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SOLIDARIEDADE COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO


Autoria:

Alberto De Almeida Oliveira Peixoto


Advogado, graduado pela Universidade de Uberaba e pós-graduando em Processo Civil

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Resumo:

O estudo expõe a importância da efetivação dos objetivos constitucionais, sobretudo em relação ao valor e princípio da solidariedade, demonstrando a tendência das decisões do Supremo Tribunal Federal.

Texto enviado ao JurisWay em 19/06/2013.

Última edição/atualização em 23/01/2014.



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 SUMÁRIO

 1 INTRODUÇÃO; 2 FORMAÇÃO DO ESTADO; 3 ESTADO DE DIREITO; 3.1 ESTADO LIBERAL DE DIREITO; 3.2 ESTADO SOCIAL DE DIREITO; 3.3 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO; 4 SOLIDARIEDADE; 5 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE; 5.1 NORMAS, REGRAS E PRINCÍPIOS; 5.2 NATUREZA JURÍDICA DA SOLIDARIEDADE; 6 SOLIDARIEDADE COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO; 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.

 

1 INTRODUÇÃO

  

O presente estudo visa demonstrar a importância da efetivação dos objetivos fundamentais expostos na Constituição Federal de 1988, mais precisamente o constante no inciso I, do art. 3°, que tem como norte tornar a sociedade brasileira livre, justa e solidária. Outrossim, esclarecer a importância do valor solidariedade, no sentido de sair apenas do campo moral e ético para a relação jurídica, mostrando sua relevância nas relações dos direitos fundamentais.

 

Dessa forma, faz-se mister esclarecer vários pontos importantes como: formação do Estado e evolução do Estado de direito ao Estado democrático de direito; o momento em que a solidariedade tornou-se relevante juridicamente bem como sua evolução; influência e reflexos nas decisões do Supremo Tribunal Federal; e  por fim, a importância do incentivo e efetividade do princípio axiológico da solidariedade para garantia do bem estar social.

 

Inicialmente, o estudo se reportará à formação do Estado, para compreendermos o que levou as pessoas a abdicarem dos seus direitos naturais para conviver em sociedade, bem como uma breve análise da evolução das formas de governos, para que possamos visualizar a trajetória da união em sociedade e neste contexto analisar se já havia os primeiros indícios implícitos nos valores da solidariedade. Assim, como existem inúmeras teses acerca da formação do Estado, nos atentaremos principalmente para a justificação contratualista de Hobbes, Locke e Rousseau.

 

Serão analisados alguns aspectos que influenciaram a criação do Estado de Direito e após, o Estado de Direito Liberal com suas vertentes acerca da propagação dos direitos fundamentais, mais precisamente os das liberdades individuais, considerados de primeira geração. As ideologias do Estado Social com o desenvolvimento dos direitos na seara coletiva ou de massas, consagrados como direitos de segunda geração. E por último, o Estado Democrático de Direito, que consagra os direitos de terceira geração, surgindo como alternativa da efetivação do bem estar social.

 

Em paralelo, as constituições dão legitimidade e ideologias aos Estados, que no Estado Liberal de Direito cria a estrutura político-jurídico-administrativa, conferindo direitos que ficam no campo formal e a separação de poderes, o que dá ensejo ao Estado Social, que visa exigir a efetivação dos direitos individuais adquiridos, porém agora não apenas individual, mas sim coletivo, denominando uma nova fase do constitucionalismo, sendo esse, agora social. E com as crises de legitimação do Estado Social, transcorreu a fase democrática, em que mesmo fazendo parte das constituições dos estados anteriores, devido às constantes recaídas autoritárias na história, a democracia surge como uma esperança perene e não apenas provisória.

 

O poder judiciário, que nesse processo ampliou sua participação, ajudando a concretizar de vez o Estado Democrático de Direito, viabilizando a legitimidade e a cidadania, vai além, reconstrói a relação de direito e moral anteriormente destruída pelo positivismo.

 

E neste contexto torna-se imprescindível a efetiva aplicação dos princípios, no caso específico o princípio da solidariedade, pelo qual se torna necessário o pensamento do todo em vez do individual, pensamento este, pautado na ética socrática, que pode ser visto na obra A República, que traz um diálogo entre Sócrates e Glauco em que Platão (2004, p.234) descreve uma das falas de Sócrates “[...] nossos cidadãos participarão, pois, em comum dos interesses de cada indivíduo particular, interesses que considerarão como seus próprios, e, em virtude desta união, todos participarão das mesmas alegrias e das mesmas dores”.

 

Assim, Sócrates defendeu a ética do coletivo em detrimento do individual e, após sua injusta condenação, consagrou seus pensamentos pelo simples modo de respeitar a pena de morte imposta, entendendo que se não bebesse a cicuta estaria indo em desencontro com os seus ensinamentos de respeito às leis e do sacrifício do individual pelo coletivo, ou seja, o desrespeito à sentença seria a derrogação do princípio básico do respeito às leis, causando assim, a desordem social.

 

Hodiernamente, vimos o Supremo Tribunal Federal por meio de seus julgados, demonstrar a relevância da aplicação do princípio da solidariedade, porém essa aplicação não poder ser apenas de forma simplória, mas sim de um modo abrangente e relevante socialmente, pois, o real alcance do princípio da solidariedade, que é um dos objetivos fundamentais da Constituição Federal de 1988, torna-se necessariamente um axioma que a sociedade brasileira deve utilizar tanto nas relações privadas quanto nas públicas, visando consolidar uma justiça fraterna, ou seja, realmente justa.

 

Portanto, o objetivo do presente estudo é demonstrar a importância da efetivação do princípio e objetivo constitucional, para que o valor da solidariedade consolide uma nova perspectiva de igualdade e liberdade, sedimentada na solidariedade do povo brasileiro, na dignidade da pessoa humana e na justiça social, consolidando um estado de direito pleno, ou seja, o Estado Democrático de Direito, em que os direitos humanos serão direitos de todos, fazendo prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana, afastando assim, qualquer forma de desumanização, quando me atrevo a pensar em um Estado Solidário de Direito.

