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A TRANSAÇÃO PENAL COMO ESPÉCIE DE AÇÃO PENAL "SUI GENERIS"


Autoria:

José Afonso Nascimento Neto


Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana-BA.

Resumo:

O artigo analisa o instituto da transação penal e a sua aplicabilidade como uma nova espécie de ação penal de características "sui generis".

Texto enviado ao JurisWay em 07/03/2009.

Última edição/atualização em 09/03/2009.



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JOSÉ AFONSO NASCIMENTO NETO 

 

“A vida de um indivíduo só faz sentido se ajuda a tornar a vida das demais criaturas mais nobre e mais bela”. (Albert Einstein)

 

 

RESUMO: O artigo analisa o instituto da transação penal e a sua aplicabilidade como uma nova espécie de ação penal de características "sui generis". Para tanto, recorre-se às fontes doutrinárias pertinentes ao objeto de estudo. Buscar-se-á analisar, assim, a transação penal como uma espécie de ação penal sui generis.

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PALAVRAS-CHAVE: Transação Penal –  Ação Penal – Lei 9.099/95.

 

SUMÁRIO: 1 Introdução – 2 Transação Penal – 3 Transação penal na ação penal de iniciativa privada – 4 Lineamentos históricos entre a Lei 9.099/95 e a transação penal – 5 A transação penal e (é) a (uma) ação penal – 6 Conclusão

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

O presente artigo aborda o instituto da transação penal e a sua aplicabilidade como uma nova espécie de ação penal de características "sui generis". Para tanto, recorre-se às fontes doutrinárias pertinentes ao objeto de estudo. Buscar-se-á analisar, assim, a transação penal como uma espécie de ação penal sui generis.pelo titular da conta.

 

 

2 TRANSAÇÃO PENAL

 

 

Inicialmente se faz necessário tecer alguns comentários a respeito da Lei 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais, por sua importância para o sistema penal e processual brasileiro, que estabeleceu um marco no direito, ante seu caráter despenalizador e busca da solução consensual dos conflitos.

A Lei dos Juizados Especiais Criminais veio a dar efetividade ao artigo 98, inciso I, da Constituição Federal e minimizar a intervenção do Poder estatal, bem como agilizar e simplificar o procedimento e julgamento para as infrações penais de menor potencial ofensivo. O avanço foi significativo, contudo entendemos que poderia ter ido além em diversos outros pontos, em busca da resolução das lides penais.

As infrações penais de menor potencial ofensivo foram limitadas, inicialmente, às contravenções penais e aos crimes com pena máxima não superior a um ano, excetuados aqueles que a lei preveja procedimento especial, consoante artigo 61 da mencionada legislação.

Tímida, por sua vez, a definição, vez que já em 1995 o sistema judiciário brasileiro estava atravancado pelas inúmeras ações penais e a lei poderia ter aumentado o leque dos delitos de menor potencial ofensivo, sem qualquer prejuízo ao sistema repressivo, já que a severidade das punições penais não é causa determinante para diminuição da criminalidade.

 Em 2001, com a entrada em vigor da Lei 10.259, que criou os Juizados Especiais Criminais Federais, o conceito de infrações de menor potencial ofensivo foi alargado para todas aquelas com pena não superior a dois anos, posicionamento que nos parece hoje sedimentado.

Por óbvio, não se pode deixar de reconhecer como válida a preocupação de Cezar Roberto Bitencourt a respeito da utilização indiscriminada ou a elevação exagerada do conceito de infrações de menor potencial ofensivo para fins de transação penal, que implicará em violação de inúmeras garantias penais-constitucionais, tais como o devido processo legal, ampla defesa e presunção de inocência (Bitencourt, 2003, p. 526).

Luiz Flávio Gomes, igualmente, demonstra sua preocupação com o instrumento

 

ao se permitir uma facilitação de pronta reabilitação ao infrator (o que sinceramente não consigo vislumbrar com a mesma clareza e autenticidade); economizam-se recursos humanos e materiais. Em contra posição, e com procedência inequivocamente maior aos meus olhos, há um exército de desvantagens do porte do sacrifício do princípio da presunção de inocência (que adquire um caráter farisaico no sistema norte-americano atua!), da verdade real, do contraditório, do devido processo legal; há, ademais, o risco das injustiças, da flagrante desigualdade das partes, da falta de publicidade e de lealdade processual, dentre tantos outros (Gomes, 1992, p. 88-109).

