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A APLICABILIDADE DAS TUTELAS DE URGÊNCIA NO PROCESSO CIVIL À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO


Autoria:

Felipe Marins


Advogado, Bacharel em Direito pela Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina, Pós Graduando "Lato Sensu" em Jurisdição Federal, pela Escola da Magistratura Federal de Santa Catarina - ESMAFESC.

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Resumo:

A aplicabilidade das tutelas de urgência no processo civil brasileiro à luz do princípio constitucional da razoável duração do processo inserido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, como forma de resguardar a dignidade da pessoa humana.

Texto enviado ao JurisWay em 01/08/2013.



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1  INTRODUÇÃO

 

 

            O presente trabalho aborda sobre as diferentes formas de tutela de urgência, o modo como elas estão instituídas no ordenamento jurídico, bem como cada um de seus requisitos. Explorando as formas como se concretizam a tutela jurisdicional nesta modalidade de urgência, visando o bem jurídico tutelável, fazendo uma interpretação constitucional dos dispositivos que autorizam as tutelas. A constitucionalidade deste trabalho, será imposta através de princípios constitucionais que norteiam a atividade jurídica, sendo os principais deles, a dignidade da pessoa humana, desdobrando-se em direitos e garantias como a razoável duração do processo inserido pela emenda 45/2004 e o devido processo legal.

            Será objeto de estudo, a aplicabilidade destas tutelas de urgência dentro do escopo constitucional garantista, visando sempre o bem comum e a solução dos conflitos de forma efetiva. Na tentativa de obter uma maior eficácia dos direitos dentro de um Estado Democrático de Direito, atingindo o seu desiderato.

            O tema proposto ainda enfrenta as questões de fato inseridas no contexto processual vigente, e ampliar a aplicação das normas na nova sistemática sincrética do processo, fornecendo superficialmente ao leitor as características de cada uma das tutelas e qual o seu reflexo no mundo fático.

            Visando, também, uma pesquisa mais aprofundada sobre as eventuais possibilidades de concessão das tutelas de urgência, de forma a proporcionar uma jurisdição mais efetiva, adentrando em um direito dinâmico e condizente com as necessidades do desenvolvimento sócio-politico-econômico-cultural da sociedade contemporânea. Seria este o escopo da luminosidade do princípio constitucional da razoável duração do processo, permitindo a ampla cognição dos enfrentamentos levados ao judiciário.

            O tema e problema de pesquisa estaria na aplicabilidade das tutelas de urgência no processo civil brasileiro à luz do princípio constitucional da razoável duração do processo inserido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, como forma de resguardar a dignidade da pessoa humana.

            O objetivo principal do trabalho é interpretar as tutelas de urgência em uma visão constitucional garantista, especificamente no que tange ao princípio da razoável duração do processo. Verificar os poderes do juiz nas tutelas de urgência e qual a amplitude da tutela jurisdicional diferenciada, observando formas de proporcionar uma jurisdição mais efetiva com a observância do devido processo legal e demais pressupostos legais aplicáveis ao processo.

            Qual a aplicabilidade das tutelas de urgência no atual processo civil, dentro de suas limitações e interpretações, na medida em que sua extensão e efetividade são utilizadas?

            O objetivo da pesquisa seria de verificar a aplicabilidade das tutelas de urgência no processo civil brasileiro e como estas contribuem para a aplicação do principio da razoável duração do processo. Especifica-se este objetivo geral nos seguintes especificadamente: a) identificar juridicamente o campo de incidência da tutela antecipada e cautelar; b) descrever as distinções entre as tutelas de urgência dentro do processo civil; c) verificar as formas de entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca da fungibilidade e concessão ou denegação das tutelas de urgência; d) analisar a aplicabilidade das tutelas de urgência à luz do princípio constitucional da razoável duração do processo.

            A justificativa para o presente trabalho é motivada pelo atual modelo processual, onde dicotomia direito X efetividade, que de modo geral demonstra a necessidade de um procedimento capaz de atender aos jurisdicionados na altura de seus anseios. Não obstante a sistemática processual vigente e seus ritos, os quais sejam ordinário, sumário e sumaríssimo, há se revelar a real finalidade de um processo judicial: a concretização de um suposto direito levado ao Judiciário.

            A partir do sentido extrínseco do processo, a Constituição Federal de 1988 impõe princípios a serem obedecidos no âmbito processual. Neste trabalho pretende-se estabelecer a relação destes princípios, em especial o inciso LXXVIII da CF/88, vigente a partir da Emenda 45/2004, derivado do Pacto de San José da Costa Rica, adotado pela Convenção Americana dos Direitos Humanos. Os países signatários obrigam-se neste acordo à preservação dos direitos inerentes a dignidade da pessoa humana. O inciso LXXVII advém do previsto no art. 8º parágrafo 1. da Convenção Americana que tem a seguinte redação:

 

Artigo 8º - Garantias judiciais 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.(BRASIL, 2010b).

 

            O disposto neste artigo demonstra a necessidade dos Estados Americanos signatários deste tratado em melhorar e adequar seus ordenamentos jurídicos a um novo direito do cidadão, a razoável duração de seu processos dentro dos ditames do devido processo legal, ou seja, “com as devidas garantias” previstas em Lei. É nesse escopo que o presente trabalho pretende contribuir para verificar a aplicabilidade das tutelas de urgência, a partir deste entendimento, como ferramenta capaz de contribuir com os princípios da razoável duração do processo e do devido processo legal.

            O citado dispositivo têm grande importância para a presente pesquisa, pois a redação deste é mais ampla que o inciso LXXVIII da Constituição Federal de 1988 e permite uma interpretação mais abrangente do caráter protetivo das medidas e garantias ali mencionados. Tornando-se indispensável à pesquisa do presente trabalho.

            Nesse sentido veio a redação do art. 5º inc LXXVIII, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”(BRASIL, 2010c) (grifo nosso).

            Assim, salienta-se a necessidade da “duração razoável do processo” como direito fundamental a zelar pela dignidade da pessoa humana. Ainda em análise do artigo supracitado, ressurge-se os demais princípios e garantias positivadas pela constituição federal, a exemplo do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa e do Juiz natural. Assim os princípios equilibram-se enquanto normas fundamentais, aqui partindo da hierarquia proposta por Kelsen em sua pirâmide hierárquica das normas, admitindo no topo das regras jurídicas os princípios constitucionais, bem como a própria Constituição.

            No momento em que se propõe o processo civil, não somente adequar-se à constituição, mas também a atender os jurisdicionados de forma efetiva, fica a necessidade de expor os princípios que serão abordados no presente trabalho, quais sejam: a) princípio da inafastabilidade da jurisdição; b) princípio do devido processo legal; c) princípio da ampla defesa e do contraditório; d) princípio da razoável duração do processo.

            Os princípios constitucionais são fontes do direito e também devem nortear toda a atuação estatal, adequando as condutas intervencionistas nas relações sociais. A exigibilidade dessa adequação, fica a cargo da sociedade, fiscalizando o poder público e exercendo o direito ao sufrágio universal em todos os aspectos e não somente no dia das eleições.

            A sociedade civil reclamou do Estado como instituição normas que garantissem seu intervencionismo efetivo nas relações privadas. A “mão invisível” de Adam Smith perecera durante a crise de 1929, mostrando ao liberalismo que o Estado era necessário e com ele não somente o direito material imposto na Roma Antiga e restrito aos que podiam se chamar “cidadão romanos” e sim um direito abrangente a todos os seres humanos.

            Voltando ao estudo do processo em si, denota-se diante do exposto a busca de um direito humanitário e garantista, de forma a intervir na sociedade com sua verdadeira finalidade a solução dos conflitos. E o processo é o instrumento desta intervenção. É partir do estudo do processo que serão efetivados os direitos tanto na intervenção da esfera pública na privada como da esfera privada na pública. Promovendo positivamente a função reguladora da sociedade nas relações públicas disposta na Constituição Federal de 1988.

            O processo no decorrer de seu aperfeiçoamento exigiu dos operadores jurídicos, ferramentas cada vez mais eficazes para realização do direito material. Sendo a criação das tutelas um dos ápices da concretização deste desenvolvimento. Não bastasse tão somente tutelar, mas tutelar de forma rápida e eficiente, e foi nesse sentido que a velocidade do processo emergiu nas tutelas de urgência. O célebre doutrinador Pontes de Miranda na Carta Prefácio que faz à obra de Arnoldo Wald (2009; p.02) emite o seguinte pensamento “O Direito serve à vida: é regramento da vida. É criado por ela e, de certo modo a cria.”

            Após o advento da Constituição Federal bem como da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, as medidas cautelares e liminares eram insuficientes à demanda judiciária, vez que, o tempo estava mais escasso, e as urgência cada vez maiores, a cada momento. Seriam as leis capazes de solucionar todos os problemas da sociedade ? Bem, a resposta desta questão não é facilmente resolvida, porém a positivação de normas como leis tranqüiliza a sociedade brasileira, isto é fato.

            Então, em 1994, no dia 13 de dezembro, é sancionada a Lei nº 8.952, criando o instituto da tutela antecipada e trazendo ao âmbito do direito processual, ferramentas mais céleres de efetividade dos direitos. O recente art. 273 incorporado por esta lei traz não somente a possibilidade de aplicação da tutela antecipada, mas também seus requisitos.

            Nesta seara, será o objeto do presente trabalho a visão dos institutos das tutelas de urgência desdobradas em medidas cautelares e tutelas antecipadas à luz de um processo civil constitucional, especificadamente a relação com o principio da razoável duração do processo, e quais as conseqüências ou possível colisão dos demais princípios constitucionais.

            É uma tentativa de interpretar os dispositivos concernentes as tutelas de urgência na prática jurídica forense, visando uma melhor atuação dos profissionais da área na concretização dos direitos humanos na esfera jurídica horizontal e verticalmente.

            Adotou-se o método de pesquisa exploratório, para averiguação por meio de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial acerca do tema proposto, conforme GIL (1999, p.43) “as pesquisas exploratórias, visam proporcionar uma visão geral de um determinado fato, do tipo aproximativo.”

            O método utilizado foi o dedutivo, da análise dos textos bibliográficos e da formulação de uma hipótese pela qual será pesquisada neste método, servindo-se de uma base doutrinária e jurisprudencial como coleta de dados.

            Tendo em conta a adoção do método dedutivo, há de se analisar o processo pelo qual passará a pesquisa, que foi a análise de uma idéia ampla, qual seja a aplicabilidade dos direitos fundamentais e garantias constitucionais, para uma idéia específica, que seria a adoção destes pressupostos nas tutelas de urgência contempladas pelo Código de Processo Civil.

            Assim, o método dedutivo consiste na adoção de uma ou mais idéias, tomadas a priori pelo cientista, e que, no decorrer da pesquisa, podem ou não ser confirmadas pelo pesquisador. Desse modo, parte-se de uma grande idéia geral para depois confirmá-la ou refutá-la.

 ESTRUTURA DO TRABALHO

            O primeiro capitulo trata da introdução ao tema, delimitando a problemática e a motivação para a presente pesquisa, apresentando a justificativa e os métodos utilizados no trabalho. O objetivo central de adentrar no tema das tutelas urgência e nos princípios constitucionais contrais da pesquisa.

            O segundo capitulo foca-se no enquadramento das tutelas de urgência no processo civil. Disposto a identificar a tutela diferenciada de cognição sumária nas tutelas cautelar e antecipada. Verificar os requisitos de cada tutela antecipada e cautelar, bem como a diferenciação destas e a possibilidade de fungibilidade entre elas.

            O terceiro capítulo busca a origem do princípio da razoável duração do processo. Quando foi inserido pela Emenda Constitucional nº45/2004 através da internalização da Convenção Americana de Direitos Humanos. Observa-se também a sistemática da Constituição Brasileira de 1988 como garantidora dos direitos fundamentais da pessoa humana

            O quarto capítulo foca-se na adequação do processo civil à Constituição, trazendo os princípio constitucionais que norteiam o processo civil. Trata da nova interpretação do processo como direito material. Descreve o principio da instrumentalidade do processo Identifica os princípios do devido processo legal e da razoável duração do processo dentro da sistemática processual civil, buscando a efetividade da jurisdição nas tutelas de urgência.

            O quinto capítulo traz a conclusão da pesquisa, atribuindo as tutelas de urgência à um novo papel dentro do processo civil atual, o de garantir o direito à razoável duração do processo. O processo civil encontra-se em uma nova dinâmica, encarado também como direito material ao efetivar os direitos e garantias insculpidos da Constituição Federal de 1988.

2 AS TUTELAS DE URGÊNCIA NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

 

 

            A sistemática atual do Código de Processo Civil prevê a adoção de tutelas emergenciais ou de urgência em casos excepcionais. Estas tutelas são capazes de resguardar o objeto do processo ou antecipar os efeitos da sentença, mas para tanto exigem a verificação de alguns pressupostos previstos em Lei. Neste capítulo serão descritas as etapas da criação legislativa das tutelas e quais os ditames para a decretação delas.

 

 

2.1 HISTÓRICO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

 

 

            Desde o nascimento da sociedade e do direito, o ser humano debate-se na questão fundamental do surgimento das tutelas de urgência, “o tempo”, até em certas áreas vistas como exatas baseiam-se na Teoria da Relatividade do tempo/espaço, quanto mais no direito por ser uma ciência social. A relativização do tempo frente as necessidades cada vez mais urgentes na sociedade capitalista contemporânea, a exemplo fica a célebre frase “ time is money” ( tempo é dinheiro), o direito também deveria se adequar ao modo de produção ao qual está inserido, não deixando de apreciar as urgências humanas como saúde, educação, previdência social, esporte, lazer e todos os consolidados pela Carta Magna brasileira de 1988. Na visão de Figueira Jr.(1999, p.166):

 

[...] uma idéia parece ser comum a todos os estudiosos, qual seja, as tutelas de urgência são, sobremaneira, uma forma de tentativa de harmonização do trinômio segurança, rapidez e efetividade do processo, na busca incessante da justa composição do litígio ou, se preferir, da ordem jurídica justa.

 

            Depreende-se do atual modelo processual, a dicotomia direito X efetividade, que de modo geral demonstra a necessidade de um procedimento capaz de atender aos jurisdicionados na altura de seus anseios. Não obstante a sistemática processual vigente e seus ritos, os quais sejam ordinário, sumário e sumaríssimo, há se revelar a real finalidade de um processo judicial: a concretização de um suposto direito levado ao Judiciário.

            O processo no decorrer de seu aperfeiçoamento exigiu dos operadores jurídicos, ferramentas cada vez mais eficazes para realização do direito material. Sendo a criação das tutelas um dos ápices da concretização deste desenvolvimento. Não bastasse tão somente tutelar, mas tutelar de forma rápida e eficiente, e foi nesse sentido que a velocidade do processo emergiu nas tutelas de urgência. O célebre doutrinador Pontes de Miranda na Carta Prefácio que faz à obra de Wald (2009, p.02) emite o seguinte pensamento “o Direito serve à vida: é regramento da vida. É criado por ela e, de certo modo a cria.”

            O processo então exercendo seu papel, deveria proporcionar aos jurisdicionados a utilidade necessária, frente a este posicionamento o Digesto Buzaidiano trouxe as medidas cautelares e as liminares lato sensu, podendo inclusive estas serem deferidas pelo Juiz antes mesmo da formação triangular do processo.(BRASIL, 2010a).

            O processo cautelar teve o ímpeto de resolver o problema da demora no provimento judicial, vez que, o Juiz no processo de conhecimento, é desconhecedor das partes e da lide em questão, proferindo uma sentença quando convencido e devidamente instruída a demanda, neste decorrer de tempo poderia resultar em diversas vezes a perda do objeto da lide (MESQUITA, 2002).

            Então, após o advento da Constituição Federal 1988, bem como da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992, o enfoque ao acesso à justiça criou uma vasta demanda judiciária. De modo que as medidas cautelares e liminares eram insuficientes à conter essa demanda, vez que, o tempo parecia mais escasso, e as urgência cada vez maiores, devido à velocidade da tecnologia e a globalização. Surge então o questionamento; seriam as leis capazes de solucionar todos os problemas da sociedade? Bem, a resposta desta questão não é facilmente resolvida, porém a positivação de normas foi a saída utilizada pelo ordenamento jurídico, e independem de sua capacidade de realizar os anseios da sociedade (BRASIL, 2010b).

            Em 1994, no dia 13 de dezembro, é sancionada a Lei nº 8.952, criando o instituto da tutela antecipada e trazendo ao âmbito do direito processual ferramentas mais céleres de efetividade dos direitos. O art. 273 incorporado por esta lei traz não somente a possibilidade de aplicação da tutela antecipada, mas também seus requisitos (BRASIL, 2010a).

            Os requisitos da tutela antecipada e cautelar serão objeto de estudo em momento a posteriori, após a verificação dos tipos de tutela jurisdicionais presentes no ordenamento jurídico e em qual delas encontram-se as tutelas de urgência, situando-se na esfera da jurisdição.

2.2 Jurisdição e a Tutela jurisdicional diferenciada

 

 

            Para adentrar na questão das tutelas de urgência, faz-se necessária a conceituação da função jurisdicional exercida pelo Estado e as distinções entre as tutelas jurisdicionais presentes no ordenamento jurídico.

            O conceito de jurisdição de Dinamarco (2005, p.329) constitui em “ função do Estado, destinada à solução de imperativa de conflitos e exercida mediante a atuação da vontade do direito em casos concretos.” Tal função tem como característica a inafastabilidade, conforme preceitua a Constituição Federal de 1988 no art. 5º, XXXV, “ a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”(BRASIL, 2010c).

            Portanto, a função jurisdicional é essencialmente, a única ferramenta que o Estado utiliza para solucionar os conflitos do cidadão/jurisdicionado, sendo o Juiz, a pessoa física dotada dos poderes e responsabilidades do Estado, ou seja, investido de jurisdição, como Dinamarco (2005, p. 348) expõe:

 

o exercício da Jurisdição é feito pelo Estado mediante a atuação de agentes específicos, que são os juízes de todos os graus. Eles atuam como se fossem o próprio Estado, visto que este, como pessoa jurídica, constitui pura abstração sem existência física e não tem outro modo de externar seus desígnios e exercer seu poder senão por obra de pessoas físicas. Tais são os juízes, que corporificam o Estado e o representam no exercício da jurisdição.

