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Crítica aos projetos de lei que concedem à Receita Federal novas atribuições


Autoria:

Rafael Steinfeld


Advogado tributarista, formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Linkedin: http://www.linkedin.com/pub/rafael-steinfeld/75/b05/24b

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Resumo:

Análise dos possíveis novos rumos legislativos que, nos próximos anos, podem dar à Administração Pública, mais especificamente à Fazendária, atribuições conflitantes com as disposições constitucionais.

Texto enviado ao JurisWay em 14/10/2013.

Última edição/atualização em 16/10/2013.



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Crítica aos projetos de lei que concedem à Receita Federal novas atribuições.

 

            Nesse artigo faremos uma breve análise dos possíveis novos rumos legislativos que, nos próximos anos, podem dar à Administração Pública, mais especificamente à Fazendária, atribuições conflitantes com as disposições constitucionais.

 

            Tais normas estão contidas nas proposições enviadas ao Congresso Nacional, consubstanciadas principalmente nos PLP 469/2009, PL 5080/2009.

 

            Trataremos assim de expor os referidos projetos, que se encontram atualmente em regime prioritário de tramitação.

 

            Vale sempre ressaltar que esta abordagem tem o intuito apenas de demonstrar que há uma movimentação legislativa que vai de encontro a preceitos e normas já sedimentadas em nosso ordenamento.

 

            Isto posto, passaremos a análise dos dispositivos, começando pelo PLP 469/2009, um projeto de lei complementar que visa alterar o Código Tributário Nacional (CTN).

 

            Com o intuito de apenas analisar as disposições que efetivamente contrapõem-se ao ordenamento pátrio realizaremos uma observação daquilo que é pertinente ao trabalho em tela, sem deixar o tema alongar-se desnecessariamente.

 

            Logo aquela que parece ser a principal alteração ataca um dos preceitos mais importantes de nossa constituição. A presunção de inocência e a boa-fé, o projeto de lei altera o artigo 134 da seguinte forma:

 

“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal, pelo contribuinte, respondem subsidiariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

VIII - o administrador ou o gestor que:

a) deixar de provar que empregou, no exercício de sua atividade, o cuidado e a diligência que se costuma dispensar à administração de negócios, cumprindo com o dever de diligência que a lei lhe incumbe;

(grifos nossos)

 

            Ora, a disposição do texto é tão absurda que chega a ser inacreditável que ela venha a coexistir com a atual Constituição. Há uma clara afronta ao princípio da presunção de inocência presente no inciso LVII da Carta Magna, bem como, exigir aquilo que a doutrina e a jurisprudência chamam de prova diabólica, o que não é admitido no nosso ordenamento, conforme se pode ver em decisão recente do Superior Tribunal de Justiça:

 

“3. Isso porque, em se tratando de fato negativo (ou seja, circunstância que ainda não tinha ocorrido) a exigência da produção probatória consistiria, no caso em concreto, num formalismo excessivo e levaria à produção do que a doutrina e a jurisprudência denominam de "prova diabólica", exigência que não é tolerada na ordem jurídica brasileira. Precedente: AgRg no AgRg no REsp 1187970/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 16/08/2010.”[i]

 

            Desta feita, se prosperar a referida alteração a Administração Fazendária teria possibilidade de cobrar empresas baseando-se em uma presunção de culpa, o que não condiz com tudo que foi posto até o momento.

 

            Uma segunda modificação deste projeto de lei complementar trata da possibilidade da intervenção da Administração Pública diretamente nos bens dos contribuintes sem a necessidade da intervenção do poder judiciário.

 

            Porém a efetividade desta medida seria garantida através da promulgação do segundo projeto a ser abordado neste trabalho, o PL 5080/2009, que viria atualizar a Lei das Execuções Fiscais.

 

            O PLP 469/2009 quando altera o artigo 134 do CTN adiciona o § 3º que dispõe:

 

“O sujeito passivo, ou o responsável legal, que, notificado, não efetuar o pagamento do débito, acrescido dos encargos incidentes, não solicitar o parcelamento do débito por uma das formas previstas em lei, ou não prestar garantia integral do débito em cobrança, por meio de depósito administrativo, fiança bancária ou seguro-garantia deverá relacionar quais são e onde se encontram todos os bens que possui, inclusive aqueles alienados entre a data da inscrição em Dívida Ativa e a data da entrega da relação, apontando, fundamentadamente, aqueles que considera impenhoráveis.”

 

            Quando estudamos as alterações pretendidas à lei das execuções fiscais em conjunto com o dispositivo acima há uma correlação clara que nos permite vislumbrar a intenção do legislador, dando à Administração Fazendária atribuições que deveriam ser somente do poder judiciário.

 

            As proposições desta alteração legislativa tem como intuito principal elaborar um sistema de investigação patrimonial, autorizar constrições sem necessidade de autorização judicial, dar poder de arrombamento aos Oficiais da Fazenda e por fim sujeitariam as medidas a um posterior crivo do Poder Judiciário.

 

            A seguir elencaremos os dispositivos que demonstram as intenções aqui explicitadas.

“Art. 3º Os atos de constrição preparatória e provisória serão praticados pela Fazenda Pública credora, cabendo seu controle ao Poder Judiciário, na forma prevista nesta Lei.”

