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A Nova Dogmática Hermenêutica do Processo Civil Brasileiro Face ao Neoconstitucionalismo


Autoria:

Marcela Pereira Torres


Advogada, formada pela Faculdade Raimundo Marinho.

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Resumo:

O presente estudo refere-se à análise das transformações sofridas pela dogmática hermenêutica no processo civil brasileiro através do pensamento neoconstitucionalista.

Texto enviado ao JurisWay em 19/10/2013.

Última edição/atualização em 21/10/2013.



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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 9

2 HISTÓRICO................................................................................................. 11

3NEOCONSTITUCIONALISMO......................................................................... 14

3.1 Conceito...................................................................................... 14

3.2 Principais Características......................................................... 16

3.3 Críticas ao neoconstitucionalismo............................................ 19

4 HERMENÊUTICA JURÍDICA........................................................................... 22

4.1 Conceito....................................................................................... 22

4.2 Classificação da Interpretação da Norma Jurídica................. 22

4.2.1 Classificação quanto aos meios de interpretação...................... 22

4.2.1.1 Literal ou Gramatical............................................................. 22

4.2.1.2 Lógico..................................................................................... 22

4.2.1.3 Sistemático.............................................................................. 22

4.2.1.4 Histórico.................................................................................. 23

4.2.1.5 Teleológico ou Sociológico..................................................... 23

4.2.1.6 Comparativo............................................................................ 23

4.2.2 Classificação quanto ao resultado alcançado............................. 23

4.2.2.1 Declarativa.............................................................................. 23

4.2.2.2 Restritiva................................................................................. 23

4.2.2.3 Extensiva................................................................................. 23

4.2.2.4 Ab-rogante............................................................................... 23

4.3 Consequências do Neoconstitucionalismo para a Hermenêutica.......... 23

5 O PROCESSO CIVIL BRASILEIRO SOB A ÓTICA DO NEOCONSTITUCIONALISMO28

5.1 O Processo Civil Constitucional................................................................ 28

5.2 As Transformações Sofridas pelo Processo Civil Contemporâneo........ 30

5.3 O Projeto de Lei nº 8.046/2010.................................................................. 31

5.4 As Vantagens e as Desvantagens do Neoconstitucionalismo Aplicado ao Processo Civil Brasileiro         35

6 CONCLUSÃO.................................................................................................................. 40

REFERÊNCIAS................................................................................................................... 42


1 INTRODUÇÃO

Atualmente, o Direito tem enfrentado profundas transformações no cenário mundial. O ensinamento do positivismo jurídico de que a norma deve encaixar-se perfeitamente ao fato deixando ao juiz o papel puro e simples de aplicar a subsunção sem qualquer interpretação da norma já não é mais aceito. Este pensamento obsoleto não consegue acompanhar as rápidas mudanças e a grande demanda de imprevisões que ocorrem na sociedade.

No quadro da metodologia jurídica atual, há um reconhecimento de que o legislador não pode prever todos os fatos da vida. O neoconstitucionalismo propõe maior observância dos princípios, que podem ter regras mais amplas e, assim, abranger mais situações concretas. Para isso, exige-se um papel maior do juiz, que não mais tem a função limitada que propunha o positivismo, mas, o papel de extrair a norma do texto apresentado no momento da apreciação do caso concreto.

Assim, o texto legal entra em vigor ainda inacabado esperando que alguém o interprete, o que requer muito mais estudo e trabalho não só por parte do juiz, mas de advogados, doutrinadores e ministros dos tribunais superiores.

É de extrema necessidade, portanto, o estudo da hermenêutica jurídica para o processo civil brasileiro inserido no contexto do neoconstitucionalismo, a fim de observar a real eficácia, vantagens e desvantagens deste movimento, esperando orientar aos juízes a tomarem decisões mais justas, buscando-se não somente o que diz o texto legal, mas a melhor forma de interpretá-lo com o objetivo de se chegar a uma perfeita solução para o caso concreto à luz de um Direito mais justo. 

Assim, tem-se como principal objetivo deste estudo, a realização de uma análise crítica da hermenêutica jurídica na evolução do neoconstitucionalismo no processo civil brasileiro.

Inicialmente, no capítulo 2 deste estudo, far-se-á uma rápida análise histórica das formas de aplicação do Direito ao longo da evolução da sociedade desde a pré-história até os movimentos constitucionalista e positivista, presentes nos dias atuais.

No capítulo 3, será abordado o movimento neoconstitucionalista, um dos pontos chave desta pesquisa, analisando seu conceito, características e, por fim, fazendo uma análise crítica de seu cenário no Brasil no sentido de emitir uma opinião a respeito deste tema.

O capítulo 4 trata da hermenêutica jurídica em seu contexto histórico, principalmente, na sua caracterização segundo o neoconstitucionalismo. Observa-se, assim, os meios clássicos e os modernos de interpretação da norma jurídica.  

Enfim, no último capítulo será analisada a inserção do neoconstitucionalismo no processo civil, principalmente sob o enfoque hermenêutico, levantando suas consequências no cenário brasileiro, inclusive levando em consideração o novo Código de Processo Civil que se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados. Ainda serão levantados neste capítulo, os pontos positivos e os negativos desta inserção sob o ponto de vista da autora, além da análise final sobre o assunto. 

  

2 HISTÓRICO

O conflito é algo inerente à vida em sociedade. Sempre que dois ou mais indivíduos conviverem existirá o conflito. O que se tem alterado ao passar dos anos é a forma de discuti-lo e como se chegar a uma conclusão, ou seja, como solucioná-lo.

A solução de conflitos através da autocomposição – meio pelo qual as partes discutem o problema entre si chegando a um acordo no qual uma delas abre mão de sua pretensão ou ambas cedem em parte até chegarem a uma decisão – nem sempre é alcançada e, nos tempos mais remotos, quando não existiam leis positivadas, também inexistia o Estado solucionador de conflitos, assim, o meio utilizado para resolver as pretensões resistidas era o da autotutela.

A autotutela é o método pelo qual as partes buscam satisfazer seus interesses através da própria força. Por este método, não é difícil vislumbrar, que saía vencedor o mais forte ou o mais astuto o que nem sempre caracterizava o mais justo.

Nesse ambiente de injustiça e parcialidade que moldava o “Direito”, as pessoas sentiram a necessidade de julgamentos realizados de forma mais justa, surgindo assim, a figura dos árbitros, pessoas de confiança das partes e imparciais ao processo. Os árbitros eram geralmente sacerdotes ou anciãos por serem consideradas pessoas de vasta sabedoria e experiência. Pode-se afirmar, portanto, que a figura do juiz é mais antiga que a do legislador.

No início, os árbitros eram escolhidos pelas partes, somente mais tarde, entre os séculos II a.C. e II d.C. passaram a ser nomeados pelo Estado.

A Idade Média foi marcada pelo autoritarismo dos senhores feudais o que posteriormente, entre os séculos XVI e XVIII, caminhou para o período no qual ocorreu o fenômeno de centralização política conhecida como absolutismo. Este período teve como principal característica a concentração de poder, primeiramente nas mãos dos senhores feudais e posteriormente nas mãos do rei, que o exercia de forma indiscriminada.

Em 1748 Charles Montesquieu, em seu livro O Espírito das Leis, surge com uma ideia que se contrapõe à estrutura anterior. Segundo ele não era justo que uma só pessoa realizasse toda a função estatal, então, a partir de um trabalho desenvolvido por Aristóteles, desenvolveu a sua Teoria da Separação dos Poderes.

Para o Direito, a teoria de Montesquieu contribuiu consideravelmente para uma evolução, pois não era mais a pessoa que legislava a responsável por julgar, assim, o julgador passa a ficar restrito ao que foi produzido pelo legislador evitando julgamentos de forma indiscriminada e proporcionando maior segurança jurídica.

Chega-se, então, ao Positivismo Jurídico, que dominou o campo do Direito no século XIX.

O Positivismo Jurídico é oposto ao Direito Natural. Neste período (pode-se dizer que vigora até os dias atuais), quebrou-se o pensamento de que o juiz tem a incumbência de fixar a regra a ser aplicada e o Direito passa, então, a ser confeccionado exclusivamente no campo legislativo para poder ser aplicado ao caso concreto pelo juiz, ou como nas palavras de Bobbio (1995, p. 27):

Falamos do Juiz porque segundo as modificações de sua posição e de sua função social é que colhemos a passagem do direito não-estatal ao estatal e a passagem, ligada a esta, da concepção dualista do direito (direito natural, direito positivo) à monista (apenas direito positivo).

Neste contexto, o juiz passa a ser mero aplicador da Lei fazendo reproduções fiéis de seu texto não lhe deixando margem à criação de soluções ao caso concreto. Para Montesquieu, caso o juiz pudesse modificar regras estaria contrariando o princípio da separação dos poderes, pois estaria realizando uma função que não é sua e, ainda, estar-se-ia estabelecendo a presença de dois legisladores à situação, o próprio legislador e o juiz criador de normas.

É natural, portanto, que numa situação em que o Juiz não pode estabelecer regras ao caso concreto, a matéria legislativa deve ser ampla, dispondo de toda e qualquer situação que se possa verificar. Assim, passa a existir uma complexa doutrina sobre leis e costumes (secundum legem e praeter legem; o contra legem não é admitido) e é criada a Teoria do Ordenamento Jurídico na qual se passa a considerar o conjunto de normas jurídicas vigentes e não apenas normas isoladas. Sustenta-se também, a ideia de que existe uma completude no ordenamento jurídico, assim, o papel do juiz é apenas o de verificar quais normas devem ser aplicadas ao caso e realizar a subsunção do fato a elas.

