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DESMISTIFICANDO A INTERDIÇÃO DO IDOSO INCAPAZ


Autoria:

Gisele Amorim Zwicker


Estudante do 10º semestre da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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Resumo:

Mediante o presente artigo, pretende-seapresentar os aspectos materiais e procedimentos da ação de interdição, focando em seu objetivo principal - qual seja, a proteção do idoso - e combater alguns preceitos errôneos ligados à matéria.

Texto enviado ao JurisWay em 04/11/2013.

Última edição/atualização em 13/11/2013.



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1.     APRESENTAÇÃO

Neste ano que se apresenta, o Estatuto do Idoso completa dez anos de vigência e, em homenagem a tão emblemática e relevante norma, cujo objetivo é garantir e efetivar os direitos e garantias da pessoa idosa, tive por bem debruçar-me sobre um tema de grande importância: a interdição do idoso incapaz.

Mediante o presente artigo, pretende-se, ainda que de forma sucinta, apresentar os aspectos materiais e procedimentos da ação de interdição,  focando em seu objetivo principal – qual seja, a proteção do idoso – e combater alguns preceitos errôneos ligados à matéria.

2.     CAPACIDADE DE FATO E CAPACIDADE DE DIREITO

Antes de efetivamente iniciar o estudo acerca da interdição do idoso incapaz, faz-se necessário tecer algumas considerações acerca dos conceitos envolvendo a capacidade de fato e a capacidade de direito.

Efetivamente, no sistema normativo brasileiro, compreendemos a existência de duas modalidades de capacidades que, embora distintas em seu âmago, possuem naturezas complementares.

Em primeiro lugar, há a capacidade de direito, oriunda da personalidade jurídica, que, conforme disposto no artigo 1º do Código Civil, é adquirida pelo indivíduo a partir do nascimento com vida. Assim, referida capacidade traduz-se na aptidão de gozar dos direitos do qual o indivíduo é, naturalmente, titular; é, segundo o doutrinador Caio Mário da Silva Pereira, a “capacidade de aquisição”[1] de direitos. Trata-se de capacidade universal, todos os indivíduos a possuem, sem distinção de qualquer natureza.

A capacidade de fato, por sua vez, refere-se à aptidão de pessoalmente exercer os direitos da vida civil. Para o exercício desta capacidade, o legislador teve por bem vinculá-la a alguns requisitos essenciais à sua aquisição e ao seu exercício, de forma que o principal preceito para que um sujeito seja considerado capaz de fato é que ele possua discernimento para se autodeterminar dentro do mundo jurídico, ou seja, capacidade para “distinguir o lícito do ilícito, o conveniente do prejudicial”[2].

Em que pese a capacidade de direito seja universal sendo atribuída a todos, o mesmo não pode ser dito a respeito da capacidade de fato, uma vez que ausente os requisitos legais objetivos para a aquisição de referida capacidade, esta pode nunca ser alcançada ou, ainda que alcançada, pode ser posteriormente suprimida por causa superveniente.

Assim, ausente as características que o legislador julgou essenciais ao exercício da capacidade de fato - tais quais “a maioridade, saúde, desenvolvimento mental, etc”[3] -, o Estado teve, por bem, restringir a capacidade de fato de tais indivíduos de acordo com suas privações, de forma a fornecer-lhes proteção e segurança quando da prática de atos jurídicos.

Este é o ensinamento do sempre brilhante Carlos Roberto Gonçalves, ao afirmar que “com o intuito de protegê-las, tendo em vista as suas naturais deficiências, decorrentes em geral da idade, da saúde e do desenvolvimento mental e intelectual, a lei não lhes permite o exercício pessoal de direitos, exigindo que sejam representados ou assistidos nos atos jurídicos em geral”[4].

De fato, a incapacidade pode ser absoluta ou relativa. A incapacidade absoluta “tolhe completamente a pessoa que exerce por si os atos da vida civil”[5], sendo que esta dependerá de um representante para exercê-lo em seu nome. Já a incapacidade relativa admite a existência de um certo grau de discernimento por parte do indivíduo, de forma que a lei autoriza que participe de atos jurídicos de seu interesse, desde que devidamente assistido, salvo nos casos em que lhes é autorizado que atuem sozinhos.