 

A transação penal, até então inexistente em nosso direito, permitiu a mitigação da obrigatoriedade da ação penal, estabelecendo um novo modelo de Justiça Criminal, centrado na busca da solução dos conflitos e não mais na decisão (formalista) do caso (Gomes, 2003, p. 62). Cuida-se de um revolucionário instrumento de política criminal a possibilitar a solução rápida, sumaríssima, da lide penal (Smanio, 1998, p. 79).

A busca da solução dos conflitos e aplicação de penas diversas da privativa de liberdade, frente à falência do sistema penitenciário brasileiro, parece-nos um norte a seguir, obrigatoriamente, até mesmo para se respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana. A transação penal, aqui, é de suma importância e sua ampliação para diversas outras infrações nos parece irremediável, sem, é claro, nos esquecermos das preocupações anteriormente mencionadas.

O artigo 76 da Lei 9099/95 define transação penal como a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas:

 

 

Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta.

 

Damásio de Jesus diz tratar-se de um negócio entre o Ministério Público e a defesa, possibilitando-se ao juiz, de imediato, aplicar uma pena alternativa ao autuado, justa para a acusação e defesa (Jesus, 1995, p. 62).

É medida alternativa que visa impedir a imposição de pena privativa de liberdade, mas não deixa de constituir sanção penal. Como o próprio dispositivo estabelece, claramente, a pena será aplicada de imediato, ou seja, antecipa-se a punição. E pena no sentido de imposição estatal, consistente em perda ou restrição de bens jurídicos do autor do fato, em retribuição à sua conduta e para prevenir novos ilícitos (Dotti, 2004, p. 433).

Para a transação penal, há requisitos a serem observados, preenchidos. Requisito prévio é a existência das condições da ação, não se admitindo a apresentação de proposta se o caso determina o arquivamento do procedimento investigatório.

Ademais, a partir da criação do estudado instrumento, não se admite sua apresentação quando houver dúvidas quanto à autoria, materialidade, existência do fato típico e ilícito. Ao contrário da análise que se faz no momento do oferecimento da denúncia, informada pelo princípio in dubio pro societate, a transação penal deve ser informada pelo princípio in dubio pro reo, ou seja, na dúvida não se pode admitir a aplicação imediata de sanção penal, sob pena de se montar os princípios constitucionais anteriormente indicados. Aqui, sim, justifica-se o temor da flagrante desigualdade das partes (Gomes, 1992, p. 88-109). Os demais requisitos estão estabelecidos no artigo 76, parágrafo 2°, da Lei 9.099/95.

 

 

3 A TRANSAÇÃO PENAL NA AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA

 

 

A lei 9.099/95, em seu artigo 76, prevê a possibilidade de se concretizar a denominada "transação", que nas lições de Mirabete, é uma das espécies de conciliação criadas pela Constituição da República (art. 98, I).

 

A princípio, não há restrição que a proposta de imposição imediata da pena restritiva de direito seja feita.

É evidente, que a transação penal só é aplicável nas infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, quando a pena máxima cominada abstratamente para o ilícito penal, não supera dois anos de prisão, sendo possível também a sua aplicação, mesmo quando o tipo abstrato só comporta a. pena de multa (Enunciado n.20 do IV Encontro de Coordenação de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil), ou ainda, nas infrações conexas àquelas de competência do Tribunal do Júri (10 Encontro de Juízes do Júri de São Paulo         06.11.1988).

Como conceito de transação pena, o mais comumente utilizado, é o de que a transação penal é instituto jurídico novo, que atribui ao Ministério Público, titular exclusivo da ação penal pública, a faculdade de dela dispor, desde que atendidas as condições previstas na lei, propondo ao autor da infração de menor potencial ofensivo a aplicação, sem denúncia e instauração de processo, de pena não privativa de liberdade". (Escola Paulista do Ministério Público. 1997 - 3. I).

Este conceito é falho e incompleto, uma vez que caracteriza a transação penal como faculdade do Ministério Público, excluindo da sua amplitude as ações penais de iniciativa privada.

Corroborando com a afirmativa acima, alguns operadores do direito defendem a idéia de que a transação penal não é direito público subjetivo do acusado, atribuindo a proposta ao arbítrio do Ministério Público.

O argumento é que o artigo 76 da lei 9.099/955 não se constitui em direito do acusado, mas: "apenas mitiga o princípio da obrigatoriedade da ação penal, ao adotar o princípio da conveniência ou, segundo alguns, o princípio da discricionariedade controlada. As propostas previstas na lei são de exclusivo e inteiro arbítrio do Ministério Público, que continua sendo, por força da norma constitucional, o "dominus litis", não podendo ser substituído pelo magistrado, em tais encaminhamentos" (JT AERGS 99/35).