  

2 FORMAÇÃO DO ESTADO

  

A partir do estudo sobre o Estado, compreendemos que são inúmeras as teorias que tentam explicar a sua origem, porém são várias as contradições em suas premissas e conclusões. Assim, o tema se torna bastante complexo, pois a matéria não dispõe de elementos seguros para reconstituir a história e os meios de existência das primeiras associações humanas.

 

Desta forma, levando em consideração que as teorias são baseadas em meras hipóteses, tendo em vista que são escassos os subsídios que possuímos, o presente estudo será realizado a partir da teoria contratualista. Essa teoria é considerada uma das mais significantes relativo à origem do Estado, porquanto afirma que o Estado nasce a partir de um contrato social, ou seja, em dado momento os homens verificam a importância da sociedade se organizar e desta forma dá a um terceiro os poderes de regulamentar a vida em sociedade, sendo esse poder ofertado a partir do contrato, ou melhor, do consentimento da população.

 

Entretanto, os filósofos do século XVII estão preocupados em justificar racionalmente não a exata origem do Estado, mas sim, a validade da ordem social e política, ou seja, a base legal do Estado. Os contratualistas partem da mesma ideia de que o homem vivia em Estado de Natureza, isto é, antes de qualquer sociabilidade, porém cada qual conclui sua teoria baseado em diferentes premissas, conforme veremos.

 

Para Thomas Hobbes, no Estado de Natureza os indivíduos possuíam o chamado “jus naturale”, viviam isolados e em constante luta, vigorando a guerra de todos contra todos, conclusão que consagrou sua máxima “o homem é o lobo do homem”. Nessa análise, constata-se que não havia segurança e nem paz, predominando assim, os interesses egoístas, como afirma abaixo:

  

A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo que o outro, mesmo assim, quando se considera tudo isso em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar qualquer benefício e que outro não possa também aspirar, tal como ele. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo. (HOBBES, 2006, p.74).

 

Assim, de acordo com Hobbes nenhum homem pode triunfar de maneira total sobre o outro, e como nenhum tem a certeza de como o seu semelhante irá reagir devidos às incertezas, o mais prudente é atacar o próximo, motivo pelo qual a guerra se generaliza. Desta maneira, a única forma de cessar os interesses egoístas e a guerra de todos contra todos, na visão de Hobbes, está no reconhecimento da necessidade de se renunciar ao direito a todas as coisas para cessar o estado de vida ameaçador e na decisão de se passar à sociedade civil por meio da instituição de um Contrato Social, pelo qual os indivíduos renunciem à liberdade natural e à posse natural de bens, riquezas e armas e concordem em transferir a um terceiro “Soberano” o poder para criar e aplicar as leis, visando obter a paz social e segurança de todos.

 

Já John Locke afirma que no Estado de Natureza todos os homens possuíam igualdade e independência, ou seja, eram livres e por isso não podiam ser expulsos de suas terras e propriedades ou submeter-se a algum poder político sem seu consentimento. Sendo assim, para que haja uma renúncia à liberdade natural e se formalizem os laços de uma sociedade civil, será necessário o acordo de todas as pessoas em juntarem-se e unirem-se numa comunidade para viverem com segurança e paz, gozando dos seus bens, resguardados contra quem não fizer parte dessa união.

 

Dessa forma, Locke entende que a transição do estado de natureza para uma união em comunidade nada mais é que uma abdicação em favor da maioria, juntando-se todo o poder necessário para a realização dos fins que os fizeram unirem-se em sociedade por meio da criação de um corpo político e em consequência os direitos naturais dos homens não seriam expurgados, devido ao contrato social. Pelo contrário, tais direitos subsistem para limitar o poder do soberano, ou seja, existe uma relação de confiança e se o soberano não visar o bem público, é permitido aos governados retirar o seu poder e confiá-lo a outrem. Ele ainda afirma que Deus deu a terra em comum a todos e ao incorporar seu trabalho à matéria bruta que se encontra em estado natural, o homem tornava-a sua propriedade privada, ou seja, o trabalho era o fundamento primário do direito à propriedade privada e esse direito era inviolável pelo Estado.

 

Jean-Jacques Rousseau, por sua vez, afirma que no Estado de Natureza os indivíduos viviam sozinhos e isolados pelas florestas, sobrevivendo com o que a natureza lhes dava, desconhecendo guerras e vivendo em uma felicidade original como um “bom selvagem inocente”, porém esse meio de vida acaba quando alguém diz: “É meu!”. Assim, a divisão entre o meu e o teu, a propriedade privada, dá origem ao Estado de Sociedade, que corresponde ao Estado de Natureza hobbesiano, onde predominavam os interesses egoístas e a guerra era generalizada. Dessa maneira, para pôr fim ao Estado de Natureza, Rousseau encontra como solução o contrato social, que seria uma forma de associação que proteja as pessoas e os bens dos associados e essa união só obedeceria a si mesmo permanecendo seus componentes tão livres quanto antes.

 

Verifica-se então, que para pôr fim às guerras de todos contra todos de Hobbes, à insegurança dos bens de Locke e à felicidade original de Rousseau, é necessário a abdicação de algo pelo próximo, ou seja, é mister a transformação de um Estado de Natureza a um Estado Civil, o que nos leva a afirmar implicitamente que o valor da solidariedade já estava no âmago das justificações dos três pensadores, pois apesar de cada uma possuir uma ideia diferente quanto aos primórdios da humanidade, todos defendem a formação do Estado para o bem comum e para isso cada indivíduo deve abdicar de algo pela coletividade.

 

Logo, o valor da solidariedade já se mostrava extremamente importante, mesmo sem os pensadores trazerem a baila tal justificativa, na verdade suas ideias partem de uma predisposição da generalidade sobre o individualismo, com fulcro a se ter uma vida justa e harmoniosa. Ocorre que cada qual vislumbra uma forma de legitimidade de governo, sendo que para Hobbes o ideal seria o Absolutismo, para Locke o liberalismo e por fim, para Rousseau a democracia.