Para os fins legais, são plenamente incapazes os indivíduos elencados nos incisos do artigo 3º do Código Civil e relativamente incapazes os indivíduos que se enquadrem nas hipóteses expressas no artigo 4º do mesmo dispositivo legal.

Assim, diante de incapacidade, quer absoluta ou relativa, faz-se necessário o processo de interdição para que seja nomeado um representante, curador ou assistente ao incapaz, com o objetivo de administrar seus bens e agir no mundo jurídico em seu favor.

3.     INCAPACIDADE DO IDOSO

Inicialmente, cabe ressaltar que a senilidade, per si, não é motivo de incapacidade, uma vez que não há uma ligação necessária entre o avanço da idade e a perda da capacidade cognitiva.

A regra no ordenamento jurídico pátrio é o da capacidade, sendo a incapacidade uma exceção. Assim, o mero envelhecimento não é motivo o suficiente para ensejar um pedido de interdição, posto que, salvo comprovação de causa superveniente que tenha privado o idoso de seu necessário discernimento, este é capaz para todos os atos da vida civil.

Nesta temática, Carlos Robertos Gonçalves explica que “a velhice ou senilidade, por si só, não é causa de limitação de capacidade, salvo se motivar um estado patológico que afete o estado mental e, em conseqüência, prive o interditando do necessário discernimento para gerir o seu negócio ou cuidar da sua pessoa”[6].

Tanto é verdade que a maior preocupação do Estatuto do Idoso, cujo claro objetivo traduz-se em assegurar à pessoa idosa o tratamento isonômico a que faz jus, é reiterar os direitos fundamentais ao idoso, que não pode deles ser injustificadamente privado.

Assim, o idoso possui o direito à vida, à liberdade, a exercer atividade laboral, ter acesso à cultura e lazer, entre muitos outros. Evidentemente, não inovou o Estatuto do Idoso, apenas reiterando em seus artigos o quanto já expresso no texto constitucional, com o intuito de reiterar não os direitos do idoso em si, mas o espaço deste dentro da sociedade, como um indivíduo que deve ter suas particularidades consideradas, sendo primordial todas as ações e medidas necessárias à sua inclusão neste meio.

Nestes termos, a princípio, o idoso é considerado plenamente capaz para todos os efeitos, tanto para gozar de seus direitos, como para exercê-los.

Ocorre, no entanto, que, com freqüência, e em decorrência da avançada idade, a pessoa idosa comece a apresentar quadros patológicos que a privem do seu discernimento, como é o caso da Demência Senil ou do Mal de Alzheimer.

Venosa explica que a doença mental de que trata o legislador ao abordar a incapacidade abrange desde os vícios mentais congênitos até aqueles adquiridos no decorrer da vida, por qualquer caso - caso recorrente na população idosa mundial.

Portanto, é plenamente possível que um quadro de incapacidade acometa uma pessoa após uma vida inteira provida de seu completo discernimento.

A partir deste momento, a interdição faz-se necessária como uma forma de segurança jurídica à pessoa idosa que, comprovadamente incapaz, não possui mais as características necessárias para se autodeterminar a respeito dos atos realizados no mundo jurídico e, portanto, desprovida da aptidão de realizá-los sem qualquer tipo de auxílio, sob o risco de enveredar por negócios jurídicos prejudiciais e, no fim de sua vida, deparar-se com situações em completo desacordo com a dignidade da pessoa humana, outro preceito fundamental reiterado pelo Estatuto do Idoso.

No entanto, a instituição da interdição tem encontrado uma crescente relutância social para a aceitação de sua aplicação nos casos devidos; em geral, existem duas justificativas para a negativa da realização de interdição pelos familiares do idoso incapaz.

