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BREVES COMETÁRIOS SOBRE AS AÇÕES PENAIS COLETIVAS


Autoria:

Lílian Nássara Miranda Chequer


Advogada. Professora da Universidade de Itaúna. Especialista em Psicopedagogia e Interdisciplinaridade. Mestranda em Direito pela Universidade de Itaúna.

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Resumo:

Diante da importância dos direitos coletivos que visam à proteção de bens coletivamente considerados por todo o ordenamento legal, muito se discute se os bens jurídicos penais são ou podem ser tutelados coletivamente.

Texto enviado ao JurisWay em 26/09/2013.

Última edição/atualização em 07/10/2013.



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Resumo: Diante da importância dos direitos coletivos que visam à proteção de bens coletivamente considerados por todo o ordenamento legal, muito se discute se os bens jurídicos penais são ou podem ser tutelados coletivamente, bem como quem são ou quem poderiam ser os legitimados para a propositura de eventual ação penal coletiva. Aceitando essa ideia, propõe-se a inserção no ordenamento de nova categoria de ação penal, a coletiva, sendo mais um instituto de defesa de bens penais coletivos. Além do mais, sugere-se a criação de um novo ramo do Direito Processual Penal, qual seja, o coletivo, para que essas ações penais sejam julgadas de uma forma diferenciada, garantindo, assim, ampla proteção dos direitos coletivos.

Abstract:Given the importance of collective rights aimed at protecting assets collectively regarded throughout the legal system, there is much discussion if the legal criminal are or may be protected collectively as well as who they are or could be legitimized for the filing of any collective criminal action. Accepting this idea, we propose the inclusion in the planning of new category of criminal action, the conference is one more institute criminal defense of collective goods. Moreover, we suggest creating a new branch of the Criminal Procedure Law, that is, the collective, so that these prosecutions are judged in a different way, thus ensuring full protection of collective rights.

Palavras-chave: Direitos Coletivos – Processo Coletivo – Direito Penal – Processo Penal.

 Keywords: Collective Rights - Collective Process - Criminal Law - Criminal Procedure.

1.INTODUÇÃO

O Brasil foi um dos primeiros países a criar e desenvolver o processo coletivo entre os países de civil Law, com a edição da Lei da Ação Popular, Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, rompendo, de vez, com o individualismo processual.

O tema direitos coletivos é, ainda, bastante discutido pela doutrina, gerando várias vertentes, teorias e consequentemente dúvidas e indagações sobre o tema, exigindo dos aplicadores do direito um estudo aprofundado para evitar injustiças e decisões divergentes ao tratarem do assunto.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a universalidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade chamados de direitos de quarta geração ou coletivos ganharam força e destaque no cenário jurídico brasileiro, tendo em vista seu caráter constitucional. É nesse contexto que os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos ganharam relevância.

Segundo Hugo Nigro Mazzilli[1] podemos dizer que, de uma forma ampla, os direitos coletivos não são propriamente interesse público nem interesse privado, pois encontram-se na posição intermediária entre essas duas categorias, sendo considerados direitos coletivos latu sensu aqueles “compartilhados por grupos, classes ou categorias de uma empresa, os membros de uma equipe esportiva, os empregados de um mesmo patrão. São interesses que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam a constituir interesse público.”

Assim, observa-se que esses direitos transcendem o plano individual e possibilita uma economia processual na resolução da lide, evitando, pois decisões conflitantes. Com o fim de evitar maiores transtornos e dúvidas, o legislador achou por bem diferenciar as categorias de interesses coletivos tendo elencando no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor o conceito de cada uma delas. Vejamos:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

        Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

        I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

        II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

        III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

 

1.1  Os Direitos Difusos

 

Os denominados direitos difusos podem ser considerados como aqueles cujos titulares não são determináveis e sim indeterminados e indetermináveis.

Isso não quer dizer que uma pessoa em particular não esteja sofrendo a ameaça ou o dano, mas sim que se trata de uma espécie de direito que, apesar de atingir alguém em particular, merece especial atenção porque atinge simultaneamente a todos.

Por exemplo, como observa NUNES, Rizzatto[2] “se um fornecedor veicula uma publicidade enganosa na televisão, o caso é típico de direitos difusos, pois o anúncio sujeita toda a população a ele submetido. De forma indiscriminada e geral, todas as pessoas são atingidas pelo anúncio enganoso”.

