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Esclarecendo o crime de latrocínio.


Autoria:

Crismara Lucena Santos


Doutoranda pela Universidade Autônoma de Lisboa.Especialista em Penal e Processo Penal pela UNIASSELVI. Bacharel em Direito pela UEPB.

Texto enviado ao JurisWay em 08/07/2013.

Última edição/atualização em 24/02/2014.



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1      LATROCÍNIO

 

1.1  Conceito e objetividade jurídica

 

A palavra “Latrocínio” do latim “latrocinium”, indica a conduta de um agente que pratica um roubo seguido de um homicídio. O uso da violência é essencial para diferenciação de um crime de roubo e um crime de furto. Naquele, a violência é sempre notada, só que no caso do latrocínio, tal violência é empregada com tanta ênfase que dela temos o resultado morte.

Ressalta-se que a denominação “latrocínio” vem da chamada Lei dos Crimes Hediondos, a Lei nº 8.072/90, onde são designados os crimes que o legislador descreveu como de maior reprovação por parte do Estado. Portanto, como os demais crimes contidos nessa lei, o agente que consuma o crime latrocínio será insuscetível de graça, anistia, fiança e indulto.

Anteriormente, os legisladores destacavam que quem cometesse crime hediondo não teria direito a liberdade provisória. O entendimento atual é que isso não seria possível em razão do princípio da isonomia. Seguindo esse pensamento majoritário, Sanches (2009, p.204) leciona:


A lei 11.464/07 alterou o inc. II, do art. 2º, da Lei nº 8.072/90, permitindo a liberdade provisória para os crimes hediondos ou equiparados. (...) Pode-se afirmar, face à inovação trazida pela Lei nº 11.464/2007, que deu novo tratamento aos crimes etiquetados como hediondos, que a possibilidade de liberdade provisória, hoje, não sofre qualquer restrição legal, a depender sempre da análise do caso concreto.

 

O art. 157, do CP, define o tipo penal roubo, destacando-se a descrição da conduta do latrocínio:

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: § 3º Se da violência (...) resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

É evidenciado que, na conduta de roubar, a violência contra a vítima encontra-se intrínseca ao próprio conceito jurídico do crime. O homicídio surge aqui como uma qualificadora, dando ao delito pretextos para ampliação da pena mínima e máxima que lhe foi delimitada.

A violência aqui descrita deve ser física, até porque se não fosse não poderia ter como resultado final a morte da vítima. Nesse entendimento: TJSP:

Todavia, a violência a que se refere o art. 157, §3º, do Código Penal há de ser física, e não moral. Com efeito, enquanto o caput refere a ‘grave ameaça ou violência à pessoa’, no art. §3º, que trata o latrocínio, apenas faz referência à violência física (...) omitindo a violência seja ela grave ou não. (TJSP/RT 111/495)

 

A doutrina classifica tanto o roubo, e obviamente, também, o latrocínio como uma espécie de crime complexo, ou seja, aquele onde o autor pratica mais de uma conduta, afetando assim mais de um bem jurídico penalmente tutelado, no entanto, respondendo por um tipo penal, já que, nesse caso, há reunião indispensável dessas ações para tipificação de apenas um crime.

Os bens jurídicos aqui são: patrimônio e a vida.  Patrimônio, evidenciado no roubo, e a vida, no homicídio. Ensina Mirabete (2007, p.221), que: “o objetivo jurídico imediato do roubo é o patrimônio. Tutelam-se, também, a integridade corporal, a liberdade e, no latrocínio, a vida do sujeito passivo.”

Frisa-se que o lapso temporal para que as duas ações, de roubo e homicídio aconteçam, não é determinado, nem precisa obrigatoriamente ser uma ação imediata a outra. Basta que estejam diretamente ligadas para que o latrocínio seja caracterizado. Vê-se, então:

Caracteriza o latrocínio e não o concurso entre roubo e homicídio se o evento morte estiver relacionado com o ataque patrimonial, pouco importando que entre a abordagem da vítima e o evento de seu falecimento tenha decorrido lapso de tempo prolongado. (TJSP/RT 750/630).

 

Confirma-se assim que, independentemente do tempo decorrido, sendo o roubo diretamente associado a morte de um indivíduo que seja ou não aquele que teve a coisa móvel subtraída, ocorrerá sim o latrocínio.

 

1.2  Sujeitos: ativo e passivo

 

O sujeito ativo e passivo no crime de latrocínio pode ser qualquer pessoa física. Para que se configure o crime de latrocínio é imprescindível que haja o dano a dois bens: vida e patrimônio. Sendo assim, tem que ser evidenciado que a ação do agente causou a morte da vítima. Temos a seguinte tese:

Ressalta-se que é necessário que o exame necroscópico comprove a relação de causalidade entre o atuar do agente e a morte da vítima. Desconsiderou-se a morte em caso de que a prova técnica não elucidava o nexo casual, tendo a vítima falecido por provável enfarte do miocárdio. (JCAT 63/295).

 

Outro ponto importante é fato de que o latrocínio será acatado mesmo que a violência, e a consequente morte, seja em pessoa diversa daquela que teve a coisa subtraída. Nesse caso, tem-se dois sujeitos passivos, um autor, e, portanto, um crime. Bitencourt  (2010, p.121), consagra esse raciocínio:

A diversidade de vítimas fatais não altera a tipificação criminosa, continuando, a configurar latrocínio único, sem concurso formal, cujo número de vítimas deve ser avaliado na dosagem de pena, nos termos do art. 59.

 

Pode haver também a pluralidade de agentes. Nesse caso, todos os agentes que participarem da ação respondem pelo crime de latrocínio, mesmo que apenas um venha a efetivamente matar a vítima, porque se presume a previsibilidade do resultado por parte dos demais. Trata-se de um modo preterdoloso da conduta, sendo o risco do resultado assumido pelos autores, co-autores ou partícipes da ação.