Para a doutrina positivista, somente a lei realizada de forma abstrata e genérica introduzindo normas ao ordenamento jurídico é capaz de ser imparcial e produzir a verdadeira igualdade entre as pessoas.

É assim que se fundamenta a Escola Exegese, constituída na França, percussora do Positivismo Filosófico que, ao mesmo tempo do Positivismo Jurídico, foi disseminada pela Europa e, muitas vezes até confundida com este pelas ideias semelhantes. Para a Escola Exegese, a codificação das situações jurídicas deve ser realizada de forma que não deixe margem às lacunas e, no caso de havê-las, devem ser resolvidas através da analogia, ou seja, buscando o ordenamento jurídico vigente. Quanto à hermenêutica, a escola ensina que, ao interpretar uma lei, deve o intérprete buscar a vontade do legislador posto que é o autor da lei.

Junto com o positivismo, filosófico e jurídico, surgiu também o movimento constitucionalista e o império dos Direitos Fundamentais. Entendeu-se que deveria haver uma ordem maior, ou ordem fundamental, que estabelecesse, além dos Direitos Fundamentais, os limites de atuação do Estado perante os cidadãos, bem como as regras e os princípios que norteariam as demais leis.

Vê-se bem o cenário constitucionalista nas palavras de Moraes (2012, p. 1):

A origem do constitucionalismo está ligada às constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, em 1787, após a independência das 13 colônias, e da França, em 1791, a partir da revolução francesa, apresentando dois traços marcantes: organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio da previsão de direitos e garantias fundamentais.  

Atualmente, no entanto, os juristas e doutrinadores perceberam que os ideais de justiça ainda não foram alcançados pela doutrina positivista e constitucionalista seja pela limitação das leis à atuação do juiz, seja pela complexidade de situações que podem ser levadas ao judiciário, ou até mesmo pela evolução das relações sociais. Estabeleceu-se, assim, um novo movimento a ser analisado, o Neoconstitucionalismo.

  

3      NEOCONSTITUCIONALISMO

Alguns doutrinadores do Direito Constitucional, entre eles Moraes (2012, p. 1-6), dividem o constitucionalismo em dois períodos: um constitucionalismo clássico, que inicia no século XVIII com a constituição dos Estados Unidos perdurando até 1918; e um constitucionalismo moderno instituído a partir da constituição de Weimar em 1919 e que perduraria até os dias atuais. Este último como sendo marcado pela constituição de uma democracia liberal e do Estado Social de Direito.

Há, porém, uma forte tendência a acreditar que o período posterior à 2ᵃ Guerra mundial é marcado por uma grande revolução no Direito Constitucional iniciando o que por muitos é chamado Neoconstitucionalismo, cujo conceito será apreciado no próximo item.

Segundo Barroso (2007, p.3), o principal marco deste período é a Lei Fundamental de Bonn (constituição alemã de 1949), seguida pela constituição da Itália (1947), de Portugal (1976), e da Espanha (1978). No Brasil, seus efeitos foram inseridos somente na atual constituição.

3.1 Conceito

No mundo pós-moderno, o modelo de direito previsto pelo positivismo jurídico já não pode mais ser aceito, parte porque não se pode considerar a sociedade como algo previsível e estático, ou porque não há como o legislador conseguir prever toda situação que se possa existir.

Teve-se que reconhecer que a quantidade de transformações e a velocidade em que elas ocorrem não podem ser acompanhadas por um Direito baseado na lei sem margem para ultrapassar seus limites. Os avanços tecnológicos e a velocidade com que as informações circulam remetem-nos a imprevisões e incertezas que precisam ser contornadas.

Além disso, o Direito teve que se moldar a um mundo globalizado no qual as relações pessoais, empresarias e políticas ultrapassam as fronteiras geopolíticas de seus Estados levando a relações cada vez mais complexas em um curto espaço temporal.

Tudo isso revelou que o Direito precisava ser repensado sofrendo profundas transformações na maneira como é produzido e aplicado. É o que se pode perceber nas características apresentadas no tópico seguinte – características estas, totalmente distintas das defendidas pelo positivismo – e nos dizeres de Barroso (2007, p. 18-19):

Nos Estados de democratização mais tardia, como Portugal, Espanha e, sobretudo, o Brasil, a constitucionalização do Direito é um processo mais recente, embora muito intenso. Verificou-se, entre nós, o mesmo movimento translativo ocorrido inicialmente na Alemanha e em seguida na Itália: a passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico. A partir de 1988, e mais notadamente nos últimos cinco ou dez anos, a Constituição passou a desfrutar já não apenas da supremacia formal que sempre teve, mas também de uma supremacia material, axiológica, potencializada pela abertura do sistema jurídico e pela normatividade de seus princípios. Com grande ímpeto, exibindo força normativa sem precedente, a Constituição ingressou na paisagem jurídica do país e no discurso dos operadores jurídicos.

É a esta nova fase do Direito que se dá o nome de neoconstitucionalismo. A nomenclatura é bastante controversa como se pode perceber no que Didier (2011, p.29-30) diz a respeito:

A essa atual fase do pensamento jurídico deu-se o nome de neoconstitucionalismo. A designação não é das melhores, em razão da vagueza, mas indiscutivelmente tem apelo, razão pela qual se tem difundido com muita facilidade, principalmente, nos países latinos. Há quem denomine esta fase de ‘pós-positivismo’, o que também não quer dizer muita coisa, a não ser o fato de que é um estágio posterior ao ‘positivismo’ característico da segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX. Talvez fosse mais adequado referir a um ‘positivismo jurídico reconstituído’ ou ‘neopositivismo’.

Apesar de plausíveis as palavras do autor, utiliza-se, neste trabalho, o termo neoconstitucionalismo pelo fato de ter sido o mais difundido e de ser amplamente conhecido pela doutrina nestes termos.

Classifica-se este momento como uma passagem do Estado de Direito para o Estado Constitucional de Direito no qual as Constituições devem ser escritas e rígidas prevendo e protegendo os Direitos Fundamentais do indivíduo e da coletividade.

Assim, entende-se que o neoconstitucionalismo é um marco no Direito pós-moderno no qual se reconhece a Constituição como centro do sistema jurídico e do qual se desenvolvem os ramos do direito que passam ter normas mais abertas e que deverão ser entendidas a partir das normas e dos princípios constitucionais.

É, portanto, o modelo que vem a romper com o positivismo jurídico, buscando acompanhar as transformações do mundo globalizado, efetivar a proteção dos direitos fundamentais e propor um ideal no qual se busca a concretização da justiça.

Para finalizar a conceituação, faz-se importante também a definição de neopositivismo.

Assim como o positivismo jurídico caminhou junto do positivismo filosófico tendo sido este o grande marco filosófico daquele, o neoconstitucionalismo vem acompanhado do neopositivismo, corrente filosófica que marca o neoconstitucionalismo e supera os modelos jusnaturalistas e positivistas.

Neste sentido, quando se falar no item seguinte a respeito das características do neoconstitucionalismo, estar-se-á reportando ao pensamento neopositivista, pois é este quem define as características daquele.

3.2 Principais Características

Ao definir as características do neoconstitucionalismo e suas influências para o direito, a doutrina é bastante convergente levando a perceber que são muito bem demarcadas e reconhecidas. Fazendo uma análise genérica, Barroso (2007, p. 5) cita três grandes marcos do movimento:

No plano teórico, três grandes transformações subverteram o conhecimento convencional relativamente à aplicação do direito constitucional: a) o reconhecimento de força normativa à Constituição; b) a expansão da jurisdição constitucional; c) o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.

Cambi (2009, p. 37-38), citando Norberto Bobbio, também enumera características para o período atual:

A nova era de direitos é marcada pelas seguintes características: i) aumentaram os bens merecedores de tutela (as meras liberdades negativas, de religião, opinião, imprensa etc. deram lugar aos direitos sociais e econômicos, a exigir uma intervenção positiva do Estado); ii) surgiram outros sujeitos de direitos, além do indivíduo (singular), como a família, as minorias étnicas e religiosas e toda a humanidade em seu conjunto; iii) o próprio homem deixou de ser considerado em abstrato, para ser visto na concretude das relações sociais, com base em diferentes critérios de diferenciação (sexo, idade, condições físicas etc.), passando a ser tratado como homem, mulher, homossexual, criança, idoso, deficiente físico, consumidor etc.

Cambi (p. 78) ainda expõe as características do neopositivismo que, como grande marco filosófico do neoconstitucionalismo, não pode ser ignorado, são elas:

Vários fatores contribuíram para que, na segunda metade do século XX, a constituição passasse a ocupar o marco filosófico da compreensão do direito. Dentre eles, destacam-se: i) o declínio da Escola da Exegese e a nova hermenêutica jurídica (filtragem constitucional); ii) a força normativa da Constituição, que deixa de ser mera carta de intenções políticas, passando a vincular juridicamente os detentores do poder; iii) a natureza contratual do Estado, que, desde o Iluminismo, não pode ser considerado um fato natural, o que implica a noção de que o Direito é produto da razão e, consequentemente, não emana de Deus (separação entre o Estado da Igreja).