A causa mais comum é a falta de conhecimento, ou seja, a simples ignorância a respeito do instituto e sua verdadeira finalidade. Alguns indivíduos sequer possuem conhecimento a respeito dessa medida, acreditando que uma mera procuração com poderes específicos é válida para a realização dos atos em nome do idoso, ao passo que outros associam a interdição a um severo descrédito ao interditando e, penalizadas, recusam-se a interditar pais, mães ou familiares diversos.

De fato, conforme será devidamente explanado nos próximos itens, de natureza meramente esclarecedora, a interdição não deve ser interpretada como um desmérito à pessoa idosa, em que pese possa ser doloroso aos familiares admitirem a superveniente incapacidade de um ente querido, mas uma proteção imposta legalmente ao idoso.

Não seria razoável concluir, como muitos aparentam fazer, que um instrumento processual escolhido pelo legislador tivesse por objetivo a diminuição de um indivíduo dentro da sociedade brasileira, motivo pelo qual a relutância social envolvendo a temática deve ser severamente combatida.

Por outro lado, e esse também é um caso recorrente e de maior gravidade do que o mencionado anteriormente, há o oportunismo. Existem familiares e conhecidos que, cientes das debilidades acometidas pelo idoso, utilizam-se de sua fragilidade em favor próprio, prática esta que não seria possível caso houvesse o ajuizamento de uma medida de interdição, uma vez que o juiz responsável pelo caso da interdição exercerá o papel de fiscal da relação de curatela, com o intuito de assegurar que os direitos do idoso estão sendo devidamente observados.

Desta feita, evidencia-se que trata-se a interdição de instrumento necessário para garantia de direitos e necessidades do idoso incapaz, uma vez que trata-se de medida mediante a qual um terceiro capaz e plenamente em controle de suas funções congnitivas assume o cuidado da pessoa incapaz, agindo em seu nome e em seu benefício.

4.     INTERDIÇÃO

                       4.1. A Interdição do idoso incapaz

O processo de interdição é previsto no Código Civil, dos artigos 1.767 a 1.783, ocasião em que o legislador abordou seu aspecto material, cabendo ao Código de Processo Civil, nos artigos 1.177 a 1.186, decorrer sobre seus aspectos procedimentais.

O artigo 1767 do Código Civil prevê as hipóteses em que faz-se cabível a curatela. Nem este diploma legal, nem o Estatuto do Idoso, atribuíram à pessoa idosa um tratamento específico nesta temática, o que se justifica pelo entendimento de que a senilidade, por si, não é motivo suficiente para a interdição.

Desta forma, tratando-se o interditando de pessoa idosa, sua incapacidade será verificada de acordo com os ditames do Código Civil, devendo o juiz observar se, no caso concreto, o idoso enquadra-se em qualquer das cinco hipóteses previstas pelo artigo.

Tratando-se do caso de enfermidade ou doença mental que venha a acometer a pessoa idosa, o processo de interdição deverá ser instruído com um relatório médico que indique qual a condição vivenciada pelo interditando. A doença deverá ser identificada de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID), de autoria da Organização Mundial de Saúde (OMC). 

Evidentemente, pretende-se que haja vestígios comprovados da existência de doença capaz de debilitar cognitivamente o idoso, não sendo razoável que fosse aceito ao familiar que ingressasse com medida judicial com base única e exclusivamente em “achismo”. Deve haver algum indício suficiente para justificar a ação de interdição.

Assim, pretende o legislador, ao máximo, evitar que seja realizada qualquer fraude por familiar ou terceiro interessado que pretenda interditar idoso capaz como uma forma de dobrá-lo às suas vontades e administrar seus bens de acordo com os seus próprios interesses.

Conforme já foi expresso anteriormente, a interdição, em que pese seja um instrumento de defesa do idoso, deve ser também reconhecida como uma perigosa arma ao oportunismo, motivo pelo qual o magistrado deve se munir de todas as precauções para garantir que a interdição seja realizada apenas nos casos em que esteja comprovada a incapacidade – na verdade, é desejável que seja mantida a capacidade, em caso de dúvida.

Nestes termos, concluímos que o procedimento de interdição deve ser realizado sem qualquer especificação, nos ditames legais genéricos atinentes à matéria, em conformidade com os itens a seguir.

