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SUJEITOS OU COISA: OS ANIMAIS SEGUNDO O CÓDIGO CIVIL


Autoria:

Ana Carla Patriota Silva Leite


Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Escola de Advocacia Flósculo da Nóbrega - ESA/PB, conveniada com a Faculdade Maurício de Nassau, e graduada em Direito pela Fesp Faculdades.

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Resumo:

O trabalho apresenta um posicionamento acerca dos animais no Código Civil Brasileiro ao determiná-los como coisa/objeto semovente. Uma definição equivocada, que viola a Carta Magna e as leis específicas relacionadas aos direitos dos animais.

Texto enviado ao JurisWay em 30/09/2013.



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1. INTRODUÇÃO

 

O Código Civil brasileiro ao determinar os seres sencientes objeto passíveis de ser propriedade, violou a Carta Magna e os direitos básicos de todos os animais.

Como é possível um objeto ter poder para representá-lo em juízo? Não se pode culpar apenas a justiça, a sociedade tem sua parcela de culpa, ao ignorar vidas inocentes, permitindo esse desequilíbrio no Código vigente, e ainda continuar se utilizando desses artigos para interesses que não deveriam valer mais do que a vida de um ser.

A falta de respeito com os animais e as atrocidades que o ser humano pratica sobre esses seres indefesos expõe uma realidade cujo crescimento tem elevado deliberadamente nos últimos tempos. Ocorre que os animais tornaram-se algo considerado “banal” para a sociedade, que tem se aproveitado de todas as maneiras, dura, fria, cruel, para interesses econômico-financeiros ou mesmo para entretenimento.

2. Evolução do homem com os animais

 

Aproveitando-se da visão bíblica, que considerou os animais “como criaturas brutas e desprovidas de alma ou intelecto”[1], o animal humano afastou sua responsabilidade moral, consolidando a superioridade sobre os animais não-humanos, submetendo-os a massacres com visão lucrativa ou mesmo para seu prazer.

Alguns animais já foram considerados deuses, uma força divina, existindo alguns países que ainda possuem essa cultura, como a Índia, onde a vaca é considerada sagrada. Contudo, o ser humano, usou de sua racionalidade e superioridade na Terra para subjugar os seres sencientes às seus serviços.

 Venosa relata o momento em que o animal passou a ser tido como propriedade:

 

 [...] No momento em que o homem primitivo passa a apropriar-se de animais para seu sustento, de caverna para abrigo, de pedras para fabricar armas e utensílios, surge a noção de coisa, de bem apropriável. A partir daí entende o homem que pode e deve defender aquilo de que se apropriou ou fabricou, impedindo que intrusos invadam o espaço onde habita, ou se apropriem dos instrumentos que utiliza. (VENOSA, 2007, p. 3).

 

 

Percebe-se que esse desenvolvimento humano, levou ao nascimento do sistema capitalista, onde transformou seres sencientes em mercadorias, retirando-lhes o convívio em harmonia e a interação com o homem, restando o domínio aos interesses e necessidades da espécie humana.

Já foi comprovado[2] que os animais têm capacidade de entender e interpretar as situações a sua volta, que dependendo do que se passe, pode-lhes resultar em dor física e sofrimento psicológico. Sendo correto citar as palavras de Danielle,

 [...] Dentre os diversos efeitos destrutivos reproduzidos pelo capitalismo, um deles é fatal e sem escapatória: a exploração eterna e crescente do ser-obrigado. De protetor, o homem se transformou em proprietário; de ser livre, o Animal se transformou em escravo. (RODRIGUES, 2009, p. 116).

 

Uma vez tratados como coisas, sua condição de ser senciente passa a ser ignorada.  São exemplos disso: os cachorros, que ficam a mercê de seus donos; o boi, ao ser tratado pelo seu proprietário como mera mercadoria, produto de valor financeiro, e não como uma vida.

2.1    Sujeitos ou coisa

 

Afinal, qual o tratamento correto a dar aos animais? Uma realidade é certa, Gary L. Francione não errou ao dizer que, “[...] não consideramos os animais como seres com valor intrínseco, e protegemos seus interesses apenas até onde nos beneficiamos fazendo isso”[3].