Diante das explanações feitas acima, pode-se deduzir outras características apontadas pela doutrina que advêm das já citadas.

A primeira delas está no fato de que as Constituições ocuparam o lugar dos Códigos – Cambi (p. 57), citando Natalino Irti, denomina de a Era da Descodificação o período atual – não mais prevalece o Princípio da Supremacia da Lei e toda a legislação infraconstitucional deve ser conformada com a Constituição, lei fundamental.

Ainda nesta linha, surge uma grande valoração dos princípios que passaram a ter excepcional importância no ordenamento jurídico configurando normas jurídicas a serem respeitadas e não apenas intenções norteadoras na elaboração legislativa como já fora um dia.

Neste sentido, Marinoni (2008, p. 47) chega a uma conclusão bastante plausível:

Se a lei passa a se subordinar aos princípios constitucionais de justiça e aos direitos fundamentais, a tarefa da doutrina deixa de ser a de simplesmente descrever a lei. Cabe agora ao jurista, seja qual for a área de sua especialidade, em primeiro lugar compreender a lei à luz dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais.

Outro grande e relevante ponto a ser identificado encontra-se no fato do reconhecimento de que o legislador não é capaz de prever todos os fatos da vida, bem como as novas relações jurídicas derivadas da evolução tecnológica e social. Sempre vão existir discussões ou situações não previstas na legislação vigente. Também podem ocorrer casos nos quais as situações concretas podem revelar que uma determinada lei, ao ser aplicada, pode ser ineficiente ou mesmo injusta.

É através deste reconhecimento que impera a importância dos princípios como norma jurídica e que faz surgir a denominada cláusula geral, textos normativos abertos, compostos por termos vagos, que se abrem a diversos tipos de interpretação e aplicação prática. Didier (2011, p. 39) exemplifica as cláusulas gerais relacionadas ao Processo civil. Para ele, a principal se traduz no devido processo legal, não se olvidando do poder geral de cautela (art. 798 do CPC); o abuso do direito do exequente (art. 620 do CPC); a boa-fé processual (art. 14, II, do CPC); entres outras que o autor enumera.

A partir da existência das cláusulas gerais no ordenamento jurídico, ficou difícil o emprego do método da subsunção na atividade jurisdicional e o juiz começa a atuar não mais como mero aplicador da lei, mas como um solucionador de conflitos diante de casos concretos. Vê-se bem o fato na passagem transcrita de Didier (2011, p. 37):

O método da subsunção do fato ao enunciado normativo, próprio e útil para os casos de textos normativos típicos e fechados, revela-se insuficiente para a aplicação de cláusulas gerais. As cláusulas gerais exigem concretização em vez de subsunção. ‘Na apreciação do caso concreto, o juiz não tem apenas de generalizar o caso; tem também de individualizar até certo ponto o critério; e precisamente por isso, a sua actividade não se esgota na subsunção. Quanto mais complexos são os aspectos peculiares do caso a decidir, tanto mais fácil e mais livre se torna a actividade do juiz, tanto mais se afasta da aparência da mera subsunção’.

Neste contexto, o direito passa a ser produzido não apenas na esfera legislativa, ele sai do âmbito de sua criação necessitando de complemento, que será realizado pelo juiz no caso concreto buscando dar maior efetividade na solução dos conflitos que, de forma individualizada, tenta proporcionar uma solução mais justa.

Importante observar que, enquanto as regras são aplicadas mediante o processo de subsunção, os princípios o são pela ponderação, assim, quando ocorre um conflito de regras uma elimina a outra, enquanto que um princípio não elimina o outro, eles sempre vão coexistir e, quando confrontados, há que se ponderar buscando um equilíbrio entre eles e um melhor resultado no caso concreto, havendo, assim, mais uma forma de se construir o direito a posteriori.

Outra importante característica é a crítica ao formalismo excessivo. Atualmente, busca-se privilegiar o conteúdo em detrimento à forma, assim, o direito torna-se mais acessível e menos burocrático.

A globalização também é um fator de influência para este período. Suas consequências para o direito se deu na aproximação entre os modelos jurídicos do civil law e do common law. O primeiro modelo foi introduzido pelos países de origem romano-germânicos e baseia-se na lei para compor o direito; o segundo, oriundo dos países de origem inglesa, baseia-se na jurisprudência. O Brasil tem uma grande influência do civil law, mas devido a aproximação desses dois modelos percebe-se um avanço importante da jurisprudência no nosso sistema, como se verá em capítulo posterior.  

Por último, tem-se a característica que fundamenta esta pesquisa. Como já explicitado acima, houve também uma modificação na dogmática hermenêutica no neoconstitucionalismo. Modificação natural para acompanhar as transformações de um ambiente de formulações abertas e principiológicas.

Na lição de Didier (2011, p. 28-29):

Transformação da hermenêutica jurídica, com o reconhecimento do papel criativo e normativo da atividade jurisdicional: a função jurisdicional passa a ser encarada como uma função essencial ao desenvolvimento do direito, seja pela estipulação da norma jurídica do caso concreto, seja pela interpretação dos textos normativos, definindo-se a norma geral que deles deve ser extraída e que deve ser aplicada a casos semelhantes. Estabelece-se, ainda, a distinção teórica entre texto e norma, sendo essa o produto da interpretação daquela. Consagram as máximas [...] da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação das normas. Identifica-se o método da concretização dos textos normativos, que passa a conviver com o método da subsunção. Expande-se, ainda, a técnica legislativa das cláusulas gerais, que exigem do órgão jurisdicional um papel ainda mais ativo na criação do direito.

Assim, se para o positivismo o juiz era mero aplicador da lei buscando sempre a vontade do legislador e sem margens para interpretação do caso e da legislação, ele hoje tem um papel muito mais amplo. A busca a ser realizada não é mais pela vontade do legislador, é pela conformação com a Constituição e seus princípios, é também formular melhores saídas para os termos vagos. Tem o juiz, portanto, uma participação muito maior na construção do direito como se vê nas palavras de Cambi (2009, p. 108):

Em razão da imprecisão da linguagem, a norma não é dada, mas construída no caso concreto. O direito é a correspondência ou a ponte de ligação entre o dever (decorrente de comandos gerais e abstratos, presentes nas regras e nos princípios) e o ser (consistente nas situações fáticas que compõem o caso concreto). Trata-se, pois, de fenômeno relacional, no qual o ato hermenêutico implica a compreensão (jurídica e fática) do dever e do ser. Enfim, ser e dever-ser representam, respectivamente, os juízos fáticos e de valor, utilizados pelo sujeito cognoscente para a compreensão da realidade.

Rossi (2008, p. 3807-3808) traça uma interessante linha entre os últimos grandes movimentos do Direito, levando a entender que a expressão hermenêutica deste período está fortemente ligada à moral e à argumentação que aproxima o Direito à moral:

O constitucionalismo tradicional caracterizou-se por ser eminentemente normativo. O constitucionalismo contemporâneo estabelece a recepção, no ordenamento jurídico, da moral, especialmente sob a forma de direitos fundamentais. O neoconstitucionalismo quer promover o reencontro do Direito com os valores, rematerializando-o. A técnica subsuntiva, própria do positivismo tradicional que separa hermeticamente o Direito da Moral, torna-se, cada vez mais, insuficiente para dar solução a gama complexa de questões que surgem no horizonte. O conflito entre princípios, especialmente na seara dos direitos fundamentais, exige uma nova técnica de solução, a ponderação de valores, o juízo argumentativo desta ponderação.

Enfim, são estes os principais pontos de modificação da hermenêutica jurídica que definem características do Neoconstitucionalismo, maiores detalhes sobre hermenêutica será apreciado em capítulo próprio.

3.3  Críticas ao neoconstitucionalismo

Após a explanação acima acerca do neoconstitucionalismo, necessário se faz uma análise crítica de suas consequências, baseada na pesquisa realizada. 

Inicialmente, cumpre analisar a questão da descodificação, isto é, a supervalorização dos princípios em detrimento das regras. Claro se faz que os princípios adaptam-se melhor à situação pós-moderna de rápidas mudanças e questões imprevisíveis, eles são mais abrangentes e se adéquam a diferentes situações.

Porém, é importante frisar que as regras também possuem sua importância no ordenamento jurídico.

Enquanto um ordenamento composto por muitas regras torna-se rígido e algumas vezes até injusto, o composto por muitos princípios e poucas regras não promove tanta segurança jurídica. Um princípio pode gerar uma infinidade de entendimentos e na situação concreta, muitas vezes, torna-se complicado para a população conhecer a que tem direito.

Ademais, existem as cláusulas gerais que possuem o mesmo problema, o que é considerado má-fé para uns pode ser totalmente aceitável para outros, o que tende a transformar-se em algo confuso na prática.

Há, então, que manter um equilíbrio entre as normas-princípios e as normas-regras com muita cautela para não criar um caos de decisões jurídicas desencontradas, tampouco, decisões arcaicas, imutáveis por um sistema rígido.

Em outro ponto, tem-se que reconhecer que o juiz é um ser passível de erros. Permitir que o juiz decida diante do caso concreto para proferir uma sentença justa nem sempre é garantia de êxito.

Ademais, sempre vai existir o preconceito e a pressão da mídia e de classes, muito comuns na área penal, mas que também existem na área cível e podem influenciar na decisão a ser proferida prejudicando sua imparcialidade.

