar os possíveis e imagináveis jogos de interesses que poderiam derrotar todo o processo de integração, e a saída é a adoção do modelo comunitário, de um ordenamento jurídico comunitário[28], somente efetivo, em nossa ótica, mediante revisão constitucional que garanta a aplicabilidade direta[29] e o efeito imediato dos atos internacionais de que o Brasil seja signatário.

Portanto, em tema de aplicabilidade dos atos internacionais, ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção dos tratados internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no artigo 4º, parágrafo único da Constituição Federal do Brasil[30], que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebradas pelo Brasil no âmbito do Mercosul[31].

 

 

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

 

ALMEIDA, Elizabeth Accioly Pinto de

1996

Mercosul & União Européia: estrutura jurídico-institucional. Curitiba: Juruá.

 

 

 

BRASIL, Constituição (1988).

2009

Constituição da República Federativa do Brasil, Col. Saraiva de Legislação, 41ª ed. São Paulo: Saraiva.

 

 

DE PLÁCIDO E SILVA.

1998

Vocabulário Jurídico, 14ª edição, Rio de Janeiro: Forense.

 

 

LOBO, Maria Teresa Cárcomo.

1997

Ordenamento Jurídico Comunitário. Belo Horizonte : Del Rey.

 

JOBIM, Nelson in VENTURA, Deisy (org.)

1997

Direito Comunitário do Mercosul. Porto Alegre : Livraria do Advogado.

 

MAGALHÃES, José Carlos de.

2000

O Supremo Tribunal Federal e o Direito Internacional. Porto Alegre: Livraria do Advogado.

 

MELLO, Celso D. de Albuquerque.

2001

Curso de Direito Internacional Público. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar.

 

PIOVESAN, Flávia Cristina.

1996

Direitos Humanos e o direito constitucional internacional.   São Paulo: Max Limonad.

 

REZEK, José Francisco.

1997

Direito Comunitário do Mercosul. Porto Alegre: Livraria do Advogado.

 

SILVA, José Afonso.

1996

Curso De Direito Constitucional Positivo, 12ª ed, São Paulo: Malheiros.

 

ZAFARONI, Eugênio Raul.

1996

Em Busca das Penas Perdidas. Rio de Janeiro: Revan.

 

DECRETO N° 350, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1991, Promulga o Tratado para a  Constituição de um Mercado Comum entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai (Tratado MERCOSUL).

 

 

HERRERA VEGAS, Jorge Hugo. A vigência dos tratados do Mercosul. São Paulo : Gazeta Mercantil Latino-Americana. Ano 3, nº 109, de 18 a 24 de maio, 1998.

 

 

TROVÃO, Antônio de Jesus. Teorias monista e dualista em Direito Internacional. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, no 172. Disponível em: Acesso em: 11  nov. 2013.

 

 

2008

 

Constitucionalismo e Ideologia – Uma Discussão Cinematográfica. Jusnavegandi [online], acesso: 05 de agosto de 2013, disponível em http://jusvi.com/artigos/29126/3.

 

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_57/artigos/Art_Eliane.htm.

 

 

http://jusvi.com/files/document/pdf_file/0000/1690/pdf_file_texts_1690.pdf - Luciano Nascimento Silva – acessado em 15/10/2013.

 

 

MARCELO EDUARDO FREITAS, Delegado de Polícia Federal (MG), ex-assessor de Ministro do STF, pós-graduado em criminologia e Direito Processual, Doutorando em ciências jurídicas e sociais.

E-mail: marcelo.mef@dpf.gov.br.

 



[1]CF, art. 4º- A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

(...)

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

[2] REZEK, José Francisco. Direito Comunitário do Mercosul. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997: 55-56.

[3]MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001: 38. O Prof. Celso Mello se coloca entre os “divulgadores do Direito”, o que só se justifica pela sua incomensurável humildade, haja vista o inegável conteúdo científico de suas obras. 

[4]TROVÃO, Antônio de Jesus. Teorias monista e dualista em Direito Internacional. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, n. 172. Disponível em: Acesso em: 11  nov. 2013;

[5] Ibidem.

[6]MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Rio de Janeiro : Renovar, 13ª edição, Vol. I, 2.000, p. 111-112;

[7]CF, art. 5º, LXXVIII: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata;

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte;

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais;

§ 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão;

[8] MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o Direito Internacional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

[9]PIOVESAN, Flávia Cristina. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional.   São Paulo: Max Limonad, 1996: 77;

[10] CF, art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

[11] Muito embora o dispositivo mencione ‘tratados e convenções internacionais’, a doutrina, a prática e mesmo a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entendem a fórmula como redundante, já que, independentemente da denominação que tenha cada documento (tratado, convenção, acordo, pacto, carta, lei uniforme, protocolo, estatuto, concordata, etc) o vocábulo “tratado” se aplica a todo acordo internacional concluído por escrito entre Estados ou Organizações internacionais e que seja destinado a produzir efeitos jurídicos;

[12] CF, art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

[13] CF, art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

VI - decretos legislativos;

[14]FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e a norma de direito interno. Rio de Janeiro: Forense, 1997:69;

[15] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009: 438.

[16] PIOVESAN, 1996: 81;

[17]LOBO, Maria Teresa Cárcomo. Ordenamento Jurídico Comunitário. Belo Horizonte : Del Rey, 1997.

[18] JOBIM, Nelson in VENTURA, Deisy (org.)., Direito Comunitário do Mercosul. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1997.

[19] Idem;

[20] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_57/artigos/Art_Eliane.htm.