           

            E prossegue Miranda (apud DINAMARCO, 2005, p.348) examinando as questões tangenciais acerca do regramento da jurisdição do ordenamento jurídico brasileiro e suas implicações:

 

há uma pequena dose de exagero em indicar somente os juízes como agentes do Estado no exercício da jurisdição brasileira, uma vez que o Senado Federal a Constituição outorga essa função em certos casos. Mas esses casos são tão raros e não dizem respeito à jurisdição civil (art. 52, incs. I-II: competência para processar e julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente, Ministros etc., em crimes de responsabilidade ), que é exagero quase insignificante. A jurisdição é realmente, segundo entendimento que vem de tempos imemoriais, atribuição específica dos juízes (Liebman). No Brasil os juízes que exercem a jurisdição pertencem todos ao Poder Judiciário, inexistindo o contencioso administrativo.

 

            Portanto o Juiz, exercendo a jurisdição do Estado deve, para decidir os conflitos da sociedade, analisar os fatos levados ao conhecimento dele e julgar, conforme o direito, entregando a tutela jurisdicional à parte vencedora. O termo tutela jurisdicional na visão de Yarshell ( 1999, p.28 ): “ a locução tutela jurisdicional se presta a designar o resultado da atividade jurisdicional -  assim considerados os efeitos substanciais ( jurídicos e práticos) que o provimento final projeta sobre dada relação material – em favor do vencedor” ,e ainda Mesquita (2002, p. 165) delineia “ que a tutela jurisdicional é a final concessão do direito material a quem dele é titular ou àquele que, na tuição de direito alheio, figura na relação jurídica processual”.

            As tutelas jurisdicionais são classificadas, na lição de Bueno (2007), em tutela reparatória, preventiva ou de urgência , diferentemente da classificação de  Mesquita (2002) em tutelas definitivas, e diferenciadas (urgência, preventivas e transindividuais), embora ambas as classificações baseiam-se conforme a cognição do Juiz, em cognição sumária e “cognição exauriente”. (WATANABE 2002 apud, BUENO 2007, p.15).

            É, no entanto, o enfoque da pesquisa a tutela diferenciada que segundo João Batista Lopes (apud BEDAQUE, 1992 p. 45):

 

é possível conceituar a tutela jurisdicional diferenciada como o conjunto de instrumentos e modelos para fazer o processo atuar pronta e eficazmente, garantindo a adequada proteção aos direitos segundo os princípios, regras e valores constantes da ordem jurídica.

 

            Existem diversas formas de tutelas diferenciadas, conforme bem descreve Mesquita (2002) a respeito das variáveis medidas a serem adotadas por cada procedimento:

           

conseqüência da vasta quantidade de situações ocorrentes nas relações de vida, decorrência da evolução pela qual passou a sociedade, é a necessidade de multiplicidade de formas tutelares àquelas multiformes situações. Essa multímoda manifestação de tutelas jurisdicionais, fora doutrinariamente chamadas de “tutelas jurisdicionais diferenciadas”. Com efeito, para cada situação de direito material haverá uma tutela jurisdicional diferenciada pelo procedimento.

 

            Assim, denota-se a variedade de tutelas jurisdicionais presentes no ordenamento jurídico para cada situação de direito material, porém será objeto da presente pesquisa apenas as tutelas de urgência, classificadas em cautelares e antecipadas.

 

 

2.2.1 A cognição sumária e as tutelas de urgência

 

 

            As tutelas jurisdicionais baseadas em cognição sumária, chamadas de tutelas de urgência, são para Mesquita (2002, p. 164):

 

um procedimento sumário que enseja a cognição exauriente, se entendida esta espécie vertical como aquela adequada a determinadas situações. De outro lado, a cognição sumária não se presta a formação de coisa julgada, ao contrário daquela, pois se pauta em juízo de plausibilidade e não de certeza.

 

            Assim, tutela jurisdicional diferenciada das tutelas de urgência distingue-se da tutela definitiva, pela provisoriedade e juízo de incerteza, servindo para dar efetividade ao processo, acautelando o objeto da demanda ou antecipando o provimento final.

            A doutrina de Mesquita (2002, p. 174):

 

a teoria de Chiovendiana de que o processo deve dar a cada um praticamente tudo aquilo a que tem direito e, precisamente aquilo, só se pode concretizar se for mantido o equilíbrio inicial da relação jurídica processual. Para tanto se fazem imperativas com o escopo de garantir uma execução futura ou antecipar efeitos da própria decisão final.

 

            Depreende-se a necessidade das tutelas de urgência para resguardar o resultado do processo e proporcionar ao jurisdicionado uma tutela efetiva. Existe o dever do Estado em prestar o serviço público da melhor maneira possível e não é diferente quanto à atuação do Poder Judiciário, ensejando as medidas que se fizerem necessárias ao resultado útil do processo, e Mesquita escreve (2002, p.174):

 

não pode a demora jurisdicional ser imputada ao jurisdicionado, que não lhe rendera ensejo e, portanto, tem direito a uma tutela tempestiva e adequada, devendo ser eliminado qualquer desvio que possa comprometer o gozo integral do bem da vida que lhe é próprio. O monopólio estatal da jurisdição impõe uma atitude tendente a coibir qualquer dano que porventura venha a ser causado pelo próprio Estado. Várias são as razões que conspiram contra a celeridade a requererem medidas garantidoras de que a tutela será devidamente útil no futuro.

 

            Nesta visão garantista do processo é que inserem-se as medidas de urgência, como forma de resguardar a efetividade do direito material, antecipando ou acautelando o bem jurídico tutelado. Deste modo, estas tutelas de cognição sumária se fazem necessárias dentro do ordenamento jurídico e consequentemente dentro do processo, havendo ainda a distinção dos efeitos de cada uma, conforme será estudado adiante.

2.2.2 Tutelas de Cognição Sumária - Cautelar e Antecipada

 

 

            As formas de tutelas de urgência, baseadas em cognição sumária, cautelar e antecipada, são os meios pelo qual respectivamente o processo consegue resguardar o objeto da lide e antecipar o provimento final, perante um eventual dano, sendo uma resposta à demora da cognição exauriente, que demanda toda a instrução processual.

            Como explica Bueno (2007, p. 24):

 

 o que o legislador quis resolver foi o problema relativo ao tempo necessário para que o Estado-Juiz decida. Como a necessidade de tempo para deixar de serem apreciadas e resolvidas oportuna e tempestivamente perante o Judiciário, fez-se necessário conceber, para dar conteúdo o mais concreto possível ao art. 5º, XXXV, da CF, as tais tutelas “antecipada e “cautelar”.

 

            Para a obtenção destas tutelas é preciso preencher os requisitos previstos em Lei, de cada uma destas, e ainda verificar a oportunidade e possibilidade de concessão dentro do processo, como medida ou autonomamente.

            Muito se discute acerca das diferenças e conceituações das tutelas cautelar e antecipada, não somente pela proximidade de seus requisitos, como a forma em que serão concedidas incidentalmente ou exteriormente ao processo principal, por isso serão verificados a partir deste título as características de cada tutela e após as suas diferenciações.

 

 

2.3 A Tutela Cautelar

 

 

            A medida cautelar proposta pelo CPC visam acautelar o objeto da demanda no intuito de preservar a efetividade do processo, diante de uma ameaça de deterioração do direito.

            Traz-se a lume o conceito de tutela cautelar da doutrina de Marques (1997, p. 381):

 

tutela cautelar é o conjunto de medidas de ordem processual destinadas a garantir o resultado final do processo de conhecimento, ou do processo executivo. A tutela cautelar é modalidade da tutela jurisdicional, pelo que vem exercida através do processo de igual nome, isto é, do processo cautelar. Seu objeto é sempre outro processo, o qual recebe a denominação de processo principal.

 

            No mesmo sentido sustenta Marinoni (2008, p. 22), quando leciona que a tutela cautelar faz parte do direito da parte em ter seu direito ao final do processo:

 

a tutela cautelar é direito da parte, correlacionada com o próprio direito à tutela do direito. Em razão deste direito, a jurisdição tem o dever de dar tutela cautelar à parte que tem seu direito à tutela submetido a perigo de dano [..] o direito de ação impõe dever legislativo de instituição de técnica processual capaz de permitir a obtenção de tutela cautelar exatamente porque há direito, situado no plano substancial, à tutela cautelar.

           

            Também na lição de Nery Júnior e Nery (1997, p. 908), “a finalidade do processo cautelar é assegurar o resultado útil do processo de conhecimento ou do processo de execução”.

            O processo cautelar tem livro próprio dentro do Código de Processo Civil, ( Livro III, arts. 796- 889) existindo procedimento especial para os diferentes tipos de cautelares. Ainda existe a possibilidade do Juiz, dentro do processo de conhecimento, deferir uma medida cautelar, art. 798, do CPC:

 

art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capitulo II deste livro, poderá o Juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.(BRASIL, 2010a)

 

            Inclusive, de ofício e sem a audiência das partes, hipótese prevista no art. 797, do CPC, “só em casos excepcionais e expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes.”

            Essa possibilidade é chamada de “poder geral de cautela”, adotando o conceito de Didier Júnior (2009, p. 465):

 

 poder geral de cautela é aquele atribuído ao magistrado para que conceda medidas provisórias e urgentes de natureza cautelar, mesmo não previstas expressamente em lei, desde que presentes a fumaça do bom direito e o perigo da demora. Trata-se de previsão legal de atipicidade da tutela cautelar.

 

            Ainda segundo Mesquita (2002, p. 240) o poder geral de cautela confere ao Juiz uma amplitude de poderes ainda maior quando:

 

 

o poder de cautelar geral não se limita a simples medidas que preservem um interesse público, mas, em suas lições, espraia-se pelas ações cautelares nominadas e inominadas, bem como pelas medidas cautelares requeridas pelas partes, do art. 798, e aquelas de ofício, do art. 797.

 

            Nesse sentido ampliativo dos poderes do Juiz, discorre Theodoro Junior (1997, p. 377):

 

ao regular o poder cautelar do juiz, a lei, segundo a experiência da vida e a tradição do direito, prevê várias providencias preventivas, definindo-as e atribuindo-lhes objetivos e procedimentos especiais. [...] a função cautelar não fica restrita às providencias típicas, porque o intuito da lei é assegurar meio de coibir qualquer situação de perigo que possa comprometer a eficácia e utilidade do processo principal. Daí existir, também a previsão de que caberá ao juiz determinar outras medidas provisórias, além das especificas, desde que julgadas adequadamente, sempre que houver fundado de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão de grave e difícil reparação.

           

            Nas considerações de Lacerda (1994, p.74) “estamos em presença de autêntica norma em branco, que confere ao magistrado, dentro do Estado de Direito, um poder puro, idêntico ao do pretor romano, quando no exercício do imperium, decretava os interdicta”.

            O “poder geral de cautela” compreende a possibilidade do juiz deferir medida diferente da requerida na inicial, dentro dessa afirmação Marinoni (2008, p.126) explicita fungibilidade entre as cautelares, baseado no seguinte:

 

quando o autor requer providência que, embora idônea à tutela de segurança, não é a que traz a menor restrição possível ao réu, o juiz certamente deve conceder providência diversa da solicitada, identificada como idônea à tutela de segurança e, ao mesmo tempo, que impõe a menor restrição à esfera jurídica do demandado. [...] a atuação jurisdicional, no caso, não está simplesmente proporcionando, mediante o emprego do princípio da fungibilidade, a tutela idônea ao autor, mas sim se fundando em uma das substancias da regra da proporcionalidade.

           

            Outra hipótese estaria na concessão de liminares sem a oitiva do réu, nos casos em que a ciência deste causaria a impossibilidade ou prejuízo da medida, art. 804 do CPC:

 

art. 804. É licito ao juiz conceder liminarmente ou após justificação prévia a medida cautelar, sem ouvir o réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz; caso em que poderá determinar que o requerente preste caução real ou fidejussória de ressarcir os danos que o requerido possa vir a sofrer.(BRASIL, 2010a)

 

            A concessão de liminares nesse caso exige muito cuidado por parte do magistrado, uma vez que o processo ainda não estabeleceu o contraditório e portanto encontra subsídios em fatos expostos unilateralmente pelo autor, sob pena de ferir o princípio basilar do contraditório. Assevera Marinoni (2008, p.129) sobre o assunto:

 

para justificar a legitimidade da tutela cautelar antes da ouvida do réu é preciso perceber que a tutela de segurança pode exigir providências imediatas e, por conseqüência, o adiamento ou a postecipação do esclarecimento dos fatos e do completo desenvolvimento do contraditório.

           

            Postergando-se o questionamento acerca dos requisitos autorizadores da tutelas cautelares, entende-se viável a concessão da medida ante a urgência pretendida e o perigo do dano iminente, não necessariamente “ferindo” o princípio e sim sobrepujando-o à outro, in casu, efetividade do e celeridade processual.

            As cautelares têm como característica a dependência e a vinculação ao processo principal, podendo ser impostas antes, durante ou dentro do processo principal, conforme se infere do art. 796 do Código de Processo Civil (CPC), “o procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente.”, do supra citado art. 798 do CPC, e do art. 809 do CPC, “ os autos do procedimento cautelar serão apensados aos do processo principal”.(BRASIL, 2010a).

            Ainda a doutrina: “com efeito, para o processualista, há três espécies de provimentos cautelares, ou seja, as medidas cautelares incidentais, previstas nos arts. 797 e 798, ambos do CPC, e as verdadeiras ações cautelares, nominadas e inominadas.” (MESQUITA, 2002, p. 241).

            O deferimento da tutela cautelar está subordinado à averiguação dos pressupostos para sua concessão, previstos no Código de Processo Civil.

 

 

2.3.1 Requisitos da tutela cautelar

 

 

            Os requisitos expostos no art. 798 do CPC, devem estar presentes no fundamento das cautelares como pressuposto de deferimento da tutela, tendo em vista o“fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação”, são denominados da doutrina como fumus boni iuris e periculum in mora, na medida em que “na conjugação do fumus boni iuris com o periculum in mora é que reside o pressuposto jurídico do processo cautelar.” (MARQUES, 1997, p. 392).

            O fumus boni iuris ou fumaça do bom direito (tradução livre) consiste na plausibilidade do direito invocado e na projeção do direito ser confirmado na sentença.

            Para Marins (1996, p.110):

 

o juízo de probabilidade ou verossimilhança que o juiz deve fazer para a constatação do direito aparente é suficiente para o deferimento ou não do pedido de cautela. Havendo, portanto, a aparência do direito afirmado e que será discutido no processo principal, mesmo que os elementos comprobatórios apontem na direção da existência de direito líquido e certo, eles não poderão ultrapassar, na formação da convicção do juiz, o limite da aparência. Ao juiz é vedado ultrapassar de seu campo de atuação no processo cautelar, limitado, no particular, à verificação do fumus boni juris.

 

            Já o periculum in mora, encontra-se no perigo da demora do provimento judicial prejudicar o objeto da lide, causando danos irreparáveis ou de difícil reparação.

            Nas palavras de Ovídio Baptista da Silva (1974, p. 28):

 

não é propriamente, como pensava Chiovenda, o perigo de retardamento da prestação jurisdicional que justifica a ação cautelar. É o perigo em si mesmo, referido à possibilidade de uma perda, sacrifício ou privação de um interesse juridicamente relevante e não o perigo de um retardamento na prestação jurisdicional.

 

 

            O perigo da demora refere-se à prejudicialidade do interesse juridicamente tutelado na demanda e não simples morosidade, plausível da cognição exauriente do Juiz, em todos os aspectos processais constantes da instrução.

            Existe ainda um pressuposto negativo à concessão da tutela cautelar, denominado de periculum in mora inverso, consistindo no perigo da medida cautelar provocar um dano maior em seu deferimento, do que propriamente na manutenção do status quo, havendo inclusive o perigo de irreversibilidade da medida.(Agravo de Instrumento n. 2006.006577-4, de Joinville Relator: Trindade dos Santos Juiz Prolator: Otávio José Minatto Órgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Comercial Data: 29/06/2006) (SANTA CATARINA, 2010)

            Carneiro (1976, p. 42), assim exemplifica essa questio:

 

Em suma, por vezes a concessão de liminar poderá ser mais gravosa ao réu que, do que a não concessão ao autor. Portanto, tudo aconselha ao magistrado perquirir sobre o fumus boni juris e o periculun in mora e também sobre a proporcionalidade entre o dano invocado pelo impetrante e o dano que poderá sofrer o impetrado (de modo geral, o réu nas ações cautelares).

 

            A inexistência deste requisito é conditio sine qua non para o deferimento, uma vez que a eventual periclitância deste fato, por si só, constitui fato impeditivo da concessão.

            Diferente dos pressupostos, a tutela cautelar, permite a concessão mediante caução idônea capaz de ressarcir os eventuais danos sofridos pela parte, (art. 804 do Código de Processo Civil) que seria uma garantia à parte contrária contra eventuais prejuízos causados pela medida cautelar, objetivando assegurar maior segurança ao resultado da demanda, pois “o conteúdo da caução se liga ao dano que pode ser produzido pela execução da tutela cautelar e não o bem objeto do litígio na ação principal, ou o dano temido pelo autor da ação cautelar”. (MARINONI, 2008, p. 131).

            Expostas as principais características da tutelas cautelares e seus reflexos no processo, segue adiante no próximo título as características da tutela antecipada.

 

 

2.4 A Tutela antecipada

 

 

            O instituto da tutela antecipada tem proximidade com as cautelares, pois também tem um fim preventivo, diferenciando-se na forma e como é concedido e nos requisitos. A antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional foi inovação da Lei nº 8.952/1994, a qual deu nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil. (BRASIL, 2010a).

 

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994).(BRASIL, 2010a).

           

            A referida antecipação, permeia a questão principal do processo, ou seja, o resultado final que será analisado em sentença, permitindo ao juiz, quando presentes os requisitos a concessão de medidas provisórias e revogáveis no decorrer do processo.

