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APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE AO SISTEMA DE COTAS NAS UNIVERSIDADES


Autoria:

Cassia Lissani De Deus


Técnica Judiciária Auxiliar no Tribunal de Justiça de Santa Catarina; ; Bacharel em Direito pela UNOESC/Videira-SC; Tecnóloga em Gestão Pública - UNINTER; Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela UNINTER e em Direito Civil e empresarial pela Faculdade Damásio de Jesus.

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Texto enviado ao JurisWay em 04/01/2014.

Última edição/atualização em 10/01/2014.



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Resumo

O Governo Federal inseriu o sistema de cotas, reservando um percentual de vagas nas universidades públicas para estudantes oriundos de escolas públicas (cotas sociais) e outro percentual para estudantes negros e indígenas (cotas raciais). A presente pesquisa almeja mostrar, ao longo da explanação, que o sistema pretende ignorar falhas ainda presentes, como a deficiência no ensino público (fundamental e médio), bem como explanar a política discriminatória com relação aos negros, tendo em vista que há negros com condições socioeconômicas superiores a muitos brancos, por isso vislumbra-se que sua raça não os coloca em posição de desigualdade. Ademais, aqueles considerados “carentes”, independentemente de suas raças, podem concorrer nas cotas sociais. A partir daí, considerando que o principal problema da falta de inclusão social é a deficiência na educação básica, verifica-se a necessidade de se investir neste ensino e, alternativamente, a adoção das cotas sociais. 

 

Abstract                                  

 

The Federal Government inserted the quota system, reserving a percentage of vacancies at the public universities to students from the public schools   (social quotes) and other percentage to black and indigenous students (racial quotes). This survey intends to show, during the explanation, that the system intends to ignore faults still presents, like deficiency in public education (basic education), and to show the discriminatory politic in relation to black people, because there are black people with socioeconomic conditions higher than several white people. So, It verifies that the race does not put on an unequal footing. Moreover, those people that are considered “deprived”, regardless of their races, they may apply for the social quotes. So, considering that the main problem of the lack of social inclusion is the deficiency in the education, It verifies the necessity of investing in basic educations and, alternatively, adopting the social quotes. 


Introdução

O sistema de cotas, implantado pelo Governo Federal, objetiva a inclusão social, reservando um percentual de vagas nas universidades públicas para alunos oriundos de escolas públicas, bem como para negros e índios, com o fim de proporcionar a estas minorias acesso às universidades públicas. No entanto, de uma análise a partir do princípio constitucional da igualdade, constata-se que o sistema pretende corrigir falhas de políticas públicas referentes à educação, o que poderia ser resolvido com qualificação e melhoria na remuneração dos professores, bem como o investimento adequado em educação, assim seria evitada esta desigualdade entre o ensino público e o privado. Porém, como é sabido, o ensino público deixa muito a desejar, até porque, se o aluno de escola pública estivesse preparado para competir igualmente com aquele cuja educação se deu no ensino privado, desnecessário seria o sistema de cotas. Doutra sorte, no que diz com as cotas raciais, o sistema não traz critérios objetivos para definir quem é negro ou não, bastando o candidato informar sua raça no momento da inscrição, o que não traz uma segurança para os usuários, tendo em vista que basta o usuário se declarar negro para concorrer no sistema de cotas. Assim, constata-se que o Estado está confundindo o problema social com a questão racial, assim gerando uma discriminação reversa, tendo em vista que nem todos os negros são pobres, e aqueles advindos de famílias com elevado padrão de vida, que tiveram oportunidades de serem educados no ensino particular, concorrerão pelo sistema de cotas simplesmente em função da sua cor, ocupando vaga que seria destinada àqueles que realmente são carentes. Por isso, concorda-se com a adoção de medidas que visem à inclusão das minorias ao ensino superior gratuito, porém, é imprescindível que seja feita através de critérios objetivos, que busquem à redução da desigualdade, e não que  originem outras formas de discriminação.

 

 

 

1.                  Das Políticas Públicas referentes ao Direito à Educação

 

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz a Educação como um Direito Social, previsto no art. 6º da Lei Maior[1]. Ainda, o art. 205 da Carta Magna afirma: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Neste sentido,

O direito à educação significa, "em primeiro lugar, que o Estado tem que aparelhar-se para fornecer, a todos, os serviços educacionais, isto é, oferecer ensino, de acordo com os princípios estatuídos na Constituição (art. 206); que ele tem que ampliar cada vez mais as possibilidades de que todos venham a exercer igualmente esse direito; e, em segundo lugar, que todas as normas da Constituição, sobre educação e ensino, hão que ser interpretadas em função daquela declaração e no sentido de sua plena e efetiva realização".[2]

 

O art. 206, por sua vez, traz um rol de princípios nos quais o ensino deve ser baseado, valendo destacar o inciso I[3], que trata do princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, o qual garante que todos têm direito de ingressar na escola, sem distinção de qualquer natureza, inclusive, não podendo ser impedida a permanência de quem já teve acesso. Desta forma, infere-se que todos têm direito ao acesso e à permanência na escola, brancos, negros, índios, pardos, sem qualquer distinção. Ocorre que simplesmente o acesso à educação não é sinônimo de garantia de educação de qualidade, o que é perceptível em nosso país, o que, ao longo do tempo, fez surgir as escolas particulares, como entidades privadas, fazendo da educação uma mercadoria, porém, sobressaindo-se sobre o ensino público e oferecendo melhores oportunidades para os que detêm melhores condições financeiras, assim elevando o nível de desigualdade nas competições por vagas nas universidades públicas.