Muitos autores criticam ainda o fato dos juízes não serem eleitos e, por isso, não poderiam criar normas, pois não representam a opinião do povo indo de encontro à democracia. Em teoria, é um pensamento louvável, porém, há que se perceber que nem sempre o representante do povo traduz a sua vontade.

Na prática, o legislador também sofre pressões de grupos (os lobbies), que nem sempre possuem ideia majoritária, mas possuem influência suficiente para conduzir a elaboração de uma lei. Ainda tem que se considerar que o legislador possui interesses próprios entre eles o de se manter no cargo, o que muitas vezes o vincula aos interesses do grupo que deu o suporte financeiro para sua eleição.

Outrossim, o juiz, em regra, não cria uma norma geral e abstrata como o faz o legislador. A sentença (ou acórdão) é proferida somente naquele caso, não vinculando outros. Portanto, não se pode afirmar que o juiz esteja usurpando um papel que seria do legislador eleito pelo povo para criar leis.

Há, porém, que se observar o caso dos tribunais superiores no Brasil. Seus ministros são nomeados pelo chefe do executivo através de critérios nos quais alguns são específicos, mas outros totalmente vagos, quais sejam, o “notável saber jurídico” e a “reputação ilibada”. É incontestável que na prática o ministro escolhido é aliado de quem o escolheu ou, ao menos lhe deve este “favor” (salvo exceções).

Os casos julgados pelos tribunais superiores, quando pacificados, transformam-se em jurisprudências, súmulas e, no caso do STF, súmulas vinculantes. Portanto, são, muitas vezes, observados pelos juízes de instâncias inferiores – ou no caso das súmulas vinculantes a observação é obrigatória – o que acaba culminando em regras criadas pelo judiciário que não abarcam somente o caso concreto originalmente questionado.

Não podemos olvidar ainda que há decisões jurisdicionais que vão além da lei ou até mesmo contra a lei, situação em que o judiciário deturpa a interpretação legal em favor de interesses próprios ou de aliados. Tais decisões, muitas vezes se tornam jurisprudências, súmulas, ou súmulas vinculantes.

No pior dos casos, são encontradas decisões contra princípios constitucionais (o que, para o neoconstitucionalismo, é inaceitável). Pode-se citar como exemplo a famosa súmula 381 do STJ que determina que “nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”, ora, porque apenas nos contratos bancários se o próprio STJ na súmula 297 afirmou ser o Código de Defesa do Consumidor aplicável às instituições financeiras? Vê-se que a súmula é totalmente contra legem[1]e fere o princípio constitucional da isonomia.

Portanto, o que se vê, na prática, é uma grave interferência do poder executivo no poder judiciário, do poder judiciário no poder legislativo e em classes privadas em todos eles contrariando a independência dos poderes prevista na Constituição de 1988.

É mister reconhecer que o problema não está nos ideais neoconstitucionalistas, mas nas pessoas que o deturpam em favor de seus interesses.

Por fim, questiona-se se todo o discurso constitucionalista e neoconstitucionalista tem encontrado resultado no Brasil. Não é difícil perceber que nossa constituição é totalmente simbólica não refletindo a realidade e constituída por várias normas não respeitadas.

É o caso do art. 3ᵒ, III, que determina a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais; do art. 6ᵒ que dispõe sobre os direitos sociais e de muitos outros que não passam de mero texto sem aplicação prática.

Isso mostra que, apesar de ter avançado bastante no campo do Direito ainda não se alcançou o sistema ideal.

  

4 HERMENÊUTICA JURÍDICA

4.1 Conceito

O termo “hermenêutica” vem do grego “hermeneuein” e significa “exprimir”, “afirmar” ou “dizer”. Segundo a mitologia grega, Hermes era um deus mensageiro encarregado de transmitir a mensagem do Olimpo ao ser humano, a ele foi atribuída a invenção da linguagem e da escrita, foi a partir de Hermes que surgiu o conceito de hermenêutica.

Os primeiros estudiosos da hermenêutica foram os eclesiásticos da igreja católica medieval. Como a maior parte da população não compreendia os textos das escrituras sagradas, cabia a eles entender seu conteúdo (dentro do dogma da religião) e explicá-lo.

Atualmente, a hermenêutica invadiu outros ramos do conhecimento e tem como espeque cuidar das técnicas e dos métodos de interpretação da linguagem, mais precisamente, far-se-á no presente capítulo o estudo da hermenêutica jurídica, instrumento que auxilia na interpretação das normas jurídicas buscando seus sentidos e alcance.

4.2  Classificação da Interpretação da Norma Jurídica

A classificação da interpretação da norma jurídica é realizada sob dois aspectos: o primeiro firma-se no momento da interpretação, que serão chamados de classificação quanto aos meios de interpretação; e o segundo consiste no resultado obtido através da interpretação o qual será denominado classificação quanto ao resultado alcançado.

4.2.1        Classificação quanto aos meios de interpretação

Quantos aos meios de interpretação, o texto jurídico pode ser interpretado das seguintes maneiras:

4.2.1.1  Literal ou Gramatical

É o método de interpretação que se baseia nas regras de linguística. Considera-se, por este método, o significado literal das palavras que formam os textos das normas.

4.2.1.2 Lógico

É o meio que se utiliza do raciocínio lógico para interpretar um texto.

4.2.1.3 Sistemático

É aquele que analisa a norma jurídica de acordo com o contexto que ela está inserida, isto é, o capítulo ou o título da lei em que se encontra, ou até mesmo a própria lei em que está inserida.

 

4.2.1.4 Histórico

Analisa os fatos históricos que antecederam a norma, as causas que a determinaram, bem como o processo legislativo, a proposta, os vetos realizados, as emendas, entre outros fatos.

4.2.1.5 Teleológico ou Sociológico

É o método que busca a finalidade social da norma.

4.2.1.6 Comparativo

Procura no ordenamento jurídico estrangeiro subsídios para interpretar normas locais.

4.2.2        Classificação quanto ao resultado alcançado

A interpretação da norma jurídica pode alcançar os seguintes resultados:

4.2.2.1 Declarativa

Atribui à norma um significado literal de sua expressão.

4.2.2.2 Restritiva

Ocorre quando o legislador foi além do que era pretendido cabendo ao intérprete limitar a aplicação da norma.

4.2.2.3 Extensiva

Ocorre quando o legislador expressou menos do que se pretendia cabendo ao intérprete ampliar a aplicação da norma.

4.2.2.4 Ab-rogante

O intérprete verifica que a norma conflita com outra norma ou com um princípio e opta por não aplicá-la.

4.3              Consequências do Neoconstitucionalismo para a Hermenêutica

O neoconstitucionalismo acarretou profundas mudanças na hermenêutica jurídica e, sem dúvidas, a mais fundamental delas é a que determina que toda norma precisa ser interpretada.

Para isso, foi reconhecida uma distinção entre o texto e a norma. O texto, por mais simples que seja, necessita ser interpretado para que haja a extração da norma, que nada mais é do que o fruto da interpretação do texto (informação verbal).1

Assim, todo texto necessita passar por um processo hermenêutico para que a norma seja revelada.

Uma importante observação do pensamento atual quanto a este aspecto trata da quebra com a teoria positivista segundo a qual o juiz era mero aplicador da lei como se pode ver na passagem de Bobbio (1995, p.133):

[...] O positivismo jurídico sustenta a teoria da interpretação mecanicista, que na atividade do jurista faz prevalecer o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo do direito (empregando uma imagem moderna, poderíamos dizer que o juspositivismo considera o jurista uma espécie de robô ou de calculadora eletrônica).

Concordando com este autor, Cambi (2010, p.122) também manifesta esse pensamento:

Por isso, não se pode reduzir a sentença a um mero silogismo jurídico. A sentença não é produto mecânico resultante de atos prévios puramente lógicos. Caso se pudesse suprimir os aspectos subjetivos da decisão, bastaria, com melhores resultados e menores custos, substituir os juízes por computadores. Há motivos, não exclusivamente racionais, que influem no convencimento judicial [...]. Isto não significa que a metodologia racionalista não é adequada. Não se pode negar que ela trouxe um avanço irreversível ao aprofundamento da consciência científica moderna. Quando se critica essa metodologia racionalista não se está se opondo a ela por ser racionalista, mas tão só demonstrando que, tal como ficou evidenciado pela experiência positivista, é insuficiente para dar conta do fenômeno jurídico.

Percebe-se, portanto, essa quebra da postura puramente mecanicista do jurista sob o reconhecimento de que o direito não é uma ciência exata. Aplicar o método da subsunção para todo e qualquer caso pode levar a decisões injustas, por isso, ao juiz agora é dado o poder de receber o texto editado pelo legislador, interpretar seu conteúdo e o aplicar da maneira que melhor atenda ao caso, procurando observar os preceitos de justiça e a preservação dos direitos fundamentais.

Exemplificando a ideia acima, junta-se um acórdão, publicado em 23 de abril de 2012, proferido pelo STJ, no REsp nᵒ 950663/SC:

PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. EXECUÇÃO. LEI 8.009/90. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA. DEVEDOR NÃO RESIDENTE EM VIRTUDE DE USUFRUTO VITALÍCIO DO IMÓVEL EM BENEFÍCIO DE SUA GENITORA. DIREITO À MORADIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ESTATUTO DO IDOSO. IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL.