É importante lembrar que, quer se identifique um consumidor que foi violado no seu direito individual, quer não se encontre nenhum, trata-se sempre de direitos difusos. Sempre que surgir, ao mesmo tempo, questão que envolva direitos difusos e outra que envolva direito individual, ambas ligadas pelo mesmo objeto, ter-se-á dois tipos de direito em jogo, e ambos protegidos pelo regime legal consumerista.

Quanto à relação jurídica existente entre os lesados em matéria de direitos difusos, esta não existe, sendo as circunstâncias de fato que estabelecem a ligação.

 

1.2. Os Direitos Coletivos

 

Os titulares do direito nos direitos coletivos são também indeterminados, mas determináveis. Isto é, para a verificação da existência de um direito coletivo não há necessidade de se apontar concretamente um titular específico e real[3].

 

1.2  Os Direitos Individuais Homogêneos

 

Em relação aos direitos individuais homogêneos, ossujeitos são sempre mais de um e determinados. Não se trata de litisconsórcio e sim de direito coletivo. O estabelecimento do nexo entre os sujeitos ativos e os responsáveis pelos danos, se dá numa situação jurídica — fato, ato, contrato etc. — que tenha origem comum para todos os titulares do direito violado[4].

É importante lembrar também que nesse caso, o objeto é divisível. A origem é comum e atingiu a todos os titulares determinados dos direitos individuais homogêneos, mas o resultado real da violação é diverso para cada um, de tal modo que se trata de objeto que é divisível.

A forma como a sociedade vive hoje demonstra a importância dos direitos difusos, uma vez que todos serão atingidos quando esses direitos forem violados. Daí a relevância do direito penal diante das possíveis agressões aos interesses difusos, uma vez que o direito penal não pode afastar-se do convívio social. Ou melhor, o direito penal é essencial para equilibrar o convívio entre as pessoas.

 

2. PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL COLETIVO

A palavra “princípio” vem do latim “principium”, que significa início, começo, origem das coisas. Segundo o seu significado etimológico, pode ser preceito, norma de conduta, máxima, opinião, maneira de ver, parecer, código de boa conduta através do qual se dirigem as ações e a vida de uma pessoa, é educação, doutrina dominante, alicerce, a base das normas que regem uma sociedade[5]

 

Paulo Bonavides[6], citando Luíz-Diez Picazo alega que a ideia de princípio deriva da linguagem da geometria, “onde designa as verdades primeiras”. Segundo o doutrinador, exatamente por isso são “princípios”, ou seja, “porque estão no princípio” sendo as premissas de um sistema.

Vários juristas definem princípios, contudo, quase nenhum, mesmo com o passar do tempo, traça o ponto mais controvertido, sua normatividade. Sobre o tema, Bonavides[7]:


“A normatividade dos princípios, afirmada categórica e precursoramente, nós vamos encontrá-las já nessa excelente e sólida conceituação formulada em 1952 por Crisafulli: Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.”

           

Os princípios no campo do Direito, conforme menciona Gregório de Assagra Almeida[8], têm significado de normas elementares, ou seja, são a base, o alicerce da Ciência Jurídica, exprimindo um sentido mais importante que as regras jurídicas.


Dessa forma, vários podem ser os conceitos de princípios, lembrando que para o Direito, como base jurídica que é e tendo em vista uma dimensão valorativa acentuada, são de suma importância para a realização da própria Justiça, no seu sentido mais amplo.

Os princípios desempenham funções diferenciadas e até mesmo combinadas, demonstrando sua relevância para o ordenamento jurídico. As funções dos princípios de Direito são bem analisadas e estudadas pelo doutrinador Humberto Ávila [9] que analisa quatro tipos, sendo a integrativa, definitória, interpretativa e bloqueadora.

Entende-se como função integrativa quando os princípios agregam às regras elementos não previstos, ou seja, em faltando regras, os princípios serviriam como fonte supletiva. A função definidora, tendo como parâmetro normas mais amplas, serve para delimitar e restringir a amplitude do conceito previsto, trazendo mais especificação. Já quando as normas possuem uma abrangência mais restrita, os princípios tem a função interpretativa, uma vez que possibilita uma interpretação mais ampla dos conteúdos.