 

Portanto, é nessa legitimidade de poder que Locke e Rousseau fornecem justificação moral, política e ideológica a várias Revoluções, dentre elas a Francesa, com a influência que gerou nos filósofos iluministas, e a consequente evolução de Estado para Estado de Direito.

 

3 ESTADO DE DIREITO

 

No chamado século das luzes, ocorreu um grande movimento filosófico burguês, ecoando as ideias políticas, científicas e econômicas que contestaram antigos regimes, absolutistas e aristocráticos. Esse movimento de filósofos ficou conhecido como Iluminismo, pois consideravam a necessidade de “iluminar com a razão”, ou seja, acreditavam ser a razão uma forma indispensável para se chegar à verdade, sendo esta a base da compreensão dos fenômenos naturais e do funcionamento da sociedade.

 

Locke, considerado o pai do iluminismo, tinha dentre suas ideologias a divisão dos poderes, originária de Montesquieu, porém o poder legislativo seria o mais importante, pois representaria o verdadeiro poder do estado, opondo-se assim, a concentração de poder em apenas um Soberano, para que fossem resguardados os direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade.

 

Bobbio (1986, p.41) bem resume o aspecto do pensamento lockiano quando descreve:

 

Através dos princípios de um direito natural preexistente ao Estado, de um Estado baseado no consenso, de subordinação do poder executivo ao poder legislativo, de um poder limitado, de direto de resistência, Locke expôs as diretrizes fundamentais do Estado Liberal.

 

 A França no século XVIII, mais precisamente em 1789, era governada por uma monarquia absolutista e dividida em três Estados, o primeiro e segundo Estados eram constituídos, respectivamente, pelo alto clero e pela nobreza, e o terceiro era o restante da população, mais precisamente a alta, média e baixa burguesia que era a parcela urbana e os servos, arrendatários, pequenos proprietários e uma grande massa de camponeses, sendo a parcela rural que chegava a 80% do total da população.

 

O terceiro Estado, principalmente, era massacrado pela rígida estrutura social e vivia em desespero pela miséria, pois a corte consumia cifras exorbitantes; os nobres, considerados parasitas da sociedade, não pagavam impostos; crises agrícolas se sucediam desde 1780 devido a situações climáticas e ainda, os vários envolvimentos em guerras, sendo que a principal, a Guerra de Independência dos Estados Unidos lhe custou uma dívida externa imensa, crescendo assim, a insatisfação, desesperança e o enfurecimento cada vez maior da população pobre.

 

Assim, baseados nos ideais iluministas e com slogans de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, o terceiro Estado se revoltou contra o Ministério nas suas tentativas de aumentar os impostos e o dia 14 de julho de 1789 ficou marcado pela tomada da fortaleza de Bastilha, quando o povo já faminto, desconfiado e injustiçado resolveu se revoltar contra a opressão absolutista e por conta disso, se apoderou das armas que se encontravam estocadas na fortaleza da Bastilha, libertou os presos inimigos políticos da monarquia francesa, saiu para as ruas em defesa dos seus ideais, culminando assim com a queda do despotismo. E a partir desta data ocorreram várias mudanças, dentre elas: abolição dos privilégios feudais, aprovação da Constituição Civil do Clero, descentralização da administração na França, publicação da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, disseminação dos valores iluministas pelo mundo, ficando essa revolta conhecida por todos como Revolução Francesa, que ficou marcado como o fim da monarquia tradicional, isto é, o fim do antigo regime absolutista que era detentor de todo o poder.

 

Desse modo consagrou-se o denominado Estado de Direito, pelo qual o direito passou a sobrepor o Estado, ou seja, o Estado teve seu poder limitado e agora teria que cumprir o que a lei lhe imputava, tendo em vista que essa era a expressão da vontade geral. Assim sendo, a revolução foi um marco na história da humanidade, e o seu modelo de revolução liberal-democrática e burguesa ultrapassou os limites da França e serviu de base a várias outras revoluções, bem como para várias constituições vigentes na atualidade.

 

3.1 ESTADO LIBERAL DE DIREITO

 

Logo após os feitos dos revolucionários franceses, o Estado passou a ser um Estado Liberal de Direito, quando foram difundidas as ideias de separação de poderes, império das leis e consagração dos direitos fundamentais como, por exemplo, o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à propriedade, à segurança, etc. No entanto, o setor público que agora não se mistura com o privado é guiado pelas ideias de liberdade, o Estado passa a ser não interventor, ou seja, não interfere nas atividades econômicas privadas e os cidadãos passam a ter ampla liberdade.

 

Nesse período, com o advento do império das leis, são consagrados os direitos individuais, ou melhor, os direitos de primeira geração, que são: direito à vida, à liberdade e à propriedade, pelos quais o indivíduo passa a ser sujeito de direitos. Esses direitos são classificados pelos doutrinadores como gerações ou dimensões de direitos, porém essa classificação de gerações de direito traz a ideia de renovação ou sucessão, o que não ocorre com os direitos fundamentais, tendo em vista que esses se somam uns aos outros, ou seja, a expressão mais adequada seria utilização do termo dimensões de direito, porém a doutrina e o Supremo Tribunal Federal adotou a palavra geração. Portanto, esse período é marcado principalmente pela liberdade, pela qual todos podem fazer aquilo que não for proibido por lei.

 

Já em relação à divisão de poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, o parlamento, que detém o poder legislativo, devido ao advento do império das leis e à importância em produzir leis para diminuir o poder do Estado e garantir os direitos individuais, passa a ser o mais importante dentre os poderes, tendo em vista que o poder executivo apenas complementa o direito no sentido de garantir segurança jurídica e social e o poder judiciário se limita na aplicação da lei, marcando o positivismo jurídico. Não obstante, apesar da supremacia do Poder Legislativo, por ser quem elabora as leis, os três poderes são pautados pelo sistema de freio e contrapesos de Montesquieu, tendo esse o objetivo de evitar abusos de poderes, pelo qual cada poder se limitava.