1. A Lei 8.009/1990 institui a impenhorabilidade do bem de família como um dos instrumentos de tutela do direito constitucional fundamental à moradia e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para vida digna, sendo certo que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui-se em um dos baluartes da República Federativa do Brasil (art.  da CF/1988), razão pela qual deve nortear a exegese das normas jurídicas, mormente aquelas relacionadas a direito fundamental.

2. A Carta Política, no capítulo VII, intitulado "Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso", preconizou especial proteção ao idoso, incumbindo desse mister a sociedade, o Estado e a própria família, o que foi regulamentado pela Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que consagra ao idoso a condição de sujeito de todos os direitos fundamentais, conferindo-lhe expectativa de moradia digna no seio da família natural, e situando o idoso, por conseguinte, como parte integrante dessa família.

3. O caso sob análise encarta a peculiaridade de a genitora do proprietário residir no imóvel, na condição de usufrutuária vitalícia, e aquele, por tal razão, habita com sua família imóvel alugado. Forçoso concluir, então, que a Constituição Federal alçou o direito à moradia à condição de desdobramento da própria dignidade humana, razão pela qual, quer por considerar que a genitora do recorrido é membro dessa entidade familiar, quer por vislumbrar que o amparo à mãe idosa é razão mais do que suficiente para justificar o fato de que o nu-proprietário habita imóvel alugado com sua família direta, ressoa estreme de dúvidas que o seu único bem imóvel faz jus à proteção conferida pela Lei 8.009/1990.  Ademais, no caso ora sob análise, o Tribunal de origem, com ampla cognição fático-probatória, entendeu pela impenhorabilidade do bem litigioso, consignando a inexistência de propriedade sobre outros imóveis. Infirmar tal decisão implicaria o revolvimento de fatos e provas, o que é defeso a esta Corte ante o teor da Súmula 7 do STJ.5. Recurso especial não provido.

O referido acórdão exemplifica bem a questão da interpretação de normas segundo os princípios e as regras constitucionais, neste caso, o princípio da dignidade da pessoa humana e a regra que determina a proteção dos pais idosos pelos filhos.

Veja-se, ainda, a transcrição de um trecho do voto proferido pelo Ministro Eros Grau, em 2008, no julgamento do REsp nᵒ 32.507/AL como em segundo exemplo:

A interpretação do direito não se resume a mero exercício de leitura. Fosse assim, bastaria a alfabetização para que todos pudessem exercer qualquer atividade jurídica, inclusive as que são próprias ao Poder Judiciário. A interpretação do direito, como observei em outra oportunidade, tem caráter constitutivo --- não meramente declaratório, pois --- e consiste na produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e dos fatos atinentes a um determinado caso, de normas jurídicas a serem ponderadas para a solução desse caso, mediante a definição de uma norma de decisão. Interpretar/aplicar é dar concreção [= concretizar] ao direito. Neste sentido, a interpretação/aplicação opera a inserção do direito na realidade; opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos, ainda: opera a sua inserção na vida.

No caso em tela, analisava-se se era possível um prefeito que já havia exercido dois mandatos em uma cidade se eleger em outra cidade exercendo um “terceiro mandato”. A questão levou os ministros do TSE não só a analisar o texto constitucional de forma literal, mas interpretar o caso concreto observando que o referido prefeito pretendia fraudar a vontade constitucional de proibir a perpetuação de determinada pessoa neste tipo de cargo. Assim, deu ao texto constitucional uma interpretação extensiva, recusando o pedido do candidato.

Nestes termos, a função jurisdicional deixa de produzir normas meramente declarativas e passa também a produzir normas restritivas e extensivas com maior grau de liberdade.

O modelo lógico do silogismo jurídico no qual se observa uma premissa maior (hipótese normativa), uma premissa menor (fatos jurídicos que se subsumem à norma) e uma conclusão resultante da aplicação dos fatos àquela norma vem sendo muito criticado. Neste modelo de argumentação, pode-se facilmente chegar a argumentos corretos partindo-se de premissas falsas (sofismas).

Assim, nem sempre é interessante que a norma (premissa maior) venha antes do fato (premissa menor), a inversão dessa ordem – construção da norma após a ocorrência do fato – pode, muitas vezes, propor melhor solução para o caso concreto.

É nesse aspecto que se percebe outra grande influência neoconstitucionalista. A interpretação dada pelo jurista na construção da norma em juízo deverá ser aquela que melhor se adéque aos princípios constitucionais e não mais à vontade do legislador.

Um exemplo disso pode ser observado na mudança de visão quanto à solução de lacunas no ordenamento jurídico.

O atual código de processo civil brasileiro, em seu art.126, com redação dada pela lei 5.925 editada em 1973, determina que, em havendo lacuna ou obscuridade na lei, o juiz deve socorrer-se à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito. Essa determinação legal já era observada na lei de introdução às normas do direito brasileiro no art. 4ᵒ, editada em 1942.

Observa-se que era dada uma maior importância à analogia e, até mesmo, aos costumes, deixando os princípios para último caso (característica do positivismo jurídico definida anteriormente).

A tendência neoconstitucionalista, entretanto, eleva os princípios a um patamar maior. Há muito a doutrina vem discutindo essa ordem de preferência que atualmente vigora e a mudança de pensamento veio a influenciar na redação do art. 119 do projeto de lei que tem por objetivo a reforma do código de processo civil.

Neste projeto, que, até o atual momento, encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados, percebe-se a inversão de valores e a total influência neoconstitucionalista, como se pode ver:

Art. 119. O juiz não se exime de decidir alegando lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico, cabendo-lhe, no julgamento, aplicar os princípios constitucionais, as regras legais e os princípios gerais de direito, e, se for o caso, valer-se da analogia e dos costumes.

Nota-se, portanto, o grande valor atribuído aos princípios constitucionais que deixa de ser fonte secundária do processo civil e passa a ser verdadeira fonte primária. Nas leis anteriores à constituição de 1988 sequer se falava em princípios constitucionais, já agora, estes aparecem à frente de qualquer outra fonte.

Acredita-se, portanto, que pelo fato do novo Código de Processo Civil vir a ser uma lei posterior à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, deverá prevalecer sobre esta, revogando seu art. 4º. Na verdade, será uma revogação formal do referido artigo haja vista que o mesmo já vem sendo alvo de debates e, muitas vezes, já não vem mais sendo aplicado exatamente na sequência prevista.

A atribuição de valor aos princípios constitucionais possui grande influência na prática do processo civil como se percebe na afirmação de Didier (2011, p. 41) transcrita abaixo:

Encaradas as normas constitucionais processuais como garantidoras de verdadeiros direitos fundamentais processuais, e tendo em vista a dimensão objetiva já mencionada, tiram-se as seguintes consequências: a) o magistrado deve interpretar esses direitos como se interpretam os direitos fundamentais, ou seja, de modo a dar-lhes o máximo de eficácia; b) o magistrado poderá afastar, aplicando o princípio da proporcionalidade, qualquer regra que se coloque como obstáculo irrazoável/desproporcional à efetivação de todo direito fundamental; c) o magistrado deve levar em consideração, ‘na realização de um direito fundamental, eventuais restrições a este impostas pelo respeito a outros direitos fundamentais’.

Outro ponto a ser apreciado se perfaz na gama de textos normativos abertos atualmente inseridos no ordenamento jurídico. A cláusula geral requer muito mais da hermenêutica jurídica no sentido de que a interpretação desses textos deve ser realizada buscando ajustá-los aos princípios constitucionais e, até mesmo, ao subjetivismo do intérprete.

Há que se considerar, entretanto, que o juiz-intérprete está sujeito a interferências socioculturais e preconcepções que podem interferir em suas decisões não o permitindo julgar sem inserir um valor pessoal, além disso, o discurso mais eloquente do advogado de uma das partes pode convencê-lo com fatos que não estejam conforme o Direito. É neste ponto que é importante o condicionamento da interpretação aos direitos fundamentais que se perfazem como verdadeiros limites ao subjetivismo do intérprete.

 

5 O PROCESSO CIVIL BRASILEIRO SOB A ÓTICA DO NEOCONSTITUCIONALISMO

5.1 O Processo Civil Constitucional

O Processo Civil Constitucional ou Direito Constitucional Processual consiste na aproximação entre o Direito Processual Civil e o Direito Constitucional como decorrência do neoconstitucionalismo.

É certo que a jurisdição é exercida pelo processo, mas, hodiernamente, verifica-se que nem todo processo é legítimo, mas somente aquele que segue o preceito constitucional do devido processo legal.

A força normativa da constituição, que traz em seu texto normas processuais, estabelece conteúdo de obediência obrigatória nas relações processuais, bem como a aplicação das normas processuais à luz dos princípios constitucionais, principalmente no que diz respeito aos direitos fundamentais.

Os exemplos de normas processuais inseridas na Constituição de 1988 são inúmeros, eis algumas delas: Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional (art. 5ᵒ, XXXV); Direito Fundamental ao Juiz Natural (art. 5ᵒ, XXXVII e LIII); Direito ao Contraditório e à Ampla Defesa (art. 5ᵒ, LV); Princípio da Celeridade Processual (art. 5ᵒ, LXXVIII); entre outros.

A importância das normas constitucionais é tanta que, se houver mais de uma forma de interpretação que possa ser aplicada à lei processual dentre os critérios clássicos de interpretação exposto em capítulo anterior, deve-se obrigatoriamente ser aplicada aquela que proporcione maior efetividade às normas constitucionais. Entretanto, caso não haja como enquadrar a norma nos preceitos constitucionais, o magistrado deve exercer, inclusive de ofício, o controle de constitucionalidade difuso optando por não utilizá-la.