                       4.2. Dos Aspectos Procedimentais

                       4.2.1. Da Competência

É competente para processar e julgar o procedimento de interdição o foro de domicílio do interditando, geralmente na vara de família. No caso, contextualizando com a realidade dos idosos, ainda que os filhos do idoso interditando residam em outro município, ou até mesmo em outro estado, deve prevalecer o foro do domicílio do interditando.

Evidentemente, esta é a medida que significa maior segurança jurídica à pessoa a qual se pretende interditar, facilitando o acesso do magistrado a ela, assim como facilitando sua defesa, caso deseje apresentá-la.

Trata-se da aplicação da regra geral do Código de Processo Civil, prevista em seu artigo 94, e claramente serve ao seu propósito no quanto referente ao procedimento de interdição, conforme as justificativas acima expostas.

                       4.2.2. A legitimidade para ingressar com pedido de interdição

Tanto o Código Civil quanto o Código de Processo Civil apresentam como legitimados para ingressar com o pedido e interdição: a) os pais ou tutores do interditando; b) o cônjuge ou qualquer parente; e c) o Ministério Público.

Tratando-se de interdição da pessoa idosa, o mais comum é que o pedido seja feito pelo cônjuge ou parente e, em casos de impossibilidade por parte desses ou de rompimento do vínculo familiar, o órgão ministerial.

No entanto, algumas ressalvas devem ser apresentadas; o cônjuge apenas possui legitimidade para ingressar com o pedido de interdição se não estiver separado judicialmente do interditando, cabendo, inclusive, ao companheiro do interditando ingressar com a medida.

No que se refere à abrangência do termo “parente”, há que se ressaltar a existência de uma gritante divergência doutrinária. Para Mendonça Lima e Carvalho Santos, apenas os parentes consangüíneos possuem legitimidade para interpor a interdição, excluindo-se, portanto, os parentes afins. José Olympio de Castro Filho, por sua vez, acredita que seja admissível a atribuição de legitimidade aos parentes afins, contanto que próximos.

Nelson Nery, por outro lado, entende que, por parente próximo, a “lei processual exige que, além de ser parente, este tenha para com o interditando laços de afetividade e proximidade que o façam capaz de saber das razões que tornam necessária a medida pleiteada”[7].

O entendimento que nos parece mais satisfatório posiciona-se no sentido de que, não havendo o legislador adotado um critério objetivo para determinar a proximidade entre estes e o interditando, admite-se que qualquer parente, inclusive os mais distantes – como o sobrinho neto, por exemplo – possuem legitimidade.

O Ministério Público, por sua vez, apenas poderá promover a Ação de Interdição nas hipóteses previstas pelo artigo 1.769 do Código Civil, de forma que, ausentes os requisitos autorizadores, cabe à família do idoso incapaz ingressar com a medida judicial de interdição.

A jurisprudência, no entanto, tem entendido que poderá o parquet prosseguir na ação, em caso de desistência por parte do autor originário, nos casos de anomalia psíquica[8].

Humberto Theodoro Júnior sustenta que o próprio incapaz possui legitimidade para ingressar com a ação de interdição, “se nenhum dos legitimados o faz”[9].

Não nos parece que tal posicionamento seja plenamente sustentável. Em verdade, a própria ideia de um incapaz que possua o discernimento necessário para ingressar como autor na própria ação de interdição parece ir de encontro com a natureza deste procedimento de jurisdição voluntária.

Tanto ocorre porque, havendo discernimento por parte daquele que pretende ser interditado, referido comportamento não coaduna com aquele do incapaz; como vimos anteriormente, a incapacidade significa a ausência de aptidão por parte do indivíduo de seu autodeterminar.

Assim, é do melhor entendimento que a interpretação dos artigos, tanto no Código Civil, quanto no Código de Processo Civil, ocorra de forma restrita às hipóteses expressas pelo legislador.

Por fim, é válido reiterar que o artigo 1.1.80 do Código de Processo Civil expressamente determina que, no momento do ingresso da ação, o autor deverá comprovar sua legitimidade mediante certidão que comprove seu vínculo de parentesco com o interditando.