O exercício da função bloqueadora seria quando os princípios afastam elementos expressamente previstos que sejam incompatíveis com o estado ideal de coisas a ser promovido. Um exemplo seria uma regra previr a abertura de um prazo que seja insuficiente para a proteção dos direitos do cidadão, sendo esse prazo, com base na eficácia bloqueadora do princípio do devido processo legal, inadequada, devendo, dessa forma, a norma se adequar para respeitar os direitos e garantias estabelecidos em nosso ordenamento.

Merece destaque o conceito de Miguel Reale[10] que além de demonstrar a importância dos princípios, discorre sobre suas funções, ao afirmar que os princípios gerais do Direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, que para sua aplicação e integração, quer para elaboração de novas normas, cobrindo tanto o plano teórico quanto o prático do Direito.

Dessa forma, depreende-se que os princípios estão para o Direito, assim como o ar está para o ser humano. Renegá-los seria o mesmo que negar a existência do próprio Direito[11].

Assim, para compreendermos o direito processual coletivo é necessária uma análise dos principais princípios que servem de base para esse sistema processual.

 

2.1. Princípio do acesso à justiça

Com a Constituição Federal de 1988, o acesso à justiça ganhou nova concepção. Não significa apenas acesso ao Judiciário, mas sim acesso a uma norma jurídica justa e adequada, com o devido processo legal. Segundo Kazuo Watanabe[12], o acesso à justiça resulta no “acesso à ordem jurídica justa”.

Mauro Cappelletti[13], um dos maiores estudiosos do acesso à justiça, identificou três “ondas renovatórias do direito processual”, sendo a assistência judiciária, que facilita o acesso à justiça daquele que não tem condições financeiras para tal; a tutela dos interesses difusos, permitindo que grandes conflitos de massa sejam levados aos tribunais; e o modo de ser do processo, cuja técnica processual deve utilizar mecanismos que levem à pacificação do conflito, com justiça.

Nos dizeres de Ada Pellegrini Grinover[14]:

“Percebe-se, assim, que o acesso á justiça para a tutela de interesses transindividuais, visando à solução de conflitos que , por serem de massa, têm dimensão social e política, assume  feição própria e peculiar no processo coletivo. O princípio que, no processo individual, diz respeito exclusivamente ao cidadão, objetivando nortear a solução de controvérsias limitadas ao círculo de interesses da pessoa, no processo coletivo transmuta-se em princípio de interesse de uma coletividade, formada por centenas, milhares e às vezes milhões de pessoas.”

 

2.2 Princípio da participação

Esse princípio é referente a qualquer processo. No processo individual ele se manifesta pelo exercício do contraditório. No processo coletivo o princípio da participação se faz pelo próprio processo. É importante mencionar a participação popular no processo penal através do tribunal do júri. Ou seja, o princípio da participação é essencial em qualquer forma de processo.

Mister salientar uma diferença na participação no processo individual e no coletivo. Enquanto que no individual a participação ocorre de forma direta através do contraditório, no processo coletivo, a participação no próprio processo é menor, pois é exercida por um representante adequado.

 

2.3 Princípio da ação

Esse princípio nada mais é do que o direito que a parte tem de entrar em juízo para ver sua lide resolvida. Tanto no processo individual como no coletivo, o princípio da ação se manifesta da mesma forma.

 

2.4 Princípio da economia

Princípio de extrema importância, uma vez que visa desafogar o Judiciário, pois resulta da atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais.

Nas ações coletivas é sempre presente, pois através de uma única ação, visa resolver a lide que atinge uma coletividade.

 

2.5 Princípio da Instrumentalidade das formas

Ficar apegado às formas dos atos processuais pode fazer com que os escopos jurídicos fiquem sufocados evitando, assim, que o processo chegue ao seu resultado final desejado. Dessa forma a instrumentalidade das formas visa a flexibilizar as técnicas processuais, evitando que a interpretação rigorosa acabe por fazer não atingir a sentença de mérito.    

Assim, após essa análise de alguns dos princípios mais importantes para o processo, ficou demonstrada a feição própria que cada princípio pode ter em relação ao processo em que serão aplicados, autorizando, pois, a criação de um novo ramo do direito processual, o Direito Processual Coletivo. 