O neoconstitucionalismo alterou, ainda, a maneira como é aplicado o Princípio da Legalidade. Se antes a legalidade era a conformação da norma com a lei, hoje, ele ganha uma aplicação muito mais ampla. O “atual Princípio da Legalidade” prevê que a norma seja compatível com a lei, mas também com a Constituição e com os princípios constitucionais, cabendo, inclusive, afirmar que é ilegal ou até inconstitucional uma norma que contrarie princípios.

O Princípio da Proporcionalidade é outro que ganha destaque neste cenário. Apesar de estar inserido de forma implícita na Constituição, é considerado uma metanorma por estar em um patamar acima de outras normas. Isto porque o Princípio da Proporcionalidade tem o papel de orientar a aplicação de outros princípios e regras, inclusive auxiliando no processo da ponderação para que nenhuma decisão seja tomada de forma desproporcional. Mendes (2002, p. 183) trata do referido assunto:

O juízo de ponderação a ser exercido assenta-se no princípio da proporcionalidade, que exige que o sacrifício de um direito seja necessário para a solução do problema e que seja proporcional em sentido estrito, i. é, que o ônus imposto ao sacrifício não sobreleve o benefício que se pretende obter com a solução.

Portanto, no conflito entre dois princípios não há a revogação de nenhum deles, mas há um ajuste entre os mesmos garantindo-se que cada um deles seja respeitado na medida do possível, porém cedendo no que for necessário para garantir a satisfação da justiça. Esse “jogo” de colocar os princípios numa balança na qual se buscará o equilíbrio deve estar pautado no Princípio da Proporcionalidade que terá justamente o papel de guiar o ajuste, ou seja, a ponderação dos princípios em choque.

Ainda se faz relevante analisar que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é alvo de ampla proteção pelo sistema jurídico atual amparado pela Constituição Federal, por tratados internacionais e pela legislação infraconstitucional.

Por este princípio, qualquer meio processual que possa transgredir a dignidade da pessoa humana deve ser rechaçado, percebe-se, assim, que se tem dada maior relevância à pessoa que à formalidade processual.

Em outro ponto, é relevante perceber que como consequência da aproximação entre os modelos de civil law e common low tem-se, no Brasil, uma inserção do uso da jurisprudência no sistema jurídico como se pode observar nas alterações estabelecidas pela Emenda Constitucional 45/04 aos arts. 102, §§ 2ᵒ e 3ᵒ e 103-A, da CF.

Art. 102 [...]

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

Os enunciados supracitados marcam uma busca pela agilidade processual na qual o neoconstitucionalismo se faz presente. Nota-se que estes mandamentos advindos do Poder Legislativo são verdadeiras autorizações para a criação de normas jurídicas pelo Poder Judiciário, fato que será analisado mais adiante.

5.2 As Transformações Sofridas pelo Processo Civil Contemporâneo

As transformações sofridas pelo Direito na pós-modernidade tem repercutido nos ramos do direito civil, penal, administrativo, entre outros. À repercussão do neoconstitucionalismo no âmbito do processo civil tem sido chamada de neoprocessualismo, é o que será tratado neste tópico.

Cambi (2009, p. 115) caracteriza o neoprocessualismo da seguinte maneira:

O neoprocessualismo procura construir técnicas processuais voltadas à promoção do direito fundamental à adequada, efetiva e célere tutela jurisdicional. Para tanto, é indispensável enfrentar o problema do fetichismo das formas. O apego exagerado à forma cria obstáculos não razoáveis à utilização do processo como mecanismo de promoção de direitos fundamentais.

É em respeito ao desapego ao formalismo que se admite que a petição inicial seja emendada no caso de não atender aos requisitos dos arts. 282 e 283 do CPC ao invés de ser a ação extinta sem julgamento do mérito ou que a interposição de recurso errado, desde que não seja grosseiro o erro, não prejudique a ação sendo o recurso errado recebido e processado como se tivesse sido interposto o recurso cabível.

As transformações das quais se fala ao longo desta pesquisa é bastante visível ao longo da história recente do processo civil brasileiro. Como o Código de Processo Civil em vigor foi promulgado em 1973, ou seja, antes da atual Constituição que, no Brasil, inaugurou a tendência neoconstitucionalista, foi constituído ainda com forte expressividade do positivismo jurídico.

Mas, como ao longo dos anos os ideais do Direito foram se modificando, percebeu-se que as alterações que foram introduzidas no Código recentemente tem acompanhado essa tendência.

Assim, podem-se citar alguns exemplos de alterações recentes com características neoconstitucionalistas, o Art. 615 – A, §5ᵒ, incluído em 2006; o Art. 724, parágrafo único, alterado em 2006; e o Art. 888, VII, alterado em 2011, são eles:

Art. 615-A.  O exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).

§ 5o  Os tribunais poderão expedir instruções sobre o cumprimento deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).

[...]

Art. 724.  O exequente usufrutuário poderá celebrar locação do móvel ou imóvel, ouvido o executado. (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

Parágrafo único.  Havendo discordância, o juiz decidirá a melhor forma de exercício do usufruto. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).

[...]

Art. 888. O juiz poderá ordenar ou autorizar, na pendência da ação principal ou antes de sua propositura

VII - a guarda e a educação dos filhos, regulado o direito de visita que, no interesse da criança ou do adolescente, pode, a critério do juiz, ser extensivo a cada um dos avós; (Redação dada pela Lei nº 12.398, de 2011). (grifos nossos).

Percebe-se nestes três artigos o discurso defendido em momentos anteriores no qual o juiz ganha uma responsabilidade maior no processo, isto é, na solução do caso concreto, deixando de ser mero aplicador da lei, ele deverá assumir papéis mais relevantes como verificar melhores saídas para a resolução da lide ou, mesmo, atuar como o próprio legislador.

Outro exemplo interessante se deu com a introdução dos arts. 543 – A e 543 – B no CPC pela lei 11.418/06 na qual se introduziu como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário a repercussão geral, como já havia definido a Constituição Federal.

5.3 O Projeto de Lei nº 8.046/2010

Seguindo a sequência histórica, no ano de 2010 foi apresentada proposta de lei visando a alteração do código de processo civil brasileiro com o intuito de atualizá-lo dando maior efetividade e celeridade às decisões judiciais. Este projeto que hoje se encontra apensado ao PL 6.025/05, que trata da mesma matéria, por ter redação bastante recente, traz em seu corpo mudanças nas quais se nota a influência neoconstitucionalista como será apreciado abaixo.1

A primeira observação a ser feita surge logo no início do projeto de lei que tem como art. 1ᵒ o seguinte:“O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme as normas da Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se, ainda, as disposições deste Código”.[2]

Diferente do código em vigor, que já inicia tratando da jurisdição e da ação, o projeto do novo código tem a preocupação típica neoconstitucionalista de atender às normas constitucionais colocando-a já no primeiro artigo devido à sua importância. Percebe-se a preocupação em ordenar, disciplinar e, inclusive, interpretar as normas processuais de acordo com a Constituição o que reflete abordagens supramencionadas neste estudo referentes à conformação das leis às normas constitucionais e à mudança na forma de interpretação das mesmas.

Um pouco mais adiante, no art. 6ᵒ, ainda se percebe a preocupação com os princípios constitucionais com o intuito de reforçá-los. Nota-se que o texto do Projeto de Lei trata explicitamente da observância obrigatória destes princípios na prática processual. Eis sua redação:

Art. 6º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.

Vê-se, também, aqui, características já discutidas, inclusive os princípios apreciados no item 5.1 deste estudo são alguns dos mencionados no referido artigo definindo bem o ideal neoconstitucionalista que terá o novo código, se aprovado.

Noutro ponto, percebe-se que os exemplos de cláusulas gerais são inúmeros ao longo do texto, podendo citar o prazo razoável (art. 4ᵒ), os fins sociais e o bem comum (art. 6ᵒ), a ofensa à ordem pública (art. 39 e art. 975, VI), as medidas necessárias à satisfação do exequente (art. 550), entre várias outras.

As cláusulas gerais não são elementos meramente figurativos na lei, o legislador as incluiu no sistema jurídico cumprindo um propósito específico de ampliar o alcance da norma atendendo a função valorativa do processo.

Ocorre que, atualmente, o quadro brasileiro encontra-se em conflito. O legislador vem contestando o fato do Poder Judiciário “criar leis” a partir das cláusulas gerais alegando que este estaria usurpando uma função que lhe é típica.

A questão é que, na redação original do projeto de lei e em várias emendas apresentadas ao longo do seu trâmite, havia o reconhecimento expresso da existência das cláusulas gerais em seu texto, como se pode ver na redação original do art. 472 do PL 166/10 do Senado Federal que deu origem ao PL 8.046/10 na Câmara dos Deputados:

Art. 477. O juiz proferirá a sentença de mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor. Nos casos de sentença sem resolução de mérito, o juiz decidirá de forma concisa.

Parágrafo único. Fundamentando-se a sentença em regras que contiverem conceitos juridicamente indeterminados, cláusulas gerais ou princípios jurídicos, o juiz deve expor, analiticamente, o sentido em que as normas foram compreendidas, demonstrando as razões pelas quais, ponderando os valores em questão e à luz das peculiaridades do caso concreto, não aplicou princípios colidentes.