                       4.2.3. Da citação

Neste ponto, é de importância ressaltar que o interditando deverá ser citado a respeito da ação de interdição, devendo-se frisar que é aceitável apenas a citação pessoal, não sendo cabível a por edital, nem a por hora certa.

Novamente, vislumbramos uma preocupação patente por parte do legislador no sentido de que o interditando deve estar plenamente consciente da ação de interdição, de forma que, existente qualquer possibilidade de fraude, o interditando possua meios necessários para apresentar sua defesa e comprovar a inexistência de qualquer incapacidade.

                       4.2.4. Da audiência de interrogatório

Após o ingresso da ação de interdição, o juiz, assistido por especialistas, nestes termos compreendidos profissionais da área de saúde – como médicos ou, especialmente, psicólogos -, pessoalmente realizará o interrogatório do interditando, com o intuito de aferir se o idoso realmente encontra-se privado dos requisitos legais ao exercício desembaraçado de sua capacidade de fato.

Embora o texto legal não tenha uma disposição expressa a respeito do tema, Ricardo A. Gregório entende ser indispensável a presença e participação do Promotor e do Defensor Público, tanto em decorrência dos direitos constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, quanto em decorrência do fato de que a diretriz legal na curatela é a proteção do interesse do interdito.

Humberto Theodoro Júnior afirma que a participação do magistrado no interrogatório do interditanto é fundamental para que este tenha maior conhecimento da pessoa a que se pretende interditar e de suas reações exteriores.

Em que pese a inegável importância deste ato no procedimento de interdição, o doutrinador supramencionado posiciona-se no sentido de que a não ocorrência do interrogatório não acarretará necessariamente na nulidade do processo, contanto que a perícia forneça “dados precisos sobre a alienação mental do interditando”[10].

No entanto, deve-se sempre atentar que trata-se o procedimento de interdição de medida judicial com efeitos erga omnes de grande magnitude, uma vez que, julgado procedente o pedido, o interditando será privado de sua capacidade de fato. Diante da seriedade dos efeitos da medida, a ocorrência do interrogatório deve ser observada sempre que possível, exceto nos casos excepcionais, onde não exista qualquer indício de risco de fraude.

                       4.2.5. Da defesa do interditando

O interditando poderá apresentar defesa, no prazo de 05 (cinco) dias a contar da audiência de interrogatório. Nos casos em que a ação tenha sido proposta pelos parentes do interditando, este será representado pelo Ministério Público.

No entanto, nos casos em que for o próprio parquet o autor do procedimento de interdição, poderá o interditando contratar um advogado para exercer seu direito de defesa. Caso não o faça, poderá um parente sucessível constituir advogado em nome do interditando, tratando-se de uma exceção à do artigo 37 do Código de Processo Civil.

                       4.2.6 Da perícia médica

Após o interrogatório e decorrido o prazo de impugnação a que se refere o subitem anterior, o magistrado deverá submeter o interditando a um exame médico psiquiátrico com a finalidade de atestar a incapacidade.

Reitera-se que referida perícia médica deve ser requerida pelo juiz ex officio, caso nenhuma das partes o faça, e que sua ausência acarreta na nulidade do processo, conforme consolidado entendimento jurisprudencial.

Trata-se da realização de exames médicos com profissional desvinculado das partes; novamente, há a preocupação de uma produção de provas livre de qualquer embaraço, de forma a realmente garantir um resultado mais comprometido com a realidade dos fatos do que ao interesse das partes.

                       4.2.7. Da sentença

Após a realização da perícia médica, o juiz deverá julgar a ação de interdição, com base em tudo o que foi colhido de provas desde o início do procedimento.

Ressalta-se, por oportuno, que o juiz não está vinculado ao pedido de interdição, de forma que, com base na análise feita pelos especialistas da área de saúde, caberá a ele determinar a efetiva existência da incapacidade e sua gravidade – se absoluta ou relativa -, assim como identificar os atos que o interditando não poderá praticar sem a participação do curador.