            A jurisprudência da Corte de Justiça do Rio de Janeiro esclarece:

 

Tutela antecipada não se confunde com medida liminar cautelar, eis que nesta a providência se destina a assegurar a eficácia prática da decisão judicial posterior, enquanto que naquela existe o adiantamento do próprio pedido da ação”(Ac. un. da 5ª Câm. do TJRJ de 10.12.1996, no Ag. 4.266/96, rel. Des. Miguel Pachá; RDTJRJ 32/240).(RIO DE JANEIRO, 2010)

 

            No mesmo sentido, distinguindo a tutela cautelar e antecipada a jurisprudência do Areópago Catarinense:

 

Não se confundem medida cautelar e tutela antecipada. Na primeira bastam fumaça de bom direito e perigo de dano. Na segunda, exige-se que a tutela corresponda ao dispositivo da sentença; haja prova inequívoca, capaz de convencer o juiz da verossimilhança das alegações; fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Tudo isso mediante cognição provisória, com audiência do demandado, que só pode ser dispensada em casos excepcionais.”(Ac. un. da 3ª Câm. do TJSC de 17.09.1996, no Ag. 96.001.452-7, rel. Des. Amaral e Silva; Adcoas, de 30.04.1997, n.8.153.739). (SANTA CATARINA, 2010)

 

            Acerca da provisoriedade da medida antecipatória, o acordão do Tribunal de Justiça de São Paulo ressalta:

 

o limite objetivo da tutela é a coincidência em extensão com a prestação definitiva ou a procedência da inicial caracterizada pela provisoriedade, e não se confunde com o provimento cautelar. A semelhança formal que a antecipação de tutela inegavelmente mantém com a pretensão cautelar, da qual efetivamente se distingue não só em razão da vida efêmera desta última mas, principalmente, em razão do próprio exame do direito afirmado que a primeira comporta, embora resguardada pela provisoriedade, não enseja deferimento alternativo.” (Ac. un. da 9ª Câm. do 2º TACivSP de 10.04.1996, no Ag. 456.382-00/8, rel. Juiz Francisco Casconi; RT 729/246; Adcoas, de agosto/96, n. 8.151.009).(SÃO PAULO, 2010)

 

            Os requisitos autorizadores da tutela antecipada estão dispostos no art.273, incs I e II, do CPC, e aliados à prova inequívoca da verossimilhança da alegação (caput) são os seguintes: fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (inciso I), abuso de direito de defesa ( inciso II, primeira parte), manifesto propósito protelatório do réu (inciso II, segunda parte). (BRASIL, 2010a). Encontra-se ainda o requisito negativo do parágrafo § 2o, do supra citado artigo, “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.”(BRASIL, 2010a).

Em ultima hipótese do parágrafo 6º, do art. 273, do CPC, a possibilidade de conceder a medida, quando existirem pedidos incontroversos .(BRASIL, 2010a).

            Assim como na tutela cautelar, perante este dispositivo, conferiu-se ao juiz um “poder geral”, ou seja, uma faculdade de conceder a tutela jurisdicional conforme a necessidade que entender no caso concreto, na lição de Didier Jr. (2009, p. 465, grifo nosso):

           

o poder geral de antecipação é aquele conferido ao órgão jurisdicional para que conceda medidas provisórias e sumárias que antecipassem a satisfação do direito afirmado, quando preenchidos os respectivos pressupostos legais (art. 273 e §3º do art. 461 do CPC). Cuida-se de positivação de atipicidade (generalização) da tutela antecipada satisfativa.

 

            Observando-se o comando processual, a tutela antecipada deve servir ao jurisdicionado, na forma do provimento final, na medida de sua provisoriedade, diferentemente da tutela cautelar, onde apenas deve resguardar o resultado da demanda.

            Nas palavras do Magistrado Federal e Doutor em Direito Público Friede (1999, p.73):

 

nesse diapasão, não se pode jamais perder de vista o propósito específico da tutela antecipada que, não é, à toda evidência, o de preservar a efetividade da tutela jurisdicional (inerente ao escopo de atuação cautelar) e sim o de prover uma tutela provisória nas hipóteses em que, - necessariamente exista, de plano, uma evidente razoabilidade das alegações autorais (requisito básico e insuperável do instituto antecipatório (art. 273, caput, do CPC)) e, - eventualmente -, exista um perigo em relação à demora da prestação cognitiva final (requisito suplementar e alternativo (art. 273, I, do CPC), posto que a tutela antecipada também pode ser concedida apenas, no sentido material objetivo, em face da caracterização do abuso do direito de defesa).

 

            O sentido e aplicação da medida antecipatória dependem da existência dos requisitos previstos em lei, em cognição sumária, demonstrados nos autos, de modo que a tutela será deferida, indeferida ou parcialmente deferida, conforme o juízo de verossimilhança e a urgência verificada no caso.

 

 

2.4.1. Requisitos da tutela antecipada

 

 

            A prova inequívoca da verossimilhança da alegação é pressuposto fundamental para a concessão da medida, pois funda-se na materialidade da ocorrência do fato, e na probabilidade do direito pretendido, semelhante ao  fumus boni iuris das cautelares, e tendo uma maior cognição, embora dentro da sumariedade.

            Nesse sentido o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça Catarinense:

           

AGRAVO DE INSTRUMENTO - INDEFERIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA - RENOVAÇÃO DE SEGURO - AUSENTES OS PRESSUPOSTOS DO ART. 273, INC. I DO CPC - DESPROVIMENTO RECURSAL O art. 273 do CPC prevê a concessão da tutela antecipada, quando a prova inequívoca do direito do postulante convença o juiz da verossimilhança da alegação e, ainda, alternativamente, haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou a caracterização do abuso de direito de defesa ou do manifesto propósito protelatório do réu. “A manutenção do contrato por meio de tutela antecipada ofende ao princípio constitucional da livre iniciativa, uma vez que pretende forçar os particulares a manter um contrato já encerrado nos termos em que a avença permitia, pois a concessão da tutela antecipada é medida de absoluta excepcionalidade e, por conseqüência, nítida vinculação à efetiva presença de todos os pressupostos indispensáveis - o que inclui, além dos requisitos tradicionais do periculum in mora e do fumus boni juris, a concreta e indiscutível relevância dos motivos alegados em combinação com a não produção do denominado periculum in mora inverso, no qual a concessão da tutela é mais danosa ao réu que sua não concessão ao autor" (AI n. 2001.002256-2, de Blumenau, rel. Des. Anselmo Cerello). (Agravo de Instrumento n. 2003.024316-0, de Itajaí
Relator: José Volpato de Souza Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Civil Data: 06/02/2004 ).(SANTA CATARINA, 2010, grifo nosso)

 

            Sobre a possibilidade de concessão das medidas antecipatórias previstas no art. 273 do CPC, versa o acórdão do Desembargador Volnei Carlin da mesma Corte de Justiça:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO - INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERIU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - SERVIVOR PÚBLICO ESTADUAL - DEMISSÃO APÓS PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA - INSUFICIÊNCIA DOS REQUISITOS FUMUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA PARA A CONCESSÃO DA MEDIDAA antecipação dos efeitos da tutela somente pode ocorrer nos termos do caput do art. 273 do Código de Processo Civil, se existir prova inequívoca do motivo em que se baseia, a fim de ser caracterizado o convencimento da verossimilhança da alegação. Assim sendo, não é de se conceder tutela antecipada objetivando a recondução ao cargo de servidor público, quando ausentes os elementos comprobatórios amparadores da pretensão. ( Agravo de Instrumento n. 2004.026643-5 de Capital Relator: Volnei Carlin Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Público Data: 24/02/2005 ).(SANTA CATARINA, 2010, grifo nosso)

 

            Prossegue o posicionamento do TRT da 2ª Região, descrevendo a possibilidade da concessão da antecipação de tutela, especialmente no que tange à prova inequívoca:

 

A prova inequívoca de que trata o art. 273 do CPC deve ser aquela sobre a qual não recaia qualquer dúvida que se basta por si e não exige qualquer complementação. Se necessárias a produção de provas no curso do processo, não há como ser deferida a antecipação da tutela.”(Ac. Da Seç. Esp. Do TRT da 2ª R. de 27.08.1996, no MS 342/96-P, rel. Juiz José Roberto Vinha; Adcoas, de 10.12.1996, n. 8.152.212). (SÃO PAULO, 2009)

           

            Assim, torna-se primordial a existência da verossimilhança da alegação, em primeiro plano, na análise dos requisitos da tutela antecipada. Quanto ao dano irreparável ou de difícil reparação, baseia-se no perigo de prejuízo concreto à parte, em razão da demora processual. O perigo do dano deve ser real e iminente para satisfazer este pressuposto. Não bastando apenas uma previsão de eventual prejuízo ou conseqüência decorrente de suposição.

            Bueno (2007, p. 42) descreve esse requisito da seguinte forma:

 

esse ‘perigo na demora da prestação jurisdicional’, deve ser entendido no sentido de que é fundamental para que o processo realize, em concreto, os valores que lhe são impostos pela Constituição Federal que a tutela jurisdicional seja antecipada, antecipada no sentido de que tratei no item 2.6, isto é, que possa o autor sentir os efeitos concretos sobre a situação de lesão ou ameaça a direito que narra perante o juiz antes que seja tarde demais, antes do que, normalmente, não fosse a antecipação da tutela, sentiria. É nesse sentido que o pressuposto deve ser entendido.

 

            O perigo do dano deve estar presente, sob pena de descaracterizar a tutela de urgência, entendida dessa forma, pois urge da necessidade antecipar o provimento jurisdicional justamente para evitar prejuízos à parte.

            O inciso II do art. 273, do CPC, prevê a antecipação da tutela, ainda no caso de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, nesse ínterim cabe destacar com prudência as atitudes da prática forense com a qual o profissional do direito muitas vezes se depara, como petições inócuas ou especulações acerca de fatos distintos da questio do processo e/ou que não fazem parte da esfera civil ou do procedimento, ou “qualquer comportamento que possa ser entendido como abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, deve conduzir o magistrado, desde que presentes os pressupostos do caput do art. 273, à antecipação de tutela fundamentada do inciso II.” (BUENO, 2007, p. 45).

            O autor prossegue exemplificando alguns desses comportamentos que podem caracterizar o intuito procrastinatório:

 

é mais fácil visualizar os comportamentos referidos no inciso II do art. 273 com o réu presente no processo, devidamente citado e criando todo o tipo de embaraço para que, como se costuma dizer, o “processo não ande”. Trata-se da figura conhecida, o ‘chicaneiro’. Deixa tudo para o último dia de prazo, retira os autos e só os devolve depois de muito tempo, protocola as petições, nos locais em que há protocolo integrado, o mais longe possível para que elas demorem a chegar ao juízo de origem, manda os autos, com freqüência assustadora, ao setor de reprografia e peticiona para tudo, absolutamente tudo, pelo mero gosto de os autos nunca estarem onde deveriam estar, mas no “expediente”, mais especificadamente, “na costura” ou “na juntada”.

 

            A hipótese do §6º do art. 273 traz à tona a existência de pedidos incontroversos na lide, fatos não contestados ou admitidos pelo réu, caberiam a antecipação da tutela específica naquele sentido, inovação que juntamente com a execução provisória perfaz um caráter satisfativo das medidas, em que a efetividade é primordial (BRASIL, 2010a).

            O dispositivo citado, segundo Bueno (2007, p. 51) afirma a importância desse pressuposto autorizador, principalmente diante da revelia:

 

se a mera verossimilhança da alegação já é elemento condutor para que a tutela seja antecipada em favor do réu, mais ainda quando, pelas regras do exercício do próprio direito de defesa, cria-se, com a ação ou com a inação do réu, uma situação de presunção de veracidade das alegações do autor, um pouco mais de intensidade, pois, na cognição jurisdicional. Assim não seria justo que o réu se valesse do tempo inerente ao exercício do contraditório para frustar ou empecer o início da eficácia de uma decisão que, por todos os ângulos que o sistema oferece para que a questão seja analisada, tende a ser favorável ao autor.

           

            Com efeito o pressuposto negativo, também existe na tutela antecipada, porém está positivado de maneira mais explícita no §2º do art. 273, do CPC, “ não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”, diferentemente da cautelar, do periculum in mora in verso, nesse pressuposto há a expressa advertência que havendo essa possibilidade, “não se concederá a tutela”. (BRASIL, 2010a).

            Esse requisito tem por base a essência da própria tutela, a provisoriedade, porquanto a irreversibilidade seria contrária a essa fundamental característica, uma vez que a tutela antecipada é baseada em cognição sumária, e revogável e modificável a qualquer tempo, redação do §4º do art. 273 do CPC. Não podendo recair sobre o juiz a possibilidade de julgamento antecipado da lide nessa fase processual de cognição, devendo haver a capacidade da sentença reverter os efeitos, caso seja desfavorável a parte que pleiteou a tutela antecipada.

            Nesse sentido Bueno (2007, p. 64):

           

porque se ela, durante o procedimento, for “revogada” ou “modificada” ou, ao final do procedimento, não for “confirmada” pela sentença, torna-se possível que tudo volte ao status quo ante sem maiores problemas ou prejuízos para o réu. Se uma das questões mais relevantes quando o assunto é tutela antecipada ou, mais amplamente, tutela de urgência, é a busca de uma igualdade substancial entre os litigantes no limiar ou ao longo do procedimento (mas, por definição, sempre antes do “tempo” em que tradicionalmente, habituou-se a tê-la), colocando-os em pé de igualdade, ela não pode criar, para um deles, situação de desigualdade tal que, uma vez não confirmada, por qualquer motivo, cause prejuízos ou efeitos irreversíveis ao outro.

 

            Logo, plenamente substancial a redação do §2º do art. 273 do CPC, na medida em que propõe a igualdade processual e a coerência da medida de urgência dentro do processo, não como imperativo de procedência ou improcedência da ação.

 

 

2.5 AS LIMINARES ACAUTELATÓRIAS E ANTECIPATÓRIAS NO PROCESSO CIVIL

 

 

            Dentre as similaridades das tutelas cautelares e antecipadas, uma delas é o tempo em que se poderá concedê-las no processo, visando dirimir os efeitos do tempo na prestação jurisdicional. O legislador ordinário permitiu que fossem, sempre que necessário e imprescindível para o processo, o adiantamento das medidas acautelatórias e antecipatórias, sem a oitiva das partes e antes da formação triangular do processo.

            Nesse sentido, existe a correlação entre a questão do dano irreparável ou periculum in mora e a concessão das liminares no processo civil, na medida em que a urgência é necessária. A expressão liminar impõe-se para descrever o tempo em que as medidas de urgência são concedidas, ou seja, antes da formação do contraditório. As medidas concedidas em liminar, portanto, também são formas de resguardar a efetividade do processo, aliado ao caráter de urgência dessas medidas, quando necessárias.

            Existe ainda a discussão sobre a colisão de princípios na concessão das liminares, divagando acerca da constitucionalidade destas, o que no entanto foi superado pela jurisprudência, pelo entendimento da decisão do Tribunal Regional Federal de 1ª Região percebe-se a questão de superposição de princípios aplicados ao caso concreto, conforme abaixo segue:

 

ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REAJUSTE DE 11,98%. NÃO CABIMENTO. PRELIMINAR DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. REJEITADA. 1.A possibilidade de concessão de liminar, inaudita altera parte, não atenta contra as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Preliminar rejeitada. 2.É partir o entendimento, das Primeira e Segunda Turmas deste Tribunal, de que, em hipóteses como a em causa, além de não se fazerem presentes os requisitos estabelecidos pelo art. 273 do Código de Processo Civil, obsta a antecipação da tutela a norma inscrita no art. 1º da Medida Provisória nº 1.570/97, convertida na Lei nº 9.494/97. ‘O instituto da tutela antecipada não atenta contra a garantia de acesso ao Poder Judiciário, nem contra o princípio do contraditório e da ampla defesa. Nos termos em que foi introduzida no Código de Processo Civil a tutela antecipada pode ser pleiteada no processo de conhecimento e para sua concessão, no caso do inciso I do art. 273 do CPC, inclusive inaudita altera parte, devem estar presentes três requisitos indispensáveis: prova inequívoca, verossimilhança da alegação; e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Esse último requisito, a me ver, é que determinará ou não a possibilidade e, conseqüentemente, a legitimidade da concessão in limine da medida. O argumento de que a antecipação de tutela sem oitiva da parte contrária é inconstitucional, por ofensa ao princípio do contraditório, soa desarrazoada, porquanto, a admitir-se sua procedência, ter-se-ia de entender coactada, no próprio ordenamento jurídico, a possibilidade de existência de medida dessa natureza’. Agravo provido"(Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Agravo de Instrumento 01000649650 – Processo 199701000649650/MG – 2ª Turma – Relator José Carlos Moreira Alves – DJ de 01.02.1999)(BRASIL, 2010e)(grifo nosso).

 

            Na doutrina de Marinoni (2004, p. 226), o conflito é apenas aparente, não havendo colisão e sim um “juízo de ponderação” no caso concreto, prevalecendo um sobre o outro:

 

no caso de conflito de regras, o problema é de validade, enquanto, na hipótese de colisão de princípios, a questão é de peso. Quando há colisão de princípios, um deve ceder diante do outro, conforme as circunstâncias do caso concreto. Isso significa que, aí, não há como declarar a invalidade do princípio de menor peso, uma vez que ele prossegue íntegro e válido no ordenamento, podendo merecer prevalência, em face do princípio que o precedeu, diante de outro caso concreto. Esse juízo, pertinente ao peso dos princípios, é um juízo de ponderação, que assim permite que os direitos fundamentais tenham efetividade diante de qualquer caso concreto, considerando os princípios que com eles possam colidir.(MARINONI, 2004, p.226).

 

            O provimento jurisdicional “inaudita altera parts” encontra resguardo no princípio da efetividade da prestação jurisdicional, em contra ponto com o contraditório e a ampla defesa, os quais serão sanados do decorrer do processo com a citação do réu.

 

2.6 Diferenças entre as tutelas antecipada e cautelar

 

 

            Conforme já exposto no item 2.3, a tutela cautelar permite a assegurar o resultado útil do processo, mediante a utilização de medida que resguardem o objeto da lide, através da análise dos requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora.  Enquanto a tutela antecipatória permite ao juiz, antecipar os efeitos da sentença, concedendo a tutela jurisdicional específica à urgência pretendida, quando, em síntese, preenchidos os pressupostos da verossimilhança da alegação e o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação.