 

Apesar de a Revolução Francesa ter dentre seus ideais por fim ao poder absoluto e construir a liberdade com base na ordem política da burguesia, acaba por levar o poder à alta classe burguesa, e em contrário ao que pregava nos movimentos sociais, a burguesia não coloca em prática o que a levou ao poder, ou seja, os direitos individuais em sua maioria ficam apenas no campo formal e parcial, sendo que a burguesia, agora transformada em classe conservadora, passou a defender apenas os interesses de uma classe social detentora de poder econômico, proibindo qualquer avanço revolucionário, gerando assim, as desigualdades fáticas.

 

Portanto, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão que consagrou os princípios da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, sob o ideário iluminista, na verdade ficou marcada pelo ideal apenas de direito à liberdade, pois a igualdade não passou apenas de formalidade, bem como a fraternidade.

 

3.2 ESTADO SOCIAL DE DIREITO

 

A égide do Estado Liberal do século XVIII, pelo qual suas ideias abstratas de exercício de liberdades e garantias individuais, sendo essa última apenas no campo da formalidade, ficaram marcadas na história como o período de maior exploração do homem pelo homem, pelo advento do sistema Capitalista, que demonstrou que a liberdade existente era na verdade a liberdade de mercado e o burguês no poder se viu livre para se aproveitar do trabalhador, pois eram grandes as diferenças entre os ricos e os pobres e assim, sobretudo esse sistema se aflorou e de maneira degradante colocou em questionamento todos os ideais revolucionários. E nesse contexto Dallari (2000, p.277) esclarece:

 

O Estado Liberal, com um mínimo de interferência na vida social, trouxe, de início, alguns inegáveis benefícios: houve um progresso econômico acentuado, criando-se as condições para a revolução industrial: o indivíduo foi valorizado, despertando-se a consciência para a importância da liberdade humana; desenvolveram-se as técnicas de poder, surgindo e impondo-se a ideia do poder legal em lugar do poder pessoal.

 

 Entretanto, na prática o que vimos foi que apesar da promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, da Constituição da República de 1791 e da Constituição girondina de 1793 se aterem aos direitos naturais, não cogitaram conter o direitos sociais, motivo que levou o Estado Liberal de Direito à decadência, sob a perspectiva de um Estado Social de Direito.

 

O Estado Social de Direito, por sua vez, conectado com outros movimentos institucionais sobre as novas exigências sociais, possibilitou o surgimento de uma nova fase constitucionalista, sendo essa social e com base na Constituição Mexicana de 1917 e na Alemã de Weimar de 1919.  Surgindo prioritariamente com o intuito de materializar os direitos adquiridos no Estado Liberal que ficaram apenas no aspecto formal, ou seja, o Estado Social transcende com o objetivo de efetivar os direitos de primeira geração e ainda, conforme pontua Carvalho Netto (1999, p.480) “agora pressupõe precisamente toda uma plêiade de leis sociais e coletivas que possibilitem, no mínimo, o reconhecimento das diferenças materiais e o tratamento privilegiado do lado social ou economicamente mais fraco da relação”, de modo a se aproximar da igualdade material.

 

Dessa forma, o Poder Executivo por meio dos governos, busca a efetivação das leis, ou seja, o Executivo detém no Estado Social uma relevância maior, pois seu objetivo é assegurar os Direitos Sociais. Não obstante, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário não ficam para trás, passam a ter novos mecanismos, o Legislativo agora passa também a ser fiscal da atuação do Estado e o Judiciário não será um mero aplicador de lei, passa a utilizar a hermenêutica jurídica, ou seja, passa a aplicar o direito por meio de princípios e valores fundamentais, utilizando métodos e análises teleológicas e históricas. E, por conseguinte são consagrados os direitos de segunda geração, que são: direito ao trabalho, à seguridade social, à educação, à saúde e o principal, à igualdade material, pautados na efetivação das leis.

 

Portanto, o Estado passa a ser interventor, pois temos uma aproximação do público com o privado e para tanto, o Estado intervém nas relações de trabalho, tentando aproximar o empregado do empregador, visando garantir uma maior igualdade e assim Carlos Ari Sundfeld (2006, p.55) afirma “o estado torna-se um Estado Social, positivamente atuante para ensejar o desenvolvimento (não o mero crescimento, mas a elevação do nível cultural e a mudança social) e a realização da justiça social (é dizer, a extinção das injustiças na divisão do produto econômico)”. Assim, o Estado vivencia uma seara maior de atuação, tendo em vista que a complexidade da sociedade lhe faz abranger novos fins econômicos e sociais visando uma garantia maior de bens e serviços à sociedade e para isso é necessário garantir um mínimo de direitos para que o indivíduo passe a ser um real cidadão.

 

3.3 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 

O Estado Democrático de Direito surge quando o Estado Social de Direto, após a Segunda Guerra Mundial, passa a ser questionado, tendo em vista que não conseguiu garantir a efetiva justiça social, devido à complexidade desta nova sociedade em que são demonstradas suas falhas quando não consegue realizar a participação democrática do povo no processo político, ou seja, não atendeu aos anseios democráticos, sendo necessário assim, um novo arquétipo de Estado, qual seja, Estado Democrático de Direito.

 

Não obstante o surgimento desse considerado novo modelo de Estado, as antigas repúblicas gregas e romanas, em destaque o modelo de Estado ateniense, já haviam se manifestado democraticamente, sendo essa democracia praticada sob a forma direta, quando o povo governava por si mesmo por meio de assembleias realizadas nas praças públicas. Já no mundo moderno, mais precisamente após a queda do Estado Social, o Estado Democrático de Direito surgiu sob a forma indireta, sendo mantido o princípio da soberania popular, porém transferindo o exercício para representantes do povo, pelo qual quando se ouve a palavra democracia, subentende-se como apenas um sistema representativo de governo.