No entanto, caso se resolva pela existência de causas justificadoras da interdição, deverá discorrer sobre elas no momento da sentença, sendo certo que deverá, também, determinar os limites da interdição e indicar uma pessoa apta a exercer a função de curador.

De acordo com o artigo 1.184 do Código de Processo Civil, a sentença que decreta a interdição e nomeia o curador deverá ser inscrita no Registro de Pessoas Naturais e publicada pela imprensa local e pelo órgão oficial por 3 (três) vezes, com o intervalo de 10 (dez) dias.

Em que pese seja cabível recurso da sentença que determinou a interdição, esta possui apenas o efeito devolutivo, de modo que referido ato terminativo produz efeitos, ainda que haja um recurso pendente de análise.

                       4.2.8. Do levantamento da interdição

Por fim, faz-se mister ressaltar que, cessado o motivo que ensejou a interdição, é de rigor que esta seja levantada. Por tanto, nos casos, por exemplo, de debilidades temporárias que possam levar a um prejuízo cognitivo, é de rigor que, superada a debilidade e voltando o interditado a possuir os requisitos necessários para exercer livremente a sua capacidade de direito, a medida judicial seja levantada e ele seja restituído da sua personalidade jurídica.

O pedido de levantamento poderá ser feito pelo interditado, além dos interessados para o pedido de interdição e deverá ser apreciado pelo mesmo juízo onde se processou o procedimento de interdição.

A sentença que determinar o levantamento da interdição está submetida às mesmas formalidades daquela que a determinou.

                       4.3. Do Curador

A partir do momento em que o juiz determina a interdição do idoso, faz-se necessário a nomeação de uma pessoa plenamente capaz para exercer a função de curador do idoso, responsável por garantir seus direitos, garantias e necessidades.

A lei se deteve em alguns pontos, fazendo algumas observações a respeito desta função e das pessoas aptas a ocupá-la, conforme se verificará nos próximos subitens.

                       4.3.1. Ordem Legal

O Código Civil determinou, em seu artigo 1.775 e parágrafos, a ordem a ser observada para a determinação do curador. De fato, tratando-se de função de evidente confiança, o legislador optou por dar preferência aos familiares para que exerçam referido encargo.

Em primeiro lugar, aponta o cônjuge ou o companheiro do interditado como pessoa apta a exercer referida função, contanto que esteja plenamente capaz e morasse com o idoso à época dos fatos, não podendo estar separados judicialmente ou de fato.

Ausente o companheiro ou o cônjuge, ou ainda que existente, faltantes qualquer dos requisitos necessários à sua nomeação, o legislador apontou os ascendentes como aptos a figurar como curadores e, na ausência destes, o descendente que se mostrar mais apto – dando-se sempre preferência, tratando-se de descendentes, aos mais próximos.

Assim, o legislador criou um rol sistemático dentre os familiares do interditando que podem exercer a função de curadores. A estes, dá-se o nome de “curadores legítimos”, sendo certo que, em que pese o legislador tenha estabelecido-os com uma ordem de preferência, o juiz poderá invertê-la, caso acredite ser do melhor interesse do interditando.

No entanto, não raro, no caso dos idosos, inexistem familiares aptos a exercer referido papel.

Isso decorre porque, muitas vezes, o idoso rompeu seus vínculos familiares e desconhece o paradeiro de seus familiares próximos, ou é o único de sua família residente na cidade em que mora ou perdeu todos os parentes próximos.

Nestes casos, caberá ao magistrado escolher uma pessoa para figurar como curadora do incapaz, que é conhecido como “curador dativo”, tratando-se de pessoa idônea e capaz, de sua confiança.

A partir do momento em que o juiz determina uma pessoa para exercer o papel de curador, este deverá realizar todos os atos em nome do interditando, de forma que os atos eventualmente praticados sem o acompanhamento do curador serão nulos de pleno direito.

Os atos anteriores à sentença, por sua vez, serão meramente anuláveis, cabendo à parte interessada alegar e provar que a incapacidade já subsistia à época do fato que se pretende anular.