            Existe ainda a distinção entre os poderes do juiz para deferimento das tutelas de urgência, denominados pela doutrina de Didier Jr. (2009, p. 465) de “poder geral de cautela” e “poder geral de antecipação”, inovando essa perspectiva:

 

O poder geral de cautela é aquele atribuído ao magistrado para que conceda medidas provisórias e urgentes de natureza cautelar, mesmo não previstas expressamente em lei, desde que presentes a fumaça do bom direito e o perigo da demora. Trata-se de previsão legal de atipicidade da tutela cautelar.

Já o poder geral de antecipação é aquele conferido ao órgão jurisdicional para que conceda medidas provisórias e sumárias que antecipassem a satisfação do direito afirmado, quando preenchidos os respectivos pressupostos legais (art. 273 e §3º do art. 461 do CPC). Cuida-se de positivação de atipicidade (generalização) da tutela antecipada satisfativa.

           

            A diferença básica reside no mérito das tutelas jurisdicionais, as quais visam diferentes objetos, a cautelar não permite o usufruto do bem jurídico tutelado e tão somente a segurança deste, para no final do processo haja efetividade na sentença, outrossim a antecipatória perfaz o próprio conteúdo substancial da palavra “antecipa”, e permite a parte o usufruto do bem da vida pleiteado no processo, de imediato e antes da decisão final. Embora ambas as medidas sejam revogáveis e modificáveis no decorrer do processo, em razão de se basearem em cognição sumária.

            Sobre o assunto Marinoni (2008, p. 61) explica:

 

a tutela antecipatória não é instrumento de outra tutela, ou faz referência a outra tutela. A tutela antecipatória satisfaz o autor, dando-lhe o que almejou ao propor a ação. O autor não quer outra tutela além daquela obtida antecipadamente, diversamente do que sucede quando pede tutela cautelar, sempre predestina dar efetividade a uma tutela jurisdicional do direito. A tutela antecipatória também não aponta para uma situação substancial diversa daquela tutelada, ao contrário da tutela cautelar, que necessariamente faz referência a uma situação tutelável ou uma outra tutela do direito material. A tutela antecipatória se confunde com a tutela cautelar apenas quando se frisa a característica da provisoriedade. Porém, o elemento provisoriedade serve, no máximo, para caracterizar a decisão que concede a tutela no curso do processo, jamais a tutela em si.

 

            Na lição de Mesquita (2002, p. 406), apesar das diferenças, é essencial a análise do princípio da proporcionalidade na concessão das medidas cautelares de antecipadas:

           

fundamental ingerência tem o princípio da proporcionalidade, anteriormente enfrentado, quando da concessão de uma medida antecipatória de efeitos concretos da decisão final, da mesma forma como deveria nortear outrora a concessão de medidas cautelares satisfativas, pois que esta única maneira de dar efetividade à tutela jurisdicional.

           

            Não obstante essas diferenças fundamentais entre as tutelas, existe a distinção entre os requisitos do fumus boni iuris X prova inequívoca da verossimilhança da alegação. O entendimento majoritário da doutrina surge do fato que as medidas antecipatórias detêm maior conteúdo de eficácia e por isso tendem a ter um juízo de admissibilidade com maior rigor, sendo a verossimilhança uma etapa mais alta de cognição do que o fumus boni iuris.

            Nesse sentido Mesquita (2002, p. 411) agrega ao instituto da tutela antecipada um maior grau de verossimilhança, pois:

 

 

 [...] apesar da péssima redação do dispositivo, a prova inequívoca da verossimilhança do alegado é um plus ao fumus boni iuris, exigido para a concessão da cautelar, que o legislador entendeu devesse ser incrementado ao instituto da antecipação de tutela. Diferenciando, destarte a tutela antecipatória da tutela cautelar, não apenas pelo aspecto mais pertinente ao requisito da plausibilidade, ou seja, a satisfação ou realização do próprio direito a ser acertado ao final do processo principal. Mas, também, pelo grau de aparência do direito em lide.

 

 

            Enquanto a doutrina de Wambier (1997, p. 537) afirma que a diferença de cognição das tutelas fundamenta-se na distinção dos efeitos práticos das medidas, onde a antecipação requer maior probabilidade de direito:

 

a razão evidente dessa diferença de graus consiste em que o caráter de excepcionalidade das decisões liminares, através das quais se concede tutela antecipatória no processo de conhecimento, parece ser efetivamente muito mais acentuado do que o das decisões liminares proferidas no bojo das ações cautelares. A probabilidade de que o autor tenha mesmo o direito que assevera ter há de ser bastante acentuada para que possa ser concedida a tutela antecipatória. Disse o legislador que da verossimilhança deve haver prova cabal ( não do direito!).              

 

            Desta forma a diferença reside no grau de cognição que cada tutela exige. De maneira diferente recai o dano irreparável ou de difícil reparação ao ser comparado ao periculum in mora, visto que ambos tem o intuito de verificar a incidência de eventual dano ao direito alheio. Assim entende Bueno (2007):

 

ao contrario do que se dá na comparação entre o fumus boni iuris das ações cautelares e a prova inequívoca que leva a verossimilhança da alegação da tutela antecipada, o pressuposto do inciso I do art. 273, o “dano irreparável ou de difícil reparação” pode, com perfeição, ser assimilado ao periculum in mora, típico e constante da tutela de urgência.

           

            Reside ainda uma diferença fundamental entre as tutelas, sua eficácia no mundo exterior ao processo. A cautelar tem a finalidade de proteger o objeto da lide, para que ao final do processo haja uma condenação eficaz na realidade fática. Enquanto a antecipação, efetiva um direito pretendido pela parte, gerando efeitos externos, salientando que a antecipação, para Bueno (2007), caberia até a execução provisória.

            O posicionamento da jurisprudência acerca das diferenças entre a tutela cautelar e antecipada vem no mesmo sentido, ao frisar que a capacidade antecipatória difere-se pelo provimento jurisdicional concedido antes da sentença, e a cautelar como resguardo do objeto para evitar deterioração, colaciona-se a seguir a decisão do Egrégio Tribunal de Justiça Catarinense sobre a “quaestio”:

 

PROCESSUAL - TUTELAS DE URGÊNCIA - TUTELA CAUTELAR - TUTELA ANTECIPADA - LEI 10.444/02 - FUNGIBILIDADE - PRESSUPOSTOS DA MEDIDA NÃO SATISFEITOS - LIMINAR DENEGADA - DECISÃO CONFIRMADA 1. Presta-se a demanda cautelar para "garantir a utilidade e a eficácia da futura prestação jurisdicional satisfativa. Não pode, nem deve, a medida cautelar antecipar a decisão sobre o direito material, pois não é de sua natureza autorizar uma espécie de execução provisória” (Lopes da Costa). No entanto, "inúmeras medidas encontram-se em uma 'zona cinzenta' entre o terreno inequivocamente destinado à tutela conservativa e aquele outro atribuído à antecipação” (Eduardo Talamini). Ocorrendo a hipótese, como in casu, não se justifica a extinção do processo. Conforme Cícero, summum jus, summa injuria (De Officiis, I, 10, 33). 2. A gratificação pelo exercício temporário de função não se incorpora aos vencimentos e aos proventos da aposentadoria, salvo expressa previsão em lei. (Agravo de Instrumento n. 2003.022192-1, de Blumenau)(SANTA CATARINA, 2010, grifo nosso).

           

Trata-se das diferenças entre as tutelas, o item 2.6 tendo o intuito de verificar a possibilidade de fungibilidade entre as tutelas, e qual limitação dessa possibilidade conforme a verificação dos requisitos de cada tutela.

 

 

2.6 A FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS

 

 

            A tutelas de urgência, cautelar e antecipada, detêm a sumariedade de cognição (vide item 2.2.2) e são fatores determinantes ao exercício do poder jurisdicional diferenciado (vide item 2.2), resguardando a efetividade do direito pleiteado, embora existem diferenças em seus institutos processuais (vide item 2.6). Nesse entendimento o CPC prevê a possibilidade de concessão de uma medida pela outra , quando necessário e conveniente ao processo.

            A permissão estampada no art. 273, §7º do Código de Processo Civil refere-se à fungibilidade entre as tutelas cautelares e antecipadas, na medida em que encontrados os requisitos da cautelar, no caso “§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.”(BRASIL, 2010a).

            No entender de Marinoni (2009, p.154) “este parágrafo, ao aceitar a possibilidade de confusão entre as tutelas cautelar e antecipatória, frisa a diferença entre ambas. Isto por uma razão de lógica básica: somente coisas distintas podem ser confundidas”. O Código, portanto, admite expressamente a diferença entre as tutelas e permite ao juiz conceder a cautelar se presentes seus requisitos, mesmo quando o autor formula pedido diverso.

            A providência de natureza cautelar de que trata o §7º do art. 273 do Código de Processo Civil baseia-se na nova formulação do poder geral de cautela e do papel do juiz no processo civil atual, porque o Estado deve atingir sua finalidade, enquanto detentor da jurisdição, completamente dentro do que preceitua o inciso XXXV da Constituição Federal de 1988, na presença do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário. Assim o Juiz ao deparar-se com o caso concreto deve decidi-lo e conceder a tutela jurisdicional conforme o direito, e não simplesmente atrelado aos pedidos do autor (BRASIL, 2010c).

            O posicionamento de Figueira Jr (2007, p.347, grifo nosso), acerca da efetividade da jurisdição e dos poderes do juiz no processo civil:

 

[...] significa dizer que, doravante, presenciaremos, eventualmente, a unificação instrumental plena, onde numa única relação jurídico-processual poderá o Estado-Juiz conceder a satisfação imediata ao autor, por intermédio das técnicas de antecipação da tutela (execução com efetividade da providencia jurisdicional favorável), garantir a incolumidade do bem da vida objeto do litígio, por intermédio de medidas assecurativas (tutela acautelatória) e, concomitantemente, formar a sua paulatina convicção, por intermédio do trâmite do processo de conhecimento. 

 

            Corroborando nesse entendimento Didier Jr. (2009, p. 468) ressalta:

 

[...] não há, pois, correção ou aproveitamento; não se pressupõe erro do demandante na escolha da via processual ou na formulação do pedido; não se pode, portanto, falar em fungibilidade. Trata-se de uma opção legislativa pela simplificação: tutela antecipada no processo de conhecimento também pode servir como técnica de antecipação cautelar, além da satisfativa. Adota-se, porém, o termo “fungibilidade, que já se encontra consagrado doutrinária e jurisprudencialmente, pondo-lhes aspas para ressalvar o posicionamento aqui defendido.

           

            A redação do referido dispositivo denota a extensão e amplitude do poder do juiz no processo civil, constando não apenas o “poder geral de cautela”, mas também o “poder geral de antecipação” ( DIDIER JR., 2009), dessa forma consagrando a nova sistemática processual do sincronismo e efetividade, objetivando imprimir maior celeridade às demandas judiciais.

            Observando o atendimento ao princípio constitucional do acesso à Justiça e à ordem jurídica justa, Silveira leciona questionando a diferenciação na concessão das tutelas:

 

[...] forçoso indagar se a prestação jurisdicional não estaria sendo comprometida com a insistência nesta diferenciação. Há tempos já se pontua essencial identificar o fenômeno apenas objetivando encontrar soluções homogêneas para ambas as categorias, dada a unidade de seu objetivo de combater o fator tempo na busca da efetividade da tutela final.(DOCTOR, 2010)

 

            Nos termos da citada doutrina a diferenciação não deve servir de empecilho a prestação jurisdicional, declarado no 7º do art. 273 do CPC, este posicionamento do legislador ao permitir a concessão mesmo quando a parte requerer outra providência. Ainda é o entendimento do Tribunal de Justiça Catarinense sobre a possibilidade de fungibilidade entre as tutelas cautelar e antecipada, e sua viabilidade no exercício da jurisdição:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Contrato bancário. Revisão de cláusulas contratuais. Tutela ANTECIPADA. Concessão. Hipótese de tutela CAUTELAR. Irrelevância. Viabilidade jurídica. Valores incontroversos. Depósito incidental. Viabilidade. Inscrição do nome do mutuário em cadastos de negativação. Veto acertado. Mora. Efeitos suspensos. Reclamo desacolhido.
I - Nos termos do § 7º acrescentado ao art. 273 do Código de Processo Civil pela Lei n. 10.444, de 07/05/ 2002, faz-se totalmente irrelevante tenha sido a providência de natureza CAUTELAR deferida a título de tutela ANTECIPADA ou vice-versa. Com a reforma havida, admissível é a FUNGIBILIDADE entre essas duas espécies de tutela de urgência, mitigando o legislador processual, com isso, o rigor formalístico que, em detrimento da urgência de determinadas situações, se verificava no cotidiano forense, sacrificando-se, na maioria das vezes, o direito do jurisdicionado em apanágio ao rigor da forma.(Agravo de Instrumento n. 2005.035635-9, de Capital) ( SANTA CATARINA, 2010)(grifo nosso).

 

Observa-se o entendimento de Marinoni (2009) sobre a “mão dupla” deste dispositivo, autorizando também a concessão de medidas antecipatórias quando requeridas por cautelar, evitando também que erros de denominação frustrem a atuação jurisdicional. Conforme decisão abaixo explica:

 

Processo cautelar. Pedido de antecipação de tutela. erro de denominação que não macula a peça inaugural.O fato de ter sido pedida a antecipação de tutela em processo cautelar não torna inepta a exordial, porquanto o que houve foi erro de denominação, já que o autor pretendia a concessão de liminar.cautelar de sustação de protesto e exclusão dos nomes de devedores de serviços de proteção ao crédito. Liminar que somente pode ser concedida em casos excepcionais, quando demonstrada de forma inequívoca a inexistência do débito. Ajuizamento anterior de ação revisional de contrato que não tem o condão de impedir que a instituição financeira se utilize dos meios legais para fazer valer seus direitos. Provimento do recurso. (Agravo de Instrumento n. 1996.005079-5, de Laguna) (SANTA CATARINA, 2010)(grifo nosso)

 

Destaca-se a importância do dispositivo que não deixa margem de interpretações equivocadas, quando explicita a possibilidade de concessão de uma medida cautelar ao invés da antecipada. O Estado Juiz tendo a incumbência de dirimir casos de dúvida dessas medidas e deferi-las quando presentes os pressupostos específicos de cada uma.

 

 

2.7 TUTELAS CAUTELARES DE OFÍCIO

 

 

            As cautelares de ofício encontram lugar no processo civil pela autorização do art. 797 do CPC, permitindo ao juiz determinar medidas que sejam capazes de resguardar o objeto da lide sem a oitiva das partes, conforme a redação do “art. 797. Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes.”(BRASIL, 2010b).

            Salienta-se o disposto no art. 797, no que tange à excepcionalidade dos casos e na expressa autorização legal, ou seja, não é uma afronta ao princípio dispositivo ou livre arbítrio do julgador e sim uma autorização legal ou se o caso concreto assim necessitar.

            Para Marinoni (2008) a conjugação da autorização legal bem como da excepcionalidade do caso concreto exige justificativa para concessão, nas palavras do autor:

 

se a tutela pode ser concedida de ofício em casos previstos na lei, não há como não permiti-la nas situações concretas que, embora não adivinhadas pelo legislador, igualmente justifiquem a atuação oficiosa do juiz. Raciocinar de forma contrária seria negar a principal característica do processo contemporâneo deixando-se de admitir a utilização da técnica processual conforme as necessidades do caso concreto, em sinal de nítido obstáculo à realização do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.(MARINONI, 2008, p. 104).

 

            Há a ainda a generalidade composta pelo termo “casos excepcionais” que deixam margem para interpretações, mas que analisados sobre a lógica do processo podem ser sanados. Como exemplifica Marinoni (2008), as medidas cautelares de ofício se justificam quando o juiz verificar situação de perigo possa colocar em risco o direito da parte, desde que esta situação seja iminente e desconhecida pelas partes. Na lição de Marinoni (2008) assim colocada na obra sobre o processo cautelar:

 

Apenas quando não houver tempo para o juiz ouvir as partes é que se apresentará a primeira característica do significado de ‘caso excepcional’. Existindo situação de perigo capaz de colocar em risco a efetividade da tutela do direito, e não havendo tempo para o juiz ouvir os litigantes, a tutela cautelar pode ser concedida sem requerimento da parte. Mas a ausência de tempo para ouvir as partes não basta. Para que o juiz possa atuar de ofício, é preciso que a situação de urgência não seja de conhecimento da parte que pode ser prejudicada, e, assim, não tenha sido caracterizada expressamente no processo ou anunciada por qualquer das partes. (MARINONI, 2008, p. 106).

 

            Depreende do art. 797 do CPC ainda, que não é qualquer caso simplesmente por ser excepcional onde caberia a medida de ofício, é necessária a análise de certos requisitos, e a havendo a omissão legal no sentido de não proibir o juiz de determinar a medida cautelar. Em consonância com o próprio princípio da razoável duração do processo quando preconiza sobre “meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, inc. LXXVIII). (BRASIL, 2010c). Assim deve ser entendida a possibilidade do Juiz conceder de ofício as tutelas, como responsabilidade do Estado a partir do impulso oficial de garantir o direito pleiteado.

3 A Constituição Federal de 1988 e a Emenda 45/2004

 

 

            A Emenda Constitucional 45 trouxe em seu bojo inúmeras inovações à carta política brasileira, porém o foco do presente estudo está na inserção do inciso LXXVIII ao art. 5º da CRFB/88. Na medida em que a internalização do Pacto de San José da Costa Rica, veio de encontro aos direitos e garantias fundamentais já consagrados na constituição, a incorporação de uma garantia para resguardar a dignidade da pessoa humana, fundada na razoável duração do processo, seria sem sombra de dúvida um crescimento do Estado, enquanto instituição garantidora de direitos, e um fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

            O Pacto de San José da Costa Rica teve sua assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José de Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992. No entanto, a eficácia normativa do Pacto tornou-se plena com a Emenda Constitucional 45/2004, em razão da equiparação dos tratados de direitos humanos com os princípios constitucionais. Nesse sentido, a decisão do Supremo Tribunal Federal acerca do assunto:

 

PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002).

l. ( RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. RE 349703 RS RIO GRANDE DO SUL RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CARLOS BRITTO Julgamento:  03/12/2008 Órgão Julgador:  Tribunal Pleno ).(BRASIL, 2009)

 

            Assim, frisa-se o privilégio dos direitos humanos sobre as demais normas de caráter formal, e por este motivo sendo de suma importância esta equiparação dos tratados. A contribuição da emenda 45/2004 para o presente trabalho foi a internalização do principio da razoável duração do processo como direito de dignidade humana e a inserção deste preceito como cláusula pétrea de nossa Carta Magna.