2.                  Do princípio da igualdade

 

A Constituição Federal, no caput do seu art. 5º, traz a seguinte redação:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (grifo nosso).

 

O texto constitucional, através do princípio da igualdade, prevê a equidade de possibilidades aos cidadãos de gozar de tratamento isonômico pela lei. Através deste princípio, que tem como escopo limitar a atuação do legislador, do intérprete, do agente público e até mesmo do particular, proibindo os tratamentos diferenciados discricionários e absurdos, injustificáveis pela Carta Magna. Todavia, essa igualdade a que se refere a Constituição não é apenas uma igualdade meramente formal, mas sim uma igualdade material, assegurando tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, de acordo com os critérios razoáveis e justificáveis, para assim se atingir a igualdade. Neste sentido, NERY JÚNIOR:

 

“O princípio da igualdade pressupõe que as pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual: ‘Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”’[4]

 

Doutra toada, assim leciona MELLO:

“Difícil é distinguir quem são os iguais e quem são os desiguais, por isso é preciso estudar o preceito e emprestar-lhe cunho operativo seguro para, então, transportá-lo do plano abstrato para o efetivo, exigência esta da própria Constituição” [5]

 

Montesquieu afirma que:

 

“os homens nascem na igualdade, porém não podem permanecer nesse estado. A sociedade faz com que eles percam essa igualdade, a qual somente é reencontrada por intermédio das leis.”[6]

 

 

A política de cotas visa corrigir as desigualdades sociais existentes, contemplando pessoas que concluíram os estudos no ensino público, bem como negros e índios. Assim, considerando que, de fato, para se atingir a igualdade é necessário dispensar o tratamento de maneira isonômica, ou seja, utilizar a forma razoável para tratar cada um no limite de sua igualdade. Todavia, a regra é a equiparação no tratamento, apenas se aplicando a desigualdade quando constatada e justificada a diferenciação sua aplicação, do contrário, o tratamento é igualitário. Assim, no tocante ao assunto discutido, é perceptível a desigualdade de competição existente entre alunos oriundos de escolas públicas e de escolas particulares. No entanto, não é possível vislumbrar uma desigualdade intelectual simplesmente pela diferença de raças, apenas a desigualdade de cunho social, que já seria resolvida com as cotas sociais. Assim, percebe-se que as cotas sociais se adéquam perfeitamente ao princípio da igualdade, o que não ocorre com as cotas raciais que, pelo contrário, estimulam a discriminação, colocando o negro em posição de inferioridade em relação ao branco, posição esta que não foi comprovada cientificamente.

 

 

3.      Das cotas sociais

 

Considerando o que já mencionado acima, no tocante ao sistema de cotas sociais, reservando um percentual de vagas para alunos de escolas públicas, é possível identificar sim, a desigualdade existente entre estes alunos e aqueles que concluíram seus estudos no ensino privado. É sabido que os estudantes mais pobres, em geral, têm mais dificuldades para obter um bom nível de escolaridade, por isso, imperioso se faz estimular o avanço de todos os brasileiros, para isso proporcionando indistintamente o acesso à educação de qualidade, e, para isso, necessário se faz investir na qualificação dos professores, haja vista que a qualidade da educação está aliada à qualidade de formação dos docentes, até porque nenhum outro recurso ou inovação faria efeito positivo sem a presença do professor. Por isso, embora pareça uma tarefa difícil, imprescindível seria melhorar a qualidade do ensino, todavia, considerando o atual sistema do governo brasileiro, em que a prioridade não é a educação, o acesso às universidades públicas fica restrito aos alunos mais preparados e, consequentemente, aqueles advindos de escolas públicas seguem impedidos de conseguir uma vaga em universidade pública, tendo em vista que o sistema não consegue prepará-los de maneira adequada para tanto. Diante disto, e preocupando-se em aplicar uma medida imediata, apta a prover aos economicamente desfavorecidos o acesso à educação superior, reconhecendo que sem uma política eficiente, estes não teriam condições de ingressar no meio acadêmico em função do conhecimento precário que obteve no ensino básico público, instituiu-se o sistema de cotas, com o fim de reduzir essa desigualdade no acesso ao ensino público gratuito, o qual se mostra positivo, diante da ineficiência do Estado na prestação dos serviços de educação.