 

Dessa forma, a ideia de democracia pode ser entendida de duas maneiras, no sentido estrito ou em sentido amplo. No sentido estrito, é traduzida a fórmula clássica, qual seja, todo poder emana do povo e em seu nome será exercido, ou seja, é um sistema de organização política com interesses coletivos que são assegurados pelas normas jurídicas, a participação efetiva do povo na formação do governo. Já no sentido amplo, verifica-se que a preocupação tem caráter constitucional, baseando-se no reconhecimento e na garantia dos direitos fundamentais, pelos quais se podem enumerar vários pontos como essenciais, dentre eles o mais significativo e importante a dignidade da pessoa humana, sendo garantido indistintamente o tratamento fraternal para se obter a não discriminação, a justiça, a garantia real da liberdade e igualdade conquistadas formalmente nos Estados de Direitos anteriores.

 

Ademais, a democracia tem como principal objetivo difundir as vitórias da civilização, estabelecendo assim um ambiente democrático de conquistas para uma vida decente no meio social, constituindo o desenvolvido por meio de atividades sociais, políticas e econômicas. E ainda, a democracia deve servir para o Estado como um meio para se atingir o seu fim, ou seja, o fim do Estado é propiciar a realização imperativa da pessoa humana.

 

Dessa forma, a democracia no sentido estrito e no sentido amplo, nada mais é que um sistema organizado politicamente, pelo qual todo poder emana do povo, as funções dos representantes são temporárias e eletivas, a ordem pública tem como base a Constituição, respeita-se a tripartição dos poderes, os direitos fundamentais são reconhecidos constitucionalmente e o Estado deve propiciar meios para suas garantias e efetividade.

 

Nesse sentido, o Estado Democrático de Direito faz a releitura dos direitos fundamentais da primeira e segunda geração. A liberdade, considerada como direito de primeira geração, pode ser estudada em duas vertentes, positiva ou negativa, sendo aquela a faculdade individual de autodeterminação que deve ser garantida pelo Estado, com exemplo na garantia da liberdade de reunião, de associação e do exercício das prerrogativas de cidadania e, essa como a ausência de impedimentos ou limitações do poder público, ou seja, a não intervenção do Estado na liberdade de pensamento, crença, etc.

 

Bobbio (1986, p. 20) então define:

 

Estado Liberal e Estado Democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais. Em outras palavras: é pouco provável que um Estado não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que um Estado não democrático seja capaz de garantir liberdades fundamentais.

 

 Assim, o direito fundamental da liberdade consagrado no Estado Liberal de Direito é essencial para o exercício da democracia, o qual é condição para a existência e manutenção desses direitos individuais, razão pelo qual se verifica uma reciprocidade, qual seja, a necessidade da democracia para garantir os direitos individuas e a necessidade da liberdade para se garantir o Estado Democrático de Direito.

 

Já em relação ao direito de igualdade, no período liberal, somente se fez de maneira formal, sendo instituída somente uma lei para a nobreza, para o clero e para o povo, no sentindo de não se admitir privilégios de classes sociais, não se permitir a restrição de direitos e prerrogativas que neguem a dignidade da pessoa humana, a impossibilidade de criação de tribunais de exceção e nem ampliação ou restrição de liberdades por razões pessoais. Porém, esse objetivo se tornou falho e inconsistente em face dos problemas econômicos e sociais, gerando uma ordem materialista que porventura levou à decadência do Estado Liberal.

 

Já no período social deu-se um conceito de igualdade diametralmente oposto, vez que preocupados com o todo coletivo, ocorreu a abstração da individualização das desigualdades, criando-se uma ordem materialista, chamado pela doutrina cristã como um período da coisificação do homem. Isso tudo, pois na ordem natural das desigualdades, os homens são humanamente desiguais, tanto na constituição física e psíquica, bem como são socialmente desiguais em inteligência, cultura, capacidade de ação e situação econômica.

 

Diante dessa realidade, a igualdade só pode ser compreendida racionalmente, no sentido de promover uma igualização formal das desigualdades matérias, cabendo ao Estado levar em consideração as desigualdades humanas e sociais, para tratar desigualmente os desiguais, na proporção das suas desigualdades, para que sejam igualizados no plano jurídico. E assim, ampliam-se os direitos subjetivos materiais, ou seja, é necessário se ter um mínimo de direitos assegurados e realizados, para que o indivíduo possa ser, realmente, um cidadão. Ademais, compreende-se que os direitos sociais são todos indisponíveis, pois são um meio para se alcançar o objetivo do ser humano, cumprindo ainda destacar que a primeira Constituição a se consagrar os direitos sociais foi a Mexicana em 1917, mesmo sendo a Alemã de 1919 a mais conhecida.

 

Portanto, o Estado Democrático de Direito cria os direitos de terceira geração, que se situam principalmente no plano e conteúdo fraternal, compreendendo os direitos essenciais e coletivos, isto é, completa-se a tríade da Revolução Francesa, qual seja, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, sendo essa última culturalmente chamada como Solidariedade, pela qual o Estado Democrático de Direito buscar garantir a participação política, com fito de estabelecer uma sociedade justa, livre e solidária, considerando sobretudo a soberania popular como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana.

 

Enfim, a solidariedade pode ser compreendida como a geração de direito em que vivemos, ou seja, a nossa geração de direitos atualmente é a terceira e essa tem como principal objetivo, inclusive consagrado na Constituição Federal de 1988, tornar-se uma sociedade solidária, sendo, portanto, consagrado como um objetivo constitucional, em que devemo-nos valer do Estado Democrático de Direito para conseguirmos efetivamente garantir nossos direitos fundamentais, sendo substancialmente necessário se ter uma sociedade voltada para o bem social comum e não individual, defendendo assim, os direitos difusos e coletivos, dentre os quais se observa o respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a paz, a autodeterminação dos povos, a moralidade administrativa e outros.