 

3. BEM JURÍDICO PENAL

Para entendermos o bem jurídico penal é preciso entendermos alguns conceitos importantes, tais como bem existencial. Nesse contexto podemos dizer que bens existenciais são aqueles importantes para o indivíduo e para a comunidade, possuindo relevância social sendo carecedor, portanto, de proteção feita pela norma.

Para Francisco de Assis Toledo[15]:

“os bens são, pois, coisas reais ou objetos ideais dotados de “valor”, isto é, coisas materiais e objetos imateriais que, além de serem o que são, “valem”. Por isso são, em geral, apetecidos, procurados, disputados, defendidos, e, pela mesma razão, expostos a certos perigos e ataques ou sujeitos a determinadas lesões”.

 

Assim, para que um bem existencial seja considerado um bem jurídico ele tem que ter interesse humano e valoração do legislador. Nos dizeres de Hans Welzel[16]bem jurídico é um bem vital da comunidade ou do indivíduo, que por sua significação social, é protegido juridicamente.

Além de assegurar a própria existência do indivíduo, caracterizando, pois, os bens jurídicos individuais, existem, ainda, ainda os bens jurídicos coletivos[17], que afetam a sociedade num todo, como por exemplo, a saúde pública, o meio ambiente, a seguridade social etc.

Diante desses conceitos, podemos definir como bem jurídico penal[18] “como um objeto da realidade, que constitui um interesse da sociedade para a manutenção de seu sistema social, protegido pelo direito, que estabelece uma relação de disponibilidade, por meio da tipificação das condutas”.

Assim, fica clara a diferença entre bem jurídico penal e objeto material do delito, uma vez que o bem jurídico penal é o bem existencial, de interesse social e valorado pelo legislador. E o objeto material do delito já é a coisa ou ente físico sobre o qual recai a conduta praticada pelo agente. “O bem jurídico é um conceito jurídico (é o resultado de uma valoração); o objeto material é um conceito naturalístico (físico)”.[19]

É importante lembrar que nem todo bem jurídico será valorado pelo legislador como carecedor de tutela penal e sim apenas aqueles essenciais à convivência harmônica dos indivíduos na sociedade.

Quando o assunto é direito supraindividual, polêmica existe se eles deveriam ou não ter tutela penal. É nítida a importância dos bens supraindividuais na sociedade, contudo para serem considerados carecedores de tutela penal, teremos que observar as duas concepções existentes sobre o tema: a dualista e a monista[20].

De acordo com a concepção dualista do bem jurídico, este não só será individual como também social e comunitário, abrangendo do mesmo modo os bens jurídicos coletivos. Por outro lado, a teoria monista expõe o bem jurídico a partir de uma concepção estatal ou pessoal e individual.

Dessa forma, vários entendimentos surgiram sobre o tema, sendo que alguns doutrinadores como por exemplo Hassemer, Prittwitz, propõem um afastamento do Direito penal das categorias fora dos direitos individuais. Já Figueiredo Dias[21] entende serem capazes de proteção penal também os bens relacionados a um aspecto geral, ou seja, supraindividuais, coletivos ou difusos.

Esse último entendimento também é defendido por Roxin[22], contudo, ressalva que os bens jurídicos coletivos apenas serão legítimos quando forem interessante para o próprio homem.

 

4.AÇÃO PENAL COLETIVA

A ação coletiva surge em razão da relação entre a matéria litigiosa e a coletividade que necessita da tutela para resolver o litígio, sendo de sua importância a matéria litigiosa a ser discutida e não os sujeitos do processo. Por isso mesmo, de acordo com Diddier Júnior e Zaneti Júnior[23], a peculiaridade mais marcante nas ações coletivas é a de que existe a permissão para que, embora interessando a uma série de sujeitos distintos, identificáveis ou não, possa ser ajuizada e conduzida por iniciativa de uma única pessoa.

Mister salientar que os delitos tutelados pelo Código Penal remontam eminentemente individuais, mesmo porque foi editado em 1940. Por outro lado, a ideia de se instituir uma ação penal que verse sobre direitos supraindividuais não é nova, sendo inovadora apenas a admissão de novos legitimados em sua propositura, bem como legitimados passivos também considerados alguns entes coletivos.