"A aplicação do art. 90 da nova lei, não está contaminado pelo vício da inconstitucionalidade. Efeitos penais da norma devem ser analisados no âmbito próprio e no momento oportuno. Sem sentido o retorno dos autos à origem para proporcionar ao :Ministério Público propor o que já alcançou em sentença condenatória" (JTAERGS 97/114-115).

Os presentes argumentos acima apresentados são falhos, uma vez que não fica ao arbítrio do Ministério Público oferecer ou não a transação penal.

 

Em que pese a equivocada redação, o vocábulo, tal como na exegese já pacífica do art. 77 do CP, deve ser entendido como alusivo às hipóteses em que o acusado não satisfaça a todos os requisitos para usufruir os benefícios. O direito penal repudia a idéia de arbítrio em qualquer de suas modalidades, principalmente quando se trate de conceder ou recusar ao réu algum beneficio. Nota-se que qualquer decisão judicial nessa parte há que ser devidamente fundamentada, em homenagem a princípios constituc1onais vários. A titularidade da ação concedida ao Ministério Público não lhe implica um poder soberano sobre destino do réu, capaz de contrastar com a lei na medida em que esta reconheça direitos e vantagens aos acusados em geral (Mirabete, p. 123/124).

 

Entende-se, pois, uma vez presente todos os requisitos legais, formais e subjetivos pertinentes que a justifiquem, deverá ser proposta pelo órgão ministerial, pois constituem direito público subjetivo do acusado ou acusado.

Ademais, cabe ao acusado aceitar ou não o beneficio da transação penal.

Sabe-se que sendo a ação penal pública incondicionada ou condicionada quando feita a representação, cabe ao Ministério Público o oferecimento da transação penal sem interferência da vítima.

A dúvida paira quando a ação penal for de iniciativa privada, pois a quem caberia propor o beneficio da transação penal?

A lei 9099/95 não prevê a possibilidade da transação penal nas ações privadas, talvez porque o ofendido não é representante do jus puniendi, mas sim, do jus peresequendi in juditio.

Argumenta-se que o interesse da vítima é de ver reparados os danos causados pelo crime, o que poderia ocasionar em vingança pessoal, caso a esta coubesse a atribuição de propor a transação.

Mas, como visto anteriormente, a transação penal é direito público subjetivo do acusado e não, arbítrio do Ministério Público.

Sendo direito do acusado, é possível então, a sua aplicação nas ações penais de iniciativa privada.

Uma vez que nas ações penais públicas cabe ao órgão ministerial a propositura do beneficio, sendo este o titular da ação e não sendo o titular da ação privada, a quem caberia o dever de propor a transação penal ao acusado que é direito público subjetivo.

Alguns doutrinadores, dentre eles Mírabete, defendem a possibilidade da aplicação do beneficio da transação penal nas ações penais de iniciativa privada, cabendo ao órgão ministerial a propositura do referido beneficio.

O argumento é de que nas ações penais de iniciativa privada, presentes todos os requisitos que justifiquem a propositura do beneficio, desde que não haja oposição do querelante, o Ministério Público poderá, validamente, formular a proposta de transação que, uma vez aceita pelo querelado e homologada pelo juiz, é definitiva e irretratável.

E um argumento incompleto, pois conforme entendimento anterior, a transação é direito público subjetivo.

No argumento acima, a propositura do beneficio é condicionada à não oposição do querelante, restringindo e impossibilitando caso este não queira, a concessão do beneficio ao acusado.

Nota-se também, que o oferecimento do beneficio caberá ao Ministério Público, que pela própria previsão legal não é o titular das ações penais de iniciativa privada.

Não sendo o titular da ação privada, a atribuição ao Ministério Público para propor a transação, ampliaria seus poderes, restringindo então, a participação do querelante.

No caso, o querelante não faria nada além de noticiar a ocorrência de um delito, cabendo ao órgão ministerial a propositura dos beneficias, que uma vez aceitos pejo acusado, encerrariam o procedimento.

Como demonstrado, a possibilidade de oferecimento do benefício da transação penal pelo órgão ministerial é equivocada, pois este não é o titular da ação.

Nas ações privadas, o Ministério Público deve funcionar como custus legis e não como titular, a princípio, da persecução criminal.

O mais adequado é a possibilidade de propositura do beneficio da transação penal pelo querelante, uma vez ser este, o titular da ação privada. Cabe ao Ministério Público, na sua função primordial na qual é soberano, garantir que não seja cometido algum abuso por parte do querelante, resguardando ainda que a proposta de transação penal, que como dito antes é direito subjetivo do acusado, seja ofertada.