             A partir deste princípio a Constituição passa adotar uma postura mais processual, delineando os ditames da tramitação dos processos, de forma acelerar a prestação jurisdicional.

            Dinamarco (2005, p. 44) assim descreve sobre a reforma da emenda 45/2004:

 

Os reformadores estiveram conscientes de que a maior debilidade do Poder Judiciário brasileiro em sua realidade atual reside e sua inaptidão a oferecer uma justiça em tempo razoável, sendo sumamente injusta e antidemocrática a outorga de decisões tardas, depois de angustiosas esperas e quando, em muitos casos, sua utilidade já se encontra reduzida ou mesmo neutralizada por inteiro. De nada tem valido a Convenção Americana de Direitos Humanos, em vigor neste país desde 1978, incorporada que foi à ordem jurídica brasileira em 1992 (Dec. 678, de 6.11.92); e foi talvez por isso que agora a Constituição quis, ela própria, reiterar essa promessa mal-cumprida, fazendo-o em primeiro lugar ao estabelecer que “a todos no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”(art. 5º, inc. LXXVIII, red. EC n. 45, de 8.12.04).

 

            A inserção do direito à razoável duração do processo reflete a preocupação do legislador com a efetividade do processo como meio de realização da justiça, até porque de nada adianta um alcançar a procedência da demanda se ao final o provimento jurisdicional almejado será inócuo e não terá conseqüências reais na vida do cidadão. Logo esse novo direito pretende não somente adequar o processo, mas também efetivar os direitos e garantias fundamentais à dignidade da pessoa humana.

            Assim, frisa-se a importância da Emenda Constitucional 45/2004 com a incorporação do art. 8 parágrafo 1º da Convenção America de Direitos Humanos, dotando o sistema processual de uma nova regra norteadora do processo no âmbito judicial e administrativo. Nesse sentido, percebe-se a necessidade de abordagem do tema “dignidade da pessoa humana”, para compreender as questões que incidem sobre essa expressão, e quais os incidentes propostos por essa nova abordagem.

 

 

 

 

 

 

3.1 A Dignidade da Pessoa Humana como fundamento do Estado democrático de Direito

 

 

            A todos dentro do Estado, como o concebido por John Locke em sua obra mais discutida “No Segundo tratado sobre o governo civil” (2003) é garantida a proteção da vida e da propriedade individual, a faceta do liberalismo exprime com clareza a intenção em reduzir o Estado em mero instrumento de proteção de propriedade, criando a antiga mas não menos invocada “segurança jurídica”, nessa afirmativa também Bobbio (2000, p. 50), “[...] com a doutrina do direito natural e com o contratualismo, o Estado passou a ser visto sobretudo em seu aspecto de associação voluntária para a defesa de alguns interesses preeminentes, como a defesa da vida, da propriedade, da liberdade”. O contratualismo contribuiu para o nascimento da legitimidade do Estado, eis que imbuído da força que lhes outorgou seus cidadãos, preconizava Rousseau, em seu “Contrato Social”.

            Portanto, o Estado seria um protetor da vida e da propriedade, pois foram estes os poderes outorgados e só poderia agir dentro deles, caso contrário feriria o contrato social da vida em sociedade (LOCKE, 2003). A evolução do Estado desde o "L'État c'est moi" (O Estado sou eu) de Luis XIV, até a Revolução Francesa de 1789 esteve em um patamar parecido.

            A crise do sistema capitalista liberal em 1929, voltou os holofotes ao Estado para que este resolve-se o profundo caos que havia instaurado a “mão invisível”, o contexto social e político estão intrinsecamente ligados, e com isso visível a estrutura capitalista como eixo central das deliberações dos Conselhos Mundiais criados até então. A guerra nazi-fascista, o esplendor e o show envolvendo o “holocausto” e o direito ali instaurado, contribuíram à criação da Organização das Nações Unidas, órgão responsável pela gestão Mundial dos conflitos Internacionais contra a humanidade.(ONU, 2010)

            Atento a esse fenômeno, também descreve Sarmento (2004, p. 34) acerca da passagem do “Estado Liberal” para o “Estado Social”:

 

mas foi a grande crise do capitalismo, no período entre as duas guerras mundiais, cujo apogeu consistiu no colapso da Bolsa de Nova Iorque em 1929, que evidenciou a definitiva superação do modelo liberal de Estado (embora o neoliberalismo pretenda ressuscitá-lo). [...]. Nesse quadro, tornam-se hegemônicas as idéias do economista inglês John Maynard Keynes, que defendia um papel ativo do Estado no cenário econômico, na busca do pleno emprego, condenando o credo liberal de que o mercado, relegado a própria sorte, conduziria ao melhor dos mundos. [...]. Assim, o Poder Público distancia-se da sua posição anterior, caracterizada pelo absenteísmo na esfera econômica, e passa a assumir um papel mais ativo, convertendo-se, mesmo no regime capitalista, no grande protagonista da cena econômica. O Estado Liberal transforma-se no Estado Social, preocupando-se agora não apenas com a liberdade, mas também com o bem estar do seu cidadão. 

 

            O Estado Social agora vigente deveria encarregar-se e regulamentar todo o convívio humano, esse inchamento do Estado é descrito por Bobbio (2000, p. 51) da seguinte forma:

 

observou-se, de outra parte, que a este processo de estatalização da sociedade correspondeu um processo inverso mas não menos significativo de socialização do Estado através do desenvolvimento das várias formas de participação nas opções direta ou indiretamente algum poder político, donde a expressão “Estado Social” pode ser entendida não só no sentido de Estado que permeou a sociedade mas também no sentido de Estado permeado pela sociedade.

           

            A preocupação agora ganhou “status” mundial, e a humanidade tem um contrato social muito maior do que o antes concebido por Rousseau, não bastava tão somente proteger a vida e propriedade dos cidadãos e sim as condições de vida destes. A fundação e evolução do Estado Democrático de Direito desde a consagração da Declaração Universal dos Direitos do Homem passou a ser muito mais do que letras dentro de um contrato francês. O cientista político e jurista Dallari (2005, p. 145) delineia esta afirmação:

 

a idéia moderna de um Estado Democrático de Direito tem suas raízes no século XVIII, implicando a afirmação de certos valores fundamentais da pessoa humana, bem como a exigência de organização e funcionamento do Estado tendo em vista a proteção daqueles valores. A fixação desse ponto de partida é um dado de fundamental importância, pois as grandes transformações do Estado e os grandes debates sobre ele, nos dois últimos séculos, têm sido determinados pela crença naqueles postulados, podendo-se concluir que os sistemas políticos do século XIX e da primeira metade do século XX não foram mais do que tentativas de realizar aspirações do século XVIII.

 

            O termo dignidade da pessoa humana, então veio a tona, e a força com que se desenvolvia nos círculos acadêmicos mundiais era um fenômeno, tanto que em 1969 assinaram os Estados Americanos, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, o ápice da odisséia. A dignidade da pessoa humana passou agora de simples divagação acadêmica, para obrigação da Instituição do Estado.

            A aprimorar o termo “dignidade da pessoa humana” primeiramente deve-se ter em mente ao menos alguns comentários acerca do tema, adota-se neste trabalho a concepção fundamentalista, bem defendida por Soares (2004, p. 43):

 

o conceito de dignidade da pessoa humana compreende a conjugação dos direitos civis, políticos e sociais. Os direitos civis, em suma, são aqueles direitos dos cidadãos em relação ao Estado: à vida, à liberdade, ao devido processo legal, etc. Eles representam o poder do individuo considerado isoladamente em relação ao Estado e aos seus parceiros de convívio. São também direitos à isonomia, a sua igual consideração perante o Estado, desde logo, compreendidos esses direitos como direitos anti-hierárquicos. A igualdade formal concedida pelos direitos civis vai ao encontro de um perspectiva individualista, na medida em que representa uma contrariedade aos mecanismos tradicionais hierárquicos antimodernos. Os direitos políticos, por seu turno, são direitos de participação na administração do Estado direta e indiretamente, proporcionando que os indivíduos tenham seus interesses representados a partir de uma deliberação. As garantias democráticas revelam o sentido teleológico do Estado para a satisfação dos interesses e decisões individuais.

           

            A integração do direito com a dinâmica social é observado dia-a-dia, porém a necessidade do acesso a justiça e a defesa por direitos básicos pelas camadas menos favorecidas ainda é precária. O direito admitindo a sociedade como fator intrínseco à atividade estatal deve zelar pelo ser humano proporcionando o exercício efetivo de seus direitos. Acerca disso, mutatis mutandi, Reale (1998, p. 706):

 

se não é pensável o Direito sem conteúdo axiológico, e se a atributividade já é, por si mesma, razão ética de medir, implicando a consideração do suum  que se outorga ou se nega, nada mais inconsistente do que um Direito que não expresse as conexões de sentido segundo as quais a Justiça se concretiza como positividade jurídica, tornando-se momento de um processo renovado de composição de valores socialmente vividos.[...]. Vê-se, assim, que a bilateralidade atributiva não diz respeito ao homem destacado do meio social, uti singulus, mas só pode ter significado com referência também ao homem enquanto membro da sociedade, uti socius.

 

            Diante de todo o exposto, e considerando a posição privilegiada posição dos direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro, existindo uma interdependência entre o fundamento e a criação do próprio Estado Democrático de Direito, nas palavras do renomado doutrinador Comparato (1998, p.) Fundamentos dos Direitos Humanos, “[...]este deveria ser apresentado como o fundamento do Estado brasileiro e não apenas como um de seus fundamentos”.

 

 

3.2 A Convenção Americana de Direitos Humanos

 

 

            A perspectiva na qual a Convenção Americana de Direitos Humanos foi assinada pelo Brasil não poderia ser tão oportuna, tendo em vista o advento do Estado Ditatorial Militarista instaurado à época do fato. O governo do então Presidente Militar, Emílio Garrastazu Médici, estava contribuindo em medidas contraditórias ao Estado Militar. Não obstante que a simples assinatura não faz força dentro do Estado, mas cria obrigações no cenário Internacional, e isso é discutível. O Brasil adotou a teoria dualista, na qual é necessária a ratificação do Tratado por meio de aprovação do Congresso Nacional além da assinatura, é claro, para que o tratado seja internalizado.

            Discorre Menezes (2004, p.08) acerca das teorias dualista e monista:

 

para a teoria monista não há independência, mas interdependência entre a ordem jurídica internacional e a nacional, razão por que a ratificação do tratado por um Estado importa na incorporação automática de suas normas à respectiva legislação interna. Para a teoria dualista, as duas ordens jurídicas – internacional e nacional – são independentes e não se misturam. A ratificação do tratado importa no compromisso de legislar na conformidade do Estado na esfera internacional; mas a complementação ou modificação do sistema jurídico interno exige um ato formal por parte do legislador nacional.

 

            Admite-se, portanto, uma dupla obrigação perante os membros da sociedade, a primeira quando o Presidente ou Chefe de Governo assina o Tratado, e assim cria expectativas quanto ao seu cumprimento em âmbito Internacional, segundo quando internaliza ao ordenamento jurídico pátrio, por força de Lei, ratificando a obrigação e vinculando o Estado a cumprir perante seus concidadãos.

            Enquanto ao teor da Convenção, faz-se mister salientar o mais debatido assunto acerca do Pacto de San José da Costa Rica foi a extinção da prisão civil por depositário infiel, o Supremo Tribunal Federal decidiu que os tratados que versassem sobre direitos humanos estariam em igualdade com a constituição, sendo uma norma supra legal, e diante disse declararam a inaplicabilidade desta prisão civil no ordenamento jurídico.

            O Brasil como signatário do Pacto e da Convenção, ainda admite a competência do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos e da Comissão de Direitos Humanos, órgão judicante internacional e seu fiscal respectivamente. Obrigando o Estado brasileiro como signatário a submeter-se à responsabilização internacional caso descumpra qualquer dos preceitos ali estabelecidos.

            Uma das mais recentes inovações Legislativas no âmbito civil e penal foi o advento da Lei Maria da Penha, que teve sua promulgação em decorrência da denúncia feita à Comissão e esta emitiu seu parecer requerendo uma medida do Estado brasileiro. Em resposta veio a Lei 11.506 tratando sobre a violência doméstica à mulher. (CIDH, 2010).

            O cidadão detêm de mais uma ferramenta na fiscalização do Estado, a denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a partir da assinatura e internalização do Pacto de San José, obteve-se uma ratificação por parte do Estado, da obrigação deste com a garantia dos direitos fundamentais propostos pela Constituição de 1988.

 

 

3.3 A Judicialização da Vida

 

 

            A Constituição de 1988 trouxe em seu bojo as mais diversas matérias, desde a organização do Estado e suas competências até a garantia dos direitos de 3ª geração, dentre eles a assistência social. Trazendo consigo a finalidade precípua do Direito em atender à demanda social da sociedade, reduzindo às desigualdades e promovendo a igualdade e liberdade, assim Cavalieri Filho citando Nader (2006, p. 256) assinala:

 

o Direito está em função da vida social. A sua finalidade é a de favorecer o amplo relacionamento entre as pessoas e os grupos sociais, que é uma das bases do progresso da sociedade. Ao separar o licito do ilícito, segundo valores de convivência que a própria sociedade elege, o ordenamento jurídico torna possíveis os nexos de cooperação, estabelecendo as limitações necessárias ao equilíbrio e à justiça nas relações.

           

            Nesse sentido a Constituição Brasileira tornou-se uma das cartas políticas de maior abrangência no mundo. O contexto que culminou nesta consagração de direitos foi a motivação pós-ditadura militar, onde o Brasil vinha de uma era restritiva de direitos políticos e civis. E no intento de prevenir qualquer ameaça daquela espécie, criou-se institutos capazes de garantir um Estado Democrático de Direito, prezando a liberdade, a igualdade e a dignidade da pessoa humana, como direitos fundamentais e inerentes ao cidadão, e desse modo irrenunciáveis.

            A constituinte ainda estabeleceu competências maiores aos Tribunais, atribuindo-lhes matérias genéricas e específicas na defesa do cidadão, à exemplo do habeas corpus, habeas data e do mandado de segurança. Tais remédios constitucionais receberam tamanha força que são atualmente chamados de “heróicos”, pois detêm poder para conter abusos de poder ou decisões arbitrárias cometidas por autoridades.(BRASIL, 2010c)

            O Judiciário então começa a julgar matérias que antes não eram de sua competência por serem consideradas políticas.  A política nacional de saúde, educação e assistência social agora estão nas mesas dos juízes, igualmente com contratos e negócios privados. Essa abrangência de assuntos relacionados agora ao judiciário deveria seguir os mesmos tramites e procedimentos dos demais, pois a sistemática do processo civil não havia mudado. (BARROSO, 2009)

            Criou-se a chamada Judicialização da vida e trouxe ao Judiciário maior importância dentro do Estado, haja vista a essencialidade dessas matérias à subsistência da sociedade e ao exercício da cidadania. Não obstante as ferramentas de controle do poder estatal, advindas da Constituição, fermentou-se dentro do poder Judiciário o ativismo jurídico e o movimento do direito alternativo, visando garantir de forma mais efetiva a vida humana, com a observância e prevalência da constituição nas decisões (BARROSO, 2009).

            Acerca do assunto Barroso (2009) define esse fenômeno no âmbito da Justiça Brasileira, que também repercutiu em esfera mundial no pós segunda-guerra:

 

Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade.

 

            A “transferência” mencionada pelo nobre doutrinador contribuiu na visão diferenciada sobre os mecanismos processuais vigentes, onde o “poder” dos juízes fora colocado de forma diferenciada, lidando com problemas políticos de base social.

            Ainda, há de salientar o controle de constitucionalidade proposto pela Constituição de 1988, colocando em cheque o positivismo radical das leis aprovadas pelo legislativo e executivo. Primeiramente pelo controle difuso qualquer jurisdição tem a competência de decidir incidentalmente sobre a aplicação e constitucionalidade de uma Lei. Por outro lado, pelo sistema concentrado, o Supremo Tribunal Federal pode segundo seu entendimento motivado, considerar inconstitucional e por via de conseqüência retirar do ordenamento jurídico vigente as normas em contradição com os fundamentos do Estado Democrático de Direito.

            Nesse sentido segue o supracitado doutrinador enumerando esta como a terceira causa da judicialização no Brasil:

 

A terceira e última causa da judicialização, a ser examinada aqui, é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais abrangentes do mundo. Referido como híbrido ou eclético, ele combina aspectos de dois sistemas diversos: o americano e o europeu. Assim, desde o início da República, adota-se entre nós a fórmula americana de controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei, em um caso concreto que lhe tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional. Por outro lado, trouxemos do modelo europeu o controle por ação direta, que permite que determinadas matérias sejam levadas em tese e imediatamente ao Supremo Tribunal Federal. A tudo isso se soma o direito de propositura amplo, previsto no art. 103, pelo qual inúmeros órgãos, bem como entidades públicas e privadas – as sociedades de classe de âmbito nacional e as confederações sindicais – podem ajuizar ações diretas. Nesse cenário, quase qualquer questão política ou moralmente relevante pode ser alçada ao STF.(BARROSO, 2009).           

           

            Foge das ambições deste trabalho entrar na alçada do controle de constitucionalidade, porque estaria desviando o foco das atenções no tema principal. Porém esta sistematização se faz importante pela origem em que se funda a apreciação do judiciário nos casos relevantes para a vida do cidadão.

 

 

4 O Processo Civil Constitucional

 

 

            Primeiramente cabe distinguir e conceituar o termo processo civil constitucional, por existir uma divisão doutrinária a respeito, a qual diferencia e subdivide o tema em Direito Processual Constitucional e Direito Constitucional Processual, assim explica Müller (2007, p.642):

 

para uma melhor delimitação do tema, alguns doutrinadores dividem essa zona cinzenta que envolve processo e constituição em duas subáreas diferentes, quais sejam, o direito processual constitucional e o direito constitucional processual. Enquanto ao direito processual constitucional tocaria a chamada jurisdição constitucional (englobando controle de constitucionalidade das leis e dos atos administrativos e a preservação das liberdades através das ações constitucionais: habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, ação popular, mandado de injunção e ação civil pública), ao direito constitucional processual caberia o conjunto de normal e institutos próprios do direito processual que se encontram também na Constituição ( princípios e garantias processuais esculpidas na Carta Magna).