Art. 9° O despacho da autoridade administrativa competente que determinar a notificação, observados os prazos e as hipóteses do art. 5o, também ordenará:

I - a efetivação da constrição preparatória e a avaliação de bens, respeitada a ordem estabelecida no art. 655 da Lei no 5.869, de 1973, sobre tantos bens e direitos quantos bastem para garantir o débito;

II - a intimação da constrição preparatória ao devedor; e

III - o registro da constrição, cujas custas ficarão, ao final:

a) a cargo do devedor se for a execução julgada procedente; ou

b) a cargo da Fazenda Pública, caso seja indevida a constrição ou seja a execução julgada improcedente.

(...)

Art. 12. O oficial da Fazenda Pública, independentemente de qualquer outra formalidade, providenciará a entrega de certidão de inteiro teor do ato de constrição ou de constituição de garantia para o registro no ofício imobiliário ou a anotação nos cadastros da instituição pública ou privada pertinente.

Parágrafo único. O ato de constrição preparatória poderá ser comunicado, inclusive para fins do disposto no inciso II do art. 9º por meio de correspondência com aviso de recebimento ou por meio eletrônico certificado digitalmente.

Art. 13. A Fazenda Pública deverá providenciar o ajuizamento da execução fiscal, ressalvado o disposto no § 1o do art. 17, no prazo de trinta dias, contados da efetivação da primeira constrição.

 

            Como se pode ver apenas após o ato de constrição é que o Poder Judiciário será comunicado, tal ato ataca violentamente todos os princípios que fundamentam o Estado Democrático de Direito, inclusive deixando completamente a margem a tripartição dos poderes.

 

            Ademais podemos ver que a ação Fazendária é abusiva e deliberadamente ofensiva às determinações legais vigentes no país somente pela forma de ação determinada no PL 5080/90.

 

            Além desta questão, que já põe em cheque todo e qualquer interesse particular perante a necessidade de atuação do Erário ainda existem outros pontos relevantes a serem demonstrados.

 

“Art. 4º Concluída a inscrição em dívida ativa, será realizada investigação patrimonial dos devedores inscritos por parte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Procuradoria-Geral Federal, da Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil e pelos órgãos correspondentes dos Estados, Municípios e Distrito Federal, caso a referida investigação patrimonial não tenha sido realizada com êxito quando da constituição do crédito.

§ 1º Fica o Poder Executivo autorizado a instituir Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes - SNIPC, administrado pelo Ministério da Fazenda, inclusive com base nas informações gerenciadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, organizando o acesso eletrônico às bases de informação patrimonial de

contribuintes, contemplando informações sobre o patrimônio, os rendimentos e os endereços, entre outras.

§ 2º Os órgãos e entidades públicos e privados que por obrigação legal operem cadastros, registros e controle de operações de bens e direitos deverão disponibilizar para o SNIPC as informações que administrem.

§ 3º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, mediante convênio, poderão ter acesso ao SNIPC, nos termos do inciso XXII do art. 37 da Constituição.

§ 4º O acesso ao SNIPC não desobriga o atendimento às informações adicionais requisitadas em caráter geral ou particular aos Cartórios de Registro de Imóveis, Detrans, Secretaria do Patrimônio da União, Capitania dos Portos, Juntas Comerciais, Agência Nacional de Aviação Civil, Comissão de Valores Mobiliários, Bolsas de Valores, Superintendência de Seguros Privados, Banco Central do Brasil, Câmaras de Custódia e Liquidação, Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, bem como qualquer outro órgão ou entidade que possua a finalidade de cadastro, registro e controle de operações de bens e direitos.

§ 5º Os resultados da investigação patrimonial no âmbito do SNIPC serão disponibilizados ao órgão responsável pela cobrança da dívida.”

 

            Todas estas normas que se pretendem incluir em nosso ordenamento, como já dito exaustivamente até aqui, violam com extrema gravidade os ditames constitucionais, assim a fim de exemplificar, e sem intenção de esgotar a discussão, podemos citar alguns:

 

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

 

            É importante ressaltar que a Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo expediu parecer repudiando os projetos de lei em tela, inclusive expondo análise no mesmo sentido da nossa, formulada por sua “Comissão Especial de Assuntos Tributários”, formada por ilustres juristas como os Professores Ives Gandra, Andre Ramos Tavares, Luis Eduardo Schoueri e Roque Antonio Carrazza.

 

            Após a exposição de seus motivos a comissão conclui que:

 

“As proposições destacadas, por serem ofensivas ao que, historicamente, se conhece como Estado Democrático de Direito, no qual tanto a Administração Pública quanto os Administrados se submetem, igualmente, a um imparcial Poder Judiciário, e por colidirem com a presunção constitucional de boa-fé dos atos praticados pelos cidadãos/administrados/contribuintes, devem ser imediatamente excluídas de seus pertinentes procedimentos legislativos.”[ii]

 

            Portanto, abordamos uma questão que gerou uma repercussão polêmica, atingindo inclusive a mídia não especializada, os projetos de lei que visam aumentar consideravelmente o espectro de poderes do Erário, permitindo, inclusive, ações de constrição sem autorização judicial.



[i] STJ - AgRg no AREsp 262594 / RJ – DJe 05/02/2013 – Rel. Min. Mauro Campbell Marques

[ii] OAB/SP – Parecer proferido pela Comissão Especial de Assuntos Tributários da Ordem dos Advogados do Brasil em 26 de janeiro de 2010 – http://s.conjur.com.br/dl/parecer-oab-poder-policia-receit.pdf

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