Observava-se que não só o legislador reconhecia a existência das cláusulas gerais no projeto de lei como permitia que o juiz a interpretasse da maneira que melhor atendesse ao caso, evidentemente, desde que a decisão fosse devidamente fundamentada para que não houvessem abusos.

Mas, o Poder Legislativo querendo manter seu discurso que nega ao Judiciário o poder de “criar leis” reformou o texto acima transcrito retirando do projeto de lei todo e qualquer reconhecimento de existência de cláusulas gerais, entretanto não retirou as próprias cláusulas gerais existentes ao longo do projeto de lei o que reflete a impossibilidade atual de trabalhar somente com normas acabadas e fechadas.

A matéria tratada no texto anterior atualmente se encontra no art. 499, §1º e tem o seguinte conteúdo:

Art. 499. São elementos essenciais da sentença:

[...]

 §1º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

[...]

II – empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; [...].

Observa-se que a vontade do legislador é basicamente a mesma anterior, a de que a decisão baseada em conceitos jurídicos indeterminados – o que incluem as cláusulas gerais – deve ser analiticamente fundamentada, somente foi retirado o termo “cláusulas gerais” por uma questão de conflito de interesses entre os poderes constituídos.

Além do mais, o parecer proferido por uma comissão especial da Câmara dos Deputados que expõe o novo código fala da necessidade de determinar melhor o alcance da motivação das decisões judiciais tendo em vista os diversos termos imprecisos, vagos, ambíguos e abertos existentes, reconhecendo que pode o juiz fundamentar uma decisão em conceitos indeterminados, cláusulas gerais ou princípios jurídicos, mas, para isso, o Código de Processo Civil deve estabelecer critérios para que os juízes não escolham livremente o que irão decidir.

Quanto ao rompimento com o formalismo processual, um exemplo claro a ser citado encontra-se no art. 318 que, como o art. 284 do atual código, determina que, antes de proferir decisão sem resolução de mérito, deve o juiz dar oportunidade à parte para corrigir o vício do processo.

Percebe-se ainda, a ampliação da competência do juiz que, no código vigente, está disposta em apenas quatro incisos do art. 125 e no projeto de lei passaram a ser previstos dez incisos nos quais se repetem os atuais e acrescentam-se outros, dando mais liberdade e aumentando a atuação do juiz no processo como se pode ver no art. 139 do PL 8.046/10:

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste código, incumbindo-lhe:

I – assegurar às partes igualdade de tratamento;

II – velar pela duração razoável do processo;

III – prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir postulações meramente protelatórias;

IV – determinar, de ofício ou a requerimento, todas as medidas coercitivas ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetivação da decisão judicial e a obtenção da tutela do direito;

V – promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais;

VI – dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova adequando-os às necessidades do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito;

VII – exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais;

VIII – determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso;

IX – determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais;

X – quando deparar-se com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados à ação coletiva para, se for o caso, promover o seu ajuizamento.

Mais adiante, encontra-se outro fato relevante. O texto original do PL 166/10 sofreu algumas alterações que foram apresentadas no relatório-geral do Senador Valter Pereira, aprovadas pela comissão do Senado e que foram mantidas no texto do PL 8.046/10. Uma destas alterações se deu no §1ᵒ, do art. 683 do PL 166/10. Na redação original, estabelecia que o Ministério Público deveria oficiar como fiscal da lei, ocorre que, após a alteração, a redação do dispositivo, que agora é o art. 179 do PL 8.046/10, passou do termo “fiscal da lei” para “fiscal da ordem jurídica”.

Vê-se, portanto, que o Direito não é mais fruto apenas da Lei, mas de uma ordem jurídica muito mais ampla e complexa e, assim como todo e qualquer operador do direito, não pode o Membro do Ministério Público ficar adstrito exclusivamente aos ditames da lei como determina a ideia positivista.

Por fim, outro exemplo retirado do projeto de lei que tem por objetivo modificar o código de processo civil é o enunciado no art. 959, que, em seu caput, determina:

Art. 959. Ocorrendo relevante questão de direito, que enseje conveniente prevenção composição de divergência entre órgãos fracionários do tribunal, deverá o relator, de ofício ou a requerimento das partes ou do Ministério Público, propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento interno dispuser como competente para uniformização de jurisprudência; reconhecendo interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado dará conhecimento ao Presidente do Tribunal e julgará o recurso.

O referido artigo, assim como outros, menciona a uniformização da jurisprudência que induz ao juiz a seguir normas criadas pelo próprio Poder Judiciário, o que, como já foi exposto anteriormente, por muitos é considerado uma usurpação da função típica do Poder Legislativo. 

Por outro lado, a uniformização da jurisprudência, além de dar celeridade ao processo, possui a função de atribuir segurança jurídica ao sistema jurídico como um todo, servindo como um freio para o juiz não proferir decisões de acordo com suas convicções e sim de acordo com a interpretação de cortes superiores que, pelo menos em tese, já terá atribuída a devida interpretação à norma.

As vantagens e as desvantagens da uniformização da jurisprudência e as conclusões referentes à criação de normas pelo Poder Judiciário serão apreciadas no item que se segue.

5.4 As Vantagens e as Desvantagens do Neoconstitucionalismo Aplicado ao Processo Civil Brasileiro

Após o estudo realizado, cumpre, por fim, analisar os pontos positivos e os negativos acerca deste novo cenário em que atua o Direito brasileiro, além de extrair conclusões avaliando se a aplicação do modelo neoconstitucionalista no processo civil brasileiro tem aspecto positivo ou negativo.

            Inicialmente, considera-se avaliar a supremacia material da Constituição no sistema processual brasileiro.

A carta magna tem o excepcional papel de assegurar os Direitos Fundamentais limitando, inclusive, a atuação do Estado, que deve atuar de acordo com seus preceitos. Neste sentido, além de possuir diversos dispositivos de eficácia plena, imprime vontade expressa em proteger seus princípios e alcançar seus objetivos.

            Assim, considera-se totalmente positivo o ponto analisado quer porque a norma contida na Constituição sempre expressará sua vontade diferente de uma lei, que pode ser inconstitucional; quer porque dar aos seus princípios força normativa é proteger o indivíduo e a coletividade de leis injustas; bem como porque transformá-la em lei ou em instrumento norteador de interpretação de outras leis afastam as soluções inconstitucionais das demandas.

            Além disso, é humanamente impossível para o legislador estabelecer todo o fato da vida que possa existir devido à complexidade das relações sociais. Neste sentido, sempre haverão pontos omissos ou contraditórios no ordenamento jurídico, as chamadas lacunas e antinomias, e acredita-se que a melhor forma de enfrentá-los é buscando a vontade Constitucional posto ser a guardiã dos Direitos Fundamentais.

Há que salientar que a busca da vontade do legislador, num primeiro momento, parece ser a melhor solução, porém considerando que existe uma ordem maior no ordenamento jurídico e que essa ordem condiciona, até mesmo, o próprio legislador que, como dito acima, também tem sua atividade limitada por ela, parece ser mais satisfatório o entendimento de que a busca pela vontade Constitucional é a melhor solução para as controvérsias que porventura existam.

            Ademais, uma lei só é declarada inconstitucional com efeitos erga omnes caso um dos legitimados proponha ação no STF, até então a lei continua em vigor sendo perfeitamente aplicável. Por isso, reputa-se totalmente positivo o fato da Constituição possuir acentuada força normativa.

            A aplicabilidade da razoabilidade e da proporcionalidade deve, da mesma forma, estar presente na solução de toda demanda, pois, acredita-se, não há condição de existir decisão justa se a mesma for desarrazoada ou desproporcional, mesmo que a decisão seja plenamente embasada em texto legal. Isso porque se acredita que, acima do papel de aplicador da lei, deve o Direito procurar fazer justiça.

            É pela mesma razão que se considera o desapego ao formalismo excessivo, outro ponto positivo do neoconstitucionalismo. Se, como dito, a principal razão do Direito é a de promover a justiça, não há razão para aceitar que o excesso de formalidades atrapalhe tal ato.

            Não há como negar que, para ser bem aplicado, o Direito necessita de alguns formalismos, até mesmo para evitar a desordem, mas o excesso é repudiado. Ora, não há como estabelecer tantos critérios e formalidades sem prejudicar a celeridade processual, nem motivo para determinar que se refaça um ato que possa ser facilmente corrigido provendo agilidade a todo o processo.

            Dar celeridade às demandas é também dar maior efetividade ao processo, pois, muitas vezes, as partes só tem seu direito garantido quando já não as interessa mais ou quando o fato já se encontra em situação extrema.

            Assim, abrir mão de algumas formalidades para dar celeridade e efetividade ao processo é uma vantagem desde que não fira os princípios do contraditório e da ampla defesa, nem acarrete nulidades para o processo.

            Com relação ao protagonismo do judiciário há que se fazer algumas considerações.

            No Brasil, para fazer parte do Poder Legislativo, ou seja, ser deputado estadual ou federal, Senador ou vereador, o único requisito com relação à escolaridade é ser alfabetizado, fato que leva a ocupar os referidos cargos pessoas totalmente despreparadas e leigas, que terão atribuições de suma relevância para o país.

            Se já seria uma atribuição difícil para pessoas capacitadas a tarefa de prever os vários conflitos presentes na sociedade e estabelecer geral e abstratamente uma solução justa para todos eles, que dirá atribuindo esta função para tais pessoas.