Diariamente convive-se com as práticas do homem que destroem a dignidade de seres indefesos, ao promover todo tipo de abusos, maus tratos e crueldades, ou mesmo, quando não sendo mais necessários são abandonados à própria sorte, transformando-os em vítimas.

O tratamento jurídico dado aos animais pelo Código Civil vigente ainda os considera como coisa fungível e semovente nos casos em que possuem “proprietário” e no caso dos que não possuam, ou seja, tidos como res nullius[4] (coisa de ninguém), tornam-se sujeitos á apropriação de qualquer pessoa, e esta podendo fazer o que quiser com o “objeto” apropriado.

Haydeé Fernanda Cardoso, fala acerca do assunto:

 

Não se pode ver como coisa seres viventes, pois tais elementos mostram a existência de vida não apenas no plano moral e psíquico, mas também biológico, mecânico, como podem alguns preferir, e vice-versa. O conhecimento jurídico-dogmático hoje encontra-se ultrapassado, não apenas em função de animais considerados inteligentes, mas sim em função de todos os seres sensientes, capazes de sentir, cada um a seu modo [...] (CARDOSO, 2007, p.132) [sic].

 

A relevância do assunto “não é saber se os animais são capazes de raciocinar, ou se conseguem falar, mas se são passíveis de sofrimento”[5]. Há muito tempo, os seres sencientes são submetidos à vontade do homem, mas “não há por que se diferenciar o tratamento dado aos deficientes mentais dos conferidos aos Animais autoconscientes e com capacidade de sofrimento semelhante”[6]. Conforme Danielle Rodrigues, muitos deficientes mentais podem ter aptidões infinitamente menores que alguns animais[7]

Entende-se com isso, que a distinção que se faz sobre a racionalidade usada pelo homem se torna sem valor, irrelevante, sendo intolerável que a exploração desses seres indefesos seja admitida por não pertencerem à espécie humana, ou por serem considerados menos inteligentes, importantes, etc[8].

 

2.2 O tratamento referente aos animais no Código Civil

 

O Código Civil de 2002 trata os animais como objeto, conforme o artigo 82 conceitua sobre os bens móveis, o art. 936 fala acerca da responsabilidade civil sobre o dano causado pelo animal e o art. 1.263[9] sobre a aquisição da propriedade, coisa sem dono.

O homem peca ao interpretar de maneira avessa sobre o direito e propriedade dos seres sencientes, não é porque são donos/proprietários que deve usar como bem entender desta vida. O termo correto na verdade, deveria ser guardião ou tutor, como acontece com crianças, incapazes, onde são resguardados e protegidos de abusos e demais atrocidades. O animal humano precisa compreender que “a lei os protege [os animais] não contra a sua morte ou uso físico e psíquico, mas apenas contra o sofrimento, e, com isso, os protege debilmente contra as ações dos seres humanos” [10].

Contudo, precisamos indagar como é possível um objeto ser representado em juízo? A meu ver, o Código Civil se equivocou ao definir os animais como objeto, propriedade, pois este viola o princípio da Constituição Federal de 1988 ao deliberar que o órgão do Ministério Público deve representa-los em juízo e contra quem violar seu artigo 225,§1º, inciso VII onde cita a proteção contra abusos e maus tratos a essa espécie.

Então, quem está correto? Aprendemos que a Carta Magna é a maior de todas as leis e se uma lei está em contrário a seus dispositivos, prevalecerá a Constituição.  Conforme Haydeé “[...] os operadores do direito têm se negado a admitir o valor intrínseco dos seres animais não-humanos aplicando a norma em desfavor deles” [11].

Essa definição precisa ser extinta, ou o Código Civil precisa aceitar que os seres sencientes são sujeitos de direito. Se continuar nesse sentido, então será possível que um bem que não seja semovente entre com representação contra um indivíduo. Ao prevalecer o cumprimento dos dispositivos desse código cível vigente, estamos violando também a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, do qual o Brasil é signatário, e esta, portanto, se equipara a Constituição Federal/88.