 

4.                  Das cotas raciais

 

É de conhecimento público e notório que desde a descoberta do Brasil índios e negros foram alvo de perseguições e discriminações, e que ao longo da história vem se tentando coibir tais atitudes, inclusive, através do já mencionado princípio constitucional da igualdade ou isonomia, que garante a todos tratamento igualitário, na medida de suas desigualdades. O sistema de cotas raciais se trata de uma ação com o fim de defender a igualdade racial, aumentando oportunidades a negros, por serem historicamente menos favorecidos. Todavia, parece-nos que, ao contrário do sistema de cotas sociais, que de fato enfrenta um problema social, as cotas raciais estão baseadas unicamente em um infeliz episódio histórico em que a população negra sofre até hoje as consequências. Todavia, não há que se confundir um passado histórico com um problema social e mesclá-los, porque são institutos independentes. Justifica-se tal afirmação porque há muitos brancos em situação de extrema pobreza e também muitos negros com elevado padrão de vida, oriundos de família rica e com acesso a um ensino de qualidade, e que apenas por serem negros, mesmo não estando em condições de desigualdade social, concorrerão pelo sistema de cotas, o que vai de encontro ao real problema de inclusão social, a pobreza, por isso, o benefício deveria ser estendido aos menos favorecidos, sendo eles de qualquer raça. Vale salientar, também, que não há comprovação científica e sequer indícios de que a raça negra conte com algum déficit intelectual em relação aos brancos, assim não podendo colocá-los em situação de hipossuficiência intelectual, para mais de estar, mesmo indiretamente, estimulando uma diferença (que não existe) entre pessoas em função da sua cor, o que vai de encontro a um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aquele previsto no inciso IV: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.[7] (grifo nosso). Assim, não há dúvida de que o sistema de cotas raciais estimula sim a discriminação, mesmo indiretamente, até porque negros e brancos, sendo pobres, têm o mesmo acesso à educação e as mesmas dificuldades em ingressar em universidades públicas, o que demonstra ser a pobreza, e não a raça, o obstáculo a ser superado. Ademais, não há um critério objetivo para a adoção do sistema de cotas raciais, o qual se baseou apenas em uma construção cultural de uma suposta inferioridade da população negra, o que condiz muito mais com um preconceito histórico do que com um problema social. Assim, percebe-se que as principais razões que justificam a discriminação racial estabelecida pelo sistema de cotas não são suficientes para esclarecer qual a relação entre a raça e o eventual prejuízo decorrente das desigualdades sociais. Ainda, cabe esclarecer que falta estrutura técnica para a aplicação deste sistema, tendo em vista a ausência de critérios objetivos para definir quem seria de fato considerado negro, já que o aluno apenas declara sua raça no momento da inscrição. Desta forma, diante da estrutura atual para se concorrer a uma vaga pelo sistema de cotas, é perfeitamente possível que pessoas de elevada classe social, que tiveram oportunidades e acessos a um ensino de qualidade, possam entrar nas universidades públicas pelo sistema de cotas, pelo simples fato de serem negros, o que vai de encontro aos padrões almejados por uma sociedade justa e igualitária.

 

5.      Conclusão

 

É dever do poder público garantir a efetivação do direito à educação, sendo ideal adotar medidas que promovam a melhoria no ensino básico (fundamental e médio), oferecendo condições para que o aluno considerado carente concorra em pé de igualdade com alunos da rede particular de ensino. Se assim fosse, como deveria ser, desnecessária seria a política de cotas. Todavia, diante da ineficiência da prestação deste serviço pelo Estado, este tenta corrigir um problema de política pública, a falta de investimentos adequados na educação, através do sistema de cotas sociais e raciais. Quanto às primeiras, tal política mostra-se apropriada, diante do problema enfrentado na educação básica, desde o despreparo e falta de motivação dos professores até a ausência de estrutura escolar, como a restrição de recursos educativos, como livros didáticos e precária instalação física, decorrente do baixo ou irregular investimento por parte do poder público. No tocante às cotas raciais, constata-se que o governo pretende compensar um triste passado histórico, com a tentativa de promover justiça e igualdade com esta raça que foi tão injustiçada. Todavia, não parecer ser o sistema de cotas a melhor solução para combater o preconceito racial, tendo em vista que para se chegar a uma verdadeira igualdade entre pessoas de todas as raças, mister se faz combater o preconceito através de ações que possibilitem a todos o acesso às mesmas oportunidades, sem sofrer qualquer forma de discriminação, inclusive racial. Ora, um país em que a Lei Maior tem como escopo fundamental o princípio da igualdade se contradiz ao adotar um sistema em que considera determinadas raças menos favorecidas simplesmente pela cor, porque, como demonstrado, não há comprovação científica demonstrando alguma diferença intelectual em ter raças, o implica, de certa forma, um aumento na discriminação que tanto se tenta abolir.

 



[1] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifo nosso)

[2] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 313.

[3] Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

[4]NERY JÚNIOR, Nélson. Princípios do processo civil à luz da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

[5]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995. p. 11.

[6]  MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Traduzido por Jean Melville. São Paulo:  Martin Claret, 2004. p. 126. Título original: De l’Espirit des Lois, ou du rapport que les lois doivent avoir avec la constituin de chaque gouvernement, les moeurs, le climat, la religion, le commerce, etc.

[7]Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 
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