                       4.3.2. Deveres e Obrigações

O curador possui, em suma e ressalvadas algumas diferenciações indicadas pelo legislador, as mesmas incumbências do tutor, dentre as quais destaca-se a necessidade de prestar contas bienalmente.

O Código de Processo Civil, em seu artigo 1.188 e seguintes, chegou a determinar que o curador deveria apresentar uma hipoteca como uma forma de garantia ao interditando. Nelson Nery afirma que esta é uma formalidade não mais exigida, sendo facultado ao magistrado a exigência de qualquer garantia[11].

Neste ponto, importante ressalvar que, nos casos em que figurar como curador o cônjuge do idoso interditado, e o regime de bens do casamento haja sido de comunhão universal, não terá a obrigação legal de prestar contas judicialmente, salvo por determinação expressa do magistrado.

Outro dever previsto em lei que é atribuído ao curador é aquele de fornecer ao interdito o tratamento necessário para sua recuperação – física ou cognitiva -, de forma a se restabelecer a capacidade deste, conforme previsto no artigo 1.776 do Código Civil.

Ademais, o curador do interditado tem sua autoridade estendida à pessoa e aos bens dos filhos do curatelado, enquanto menores, desde que o poder de família referente às crianças não esteja exclusivamente a cargo do outro cônjuge ou companheiro, administrador ou não possuam tutor que os represente.

De fato, não basta apenas ser indicado e aceitar o encargo de curador, uma vez que, exercendo o múnus de forma inadequada, o curador poderá ser removido por procedimento de legitimidade do Ministério Público e de qualquer que possua legítimo interesse.

                       4.3.3. Da escusa e da remoção

Assim como os tutores, os curadores possuem escusas voluntárias e proibitórias, previstas nos artigos 1.736 e 1.735 do Código Civil, respectivamente.

Nos termos da lei, são proibidos de exercer a curatela aqueles que (i) não tiverem a livre administração de seus bens; (ii) no momento de lhes ser deferida a curatela, se acharem constituídos em obrigação para com o menor, ou tiverem que fazer valer direitos contra este, e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o menor; (iii) sejam inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da curatela; (iv) já foram condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a família ou os costumes, tenham ou não cumprido pena; (v) sejam pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em tutorias anteriores; (vi) aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa administração da tutela.

Nenhum individuo que se enquadre em qualquer destas hipóteses legais encontra-se proibido, por texto de lei, de exercer a função de curador, devendo o magistrado certificar-se de não ser o caso da pessoa indicada para referida função.

Por outro lado, podem escusar-se voluntariamente da tutela (i) mulheres casadas; (ii) maiores de sessenta anos; (iii) aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos; (iv) os impossibilitados por enfermidade; (v)  aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela; (vi) aqueles que já exercerem tutela ou curatela; (vii) militares em serviço e, por último, (viii) aquele não for parente do interditando, se houver no lugar parente idôneo, consangüíneo ou afim, em condições de exercê-la.

Tratando-se de escusas voluntárias, ressalta-se que as pessoas mencionadas no parágrafo anterior possuem a faculdade de optar por exercer a função de curador ou não.

No entanto, caso não desejem os encargos e ônus da curatela, devem apresentar sua escusa nos dez dias subseqüentes à designação, sob pena de entender-se renunciado o direito de alegá-la; se o motivo escusatório ocorrer depois de aceita a tutela, os dez dias contar-se-ão do em que ele sobrevier.

A escusa será submetida ao crivo do magistrado, que poderá acolhê-la e determinar outra pessoa para exercer o papel do curador. Se, entretanto, o juiz não admitir a escusa, exercerá o nomeado a tutela, enquanto o recurso interposto não tiver provimento, e responderá desde logo pelas perdas e danos que o menor venha a sofrer.

Ao contrário das escusas, a remoção se impõe ao curador que não tem agido de forma coerente com as funções assumidas; assim, constatado que o curador tem administrado os bens do curatelado de forma imprudente e ruinosa, que tem tratado o curatelado de forma desrespeitosa ou que não lhe tem dispensado os cuidados necessários, tanto o Ministério Público, quanto qualquer interessado legítimo, poderão levar a conhecimento da autoridade judicial tal feito, de forma que o curador seja removido de sua posição.