 

4 SOLIDARIEDADE

 

Segundo os dicionários, basicamente a solidariedade pode ser definida como um sentimento de que os homens se ajudam mutuamente e assim Avelino (2005, p.250) conceitua como:

 

Atuar humano, de origem no sentimento de semelhança, cuja finalidade objetiva é possibilitar a vida em sociedade, mediante respeito aos terceiros, tratando-os como se familiares o fossem; e cuja finalidade subjetiva é se auto realizar, por meio da ajuda ao próximo.

 

Não obstante, fazendo um paralelo de fraternidade com solidariedade, a primeira pode ser conceituada como amor ao próximo, com ideia de caridade e filantropia e esta por sua vez, muito utilizada como sinônimo é um sentimento próprio do ser humano e está presente em todos os tipos de sociedades, até mesmo nos povos considerados mais violentos. A fraternidade foi prestigiada no período da Revolução Francesa, sendo utilizada de acordo com a filosofia cristã, já a solidariedade foi empregada como origem basicamente latina, porém como a fraternidade tinha características individualistas de somente ajuda ao necessitado, com o advento do período social o termo foi desprestigiado e passou-se a utilizar comumente a palavra solidariedade, tendo em vista seu caráter geral, reconhecendo que a desigualdade tem característica social.

 

Assim, verifica-se que o valor solidariedade começou a se aproximar do Direito e por isso, hodiernamente ressalta-se o seu valor como um princípio constitucional, com status de direitos fundamentais de terceira geração, sendo utilizado como um reconhecimento de uma sociedade hipercomplexa, motivo pelo qual a necessidade de sua positivação constitucional como princípio e objeto que a República Federativa do Brasil pretende alcançar.

 

5 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

 

5.1 NORMAS, REGRAS E PRINCÍPIOS

 

Inicialmente, cumpre esclarecer as definições e diferenças existentes entre normas jurídicas, regras e princípios, para se obter o real enfoque da solidariedade em nosso ordenamento, ou seja, com a conceituação poderemos entender o grau de aplicação e a forma como o valor  da solidariedade é desenvolvido pelos doutrinadores e pelos tribunais, bem como quais os ramos do direito pátrio são mais ou menos aproveitados.

 

Dessa forma, as normas jurídicas englobam tanto regras como princípios, segundo os quais podemos dizer que as normas são positivas ou negativas, ou seja, impõem condutas positivas definindo um agir ou impõe condutas negativas por uma omissão, um não fazer, ou seja, as normas nos dizem o que é proibido ou o que deve ser feito, constituindo assim, um produto em que seu resultado será interpretado, sendo, portanto, a interpretação feita como uma essência de regra ou de princípio.

 

As normas principiológicas ou as normas com caráter de regra, são distinguidas por vários critérios, porém o mais básico e comum é a sua generalidade, possuindo, portanto, os princípios um grau de abstração e generalidade maior do que as regras, ou seja, ambos se distinguem pela diferença qualitativa.

 

As regras disciplinam fatos descritos em suas hipóteses de incidência, sendo regulada na sua exata medida, não sendo mais e nem sendo menos do que ela descreve, ou seja, suas determinações são específicas, sendo assim, não deixam margem para interpretação. Desta maneira, quando duas regras colidem só uma será aplicada ao caso concreto, vez que uma afastará a outra e, portanto, as regras valem ou não valem, incidem ou não incidem quando se tem uma antinomia normativa.

 

Os princípios, por sua vez, não são definidos como mandados definitivos ou categóricos, podendo na verdade, ser entendidos como mandados de otimização, pois são cumpridos em diferentes graus, sendo aplicado neste ou naquele sentido. Sua incidência é determinada pela respectiva consequência jurídica, sendo utilizados como pontos de partidas que sinalizam a aplicação conforme as exigências do caso.

 

Os princípios possuem no ordenamento jurídico uma importante dimensão institucional, vez que a amplitude e indeterminação dos seus significados, pactuam e viabilizam acordos de convivência para que as disputas ideológicas não se tornem perenes, sendo permitida assim, a promulgação consensual das leis fundamentais.  E neste sentido ÁVILA (2006, p.80) entende:

 

[...] princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisa a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. Os princípios não descrevem um objeto em sentido amplo (sujeitos, condutas, matérias, fontes, efeitos jurídicos, conteúdos), mas, em vez disso, estabelecem um estado ideal de coisas que devem ser promovido.

 

Dessa maneira, percebe-se que os princípios servem tanto como um fundamento de uma norma, como um objetivo a ser alcançado, ou seja, é simultaneamente um fundamento e um fim da norma estrita, demonstrando assim, suas importâncias no mundo jurídico. Sendo assim, comparando as regras com os princípios, essas visam disciplinar um momento ocorrido no passado enquanto esses fixam soluções ideais a serem atingidas.

 

Portanto, os princípios são normas de grau de abstração maior do que as regras; na aplicação os princípios são vagos e indeterminados, enquanto a regra é aplicada diretamente; os princípios são normas com papel fundamental devido a sua posição hierárquica no sistema de fontes; os princípios são radicados nas exigências de justiça ou de direito, enquanto as regras são normas vinculantes com conteúdo meramente funcional e por fim, os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas bases que fundamentam as regras.

 

5.2 NATUREZA JURÍDICA DA SOLIDARIEDADE

 

O valor solidariedade está descrito expressamente em nosso ordenamento jurídico na Constituição Federal de 1988, mais precisamente no título I – Dos Princípios Fundamentais, no inciso I do art. 3°, a saber: “Art. 3° - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: inciso I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

 

Percebe-se que em relação ao referido inciso, pode ser feito um paralelo, fundamentando o que anteriormente foi estudado, no sentido da releitura das gerações de direitos que consagra o Estado Democrático de Direito, porquanto se verifica que o objetivo constitucional de construir uma sociedade livre é a releitura do Estado Liberal de Direito que consagrou a liberdade como direito de primeira geração; construir uma sociedade justa é a releitura do Estado Social de Direito que sagrou a igualdade como geração de direito no sentido de se fazer justiça por meio da irradicação das desigualdades; e por fim, construir uma sociedade solidária, que consagra a geração de direito atual, qual seja, terceira, pela qual o Estado Democrático de Direito retira definitivamente a solidariedade do campo meramente sociológico para o direito pátrio.