Para analise dessas ações coletivas penais, temos que partir do pressuposto que os direitos coletivos podem ser violados na seara penal, tal como acontece com o meio ambiente, ordem econômica, saúde, direito do consumidor entre outras áreas. Ou seja, crimes em massa, aquele cometido contra uma generalidade de pessoas. Assim, se a vítima da conduta delituosa é a coletividade, a sentença penal condenatória repercutirá no âmbito cível, beneficiando as vítimas. Além do mais, o próprio CDC permitiu o transporte da eficácia da sentença penal, nos termos do art. 103, §4º[24], originando uma nova hipótese de actio civilis ex delicti.[25]

Para Mancuso[26]uma ação recebe a qualificação de coletiva quando através dela se pretende alcançar uma dimensão metaindividual e não pela mera circunstancia de haver um cúmulo subjetivo em seu polo ativo ou passivo. Na verdade, uma ação é coletiva quando algum nível do universo coletivo será atingido no momento em que transitar em julgado a decisão que a acolhe.

De acordo com o art. 129 da Constituição Federal[27]o Ministério Público é o legitimado ativo para a propositura da ação penal pública, possuindo o ofendido legitimação extraordinária na ação penal privada.

Ocorre que na prática, por mais que o Ministério Público seja competente e mesmo com os assistentes técnicos, ele não é capaz de entender todos os pormenores e especialidades que alguns delitos exigem o conhecimento, devendo contar com a assistência de entidades que lhe possam propiciar e certamente ao juízo criminal competente, os elementos de que se necessita para uma decisão justa e correta.[28]

Diante da constitucionalidade dos direitos coletivos e sua presença em vários dispositivos legais, alguns doutrinadores vem sustentando a ampliação do rol de legitimados para a propositura da ação penal coletiva, baseando-se na adequada representação, como se passa pelo Código de Defesa do Consumidor, entendido como um microssistema processual coletivo, uma vez que a matéria de natureza penal tem por objeto o interesse público, instituída em favor da coletividade.

Nosso ordenamento jurídico pátrio não está longe dessa realidade, uma vez que já concede ao particular legitimidade extraordinária em propor uma cão pública quando o Ministério Público não a propõe no prazo estabelecido. Além do mais o art. 80 do CDC admite a assistência dos legitimados elencados no art. 82, bem como lhes é facultado propor a ação penal subsidiária. Senão vejamos:

 

Art. 80. No processo penal atinente aos crimes previstos neste código, bem como a outros crimes e contravenções que envolvam relações de consumo, poderão intervir, como assistentes do Ministério Público, os legitimados indicados no art. 82, inciso III e IV, aos quais também é facultado propor ação penal subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo legal.

 

Assim, a grande vantagem da ação penal coletiva está na capacidade de que entes coletivos têm de fornecer elementos técnicos e estudos relativos ao direito supraindividual violado. Não queremos que qualquer pessoa tenha o poder de propor a ação penal coletiva, mas sim que esta possa ser feita por quem tenha uma representação adequada, visando dar maior assistência ao próprio processo garantindo menor impunidade daqueles que insistem em violar bens jurídicos coletivos.

 

5.PROCESSO PENAL COLETIVO

Aceitando a possibilidade das ações penais coletivas é necessário pensarmos no processo penal. Como seriam julgadas? Como proporcionar maior rapidez em seus julgamentos?

Várias questões surgem quando o assunto é o procedimento a ser adotado. Da mesma forma que em relação às ações coletivas de natureza cível se defende a criação de um processo coletivo, defendemos a ideia da criação de um processo penal coletivo.

Tendo em vista que os crimes que serão apurados nessas ações são de caráter coletivo, demonstrando o interesse público dominante, seu tramite deveria ser mais rápido e eficaz. A criação de um novo procedimento possibilita uma certeza maior na apuração de tais crimes, não deixando de lado os direitos e garantias constitucionais.