            Por outro lado, para ser um juiz, é necessário ser, no mínimo, graduado em Direito, ter experiência profissional na área e prestar concurso público o que, pelo menos em tese, leva à ocupação desta posição pessoas mais capacitadas.

            E mesmo que se deixasse de lado a realidade do quadro atual, tem-se que levar em consideração que, em qualquer área de atuação, a teoria e a prática apresentam certo distanciamento. Assim, muitas vezes, o que é apresentado em teoria precisa ser lapidado na prática e é neste sentido que se considera positivo o protagonismo do judiciário.

            Não significa dizer que a conclusão alcançada seja de que a teoria apresentada por Montesquieu seja ruim, mas que se deve levar em consideração que ela foi desenvolvida para uma sociedade onde o sistema de governo era o absolutista sendo uma teoria muito boa para a época, mas que, devido à evolução da sociedade, já necessitava de uma reformulação, sendo criado o sistema de freios e contrapesos no qual se atribuiu também funções atípicas a cada Poder.

            Assim, da mesma forma que ao Poder Legislativo é permitido criar as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s) como uma função atípica, também deve ser permitido ao Judiciário participar da criação da norma já que é o Poder que tem a vivência prática do que se é postulado.

            Há, porém, que se observar o controle dessa atuação do Judiciário, pois, não se pode negar que o neoconstitucionalismo, apesar de ter ótimas ideias, deixou uma brecha no fato de que, dando maior liberdade aos juízes, ministros e desembargadores, seus membros corruptíveis também ficaram com mais liberdade para negociar sentenças procurando uma justificativa que se encaixe para qualquer decisão que se queira proferir.

            Neste aspecto, deve-se haver uma maior atuação do Conselho Nacional de Justiça no sentido de repelir essas decisões compradas e uma melhor escolha dos membros dos tribunais superiores que deverão ser escolhidos dentre os que são verdadeiramente mais capacitados.

            De toda forma, como dito anteriormente, esta é apenas uma deturpação das ideias neoconstitucionalistas e não sua verdadeira essência, na verdade, a liberdade concedida ao Judiciário está adstrita aos preceitos Constitucionais e à busca da justiça, assim, visto por este ângulo, é positivo o protagonismo do Judiciário no sistema atual.

            Outro aspecto que precisa ser analisado se dá com relação ao fato dos desencontros de posições e de entendimentos proferidos. Isto ocorre justamente pela ampliação do poder de interpretação dos textos legais, que permite que cada juiz encontre um sentido diferente para o mesmo texto.

             Isto pode ser visto como um ponto negativo devido ao fato que causa certa insegurança jurídica às pessoas, posto que as mesmas passam a não saber se realmente possuem direito em determinada situação, como, por exemplo, os direitos sucessórios de casais homossexuais, que até pouco tempo não eram reconhecidos e causava certa dúvida entre os mesmos se teriam esses direitos ou não, porque haviam diversos entendimentos distintos que acabavam em decisões desencontradas, até mesmo, dentro de uma mesma comarca.

            É assim que ocorrem diversas decisões para casos parecidos face à diferença de entendimento entre juízes. Acontece que estas questões podem ser facilmente resolvidas levando em consideração que podem ser consolidadas jurisprudências sobre o fato, é o que geralmente acaba acontecendo.

            Visto sob outro enfoque, percebe-se que, atualmente, existe a possibilidade de se buscar direitos que até então não eram reconhecidos. Através de argumentos sólidos e contemporâneos, um fato que era entendido de determinada maneira e, que necessita ser repensado, pode ser levado a juízo com chances de mudar a concepção daquele juiz, que dará uma decisão positiva e que pode servir de exemplo para que outros casos sejam vistos da mesma maneira, levando a reformular uma jurisprudência sobre o assunto, com o fim de tornar as decisões mais justas e acertadas.

            É o caso das indenizações que são concedidas hoje, que faz com que muitas empresas desrespeitem seus consumidores por ser muito mais vantajoso para elas pagar as possíveis indenizações do que colocar produtos ou serviços com a devida qualidade no mercado. Há hoje o argumento de que ninguém pode enriquecer sem motivo e por isto não pode receber indenizações muito elevadas. Ocorre que esta ideia precisa ser repensada e existe hoje a possibilidade de se buscar novo entendimento mostrando o superfaturamento destas empresas que desrespeitam Direitos Fundamentais e que necessitam ser punidas de maneira que retire delas essa vantagem.

            Assim, pode qualquer advogado questionar a situação acima, convencer o juiz e mudar o entendimento atual que não é justo para o consumidor.

            Desta maneira, percebendo que existe um forte ponto positivo e que os pontos que seriam negativos são contornados com a jurisprudência, com a aplicação da interpretação conforme a Constituição e com o fato de haver o duplo grau de jurisdição, avalia-se como positiva a ampliação do poder de interpretação dos juízes.

            Ademais, a jurisprudência é, atualmente, algo muito forte, considerando que é elaborada a partir de decisões reiteradas de membros de vasta experiência e saber jurídico. É certo que se esbarra na corrupção, que precisa ser amplamente combatida, mas retirando esse aspecto que é o que se espera que aconteça, tem-se um modelo jurídico muito adequado para o mundo atual, pois serão estas pessoas que darão a direção certa para a interpretação das leis segundo a Constituição.

            Assim, considerando a existência de mais pontos positivos que negativos e considerando que muitos fatos analisados como negativos não são aspectos esperados da aplicação do neoconstitucionalismo, mas sim, do sistema político criado para dar margem à corrupção e à proteção de interesses individuais de alguns grupos, considera-se como vantajosa a incorporação do modelo neoconstitucionalista no sistema jurídico brasileiro.

            Chega-se, portanto, à conclusão de que o modelo neoconstitucionalista é o que mais se encaixa no cenário atual possuindo mais vantagens do que os anteriores, mas que ainda não se alcançou o ideal, visto que ainda há o que se corrigir.

              

6 CONCLUSÃO

As mudanças na hermenêutica jurídica, iniciada na Europa e refletidas mais tarde no Brasil, trazidas pelo neoconstitucionalismo, são evidentes no atual quadro do Processo Civil. O movimento neoprocessualista tem ganhado expressiva força apesar de alguns argumentos contrários.

É evidente que não se pode exaltar demais o método da ponderação nos casos em que o método da subsunção é perfeitamente eficaz, tampouco ir buscar a interpretação de princípios e das cláusulas gerais quando a lei for expressa, justa e clara. A lei, e em consequência os códigos, e a aplicação do método da subsunção ainda são ótimos meios de resolução de conflitos e de aplicação do Direito, mas não são suficientes e, nos casos nos quais esses meios não são hábeis, é ideal que se tenha alternativas. São exatamente estas alternativas que foram dadas e defendidas neste estudo.

A supervalorização dos Princípios Constitucionais, tais como a Dignidade da Pessoa Humana e da Razoabilidade e Proporcionalidade, foram avaliados como um ótimo instrumento para afastar a sociedade de uma jurisdição ineficaz, promovendo uma melhor aplicação do Direito.

O protagonismo do judiciário também foi avaliado positivamente pelo fato de estar acompanhando de perto as carências da sociedade e ser o responsável por aproximar a teoria da prática, assim, tendo mais liberdade em sua atuação, poderá promover melhor essa integração encontrando melhores resultados.

Da mesma forma foi avaliada a questão do desapego ao formalismo, desde que não fira os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, mas somente afaste formalidades meramente protelatórias.

E enfim, a questão da interpretação segundo os preceitos Constitucionais que possui vontade superior, até mesmo à vontade do legislador, promovendo um melhor uso da hermenêutica jurídica.

É evidente que também foram reconhecidos pontos negativos neste cenário, principalmente com relação à corrupção de alguns usuários do discurso neoconstitucionalista que o utiliza para justificar qualquer tipo de solução que se queira dar ao caso, aproveitando-se da maior liberdade do judiciário. Trata-se de um desvio da corrente neoconstitucionalista e não do seu pensamento em si.

Portanto, afora os abusos, entende-se ser positiva a inserção do neoconstitucionalismo no cenário processual brasileiro para resolver casos que antes não eram solucionados da forma mais adequada.

Não há sentido ficar apegado a uma teoria (a separação dos poderes) criada na antiguidade e difundida no século XVIII quando se percebeu que sua aplicação pura e rígida já não era adequada, nem continuar em tamanho apego a um formalismo que tinha como única consequência o abarrotamento de processos na justiça e sua crescente morosidade. Tampouco podia ficar confiando que os códigos resolveriam todos os problemas sozinhos.

A evolução da sociedade clamou por uma mudança no Direito e este respondeu com o neoconstitucionalismo. É evidente que, no Brasil, ainda se necessita de melhores ajustes, mas, ainda assim, acredita-se que é o melhor modelo dentre os anteriores para o cenário atual.

  

 

 

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[1]A referida súmula contraria os arts. 51 e 168, parágrafo único do CDC.

1 Notícia fornecida por Fredie Didier Junior em aula ministrada no curso intensivo da rede LFG, em 26 de julho de 2010.

1  Cumpre lembrar que o projeto de lei se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados e a redação dos artigos utilizados ainda poderão sofrer alterações ou vetos anteriores a sua publicação.

[2]Os pontos que serão especificados são apenas alguns exemplos a título de ilustração, mas existem muitos outros que não serão abordados para não estendermos demasiadamente o trabalho.

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