Ou seja, esses animais não-humanos não podem continuar a serem equiparados a coisas móveis, passíveis de apropriação dos seres humanos. De acordo com meu pensamento, Danielle cita:

 

Se os Animais fossem considerados juridicamente como sendo ‘coisas’, o Ministério Público não teria legitimidade para substituí-los em juízo. Impende observar que a legitimidade é conceito fechado, impassível de acréscimos advindos de interpretações. Além do que, seria um contra-senso existirem relações jurídicas entre coisas e pessoas. Sói observar que não se trata de direito real, mas sim, de direito pessoal, cujo traço característico é justamente a relação entre pessoas, mediante os elementos de sujeito passivo e ativo, bem como a prestação devida. (RODRIGUES, 2009, p. 126).

 

Entende-se com isso que os seres não-humanos podem ser considerados sujeitos de direito, uma vez que são titulares de relação jurídica. Nesse sentido, podem ser equiparados aos incapazes, em que os dispositivos da lei cível, ao garantir seus direitos mediante representação ou assistência, incumbem assim, que outra pessoa aja em nome dos animais.

Peter Singer buscou equilibrar os direitos dos animais com os direitos dos humanos, mostrando a estes que ao igualar os direitos das duas espécies, não significa que o tratamento será o mesmo, o importante é que a convivência dessas espécies seja harmoniosa, respeitando o princípio básico da igualdade “não requer tratamento igual ou idêntico; ele requer igual consideração. A igual consideração com seres diferentes pode levar a tratamentos diferenciados e direitos diferenciados”[12].

O fato do ser humano ter a posse do animal não-humano não lhe dá o direito de dispor dessa vida. Além do artigo 225,§1º, VII da CF/88, expressar a proibição à crueldade contra seres sencientes, considerando-os sujeitos de direito; a classificação de bem semovente, no Código Civil vigente, deve ser interpretado de maneira que prevaleçam em maior valor os direitos e interesses públicos e coletivos. Assim a propriedade privada sobre os seres sencientes,

 

 [...] não pode ser entendida nos mesmos termos da propriedade em geral, mas sim como uma concessão do Estado, na condição de representante da coletividade e gestor do patrimônio ambiental, em favor do particular, o qual tem obrigação de manter sua ação adstrita aos limites que começam mas não terminam na função social da propriedade. (CARDOSO, 2007, p. 123).

 

Embora a legislação brasileira possua respaldos e proteção para os animais, estes acabam sendo “desmerecidos” porque o direito mais utilizado é aquele que beneficia o homem. Contudo, deve-se buscar um maior rigor na utilização das leis, para que sejam aplicadas de modo que beneficie a vida como um todo, seja humano ou animal.

Ao contrario do que o ser humano pensa, os animais não-humanos são sujeitos de direito e devem ser englobados em suas preocupações morais humanas, valorizando a dignidade de todos os seres vivos[13]. A Carta Magna erigiu o reconhecimento ao sofrimento dos animais, voltando dispositivo primeiramente ao bem estar do próprio animal não-humano e depois a sociedade. Conforme Edna Dias,

 

O animal como sujeito de direitos já é concebido por grande parte de doutrinadores jurídicos de todo o mundo. Um dos argumentos mais comuns para a defesa desta concepção é o de que, assim como as pessoas jurídicas ou morais possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o momento em que registram seus atos constitutivos em órgão competente, e podem comparecer em Juízo para pleitear esses direitos, também os animais tornam-se sujeitos de direitos subjetivos por força das leis que os protegem. Embora não tenham capacidade de comparecer em Juízo para pleiteá-los, o Poder Público e a coletividade receberam a incumbência constitucional de sua proteção. O Ministério Público recebeu a competência legal expressa para representá-los em Juízo, quando as leis que os protegem forem violadas. Daí poder-se concluir com clareza que os animais são sujeitos de direitos, embora esses tenham que ser pleiteados por representatividade, da mesma forma que ocorre com os seres relativamente incapazes ou os incapazes, que, entretanto, são reconhecidos como pessoas. (DIAS, 2006, p.120, grifo nosso).