 

            Para fins didáticos adotar-se-á o termo processo civil constitucional, referindo-se ao “Direito Constitucional Processual”,  acerca dos princípios e normas do direito constitucional aplicáveis ao processo civil, considerando ainda os dizeres de Dantas (2003, p. 93), quando afirma que “o modelo constitucional determinará o modelo processual em uma dada sociedade”. Há, portanto a necessidade de adequação do sistema processual aos princípios e regras delineados pela Constituição.

            Como afirma Müller (2007, p. 645):

 

a teoria geral do processo e o direito processual civil, obviamente do processo penal, devem ser oxigenados e traçados segundo as normas constitucionais, que fixam uma ‘tutela constitucional do processo’, afim de assegurar uma concordância entre os institutos processuais básicos e os princípios e valores constantes da Constituição.

           

            Nunca foi tão atual os questionamentos acerca da constitucionalidade das normas processuais, por via do controle de constitucionalidade difuso e concentrado estabelecido pela Constituição de 1988, permitindo ao Poder Judiciário decidir sobre qual regra aplicar no caso concreto.  Tendo em vista que o Código de Processo Civil, apesar de suas posteriores alterações, foi concebido à época de 1973, ou seja, reflete uma realidade histórica diferente da atual, pois enquanto a atual Constituição adota o modelo de Estado Social ou Estado Democrático de Direito em 1988, a qual foi concebida no final da ditadura militar e clamando pela defesa das garantias e direitos fundamentais do cidadão, outrossim o Código de Processo de 1973 regido pela autonomia do direito privado e pelo liberalismo econômico deixa de contemplar muitos princípios e diretrizes deste novo modelo de governo, fundado na dignidade da pessoa humana.

            Prossegue-se no entendimento de Müller (2007, p. 645) acerca da aplicabilidade das normas processuais em face da Constituição:

 

é oportuno ressaltar, aliás, que as normas jurídicas apresentam mera presunção de validade e de constitucionalidade, ou seja, uma norma infraconstitucional que infrinja um valor ou regra constitucional é inconstitucional, não devendo gozar, dessa forma, de validade e eficácia no ordenamento jurídico. Quando às normas anteriores à Constituição, devem ser analisadas uma a uma, de modo que o operador do direito ou hermeneuta deixe de aplicá-las quando incompatíveis com a lei maior.

 

            A partir do momento em que a Constituição de um Estado propõe-se a consolidar uma série de direitos e garantias, é dever das normas infraconstitucionais de adequar-se à essa função, utilizando-se de princípios norteadores da atividade jurídica estatal. A evolução do processo civil enquanto forma de procedimento, para um instrumento de garantias do processo, mediante a aplicação dos princípios e normas constitucionais buscando uma ordem jurídica justa e a efetividade do processo.

            A doutrina de Dinamarco (2005, p. 300), escreve sobre o ideal meta-jurídico do processo e sua finalidade:

 

o estudo do processo puramente técnico do procedimento não vai além da descrição dos atos processuais, exigências formais que os condicionam, das interligações entre eles e conseqüências dos desvios eventualmente praticados. Mesmo o conhecimento das posições dos sujeitos no processo (poderes, deveres, faculdades etc.) continua pobre enquanto plantado em premissas infraconstitucionais. O direito processual constitucional põe o estudo do procedimento e da relação jurídica processual sob o enfoque das garantias do devido processo legal, do contraditório, da igualdade, da liberdade etc. – e com isso o estudioso conscientiza-se de que os preceitos e exigências do Código constituem projeção das normas de maior amplitude e mais alta posição hierárquica, sendo indispensável a interpretação sistemática. Daí pra entender que o sistema processual é uma conjugação de meios técnicos para a efetividade do postulado democrático da participação em liberdade e com igualdade, o passo é pequeno e já se vai chegando à percepção das grandes balizas do que se chama justo processo.

           

            Longe do ideal de justiça social proposto pela Constituição, mas no caminho para o inicio da efetividade dos direitos e garantias nela esculpidos, propondo-se o processo civil constitucional a inserir, além dos princípios e diretrizes da Carta Magna, também o ideal de justiça, liberdade e paz social almejado por tantas nações e povos ao longo dos séculos.

 

 

4.1 DIREITO PROCESSUAL MATERIAL

 

 

            O processo, em seu conteúdo finalístico, visa garantir a efetividade de um direito pleiteado pelo autor, portanto intimamente ligado ao denominado “direito material”, que seria a substância do processo. Considerando essa afirmativa, o Código de Processo Civil e seus novéis institutos são ferramentas capazes de “levar ao direito” na medida em que perfazem e materializam “o direito pretendido pelo autor” em provas capazes de convencer o juiz de seu direito. Medeiros (2005, p. 105) descreve essa função do processo da seguinte forma:

 

o direito processual, quando estudado sob a visão de que todos os seus institutos fundamentais representam meios para a efetivação da tutela jurisdicional, enaltece o aspecto da instrumentalidade substancial. Nessa ótica, avulta a importância do temperamento do rigor das formas processuais através da relativização das nulidades, pois é exatamente nesse campo que o apego extremado ao formalismo pode tornar inútil todo o esforço enviado pelos sujeitos do processo na busca pela tutela jurisdicional.

 

            Logo o processo não é apenas dotado de procedimento, e está sim intrinsecamente ligado ao “direito material”, tanto que a doutrina autorizada como a de Dinamarco (2005, p. 62, grifo nosso) baseando-se em Chiovenda e Calamandrei escreve afirmando a existência de um direito processual material:

 

a ação, a competência, a prova, a coisa julgada e a responsabilidade patrimonial, recebendo do direito processual parte de sua disciplina (na sua técnica), mas também dizendo respeito a situações dos sujeitos fora do processo (às vezes, até antes dele), compõe um setor a que a doutrina já denominou direito processual material (Chiovenda). Elas são, portanto, institutos bifrontes: só no processo aparecem de modo explícito em casos concretos definidos pelo direito material e – o que é mais importante – de algum modo dizem respeito à própria vida do sujeito e sua relações entre si e com os bens da vida. Constituem pontes de passagem entre o direito e o processo, ou seja, entre o plano substancial e o processual do ordenamento jurídico (Calamandrei).

 

            Não se pode negar a existência do direito material dentro processo, e nesse sentido salienta-se a necessidade do processo ser enfrentando com unicidade e sincronização ao direito e à vida das pessoas, pois uma demanda versa sobre um bem jurídico tutelado e sua ameaça de sofrer lesão ou a própria lesão na maioria das vezes (teoria reparatória).

            Dinamarco (2005, p. 61) adverte sobre a problemática de considerar o processo separado do direito material:

 

a autonomia do direito processual e sua localização em plano distinto daquele ocupado pelo direito material não significam que um e outro se encontrem confinados em compartimentos estanques. Em primeiro lugar, porque o processo é uma das vias pelas quais o direito material transita rumo à realização da justiça em casos concretos; ele é um instrumento a serviço do direito material. Depois, porque existem significativas faixas de estrangulamento, ou momentos de intersecção, entre o plano substancial e o processual do ordenamento jurídico.

 

            Portanto, tão importante quanto analisar o direito material da demanda levada ao judiciário, é necessário também verificar as formas processuais e “desmistificar” e tirar o revestimento meramente formal das regras do processo civil, levando o direito a um novo paradigma de garantias constitucionais dentro do processo civil.

 

 

4.1.1 O Princípio da Instrumentalidade do Processo

 

 

            Consoante exposto no item 4, o processo civil tende a atender seus princípios constitucionais e adequar se a essa visão garantidora de direitos fundamentais, criando métodos mais céleres de atendimento à justiça e a ordem jurídica justa.

            Advindo desse entendimento, o princípio da instrumentalidade do processo é na visão de Medeiros com base em Dinamarco (2005, p. 103):

 

depreende-se, pois, que o importante para o direito e, consequentemente, para o processo jurisdicional como instrumento de sua realização na busca concretização da justiça é exatamente fazer justiça, torná-la efetiva, alcançar o fim maior.

Conforme lembra Dinamarco, instrumentalidade do processo [e não simplesmente das formas] em seu aspecto positivo é a relação que liga o sistema processual à ordem jurídico-material e ao mundo das pessoas e do Estado, com realce à necessidade de predispô-lo ao integral cumprimento de todos os seus escopos sociais, políticos e jurídico. Falar em instrumentalidade nesse sentido positivo é alertar para a necessária efetividade do processo, ou seja, para a necessidade de ter-se um sistema processual capaz de servir de eficiente caminho à ordem jurídica justa.

 

            A instrumentalidade do processo tem base o princípio da instrumentalidade das formas que prevê que nenhum ato será anulado se atingir seu fim, “o princípio da instrumentalidade das formas subordina a invalidade de um ato processual não a simples inobservância destas, mecanicamente verificada, mas sim à relação, apreciada caso por caso, entre o vício e a finalidade que se pretenda alcançar com o ato”. (MEDEIROS, 2005, p. 102).

            Mas de forma ampliada a instrumentalidade do processo defendida por Medeiros apud Liebman ( 2005 apud 1984, p. 104) “é necessário evitar, tanto quanto possível, que as formas sejam um embaraço e um obstáculo à plena consecução do escopo do processo; é necessário impedir que a cega observância da forma sufoque a substância do direito.”

            A idéia de ultrapassar a formalidade do processo advém do novo entendimento acerca das regras processuais adotando-se um posicionamento diferente diante das normas formais, pois o condicionante material do processo encontra-se na constituição e na adequação aos princípios nela descritos.

Seguindo o escopo finalístico do processo o Tribunal de Justiça Catarinense aplica o princípio da instrumentalidade do processo, na medida de sua extensão ao evitar a declaração de nulidades sem que haja prejuízo às partes:

 

Processual civil. Irregularidade de representação. Processo extinto. Princípio da instrumentalidade das formas e dos atos processuais. Ausência de prejuízo. Defeito de menor importância. Sentença cassada para possibilitar o exame do mérito. O princípio da instrumentalidade das formas determina que, desde que alcançada a finalidade e ausente ofensa a preceito de ordem pública, serão tidos como válidos os atos praticados sem estrita observância das formas impostas. Sendo o representante da sociedade autora notoriamente conhecido na cidade, e tendo o ato atingido sua finalidade, não se há que decretar a extinção do processo por defeito de representação. O processo não existe para cultuar a forma, mas para dar razão a quem efetivamente a tem. (Luiz Rodrigues Wambier). (Apelação Cível n. 1996.005882-6, de Capital Relator: Pedro Manoel Abreu) (SANTA CATARINA, 2010, grifo nosso).

 

            Logo o processo detém o conteúdo do direito material, tanto quanto o próprio direito pleiteado, fazendo-se valer do processo para alcançar a finalidade da tutela jurisdicional, utilizando-se da citação do supramencionado acórdão “O processo não existe para cultuar a forma, mas para dar razão a quem efetivamente a tem” (WAMBIER apud SANTA CATARINA, 2010).

            Dentro desse panorama adentra a questão de medidas incidentais capazes de garantir a continuidade do processo de forma efetiva, auxiliando com as denominadas “cautelares inominadas”, que permitem ao Juiz assegurar o objeto da lide mesmo quando não prevista ou requerida a medida, no entender de Marinoni (2008) seria o poder de polícia do juiz para deferir cautelares ex-ofício capazes de garantir o direito da parte.

O fundamentalismo altruístico do processo constitucional processual deve alcançar o direito material pretendido, destruindo obstruções inócuas ou procedimentos formais sem efetividade ou reflexo real dentro do processo.

 

 

4.2 Os princípios constitucionais norteadores do processo civil brasileiro

 

 

            A ritualística canônica do processo civil brasileiro, criada a partir dos princípios preconizados por processualistas clássicos como Savigny e Ihering, foram suficientes para legitimar a “cega” atuação jurídica até meados do século passado. A ingerência da Constituição e dos princípios dela advindos, é a congregação de esforços dos profissionais para o advento de um Estado Democrático Direito, baseado nas garantias fundamentais protegidas pela Constituição.

            Nesta senda a interpretação principiológica das normas ganhou forma na aplicação do direito nos casos concretos, pois o direito advém da sociedade como bem adverte Grau (2001, p. 195) “o direito, como bem observou Ihering – e , mais uma vez o repito – existe em função da sociedade e não a sociedade em função dele.” Sobre essa nova perspectiva do Direito, Barroso (2006, p. 332) escreve:

 

a nova interpretação constitucional assenta-se no exato oposto de tal proposição: as clausulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principilógico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes pretende dar. O relato da norma, muitas vezes demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos fins a serem realizados é que será determinado o sentido da norma com vistas à produção da solução constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido.

           

            É nesse escopo que o processo civil teve sua forma repaginada, logo, a processualística moderna não preocupa-se tão somente em obedecer as formalidade exigidas pelo Código de Processo Civil, e sim atingir o seu fim, que é o resguardo dos direitos. O combatido formalismo, ainda em processo de superação, foi assim conceituado pelo Desembargador Andrade (2001, p. 49) em sua obra sobre o Direito Alternativo:

 

[...] do formalismo jurídico ou, poderia dizer, da definição anti-ideológica do Direito. Este é conceituado, tendo como base exclusiva sua estrutura formal, o sistema em si, não levando em consideração seu conteúdo e, muito menos, suas conseqüências sociais. O direito é tido como o conjunto de normas formalmente válidas. E ponto final;

 

            A visão do processo como mero coadjuvante na atuação do Estado, perdeu o sentido na atualidade, quando a urgência das medidas é chave para a justiça, e o abarrotamento de processos dentro da máquina judiciária pode trazer prejuízos aos cidadãos pela demora que causa.

            A realização do direito também por meio do processo deve tornar-se praxe na atividade jurídica, considerando assim seu preceito constitucional democrático, a esfera jurídica serve ao ser coletivo e também individual na medida em que se encontram os direitos subjetivos, não podendo exprimir tal como o é a democracia, uma ditadura da maioria, nas palavras de Reale (1998, p. 701):

 

[...] realizar o direito é, pois, realizar valores de convivência, não deste ou daquele individuo, não deste ou daquele grupo, mas da comunidade concebida de maneira concreta, ou seja, como uma unidade de ordem que possui valor próprio, sem ofensa ou esquecimento dos valores peculiares às formas de vida dos indivíduos e dos grupos.

 

            Seguindo o discurso do Eminente Desembargador, onde explicita a necessidade do “jurista Orgânico”, como combatente das desigualdades e promovedor da justiça social, o qual assim conceitua:

           

orgânico, portanto, é aquele jurista comprometido com a mudança social, que faz de seu labor uma luta constante em prol de transformações estruturais no seio da sociedade, buscando alterar as relações de poder nela existentes, com o escopo de combater a miséria, promover a liberdade e a igualdade material, fortalecendo uma possível democracia real.

           

            Deste modo, surge inclusive a necessidade de constitucionalizar as atuações estatais, aqui especificando o processo civil, tem-se efetivado pela interpretação dos dispositivos e normas processuais observando os princípios constitucionais. Partindo do mesmo pressuposto Sarmento (2004, p. 63), salienta a necessidade da adaptação da constituição frente à outros institutos:

 

[...] tendo de responder à complexidade do mundo envolvente, a constituição não deve limitar as possibilidades de adaptação ao subsistema político às contingências sociais. Na visão de Niklas Luhman, “não devendo ser o suporte de nenhuma intenção de justiça, a constituição terá então de ser entendida apenas como uma normação da normação, como um regulativo das relações sistema-ambiente do sistema político da sociedade”.

 

            Podemos destacar, a titulo de didática para este estudo, a sistematização de alguns princípios constitucionais, quais sejam: ampla defesa, contraditório, legalidade, devido processo legal, paridade de armas, celeridade e economia processual, boa-fé objetiva, função social da propriedade, função social do contrato, proteção aos terceiros de boa-fé e por ultimo e não menos importante da razoável duração do processo.

            Cada um dos supracitados princípios tem importância fundamental dentro do processo, na busca pela igualdade, liberdade e justiça social. A função jurisdicional ganha força cada vez maior com a Carta Magna, principalmente quando existe dentro do próprio órgão essa responsabilidade, invoca-se as palavras da Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta escritas ao prefácio do livro Governo Judiciário, obra do Desembargador da Corte de Justiça Catarinense Abreu (2009, p. 20):

 

se o juiz é a boca da lei, e esta é elaborada pelos representantes do povo, então o juiz é o povo que fala. Deve agir e interagir no interesse maior da sociedade, ou melhor, fazer-se partícipe das grandes discussões nacionais, indicando e construindo caminhos para revelar uma Nação mais justa, igualitária e fraterna.

[...] despertar-nos do sono profundo, que nos impedia de ver o quão distante está o Poder Judiciário do seu papel institucional que não é, nunca foi e, para o bem do Brasil, nunca será apenas o de julgar, função burocrática do Estado, importante, não há dúvida, indelegável é verdade, fundamental à liberdade, outrossim, mas sempre parte diante do muito que o Judiciário pode dar ou contribuir na consolidação do Estado Democrático de Direito.

           

            Mas tanto quanto importante a atuação do Poder Judiciário, enquanto Poder, é a função do advogado também figura essencial ao funcionamento da Justiça conforme preceitua a Constituição em seu art.

            A interpretação constitucional e o desapego ao formalismo e burocratização exacerbada tem invadido às academias e os processos, timidamente ainda na atuação de poucos profissionais, pois vale salientar a competência para aplicação dessa interpretação para não cair em equívoco com nulidades e criar uma insegurança jurídica a sociedade. Procura-se uma melhor atuação e sistematização do processo dentro do principio do devido processo legal e dos princípios norteadores do processo civil.

            O formalismo, entenda-se adequado à situação colocada caso à caso, dentro dos limites da jurisdição, Dinamarco (2005, p. 57) define esse posicionamento:

           

uma das características do processo civil moderno é o repudio ao formalismo, mediante a flexibilização das formas e interpretação racional das normas que as exigem, segundo os objetivos a atingir. É de grande importância a regra da instrumentalidade das formas, concebida para conduzir a essa interpretação e consistente na afirmação de que, realizado por algum modo o objetivo de determinado ato processual e não ocorrendo prejuízo a qualquer dos litigantes ou ao correto exercício da jurisdição, nada há a anular ainda quando omitido o próprio ato ou realizado com transgressão a exigências formais.