[21]A RECEPÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DOS ACORDOS CELEBRADOS NO ÂMBITO DO MERCOSUL ESTÁ SUJEITA À DISCIPLINA FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

- A recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL está sujeita à mesma disciplina constitucional que rege o processo de incorporação, à ordem positiva interna brasileira, dos tratados ou convenções internacionais em geral. É, pois, na Constituição da República, e não em instrumentos normativos de caráter internacional, que reside a definição do iter procedimental pertinente à transposição, para o plano do direito positivo interno do Brasil, dos tratados, convenções ou acordos - inclusive daqueles celebrados no contexto regional do MERCOSUL - concluídos pelo Estado brasileiro. Precedente: ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO.

- Embora desejável a adoção de mecanismos constitucionais diferenciados, cuja instituição privilegie o processo de recepção dos atos, acordos, protocolos ou tratados celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL, esse é um tema que depende, essencialmente, quanto à sua solução, de reforma do texto da Constituição brasileira, reclamando, em conseqüência, modificações de jure constituendo. Enquanto não sobrevier essa necessária reforma constitucional, a questão da vigência doméstica dos acordos celebrados sob a égide do MERCOSUL continuará sujeita ao mesmo tratamento normativo que a Constituição brasileira dispensa aos tratados internacionais em geral.

PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM GERAL E DE TRATADOS DE INTEGRAÇÃO (MERCOSUL).

- A recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então - e somente então - a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes.

O SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO NÃO CONSAGRA O PRINCÍPIO DO EFEITO DIRETO E NEM O POSTULADO DA APLICABILIDADE IMEDIATA DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS.

- A Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata.

Isso significa, de jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o direito interno, os tratados internacionais e os acordos de integração, além de não poderem ser invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata).

 - O princípio do efeito direto (aptidão de a norma internacional repercutir, desde logo, em matéria de direitos e obrigações, na esfera jurídica dos particulares) e o postulado da aplicabilidade imediata (que diz respeito à vigência automática da norma internacional na ordem jurídica interna) traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem positivadas no texto da Constituição da República, motivo pelo qual tais princípios não podem ser invocados para legitimar a incidência, no plano do ordenamento doméstico brasileiro, de qualquer convenção internacional, ainda que se cuide de tratado de integração, enquanto não se concluírem os diversos ciclos que compõem o seu processo de incorporação ao sistema de direito interno do Brasil. Magistério da doutrina.

- Sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo cuidando-se de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da Constituição da República, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL;

[22]HERRERA VEGAS, Jorge Hugo. A vigência dos tratados do Mercosul. São Paulo : Gazeta Mercantil Latino-Americana. Ano 3, nº 109, de 18 a 24 de maio, 1998.

[23] O próprio Ministro CELSO DE MELLO, no acórdão citado, fez constar:

reconheço que, tratando-se de princípios que compõem o direito de integração, e que regem as relações entre o direito nacional dos Estados-membros e a ordem jurídica comunitária, qualificam-se ambos – o princípio do efeito direto e o princípio da aplicabilidade imediata – como diretrizes essenciais à própria configuração institucional do espaço comunitário, pois tais postulados, em última analise, visam a tornar as regras comunitárias imediatamente invocáveis, em matérias de direitos e obrigações, pelos particulares, além de aplicáveis, desde logo, sem qualquer intermediação formal, no âmbito doméstico dos Estados nacionais, tornando-as parte integrante de um sistema normativo que deverá incidir, notadamente pela atuação do juiz nacional (que é o juiz comunitário de direito comum), no território de cada um dos Estados-membros.

[24]http://jusvi.com/files/document/pdf_file/0000/1690/pdf_file_texts_1690.pdf - Luciano Nascimento Silva – acessado em 15/10/2013, 12:00 H;

[25]DECRETO N° 350, DE 21 DE NOVEMBRO DE 1991, Promulga o Tratado para a  Constituição de um Mercado Comum entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai (Tratado Mercosul). – artigo 2º - O Mercado comum estará fundado na reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados Partes.

[26]O ponto de partida para esta jurisprudência foi o processo que envolveu a empresa neerlandesa Van Gend & Loos, que propôs uma ação perante os tribunais neerlandeses contra a administração das alfândegas do seu país, por esta pretender cobrar um direito aduaneiro mais alto na importação de um produto químico da República Federal da Alemanha.

O Tribunal pronunciou-se, contra o parecer de vários governos e do seu advogado-geral, pela aplicabilidade imediata das disposições comunitárias, tendo em conta a natureza e os objetivos da Comunidade. Na fundamentação do respectivo acórdão, lê-se: “...que a Comunidade constitui uma nova ordem jurídica (...) cujos sujeitos são não só os Estados-Membros, mas também os seus nacionais. Por conseguinte, o direito comunitário, independente da legislação dos Estados-Membros, tal como impõe obrigações aos particulares, também lhes atribui direitos que entram na sua esfera jurídica. Tais direitos nascem não só quando é feita uma atribuição expressa pelo Tratado, mas também como contrapartida de obrigações impostas pelos Tratados de forma bem definida, quer aos particulares quer aos Estados-Membros quer às instituições comunitárias”;

[27] ALMEIDA, Elizabeth Accioly Pinto de. Mercosul & União Européia: estrutura jurídico-institucional. Curitiba: Juruá, 1996.

[28] JOBIM, Nelson in VENTURA, Deisy (org.). Direito comunitário do Mercosul. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 1997.

[29]A aplicabilidade direta do direito comunitário significa apenas que o direito comunitário cria obrigações e confere direitos, não só para as instituições da Comunidade Europeia e os Estados-Membros mas também para os cidadãos da Comunidade;

[30] CF, art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

(...)

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações;

[31] AGRCR 8279-4, Relator Min. CELSO DE MELLO.

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