                        

5.     5. CONCLUSÃO

Assim, compreende-se que trata-se a ação de interdição de medida que tem por finalidade essencial a proteção do idoso incapaz, que acometido por situação limitadora de sua capacidade cognitiva, não encontra-se mais apto a se autodeterminar a administrar de forma eficiente os seus bens.

No entanto, a medida encontra diversos entraves sociais que dificultam que esta reproduza seus efeitos benéficos. Por um lado, existe a ignorância que leva muitos familiares a enxergar a interdição como um desmérito ao idoso, uma afronta à sua pessoa.

Por outro lado, há o oportunismo. Neste caso, é recorrente o caso de interdições ajuizadas sem que o idoso apresente qualquer indício de incapacidade, pelo simples fato de que familiar ou terceiro pretende exercer a função de curador e administrar os bens do idoso, muitas vezes em benefício próprio.

Por todos esses motivos, é fundamental que a informação envolvendo o procedimento seja divulgada e disseminada, como uma forma de combater a falta de conhecimento e criar um espaço maior para esta medida judicial dentro do conhecimento popular.

Trata-se de medida benéfica ao idoso incapaz, que garante a boa administração de sua pessoa e de seus bens, mesmo que este não se encontre mais apto a fazê-lo por si só.

Nestes casos, exige-se uma maior cautela por parte do magistrado, que deverá pessoalmente verificar a capacidade do idoso e nomeará a pessoa apta a exercer a curatela, sendo certo que deverá se atentas às escusas proibitórias do artigo 1.735 do Código Civil e exercerá o papel de fiscal da curatela que tenha determinado.

Assim, conclui-se que trata-se a ação de interdição de medida judicial de caráter excepcional que tem por finalidade a garantia dos direitos e necessidades do interditado, em expressa consonância com o texto legal.

Os entraves sociais, por sua vez, devem ser fortemente combatidos pela sociedade como um todo e, principalmente, pela mídia, que é o maior instrumento de informação da atualidade.

Desta feita, faz-se mister alcançar um patamar de conhecimento e consciência social que seria benéfico não apenas aos idosos, mas a toda sociedade brasileira.

6.     6. BIBLIOGRAFIA

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MARTINEZ, Wladimir Novaes. “Comentários ao Estatuto do Idoso”, 2ª ed. São Paulo: Editora LTR, 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. “Instituições de Direito Civil”, v. 1. 25ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2012.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Curso de Direito Processual Civil”, v. III, 44ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012.

VENOSA, Sílvio de Salvo. “Direito Civil”, v. 1. 13ª ed. São Paulo: Atlas. 2013.

 



[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. “Instituições de Direito Civil”, v. 1. 25ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2012, p. 221.

[2] DINIZ, Maria Helena. “Curso de Direito Civil Brasileiro”, V. 1. 29ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 168.

[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. “Direito Civil Brasileiro”, V. 1. 11ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, P. 96.

[4] GONÇALVES, Carlos Roberto. “Direito Civil Brasileiro”, V. 1. 11ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, P. 110.

[5] VENOSA, Sílvio de Salvo. “Direito Civil”, v. 1. 13ª ed. São Paulo: Atlas. 2013, p. 144.

[6] GONÇALVES, Carlos Roberto. “Direito Civil Brasileiro”, V. 1. 11ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, P. 119.

[7] NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. “Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante”, 11ª ed. São Paulo: Editora RT, 2010., p. 1331.

[8] RJTJESP 110/174, JTJ 164/111.

[9] THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Curso de Direito Processual Civil”, v. III, 44ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012, p. 406.

[10] THEODORO JÚNIOR, Humberto. “Curso de Direito Processual Civil”, v. III, 44ª ed., Rio de Janeiro: Editora Forense, 2012, p. 407.

[11] NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. “Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante”, 11ª ed. São Paulo: Editora RT, 2010, p. 1336.

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