 

3. CONCLUSÃO

 

Falou-se dos animais de uma maneira geral, de sua convivência com os seres humanos e o momento em que foram subjugados por estes. Indagou acerca da definição dos seres sencientes – objeto semovente –, o tratamento dado a eles, alertando sobre a incoerência nos artigos do Código Civil ao determinar os animais de forma equivocada, ultrapassada, levando a uma maior defasagem na proteção destes seres.

Seguindo o raciocínio em tese, de que os animais são objetos semoventes e mesmo assim, possuem o direito de representação em juízo, então, daria com isso abertura para outros objetos inanimados entrarem contra seus proprietários? Um exemplo, um cão abandonado poder ser representado em juízo contra seu dono. Agora, um apartamento abandonado, também pode fazer o mesmo?

Claro que a resposta será não... Então, para que esse desentendimento não ocorra, faz-se necessário que o código civil vigente tome as devidas providencias para que redefina o animal como sujeito de direito e não um objeto, que possui direitos. Afinal, objeto não possui direitos, então se os seres sencientes já o possuem, não poderão ser considerados objetos.

Ao permitirmos essa definição, o código vigente está indo em sentido contrário ao exposto na Carta Magna. Na verdade, é chegado o momento em que a sociedade e o Poder Público representado por seus respectivos órgãos modifiquem esta atual realidade.

 



[1]LEVAI, Laerte Fernando. Direito dos Animais. 2ª ed. Campos do Jordão, SP: Editora Mantiqueira, 2004, p.18.

[2]MOULIN, Carolina Côrrea Lougon. Consumo de animais: o despertar da consciência. Revista Brasileira Direito Animal (Brazilian Animal Rights Review). Vol.5, 2009,p.216. Disponível em: http://www.animallaw.info/policy/pobraziljourindex.htm.

[3]FRANCIONE, Gary L. Animais como propriedade. Revista Brasileira de Direito Animal (Brazilian Animal Rights Review). Ano 2- Vol. 3, 2007, p.13. Disponível em:

http://www.animallaw.info/policy/pobraziljourindex.htm.

[4] SANTANA, Luciano Rocha. OLIVEIRA, Thiago Pires. Guarda responsável e dignidade dos animais. Revista Brasileira de Direito Animal (Brazilian Animal Rights Review). Ano 1. 2006, p.85. Disponível em: http://www.animallaw.info/policy/pobraziljourindex.htm.

[5] BENTHAM, Jeremy. Apud. LEVAI, Laerte Fernando. Crueldade consentida – crítica à razão antropocêntrica – Revista Brasileira de Direito Animal (Brazilian Animal Rights Review), ano 1- 2006, p.175. Disponível em: http://www.animallaw.info/policy/pobraziljourindex.htm.

[6] Ob. Cit. p. 48.

[7] RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & Os Animais: uma abordagem ética, filosófica e normativa. 2009, p. 48.

[8] Ob. Cit. p. 48.

[9] Artigos citados foram retirados do Vade Mecum. 13ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2012.

[10] RODRIGUES, Danielle Tetü. O Direito & os animais: uma abordagem ética, filosófica e normativa. 2009, p.207-208. Grifo nosso.

[11] CARDOSO, Haydeé Fernanda. Os animais e o Direito: novos paradigmas. Revista Animal Brasileira de Direito (Brazilian Animal Rights Review), ano 2 - 2007, p.137. Disponível em: http://www.animallaw.info/policy/pobraziljourindex.htm.

[12] SINGER, Peter. Vida Ética: os melhores ensaios do mais polêmico filósofo da atualidade. Trad. Alice Xavier. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p.52.

[13] LEVAI, Laerte Fernando. Crueldade consentida – crítica à razão antropocêntrica – Revista Brasileira de Direito Animal (Brazilian Animal Rights Review), ano 1- 2006, p.172. Disponível em: http://www.animallaw.info/policy/pobraziljourindex.htm.

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Comentários e Opiniões

1) Antônio (02/09/2015 às 12:25:33) IP: 186.192.245.246
Já o Parlamento Francês, reconheceu os animais como seres sencientes.


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