 

            A autonomia processual, defendida há décadas está posta em cheque com a nova sistemática processual, a tão eloqüente diferenciação entre “direito material” e “direito processual”, na verdade no cotidiano forense, diversificado com as questões de vida judicializada enfrenta, dentro do processo ambas as questões substanciais e formais de uma forma aproximada, ou seja, decidindo e atuando no caso concreto. Atento à esta realidade Dinamarco (2005, p. 62) expõe:

 

quando porém se passa das especulações abstratas para a observação das concretas situações de conflitos entre indivíduos ou grupos (crises jurídicas), percebe-se uma proximidade muito significativa entre certos institutos do direito substancial em relação à qual o processo atuou  ou deve atuar. A ação, a competência, a prova, a coisa julgada e a responsabilidade patrimonial, recebendo do direito processual parte de sua disciplina (na sua técnica), mas também dizendo respeito a situações dos sujeitos fora do processo (às vezes, até antes dele), compõe um setor a que a doutrina já denominou direito processual material (chiovenda).

Esses institutos – ação, competência, fontes e ônus da prova, coisa julgada e responsabilidade patrimonial – são responsáveis por situações que se configuram fora do processo e dizem respeito à vida das pessoas em sociedade, nas suas relações com as outras ou com os bens que lhes são úteis ou desejados.

 

            Considerando a integração constante entre o direito material e processual para garantir o bem da vida, ciente de seu papel constitucional, nasce dentro do inócuo e autônomo procedimento sua importância na efetivação dos direitos fundamentais, e as tutelas de urgência surgem dessa finalidade. O próprio direito à petição seria norma processual vazia se o Estado-juiz não tivesse ferramentas capazes de garantir, quando presentes determinados requisitos, uma tutela eficaz diante das urgências latentes da sociedade.

            A existência das diversas “liminares” distribuídas entre as ações, à exemplo do mandado de segurança, ações civis públicas,  coletivas, possessórias, cautelares e de conhecimento expressam essa necessidade de antecipar e/ou acautelar o direito almejado. Acerca do assunto Mesquita (2002, p. 35):

 

a relevância do processo deflui exatamente de sua imprescindibilidade para tornar efetiva, no campo prático, a asseguração dos direitos individuais e coletivos. Avulta tal relevância, tendo o constituinte vislumbrado tutelar constitucionalmente o processo, objetivando, além da estabilidade das normas processuais, uma atuação rápida, pronta e eficaz, por meio dos agentes públicos, realizando, destarte, seu mister.

 

            A proposta constitucional, portanto, diz respeito à efetividade da jurisdição e, com a Emenda 45/2004, à razoável duração do processo de modo a resguardar direitos.

 

 

4.2.1 Os Princípios Constitucionais do devido processo legal e da razoável duração do processo

 

 

            Delimitado o tema e a origem das tutelas dentro do processo civil, na visão constitucional garantista e a importância da interpretação e aplicação dos princípios constitucionais concernentes ao processo, cuida esta intersecção dos princípios do devido processo legal e da razoável duração do processo, contrastando esses princípios na busca de um ideal de justiça e não somente rapidez na resolução de conflitos.

            A adoção principiológica da Constituição é o meio pelo qual, os operadores jurídicos, socorrem-se para aplicação destas importantes ferramentas. A busca por parâmetros que idealizassem essa aplicação continua sendo tarefa árdua, visto o debate histórico sobre a vida, a justiça e a dignidade da pessoa humana.

            Dentro desse escopo fundamentalista o constituinte originário resguardou a distinção entre a aplicação dos princípios positivados como norma válida, restringindo a criação lúdica de outros conforme lhes aprouvessem ao caso cada profissional do Direito. Inexistente a conveniência na aplicação de princípios, sejam eles positivados ou não, inolvidável, é claro a sua imprecisão conceitual.(GRAU, 2001).

            Para Grau (2001, p. 182) essa imprecisão tem como fator a multiplicidade de métodos de interpretação, como assim define:

           

o que se passa, em verdade, é que a interpretação constitucional impõe ao intérprete a utilização de múltiplos métodos, se bem que primordialmente informados – e conformados – por uma linha de atuação que menos reflete uma opção preferencial por qualquer deles do que a adesão a determinada postura ideológica.

 

            Preliminarmente, então, cabe estabelecer para fins didáticos um conceito ou uma premissa acerca da significante para o termo “princípio”, e qual a diferença entre sua aplicabilidade e a das normas meramente de caráter literal ou formal. O princípio pode ser aclamado como fonte do Direito, a partir do entendimento da sujeição das demais normas à este, sendo assimilado e intrinsecamente relacionado com o ordenamento jurídico e a sociedade. Em síntese adota-se a teoria funcionalista dos princípios na visão de Grau (2001, p. 194):

           

[...] que os princípios são elementos internos ao sistema os situa, na dinâmica do processo de interpretação jurídica, no contexto sistêmico. A metáfora da “ordem de valores” que se pretende detectar no texto constitucional e no direito – em cada direito – torna-se desnecessária, com que o sistema e depurado. Assim, as possibilidades de realização de justiça material residem – ou não residem – no próprio texto constitucional, neste próprio direito. Não se encontram além deles, em valorações abstratas tecidas pelos movimentos românticos e naturalistas do “direito livre”, do behavoirismo, do legal realism, do pragmatismo da jurisprudência de interesses, que como anota Garcia de Enterria, na busca de valores materiais dissolvem a objetividade e positividade do direito.

           

            Um princípio normalmente seria algo simbólico ou meta-individual, sem correlações, algo imperceptível, porém aceitável, aliado à doutrina de Kant sobre o “imperativo categórico”, ou seja, um norteador das atividades humanas em sociedade. No entanto, no Direito brasileiro, princípios restam positivados e assim o devem ser para sua aplicação plena. Em ordem Kelseniana, primeiramente tem-se os princípios constitucionais, e destes decorrem os demais (GRAU, 2001).

            A aplicação de um princípio é regida por outros princípios, um regulando à atuação do outro, nunca suprimindo totalmente algum, mas se sobrepujando em determinados casos uns em detrimento de outros (GRAU, 2001).

            Analisa-se o principio do devido processo legal, a fim de melhor vislumbrar o sistema processual, vez que este princípio desdobra-se em inúmeros fatores dentro da dialética procedimental. Encontra-se intimamente ligado aos princípios da ampla defesa e do contraditório, sendo primordiais para o surgimento da demanda (MESQUITA, 2002).

            Tal princípio define os parâmetros em que o Juiz conduzirá o processo, observando os ditames da legalidade. Deste modo age, quando, ao receber a petição inicial, manda citar a parte contrária, conforme regramento legal do Código de Processo Civil, garantindo o direito do cidadão em exercer sua defesa perante as alegações de outrem. Logo, deriva o princípio do contraditório, nele inserido o princípio da ampla defesa, consistindo em defender-se das alegações por meio de todas as provas em direito admitidas (DINAMARCO, 2005).

            A inovação processual, reside no direito da pessoa obter a toda essa prestação jurisdicional em tempo razoável, como menciona o texto constitucional. Este é sem dúvida o desafio do processo civil como atualmente concebido, pois as ferramentas pelas quais dispõem os profissionais do direito são inúmeras e permitem obliterar e levar os processos à idades absurdas. Sem adentrar nas discussões acerca de qual seria a razoável duração do processo, pois demandaria outro extenso trabalho, atem-se a aparente dicotomia entre razoável duração do processo X devido processo legal, este sim foco da presente pesquisa.

            A presença da razoabilidade na duração do processo deve nortear o pensamento jurídico ao desconsiderar atos inúteis ao andamento processual. Atos procrastinatórios, ou sem resultado prático dentro do processo seriam as principais causas. Afinal o objetivo das partes é ao final alcançar o exaurimento da cognição do Juiz, e este compromissado com a verdade fática levada pelas partes ao processo, decidir o direito (DINAMARCO, 2005).

            Denota-se não apenas nos meios acadêmicos a extrema dificuldade em delimitar conceitos abertos como, a “razoabilidade”, e o “devido processo legal”, eixo central da discussão destes princípios e da eventual colidencia destes dentro do processo. A pesquisa que será apresentada terá nos próximos capítulos a incumbência de averiguar o quantum de interferência de cada um deles na sistemática processual, e como adequá-los na busca de uma jurisdição efetiva (BUENO, 2007).

            A efetivação dos direitos, em especificadamente para resguardar a dignidade da pessoa humana dentro do processo civil, invade a seara do tempo em que a prestação jurisdicional é exercida. Assim faz-se mister a análise sobre as questões temporais envolvidas na “razoabilidade”, as quais serão objeto do próximo item, o processo e o tempo razoável.

 

 

4.3 O PROCESSO E A DURAÇÃO RAZOÁVEL

 

 

            A difícil tarefa de conceituar e delimitar o conceito de razoável é visualizável irrenunciável, o termo é aberto a diálogo e indefinível filosoficamente por tratar-se de proporcionalidade de tempo (USP, 2010) “O tempo sempre foi tratado como um conceito adquirido por vivência, indefinível em palavras. (USP, 2010). A concepção do tempo tem sido muito discutida desde o início da cultura ocidental, até hoje.”, considerando assim que até a medida do tempo teve de ser imposta conforme regras internacionais de interpretação, à exemplo dos meses do ano, dias e das horas. A aclamada teoria da relatividade de Einstein identifica o tempo como variável, na lição de Annoni (2006, p. 190):

 

para Einstein, o tempo é relativo e totalmente dependente do observador. Todavia, a teoria da relatividade introduzida por Einstein no começo do século XX é revolucionária ainda por outra razão, qual seja, a idéia de “dilação do tempo”. Se o tempo é relativo e dependente do observador, em casos de observadores diferentes, estando um em repouso e outro em movimento, não haveria como determinar qual dos dois está parado e qual está se movendo. E, ainda, se a velocidade da luz é a maior velocidade que um corpo físico pode atingir, na medida em que um relógio se aproximasse dessa velocidade, ele pareceria funcionar mais lentamente que os demais relógios que, em repouso. E foi a essa descoberta que Einstein chamou de “dilação do tempo”.

 

            A relativização do tempo remonta épocas imemoriáveis. (UNICAMP, 2010). A contribuição de Santos sobre o tema:

 

Na construção do conceito ‘tempo’ é necessário estabelecer uma relação entre o tempo cronológico, o tempo social (vivido) e o tempo histórico. Conhecer o conceito ‘tempo’ demarcado em seqüência linear, dia, meses e anos, é fundamental para o entendimento buscado.

São diferentes conceitos que propiciam a modificação, medição simbólica entre as pessoas e o mundo ao redor, tornando-se a passagem através do qual o indivíduo compreende os acontecimentos e pode então agir sobre eles, principalmente na história social contemporânea a qual evidencia que "... vivemos um momento prodigioso da técnica com transformações profundas das noções de espaço e tempo". (Novaes, 1992, p. 14). A cada momento se estabelecem sistemas do acontecer social que caracterizam e distinguem tempos diferentes, permitindo falar de hoje e de ontem. Para entender o formar dos períodos históricos, é necessário que seja posta muito bem a noção de periodização. É forçoso dominar a divisão do tempo em períodos. Não somente os períodos da divisão cronológica do tempo (décadas, séculos, etc.), mas também os períodos entendidos como: "... pedaços de tempo submetidos à mesma lei histórica". (Santos, 1998, p. 70). Ampliando a noção de tempo, Santos prossegue: "por tempo, vamos entender grosseiramente o transcurso, a sucessão dos eventos e sua trama" (op. cit., p. 41).

Ao construirmos o conceito de tempo, considero o pensamento de Milton Santos que nos lembra : ‘O tempo se dá pelos homens. O tempo concreto dos homens é a temporização prática, movimento do mundo dentro de cada qual e, por isso, interpretação particular do tempo por cada grupo’ (...). (1998, p. 83)(UNICAMP, 2010, grifo nosso).

 

            Parte-se deste conceito de tempo para atribuir ao razoável período de tempo uma abstração e imprecisão ainda maior, assim faz-se mister traçar algumas limitações à pesquisa, quais sejam: a) o tempo de decurso de um processo deverá ser norteado pelo procedimento imposto por lei; b) a infra-estrutura do Judiciário frente às quantidade de demandas; c) a priorização imposta por lei à determinados procedimentos.

            Impende lembrar acerca do princípio da razoabilidade, sempre presente na atividade jurisdicional, a todo intérprete da Lei, em especial na investidura do cargo de magistrado, pois Martins (2004, p. 136) “na aplicação de normas constitucionais e legais, o magistrado exerce a interpretação como atividade dinâmica, criativa, reveladora e declaradora do Direito segundo elementos teleológicos, sociológicos e sistemáticos”, de forma que “o intérprete da lei passe a vislumbrar o campo do razoável ao invés do campo do racional, pois a locução ‘razoável’ é mais expressiva para designar o que denomina de ‘logos de lo humano’”.

            A lógica do razoável decorre de experiências do ser humano ao longo da história e parte de um sistema de axiológico intrínseco e extrínseco, “recepciona todas as pautas valorativas decorrentes dos ensinamentos obtidos da experiência própria e da experiência do próximo através da história, ao contrário da lógica tradicional que não constitui a lógica inteira mas apenas parte dela”. (MARTINS, 2004, p. 138).

            Na constituição da lógica do razoável Martins (2004, p. 138) atribui as seguintes características:

 

a) está limitada pela realidade concreta do mundo em que opera e no campo do Direito é circunscrita pela realidade do mundo social particular em que são elaboradas as normas jurídicas; b) está impregnada de valorações que são concretas e referentes a determinadas situações, possibilidades e limitações reais; c) está orientada por razões de congruência ou adequação entre realidade social, os valores, os fins, os meios, a conveniência dos meios e dos fins, a correção ética dos meios e a sua eficácia; d) está orientada pelas lições da experiência vital e histórica seja ela individual ou social.

 

            Traçados os limites da expressão razoável ou a lógica do razoável, conforme Martins (2004), parte-se para a idéia deste conceito dentro do sistema processual, proposto pela constituição, onde “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”(BRASIL, 2010c).

            Do texto constitucional depreende-se que o inciso LXXVIII, do art. 5º encontra no Título II “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” (Brasil, 2010c), logo impende distinguir se trata-se de “direito”, “garantia”, ou ambos. Assim traz-se a lume o entendimento do Ministro Gilmar Mendes (MAUNZ-DÜRIG, 1990, apud MENDES, 2007, p. 479) sobre o assunto: “um direito subjetivo a um processo célere – ou com duração razoável – impõe ao Poder Público em geral e ao Poder Judiciário, em particular, a adoção de medidas destinadas a realizar esse objetivo”.

            Nessa construção de direito humano fundamental, Annoni (2006, p. 181):

 

no entanto, não se pode reduzir o direito de acesso à justiça em um prazo razoável ao mero cumprimento dos prazos legais por parte do Poder Judiciário e das partes envolvidas no processo. É preciso ter-se claro que o direito de acesso à justiça em um prazo razoável é uma garantia do ser humano face ao Estado contemporâneo, e não um mero recurso do Poder Judiciário. Isso implica dizer que todos os Poderes estatais são responsáveis por sua efetivação, respondendo a União pelas reparações e indenizações oriundas de uma violação.

           

            Deste modo temos sintaticamente, “um direito subjetivo” que “impõe ao Poder Público em geral e ao Poder Judiciário”, isto pressupõe que a razoável duração do processo consiste, além de um princípio norteador do processo, também um direito potestativo frente ao Estado.

 

 

4.3.1 O Direito à Razoável Duração do Processo

 

 

            Consoante referido, o “direito” à celeridade na prestação jurisdicional abrange um contingente maior do que a simples normatividade e observância dos prazos processuais, substancia-se no fundamento do direito humano e sua proteção, como a vida e a propriedade.

            Os efeitos ao se considerar a razoável duração do processo como direito do cidadão são importantíssimos, uma vez que o conteúdo da norma tem aplicabilidade imediata aos processos judiciais e administrativos, criando-se um direito líquido e certo diante da morosidade dos procedimentos. O problema da morosidade é uma realidade no Brasil, conforme pesquisa “Justiça em Números” realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2010), seja pela falta de magistrados ou pela quantidade de demandas.

            Atento ao fenômeno da morosidade processual o Conselho Nacional de Justiça, igualmente inovação da Emenda 45/2004, criou metas para serem atingidas pelo Poder Judiciário, a fim de atingir a almejada razoável duração do processo, nesse sentido o informativo escrito pelo Ministro do Tribunal Superior do Trabalho e Conselheiro do CNJ Ives Gandra Martins Filho (CNJ, 2010):

 

No que consistia e qual o seu significado? O objetivo era o de identificar e julgar até o fim do ano, em todas as instâncias, todos os processos distribuídos até o fim de 2005, ou seja, estabeleceu-se como duração razoável do processo, prevista no art. 5º, LXXVIII, da Constituição, o limite de quatro anos. Seria algo factível? Por que se priorizou e se decantou essa meta mais do que as outras nove, ligadas ao planejamento estratégico dos tribunais (Meta 1), à informatização em seus vários aspectos (metas 3, 4, 5, 7, 8 e 10), à capacitação gerencial de magistrados (Meta 6) e à generalização do controle interno dos tribunais (Meta 9)?