É irrelevante mesmo a identificação daquele que desferiu o golpe fatal contra vítima. A aplicação do art. 29, §2º do Código Penal, para a desclassificação do latrocínio para roubo, só se justifica se o agente não podia prever o resultado morte e não tinha condições de evitá-lo. (MIRABETE, 2005, p.1408)

 

No caso onde um dos autores do crime mata um de seus comparsas, após ter-se apropriado de coisa de uma vítima terceira, não há do que se falar em latrocínio. Entenda-se que, contra a vítima da subtração, o agente praticou roubo, e contra seu comparsa, praticou homicídio, respondendo pelo concurso dos dois crimes. (DELMANTO, 2007, p.450)

 

1.3  Consumação e tentativa

 

Considera-se consumado o latrocínio quando a coisa alheia é subtraída e a morte evidenciada. Analisando as hipóteses de crime tentado, temos que: quando o agente não consegue finalizar nenhuma das ações, obviamente, tem-se a tentativa de latrocínio.

Também há tentativa, caso o agente aproprie-se da coisa e não consiga consumar o homicídio contra a vítima. Apesar de alguns poucos, como é o caso de Hungria (1977, 63), se posicionarem na linha de pensamento de que implicaria em uma tentativa homicídio qualificado, pelo motivo torpe de querer roubar, o entendimento majoritário é de que a tentativa é incontestável nessa hipótese, já que se leva em consideração a maior relevância do resultado morte para ter-se a consumação.

A dúvida surge quando o agente não completa a ação de roubo, mas comete homicídio contra a vítima. A parte majoritária da doutrina afirma ser um caso de latrocínio consumado. Dentro desse raciocínio, temos o posicionamento do STF: “Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima” (SÚMULA Nº 610 - STF).

Alguns doutrinadores opinam de forma diferente, caso de Mirabete e Fragoso. Na opinião de outra parte doutrinária, como Noronha, quando ocorrer a morte e não a subtração, há tentativa de furto em concurso com homicídio qualificado.

Apesar de não ser uma interpretação literal do que consta na lei, e ainda que se trate de um crime complexo, tendo que haver a execução de ambas as ações que fazem parte do tipo penal para ser considerado consumado, a orientação do STF e da maior parte da doutrina, é a mais aceitável.

 

1.4  Ação penal

 

Apesar de ser elencado como crime contra o patrimônio, o latrocínio atinge não só esse bem jurídico, como também a vida. A ação penal no crime de latrocínio é a pública incondicionada. Portanto, é de iniciativa do Ministério Público.

Cinco princípios norteiam a ação penal incondicionada: o primeiro é da oficialidade que propugna que repressão às infrações não constitui apenas uma necessidade indeclinável como também um fim essencial do Estado, eis o porquê que este detém o monopólio do direito concreto de punir. (...) A ação penal é instrumento para fazer atuar o Direito Penal objetivo e pertence ao Estado que é representado pelo Ministério Público. (RANGEL, 2004, p. 58)

 

Segundo art. 101 do CP, “quando o tipo penal for um crime complexo e contra qualquer dos tipos penais que o compõem caiba ação penal pública, o Ministério Público será o titular da ação penal”.

Respeitando o limite superior de 30 anos, se a vítima estiver em qualquer das hipóteses do art. 224 do Código Penal (pessoas menores de 14 anos de idade, alienadas ou débeis mentais e que não podem opor resistência por qualquer motivo). (NUCCI, 2007, p. 695)

Sendo assim, a pena de latrocínio que é de reclusão entre vinte a trinta anos, cumulada ou não com multa, ainda pode ser acrescida da metade, em determinados casos. (Art. 157, §3º)

 

1.5  Latrocínio culposo

 

Apesar de alguns doutrinadores afirmarem que a morte tem que ser desejada pelo agente, no entendimento legal, o que vai realmente ser relevante é fato de que da violência aplicada pelo agente para garantir a coisa, se tenha a morte da vítima.

Assim, o legislador equiparou a modalidade dolosa e culposa do crime de latrocínio. Critica Bitencourt:

No entanto, não se pode silenciar diante de um erro crasso do legislador, que equiparou dolo ou culpa, pelo menos quanto às consequências, nesse caso específico. Na verdade, o evento morte, no latrocínio, tanto pode decorrer de dolo, de culpa ou de preterdolo, e se lhe atribuir a mesma sanção com a gravidade que lhe é cominada (20 a 30 anos de reclusão), o que agride o bom-senso e fere a sistemática do ordenamento jurídico brasileiro. (BITENCOURT, 2010, p. 120)

 

Por conseguinte, aquele que venha a cometer latrocínio culposamente incorrerá na mesma punição que se o fizesse de forma dolosa.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. vol. 3, 6. ed. São Paulo: Saraiva. 2010

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 18 (rev. e atual.) ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2002.

DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. p.64. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007

GOMES, Luiz Flávio. Júri. Desclassificação imprópria de homicídio para latrocínio. Direito de defesa. Nulidade. Blog LFG, São Paulo, 23 de fevereiro de 2011. Disponível em: <http://www.blogdolfg.com.br/artigos-do-prof-lfg/juri-desclassificacao-impropria-de-homicidio-para-latrocinio-direito-de-defesa-nulidade/>. Acesso em: 11 de dezembro de 2012, 08:46.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código penal interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas. 2005.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2007

CUNHA, Rogério Sanches, PINTO, Ronaldo Batista. Processo Penal: doutrina e prática. 1. ed. Salvador: JusPodivm. 2008. 

 

 

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