 

 

4 LINEAMENTOS HISTÓRICOS ENTRE A LEI 9.099/95 E A TRANSAÇÃO PENAL

 

 

Considerada por grande parte da doutrina como um marco no direito penal-processual brasileiro, a Lei n.o 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais, realmente introduziu um novo paradigma na ordem jurídico-penal nacional: o da justiça criminal consensual. Fruto da feliz previsão constitucional do artigo 98, inciso I, da Constituição de 1988, os Juizados Especiais Criminais forma criados com competência para a conciliação, o julgamento e a execução de infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumarissimo.

O legislador pátrio instituiu a transação penal, tida como verdadeiro mitigador do princípio da obrigatoriedade da ação penal, visando permitir a realização de política criminal mais eficaz.

O objetivo maior da transação penal é a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

A Transação penal está consagrada no art. 76 da Lei 9099/95, o qual dispõe: "havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal publica incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Publico poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na propostd'. Antes do oferecimento da denúncia, portanto, na fase administrativa ou pré-processual, o Ministério Público poderá propor um acordo, transacionando o direito de punir do Estado com o direito à liberdade do "autor do fato", desde que presentes os pressupostos objetivos e subjetivos previstos na lei para a oferta.

Sergio Turra Sobrane define a transação penal como "o ato jurídico através do qual o Ministério Publico e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática do fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada" (SOBRANE, Sérgio Turra. Trahsação Penal. São Paulo: Saraiva, 2001.)

A transação penal tem seu âmbito de aplicação nas inftações de menor potencial ofensivo. Nos termos do art. 61, da Lei 9.099/95,

 

Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos dessa Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.

 

 Contudo, com o advento da lei 10.259, de 12 de julho de 2001, houve sensível modificação na conceituação legal das infrações penais de menor potencial ofensivo. Nos termos do art. 2°, da lei 10.259/2001 "Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa'.

 

 

5 A TRANSAÇÃO PENAL E (É) A (UMA) AÇÃO PENAL

 

 

Trata-se a transação penal realmente de instituto novo, sem precedentes na história processual-penal brasileira e sem paralelo no direito alienígena, como assinala a Professora Ada Pellegrini Grinover:

 

Em sua aparente simplicidade, a Lei 9.099/95 sign{fjca uma verdadeira revolução no sistema processual-penal brasileiro. Abrindo-se às tendências apontadas no início desta introdução, a lei não se contentou em importar soluções de outros ordenamentos, mas - conquanto por eles inspirado - cunhou um sistema próprio de Justiça

penal consensual que não encontra paralelo no direito comparado. Assim, a aplicação imediata de pena não privativa da liberdade antes mesmo do oferecimento da acusação, não só rompe o sistema tradicional do nulla poena sine judicio, como até possibilita a aplicação da pena sem antes discutir a questão da culpabilidade. A aceitação da proposta do Ministério Público não significa reconhecimento da culpabilidade penal, como. de resto, tampouco implica reconhecimento da responsabilidade civil.

 

Esta é a noção tradicional do instituto. Hoje em dia a ampla maioria doutrinária vem entendendo que na transação penal não existe ainda processo. Trata-se de um instituto despenalizante através do qual oferece-se ao autuado a oportunidade de transacionar acerca da pena recebida, possibilitando um deslinde rápido ao procedimento, sem reconhecimento de culpa, vale dizer, sem que a decisão homologatória da transação penal possa ser utilizada como título executivo no Juízo Cível, a fim de se obter um ressarcimento dos danos eventualmente sofridos.

Entretanto, esse pensamento não é uníssono em sede doutrinária. Para o Professor Afrânio Silva Jardim, a proposta de transação penal corresponde a peça exordial de uma ação penal condenatória promovida pelo Ministério Público. Em outras palavras, é a manifestação de uma pretensão punitiva, já que a decisão que homologa a proposta, aceita pelo autuado e seu advogado, tem indisfarçável caráter punitivo.

Ainda para o ilustre professor, o Parquet, ao propor a medida, tem que imputar um fato de forma clara e precisa (tal qual ocorre na denúncia), descrevendo igualmente as circunstâncias do ilícito.

Na realidade, melhor seria que a Lei houvesse previsto a proposta de transação penal como instituto embutido na denúncia, como ocorre com a suspensão condicional do processo. Entretanto, não tendo sido essa a mens legis, outra alternativa não resta, diante dos Princípios Constitucionais informadores do Processo Penal, a não ser considerar a proposta como a peça exordial de uma ação penal condenatória, de iniciativa privativa do Ministério Público, e de caráter especial, ou seja, somente aplicável às chamadas infrações penais de menor potencial ofensivo, assim definidas pelo legislador no artigo 61 da Lei n° 9.099/95.