Segundo Gregório Assagra de Almeida[29]:

 

“Faltam, também, normas processuais penais adequadas. O Código de Processo Penal acaba por inserir todo o direito penal em uma vala comum, gerando situações de graves injustiças sociais. É necessária a construção da ideia não só em torno de um direito penal coletivo, mas também de um direito processual penal coletivo, com a criação de microssistemas ou de códigos próprios e adequados para o objeto material respectivo. Só assim será possível a adequação do sistema penal brasileiro à nova summa divisio constitucionalizada e relativizada, direito individual e direito coletivo, consegrada no País no âmbito da teoria dos direitos fundamentais (Título II, Capítulo I, da CF/88)”

6.CONCLUSÃO

Através de uma análise da Constituição Federal de 1988 e de nosso ordenamento jurídico em um todo, verifica-se que a coletividade está protegida das inúmeras violações a que está exposta. O legislador estabeleceu bens jurídicos coletivos indispensáveis a manutenção da sociedade, bem como instrumentos que possibilitam a reparação de alguns danos como a ação civil pública, a ação popular e outras ações coletivas.

Contudo, em alguns casos é necessária a proteção na esfera penal para garantir a proteção desses bens jurídicos, que na maioria das vezes é exercida pelo Ministério Público, titular da ação penal pública.

Com o intuito de abranger mais ainda a proteção desses direitos, sustentamos a ideia da ampliação do rol de legitimados para a propositura das ações penais de caráter coletivo, uma vez que entidades com mais estrutura e conhecimento em determinadas áreas, conduziria o processo de uma forma mais eficaz. Além do mais a criação de um novo tipo de processo penal, qual seja, o coletivo, faria com que essas demandas tivessem prioridade de julgamento, bem como a certeza de que a decisão será mais justa, resguardando de forma mais eficiente, a própria sociedade. 

 

7.REFERÊNCIAS

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MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Ação Popular. Proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente. 6ªed.rev.atual.e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. P.42.

 

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GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentados pelos autores do anteprojeto. 5ªed.rev.e atual São Paulo: Forense Universitária, 1997. P601.

 



[1] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.50.

[2] NUNES, Rizzatto. As ações coletivas e as definições de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no direito do consumidor. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2013.

[3] NUNES, Rizzatto. As ações coletivas e as definições de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no direito do consumidor. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2013.

[4] NUNES, Rizzatto. As ações coletivas e as definições de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no direito do consumidor. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2013.

[5] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Coordenado por Marina Baird Ferreira e Margarida dos Anjos. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 4ª Ed. Curitiba: Positivo, 2009, pg. 438.

[6] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010.

[7]BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010. Mencionando Crisafulli em La Costituzione e Le sue Disposizioni di Principio, p.15.

[8] ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo:superação da summa divisio Direito Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008

[9] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3. Ed.aumentada. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

[10] REALE, Miguel. Fontes e modelos de direito: para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1994.

[11]SÉRGIO, Gabriel. Os princípios gerais de Direito Privado e o princípio da dignidade da pessoa humana no Direito das Obrigações. Disponível em: Acesso em: 03.11.2012

[12] WATANABE, Kazuo. Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 128-135. 1988.

[13] CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Ed. Sérgio Antonio Fabris, 1988.

[14] GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito Processual Coletivo. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2013.

[15] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

[16] WELZEL, Hans, Apud PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 4ed. rev.e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.p.37.

[17] Disponível em: http://atualidadesdodireito.com.br/denisjordani/2012/11/03/acao-penal-coletiva/

[18] SMANIO, Gianpaolo Poggio. Tutela Penal dos interesses difusos. São Paulo: Atlas, 2000. P.96.

[19] GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral: volume 2 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P 535.

[20] ALMEIDA, Bruno Rotta. A Teoria do Bem Jurídico e a Proteção Penal de Valores Supraindividuais. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2013.

[21] DIAS. Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte geral. Tomo I: questões fundamentais:a doutrina geral do crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

[22] ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

[23] DIDIER JÚNIOR, Fredie e ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo. Volume 4. 5ªed.rev.atual e ampl. Salvador: Jus Podivm, 2010. P.27.

[24] Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

    § 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

[25] DIDIER JÚNIOR, Fredie e ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil: Processo Coletivo. Volume 4. 5ªed.rev.atual e ampl. Salvador: Jus Podivm, 2010.

[26] MANCUSO. Rodolfo de Camargo. Ação Popular. Proteção do erário, do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente. 6ªed.rev.atual.e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. P.42.

[27] Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

[28] GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentados pelos autores do anteprojeto. 5ªed.rev.e atual São Paulo: Forense Universitária, 1997. P601.

[29] ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Material Coletivo: Separação da Summa Divisio Direito Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008

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