 

Dessa maneira, o dispositivo expressa uma ordem voltada para toda a sociedade brasileira no sentido de pautarem-se nossas ações considerando esse valor historicamente conhecido, para que consigamos construir uma sociedade livre, justa e solidária. Sendo assim, a norma em comento determina o norte que devemos seguir, possuindo, portanto, um caráter orientativo, para alcançarmos um objetivo como Estado, ou seja, um ideal como sociedade.

 

Nesse mesmo sentindo, fazendo uma interpretação literal do texto constitucional, vemos que a solidariedade faz parte de um rol de objetivos fundamentais de nosso país. E que o poder constituinte utilizou a norma para designar situações concretas a serem buscadas fundamentalmente, ou seja, tanto o Estado como os particulares devem desenvolver suas ações atendendo diretamente aos objetivos fundamentais, sendo essas ações de caráter público ou privado indistintamente.

 

Diante disso, a norma descrita no inciso I do art. 3° da Constituição Federal de 1988 carrega um caráter de prevalência axiológica abstrata, sendo que as ações públicas ou privadas devem buscar os ideais de dignidade e solidariedade, não sendo direcionado para nenhum sujeito em particular, anunciando assim, como uma finalidade para a qual o Estado Democrático de Direito foi instituído, pois se evidencia que os constituintes visualizaram construir uma sociedade que domine a igualdade e justiça como valores dotados de supremacia de uma sociedade fraterna.

 

A solidariedade é ainda dotada de dois efeitos, o vertical e o horizontal. A solidariedade vertical é entendida como aquela identificada como dever do Estado, pelo qual os órgãos públicos buscam minimizar as desigualdades, buscando implantar os benefícios em prol de todos os cidadãos, corrigindo assim os desníveis sociais. Já no sentido horizontal, o dever passa a não ser somente do Estado, mas sim de toda a sociedade civil, sendo que cada pessoa é vinculada à ideia de solidariedade. Nabais (2005, p.116) verifica suas constatações de manifestação da sociedade civil:

 

1) uma, concretizada na atuação espontânea dos indivíduos e grupos sociais, que nunca deixaram de atuar socialmente mesmo quando o Estado Social, apoiado no seu crescimento constante, chegou a julgar-se capaz de realizar todos os anseios dos seus cidadãos e substituir por inteiro a sociedade civil; 2) outra, expressa na solicitação e empenhamento do próprio Estado que, reconhecendo a sua incapacidade, mesmo quando atingiu a forma superlativa do Estado Social, isto é, o Estado de bem-estar, se voltou para a sociedade civil.

 

Portanto, a solidariedade prevista constitucionalmente não possui um caráter meramente normativo, vai além, possui um caráter de princípio, com valor finalístico, de conteúdo jurídico essencial, pelo qual o Estado e os cidadãos devem pautar-se suas ações, possuindo ainda, um alto grau de abstração, dando o entendimento de que o valor/princípio é como um norte a ser seguido por uma bússola, sendo, portanto, solidariedade um princípio norteador da sociedade brasileira.

 

6 SOLIDARIEDADE COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 

Demonstrado nos itens anteriores, o valor da solidariedade é um princípio constitucional que a nação brasileira deverá utilizar como orientação para buscarmos o objetivo de nos tornamos uma sociedade livre, justa e solidária. Porém, apesar do princípio demonstrar sua importância como norma e objetivo constitucional, sua efetivação é percebida com clareza basicamente na seara previdenciária, tributária e administrativa.

 

No ramo do direito previdenciário, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu art. 194 que “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.” Nesse sentido, verifica-se o ânimo de atuação do Estado e da sociedade, de acordo com o valor da solidariedade, estabelecendo em prol do menos favorecidos o acautelamento do ditos direitos.

 

No direito administrativo, o princípio da solidariedade é visto na criação de consórcios públicos para execução de várias políticas públicas. Dessa maneira, a luz do art. 241 da Constituição Federal de 1988 e da Lei Federal n°11.107/05 é possível verificar que um consórcio público que é firmado entre entes federativos, que tem como objetivo desenvolver ações conjuntas que visem o interesse coletivo por meio de gestão associada de serviços públicos, é no cenário jurídico um viabilizador de políticas públicas de municípios de poucos recursos.

 

Assim, a falta de investimentos é eficazmente atacada por meio dos consórcios públicos de entes federativos, propiciando assim, um somatório de recursos destinados à prestação de serviços comuns a todos, vez que de forma individualizada, essas políticas públicas não poderiam ser concretizadas, não sendo, portanto, efetivados os direitos fundamentais, que na maioria das vezes são ligados ao direito à saúde, visto que devido ao grande número de municípios no território brasileiro, a maioria não possui serviço de saúde digno da pessoa humana.

 

Na seara tributária, verifica-se o princípio da solidariedade no art. 145, § 1° da Constituição Federal de 1988, sendo tratado o instituto da capacidade contributiva, que nada mais é que uma vertente do princípio da solidariedade, pois estabelece que os impostos sejam pagos de acordo com a capacidade econômica do contribuinte, dizendo assim implicitamente que em nome da solidariedade, o que ganha mais paga mais, compensando aqueles que pagam pouco ou que não pagam por não possuir capacidade mínima contributiva, sendo, portanto, existente como anseio da sociedade em prol do bem comum. Diante disso, essa é talvez a grande razão da maioria dos estudos sobre o princípio da solidariedade ter sido mais bem desenvolvido por doutrinadores tributaristas, que procuram o meio de justificar a ética em pagar tributos, pois antigamente como visto no período anterior à Revolução Francesa, a tributação servia muito mais como um meio de acumular riquezas dos ricos em detrimento dos pobres.