Seguindo essa linha de raciocínio, a sentença proferida nos autos onde é formulada a proposta de transação penal é não somente homologatória como também condenatória.

Uma grande prova disso é que essa sentença pode ser executada, no caso do não cumprimento da pena imposta. Ora, como bem sabemos e nos ensina a Teoria Geral do Processo, só as sentenças condenatórias podem ser executadas.

Nesse passo, para o professor Afrânio não há qualquer contradição no fato da sentença ser ao mesmo tempo homologatória e condenatória.

Com efeito, a solução proposta pelo referido professor é a que melhor se coaduna com o sistema processual, já que a imposição de pena sem processo é realmente inadmissível em nosso ordenamento.

A se manter a atual definição do instituto da transação penal corre-se o grande risco de assistir-se, mais rápido do que se pensa, ao mais completo desuso do mesmo, já que sob a perspectiva acima apresentada passa ela a não interessar nem ao autor do fato e nem à sociedade.

Aqui cabem algumas palavras sobre a questão da assunção de culpa.

De acordo com o entendimento hoje dominante, capitaneado pelos professores Luiz Flávio Gomes e Ada Pellegrini Grinover, a aceitação, pelo autuado, da proposta formulada pelo Ministério Público, não implica em assunção de culpa.

Isto se dá pela própria sistemática da Lei que implica que o autuado aceita a imposição, por sua livre e espontânea vontade, com o intuito de ver encerrada aquela questão, sem que isso signifique, em qualquer hipótese, ter ele confessado a prática delituosa. Nessa linha é que encontramos a redação do artigo 76, § 6° da Lei, verbis:  A imposição da sanção de que trata o § 4 deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo civel.

Diante do posicionamento assumido neste trabalho, somos forçados a discordar da sistemática adotada pela Lei. Impedir a vítima de utilizar o título judicial como instrumento executivo parece-nos ir de encontro aos próprios princípios da celeridade e economia processual.

Nessa linha de raciocínio encontramos Lycurgo de Castro Santos e Cezar Bitencourt sustentando que na transação penal há assunção de culpa, já que, a seu ver, ao realizar a transação o autuado assume a responsabilidade pela imputação.

Entende ainda este último que o Artigo 76 da Lei n° 9.099/95, dentro dessa perspectiva, não é inconstitucional pois a presunção de inocência insculpida na Constituição Federal é iuris tantum, cedendo diante de prova em contrário, como ocorre na hipótese em exame, onde se dá a expressa aquiescência do autor do fato.

Uma possível solução para essa questão já foi aventada em sede doutrinária, sendo entretanto rechaçada por ampla maioria. Isso se deu logo após o advento da Lei n° 9.099/95, quando discutiu-se se a composição civil seria pressuposto para a transação penal.

O professor Rogério. Lauria Tucci respondeu àfirmativamente a essa questão, argumentando em síntese que o artigo 72 da Lei deve ser interpretado no sentido de que a conjunção desse artigo significa dever haver ao mesmo tempo a composição dos danos e a aceitação da proposta de transação penal, de modo que não havendo composição dos danos civis não poderá se fazer a transação.

 

 

6 CONCLUSÃO

 

A transação penal é um instituto despenalizante no qual é formulada pelo Ministério Público uma proposta para imediata aplicação de pena em procedimento jurisdicional especial, constituindo-se essa proposta na peça exordial de uma ação penal condenatória onde é privilegiado o caráter consensual na prestação jurisdicional.

O Instituto não apresenta qualquer vício de inconstitucionalidade desde que examinado sob o prisma de um procedimento jurisdicional.

Dada a sistemática adotada pela lei, a transação penal está condenada a uma utilização modesta, uma vez que não oferece real vantagem nem para o autuado (autor da conduta penalmente relevante) e nem para o lesado.

Torna-se portanto necessário repensar a questão da efetividade da transação penal ante a forma como está regulada na Lei dos Juizados Especiais Criminais, a fim de que se possa viabilizar a finalidade da pacificação social pretendida pelo legislador, quer seja vinculando a proposta ao ressarcimento prévio dos danos causados ao lesado, quer seja conferindo à decisão homologatória o caráter de título executivo judicial na forma do artigo 584, Inciso TI do CPC, o que importaria em admitir-se a assunção de culpa na aceitação da proposta e ainda em revogar-se o malsinado parágrafo 60 do artigo 76 da Lei n° 9.099/95.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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[1] Graduando do Curso de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana - BA.

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