           

            O Supremo Tribunal Federal ciente das limitações do Poder Judiciário, mas também estritamente comprometido com os ditames da Constituição Federal e o Estado Democrático de Direito, reconhece o “direito” à razoável duração do processo, inclusive com seus reflexos nos “meios que garantam a celeridade da tramitação, considerando este direito corolário natural do direito ao “acesso à Justiça”:

 

(...) de nada valeria a Constituição Federal declarar com tanta pompa e circunstância o direito à razoável duração do processo (e, no caso, o direito à brevidade e excepcionalidade da internação preventiva), se a ele não correspondesse o direito estatal de julgar com presteza. Dever que é uma das vertentes da altissonante regra constitucional de que a ‘lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’ (inciso XXXV do art. 5º). Dever, enfim, que, do ângulo do indivíduo, é constitutivo da tradicional garantia de acesso eficaz ao Poder Judiciário (‘universalização da Justiça’, também se diz).” (HC 94.000, voto do Min. Carlos Britto, julgamento em 17-6-08, 1ª Turma, DJE de 13-3-09)(grifo nosso)(BRASIL, 2009)

 

            Matéria sobre a qual recai maior visualização sobre o tema é o processo penal, nos julgamentos de habeas corpus, que geralmente ressaltam o excesso de prazo como fundamento para a liberdade do acusado. Como o entendimento do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2009) colacionado a seguir:

 

Habeas corpus. Writ impetrado no Superior Tribunal de Justiça. Demora no julgamento. Direito à razoável duração do processo. Natureza mesma do habeas corpus. Primazia sobre qualquer outra ação. Ordem concedida. O habeas corpus é a via processual que tutela especificamente a liberdade de locomoção, bem jurídico mais fortemente protegido por uma dada ação constitucional. O direito a razoável duração do processo, do ângulo do indivíduo, transmuta-se em tradicional garantia de acesso eficaz ao Poder Judiciário. Direito, esse, a que corresponde o dever estatal de julgar. No habeas corpus, o dever de decidir se marca por um tônus de presteza máxima. Assiste ao Supremo Tribunal Federal determinar aos Tribunais Superiores o julgamento de mérito de habeas corpus, se entender irrazoável a demora no julgamento. Isso, é claro, sempre que o impetrante se desincumbir do seu dever processual de pré-constituir a prova de que se encontra padecente de ‘violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder’ (inciso LXVIII do art. 5º da Constituição Federal). Ordem concedida para que a autoridade impetrada apresente em mesa, na primeira sessão da Turma em que oficia, o writ ali ajuizado." (HC 91.041, Rel. p/ o ac. Min. Carlos Britto, julgamento em 5-6-07, 1ª Turma, DJ de 17-8-07). No mesmo sentido: HC 96.504, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 30-6-09, 1ª Turma, DJE de 23-10-09. (grifo nosso)(BRASIL, 2010)

 

            Portanto reconhecido o direito à duração razoável pelo Poder Judiciário em sua Suprema Corte, refletindo em desdobramentos práticos dentro da atividade estatal. Observa-se, no entanto que a prática exacerbada destas ferramentas poderá ocasionar um “efeito reverso” e aliar-se à condição de morosidade tanto combatida. Não desconsiderando é claro a obrigatoriedade do Estado em manter condições estruturais adequadas para o cumprimentos dos preceitos constitucionais.

 

 

4.3.2 O Princípio da Razoável Duração do Processo

 

 

            Apesar de todo o dispêndio acerca do “direito” de duração razoável, existe no ordenamento jurídico o princípio da razoável duração do processo que está ligado à prestação jurisdicional como um todo. Na exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1972, Buzaid já escrevia que o direito deveria ser feito “sem delongas” e as ferramentas para aperfeiçoar o direito haveriam de ser a “rapidez e a justiça” (VADE MECUM, 2009, p. 372):

 

assim entendido, o processo civil é preordenado a assegurar a observância da lei; há de ter, pois, tantos atos quantos sejam necessários para alcançar essa finalidade. Diversamente de outros ramos da ciência jurídica, que traduzem a índole do povo através de longa tradição, o processo civil deve ser dotado exclusivamente de meios racionais, tendentes a obter a atuação do direito. As duas exigências que concorrem para aperfeiçoá-lo são a rapidez e a justiça. Força é, portanto, estruturá-lo de tal modo que ele se torne efetivamente apto a administrar, sem delongas, a justiça.

 

            No mesmo diploma Buzaid (Vade Mecum, 2009, p.372) prossegue, descrevendo que o processo é um interesse público e não meramente privado:

 

o processo civil é um instrumento que o Estado põe à disposição dos litigantes, a fim de administrar justiça. Não se destina a simples definição de direitos na luta privada entre os contendores. Atua, como já observara Betti, não no interesse de uma ou de outra parte, mas por meio do interesse de ambos. O interesse das partes não é senão um meio, que serve para conseguir a finalidade do processo na medida em que dá lugar àquele impulso destinado a satisfazer o interesse público da atuação da lei na composição dos conflitos. A aspiração de cada uma das partes é a de ter razão: a finalidade do processo é a de dar razão a quem efetivamente a tem. Ora, dar razão a quem a tem é, na realidade, não um interesse privado das partes, mas um interesse público de toda sociedade.

 

            Depreende-se do texto supracitado a necessidade da observância da supremacia do direito público sobre o privado, e via de conseqüência a aplicação da constituição nas relações privadas, constituindo obrigação do intérprete da Lei em observar os princípios norteadores do processo civil. A razoável duração do processo enquanto princípio não deve servir de rebaixamento conceitual e sim de concretude do direito material contemplado pela constituição.

            O entendimento jurisprudencial da Suprema Corte sobre o princípio enquanto garantia (BRASIL, 2009):

 

“Tendo em conta a peculiaridade do caso, a Turma desproveu recurso extraordinário no qual pleiteada a desconstituição de acórdão do TRF da 3ª Região e a conseqüente remessa do feito à comarca em que localizado o imóvel objeto de ação de usucapião. (...) Inicialmente, ressaltou-se que a aludida ação de usucapião fora ajuizada há mais de 40 anos e, desde então, o Estado, ministrando a prestação jurisdicional requerida, apreciara o mérito da demanda 2 vezes. A primeira sentença, proferida pelo Juízo da Comarca do Guarujá, em 1967, julgara procedente a demanda. A segunda, pelo Juízo Federal da 7ª Vara da Seção Judiciária de São Paulo, em 1975, também considerara procedente o pleito. A seguir, registrou-se que a EC 45/2004, em resposta à morosidade da justiça, consagrou o princípio da celeridade processual como postulado fundamental (CF, art. 5º, LXXVIII). Asseverou-se que, na situação dos autos, haveria, de um lado, as regras que garantem ao jurisdicionado segurança jurídica e, de outro, a afirmação constitucional da necessariamente rápida e, ao menos razoável, prestação jurisdicional. Ademais, aduziu-se que hipóteses de exceção não deveriam ficar à margem do ordenamento, sendo por este capturadas, e concluiu-se que a preservação dos princípios imporia a transgressão das regras. Tendo isso em conta, as regras de competência – cuja última razão se encontra na distribuição do exercício da jurisdição, segundo alguns critérios, aos órgãos do Poder Judiciário –, não poderiam prevalecer 43 anos após a propositura da ação. Concluiu-se que assim deveria ser em virtude da efetiva entrega da prestação jurisdicional – que já se dera – e à luz da garantia constitucional à razoável duração do processo. Precedente citado: HC 94.916/RS (DJE de 10.10.2008).” (RE 433.512, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 26-5-09, 2ª Turma, Informativo 548) (grifo nosso)(BRASIL, 2009)

 

            Verifica-se o desdobramento do princípio em garantia constitucional no processo, havendo a obrigatoriedade da observância e cumprimento deste na prestação jurisdicional. Não havendo, portanto decaimento no conceito em considerar o “direito” também como “princípio” ambos com a finalidade de garantir a efetividade e o acesso material à justiça no Brasil.

            Assim, considerando como princípio a razoável duração do processo, esta submete-se ao crivo da proporcionalidade e da razoabilidade, existindo o dever, por parte do magistrado, de verificar a necessidade da aplicação em consonância com os demais princípios constitucionais. Nesse sentido o entendimento da Suprema Corte:

 

A razoável duração do processo (...), logicamente, deve ser harmonizada com outros princípios e valores constitucionalmente adotados no Direito brasileiro, não podendo ser considerada de maneira isolada e descontextualizada do caso relacionado à lide penal que se instaurou a partir da prática dos ilícitos. A jurisprudência desta Corte é uniforme ao considerar que o encerramento da instrução criminal torna prejudicada a alegação de excesso de prazo (...).” (HC 95.045, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 9-9-08, 2ª Turma, DJE de 26-9-08). No mesmo sentido: HC 92.293, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 02-12-08, 2ª Turma, DJE de 17-04-09; HC 91.118, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 2-10-07, 1ª Turma, DJ de 14-12-07.(grifo nosso) (BRASIL, 2009)

 

            Do caso em análise, depreende-se o entendimento da razoável duração do processo enquanto princípio norteador da atividade jurisdicional, e como tal deve ser comedido com os demais princípio e regras do ordenamento jurídico aplicados ao caso concreto. A adoção do princípio não exime ou diminui a responsabilidade do Estado sobre o direito do jurisdicionado, apenas complementa o direito material com a aplicação direta nos procedimentos formais do processo.

            A garantia processual da razoável duração é aplicada como princípio norteador a partir do entendimento de que é direito do cidadão o acesso à uma justiça efetiva, e dever do Estado zelar pela qualidade da prestação jurisdicional, derivada do princípio da administração pública da eficiência e oportunamente da dignidade da pessoa humana em obter seu direito em prazo razoável.

 

 

4.4 A EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO E AS TUTELAS DE URGÊNCIA

 

 

            As tutelas de urgência em si, são ferramentas utilizáveis pelos profissionais do direito para abreviar o processo e obter a tutela jurisdicional antecipadamente. Portanto, busca-se acima do contraditório e de outras garantias, a efetividade da jurisdição como modo de alcançar a justiça.

            A efetivação dos direitos passa, no processo, pela condição de concretização perante o caso concreto levado ao judiciário, ou seja, o Juiz ao verificar o caso concreto deve impor a melhor técnica processual para efetivar o direito posto. Nesse sentido a doutrina de Marinoni (2009) explica que:

 

 a concretização da norma processual deve tomar em conta as necessidades de direito material reveladas no caso, mas a sua instituição decorre, evidentemente, do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. O legislador atua porque é ciente de que a jurisdição não pode dar conta das variadas situações concretas sem a outorga de maior poder e mobilidade, ficando o autor incumbido da identificação das necessidades concretas para modelar a ação processual, e o juiz investido do poder- dever de, mediante argumentação própria e expressa na fundamentação da sua decisão, individualizar a técnica processual capaz de lhe permitir a efetiva tutela do direito. (MARINONI, 2009).

 

            O contorno do direito material expresso no processo compõe umas das funções que justificam as medidas de urgência, pois são ferramentas processuais de garantia efetiva dos direitos. A técnica processual demanda a maior parte do estudo acerca da efetividade pela diversificação de procedimentos, e pela possibilidade com que os profissionais do direito podem escusar-se da realidade através da imparcialidade fria da lei. A admissão de ritos ou determinados procedimentos sem a adequação ao caso concreto foi e continua sendo uma técnica usual no cotidiano, apesar das críticas e da oportunidade de mudança proposta pela Comissão de Reforma do Código de Processo Civil de 2010. (BRASIL, 2010d)

            O processo deve ganhar espaçamentos sólidos na medida em que proporciona a efetividade da jurisdição e adequar seus procedimentos aos casos concretos, na lição de Marinoni (2010), sobre a evolução do processo nesse sentido descreve:

 

acontece que, com o passar do tempo, tornou-se necessário munir os litigantes e o juiz de uma maior latitude de poder, seja para permitir que os jurisdicionados pudessem utilizar o processo de acordo com as novas situações de direito material e com as realidades concretas, seja para dar ao juiz a efetiva possibilidade de tutelá- las. Tal necessidade levou o legislador não só a criar uma série de institutos dependentes do preenchimento de conceitos indeterminados – como a tutela antecipatória fundada em "abuso de direito de defesa" (art. 273, II, CPC) -, admitindo o seu uso na generalidade dos casos, mas também a fixar o que denomino de normas processuais abertas (art. 461, CPC). Essas regras decorrem da aceitação da idéia de que a lei não pode atrelar as técnicas processuais a cada uma das necessidades do direito material ou desenhar tantos procedimentos especiais quantos forem supostos como necessários à tutela jurisdicional dos direitos. (JUS, 2010, grifo nosso)

 

            Na visão de Marinoni (2010) as tutelas de urgência surgem como fator exteriorizador do direito em momento anterior à sentença, deixando a parte usufruir da tutela jurisdicional do Estado antes do exaurimento cognitivo do Juiz, trazendo a mencionada efetividade. Assim o é nas palavras do supracitado doutrinador:

 

perceba-se que "tutela" significa o resultado jurídico-substancial do processo, representando o impacto do processo no plano do direito material. Quando se teoriza o tema das "tutelas" se tem em mira exatamente a imprescindibilidade da identificação das situações de direito material para a compreensão crítica da lei processual e para o delineamento das técnicas processuais capazes de outorgar efetividade à prestação jurisdicional e, assim, colocá-la em uma dimensão realmente capaz de concretizar o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.(JUS, 2010).

 

            Portanto, a efetividade da jurisdição está intimamente ligada às tutelas de urgência, porque estas proporcionam a efetividade do provimento jurisdicional, refletindo seus efeitos no mundo fático de maneira concreta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


5 CONCLUSÃO

 

 

Os institutos das tutelas diferenciadas, das medidas cautelar e antecipada, mediante a análise dos requisitos e hipóteses de cabimento de concessão, têm a finalidade de abreviar o interregno de tempo entre a interposição da ação e a efetividade do direito pleiteado pela parte.  Destaca-se a capacidade dessas medidas de alcançarem a finalidade do chamado “direito material”, dentro do processo, abordado pela teoria do “direito processual material”.

A prestação jurisdicional provisória, típica das liminares, pois consistem em decisões interlocutórias, revogáveis no curso do processo, perfazem ainda a questão da instrumentalidade do processo e adentram no “direito ao acesso à justiça dentro de um prazo razoável”. No sentido de dar uma finalidade específica ao processo, deixando para trás as antigas teorias de “direito” e “processo”, onde diferenciava-se o processo pelo seu caráter procedimental simplesmente. Considerar o princípio da razoável duração do processo dentro do contexto de direito material é o desafio da ordem jurídica atual, nos moldes que se propõe a efetivar direitos e garantias.

Necessário ainda, frisar a abordagem da razoável duração do processo como um “direito” potestativamente defensável na esfera jurídica, inclusive por mandado de segurança. Porque ao classificar e elevar esse princípio de uma garantia processual à proteção de um direito líquido e certo do jurisdicionado, o legislador integra ao ordenamento jurídico uma nova ferramenta de destravar a criticada morosidade judiciária.

O crescimento do ativismo judicial tem permitido ao intérprete da norma uma nova visão sobre as leis já positivadas, inexistindo a necessidade de criar novas leis para inovar e realizar o Direito e a Justiça. A Constituição Brasileira de 1988 constitui a base para a aplicação de princípios, pois é um sistema aberto conforme delineia o art. 5º, §2º da Carta Magna.

A Emenda Constitucional 45/2004 trouxe a inovação da Convenção Americana de Direitos Humanos, na garantia de uma “razoável duração do processo e meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, trazendo à lume como dignidade da pessoa humana o direito ao devido e célere processo legal.

O sistema processual moderno vem adotando formas constitucionais de resolução de conflitos da norma ou omissões da lei, no sentido de dar ao processo modelos garantistas dos direitos protegidos pela Constituição. A dinâmica do processo exige e sempre exigiu dos seus profissionais a adequação à sociedade em que são inseridas, e dentro dessa regra o direito deve servir a vida e não o contrário, conforme a paráfrase do doutrinador Pontes de Miranda.

A integração do processo civil com princípios constitucionais e demais princípios próprios, agrega ao processo a função de otimizar e aperfeiçoar a prestação jurisdicional. O denominado “direito processual material” consolida a importância do processo como forma de alcançar o direito de maneira efetiva e célere, dando o “status” de direito material ao processo, que antes era simplesmente a aplicação cega e fria de ritos e procedimentos.

O enfrentamento dos requisitos das tutelas cautelares e antecipadas na medida de suas desigualdades, mas não deixando o jurisdicionado sem a resposta do Estado pela fungibilidade entre as medidas proporcionada pelo §7º do art. 273 do CPC. Utilizando-se da técnica da cognição sumária e superficial para adentrar na realidade fática levada pelo processo ao judiciário, esse seria o papel das tutelas de urgência, efetivar um Direito muitas vezes desacreditado pelo procedimentalismo exacerbado.

Através das liminares trazer as tutelas de urgência mais próxima aos litigantes, antes mesmo da formação triangular do processo, concretizando a prestação jurisdicional no inicio da demanda, privilegiando os princípios da celeridade e efetividade da jurisdição.

A possibilidade de concessão de medidas de ofício determinadas pelo Juiz levanta a questão da responsabilidade do Estado após o “impulso oficial” de dar continuidade à eventual lesão levada ao Judiciário, com as medidas que se fizerem necessárias no decorrer do processo, independentemente de requerimento, quando atendidos os pressupostos legais de excepcionalidade e omissão legislativa.

Atentando-se sobre a executoriedade da tutela antecipada, e a previsão do §3º do art. 273 do CPC, dotando a medida de capacidade realística absoluta no mundo dos fatos. Denota-se a satisfação do direito antecipado mediante as técnicas de execução provisória.

As tutelas antecipada e cautelar contribuem de maneira substancial aos anseios do jurisdicionado buscando a tutela do Estado, e realizando o proposto pela Constituição, no papel de garantidor de direitos fundamentais, como o direito à imagem, a propriedade privada, a vida, a saúde, a educação, a previdência social, dentre outros elencados na Constituição, pautando-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana.

Desnecessária outra produção legislativa para possibilitar uma melhor eficácia dos meios jurídicos existentes, porque a legislação pertinente já têm o condão de resolver os conflitos do cidadão. A utilização das ferramentas adequadas à cada caso é a diferenciação dos profissionais do direito tanto no âmbito público quanto o privado, e nas condições propostas enfrentam a árdua tarefa de buscar a justiça.

As tutelas de urgência são prova deste fato, pois pela presente pesquisa averiguaram-se as inúmeras possibilidades destas tutelas efetivarem o direito. A pesquisa pauto-se pelas diversas formas e atrelamentos do processo com a dinâmica constitucional, tentando formular a questão do direito material no processo e o princípio da razoável duração do processo. Porém, além disso, verificou-se a ocorrência de várias alternativas para a obtenção da efetividade da jurisdição e por conseqüência o resguardo dos direitos e garantias do cidadão, através da aplicação do princípio da razoável duração do processo.

A razoável duração do processo é ao mesmo tempo: técnica, princípio, garantia e direito do Estado Democrático de Direito Brasileiro, positivado na Constituição e protegido pelo poderes a ela condicionados. Sendo a utilização deste instituto uma nova ferramenta importante, não só para as tutelas de urgência, mas no processo de maneira geral.

 

 

 

 

           

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