 

Nesse sentido, verifica-se a ascensão do princípio da solidariedade em detrimento da teoria do sacrifício igual, sendo mudado esse paradigma por meio da ADI 3105 que atacou o art. 4° da Emenda Constitucional n°41 de 19/12/2003, que previa a contribuição social dos servidores públicos inativos e pensionistas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, Autarquias, Fundações e incidindo até mesmo sobre servidores já aposentados ou sobre pensões, sendo julgado pelo Supremo Tribunal Federal, quando especificadamente no campo das contribuições previdenciárias, foram alterados os fundamentos principais da contribuição, passando do custo benefício da capacidade contributiva para o princípio da solidariedade, permitindo a promoção, por meio da tributação, da redistribuição de renda com a consequente diminuição das desigualdades sociais. Dessa forma, o art. 40 da Constituição Federal de 1988 passou de meramente contributivo para agora considerado contributivo e solidário.

 

Não obstante, um princípio com tamanha carga valorativa, não pode ser aplicado de forma restritiva, em ramos de direito específicos, deve na verdade ser aplicado em todas as relações jurídicas e relações particulares existentes, ou seja, deve estar na essência de toda relação existente entre entes públicos e privados. Dessa forma, quando nos depararmos com uma relação jurídica ou não, de um ente público com um ente privado, entre um ente público e outro ente público ou de um ente privado com outro ente privado, o princípio da solidariedade deve estar presente, independente de qual direito estará sendo discutido, pois o Estado Democrático de Direito buscará tornar a sociedade solidária e para isso o princípio em questão tem papel fundamental para essa conquista, sendo, portanto, sua efetivação imprescindível.

 

E é nesse sentido que o Estado Democrático de Direito busca sua própria afirmação, pois para fazer a releitura dos direitos de primeira e segunda gerações já estudados nos antigos Estado Liberal de Direito e Estado Social de Direito, será necessário efetivar a geração em que vivemos, qual seja, geração dos direitos solidariedade, em que devemos nos conscientizar de que o respeito ao próximo é extremamente necessário, tendo em vista que a proteção não será do homem isoladamente, será da coletividade, como exemplo de direito à paz, ao desenvolvimento, à qualidade do meio ambiente, etc. Sendo assim, o Estado Democrático de Direito tem o dever de cumular as evoluções desses direitos no tempo, interagindo todas as gerações de direito em si.

 

Assim, verifica-se que se no Estado Liberal que ficou conhecido como o período do império das leis em que o legislador tornou o Poder Legislativo o mais importante dentre os poderes, no Estado Social que em busca da efetivação das leis o Poder Executivo teve sua atuação mais admirada, no Estado Democrático de Direito o Poder Judiciário ocupa a posição de destaque, devido à omissão dos outros dois poderes, surgindo assim duas características primordiais para conseguir garantir e avançar na efetivação dos direitos e garantias fundamentais, quais sejam: a judicialização e o ativismo judicial.

 

A judicialização surgiu para resolver grandes questões de repercussões políticas e sociais, que serão decididas pelo judiciário, devido às omissões do legislativo e do executivo, ocorrendo assim, a transferência de poder para os juízes.  A grande judicialização existente e que se encontra presente na vida de todos foi à redemocratização do país que culminou na promulgação da Constituição Federal de 1988, que reavivou a cidadania após a ditadura militar, garantindo um maior nível de informação e consciência de direitos da população, que agora sabe que seus interesses deverão ser protegidos pelos tribunais. Outra característica importante foi o aumento de atuação do Ministério Público e a crescente disseminação de Defensorias Públicas pelo país. Já o ativismo judicial, por sua vez, pode ser conceituado como uma expansão do alcance de se interpretar a Constituição, sendo associada uma participação mais ampla do Judiciário na consolidação dos valores e objetivos constitucionais, sendo que sua atitude de judiciar será por intermédio dos princípios, ocasionando uma postura ativa.

 

Dessa forma, como exemplo de judicialização e ativismo judicial, em que o Poder Judiciário demonstra seu destaque em ter uma postura ativa e ampla na interpretação constitucional e que demonstra ainda, sua força em solidificar o Estado Democrático de Direito, pode ser visto no julgamento da ADPF 186, em que a Suprema Corte discute se os programas de ação afirmativa que estabelecem um sistema de reserva de vagas, com base em critério étnico-racial, para acesso ao ensino superior, estão ou não em consonância com a Constituição Federal de 1988.

 

O tema foi discutido à luz dos princípios constitucionais e apesar de não se referir explicitamente ao princípio da solidariedade, a Corte ao analisar a igualdade formal e material e aplicar a justiça distributiva, corroborou que o referido princípio é a tendência de aplicação e efetivação do Estado Democrático de Direito, vez que ao relatar que não se admitirá a desigualdade no ponto de partida, assegurando a alguns a melhor condição econômica até o melhor preparo intelectual e negando tudo a outros, deverá a igualdade ser não só um direito, mas uma possibilidade de se alcançar esse direito e para isso é hoje papel do Judiciário pensar no menos favorecido, para que esse tenha as mesmas condições e possibilidades daqueles que se encontram melhor condicionados. Ademais, deverá ser transformado o direito à isonomia, sobretudo no tocante à participação equitativa nos bens sociais, por meio da aplicação da justiça distributiva, superando as desigualdades fáticas, relocando os bens e oportunidades existentes em benefício da coletividade, mais uma vez encontra-se implícito, mais claro, que o valor/princípio da solidariedade está sendo tutelado para diminuir as desigualdades, bem como servindo de ponto para a garantia da dignidade da pessoa humana.

 

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A sociedade está em constante evolução e por isso os problemas e conflitos cada vez mais precisam de solução. O Estado, por meio do direito, nem sempre consegue fazer justiça, pois muitas vezes encontra-se engessado, não possibilitando o desenvolvimento e nem conseguindo regulamentar as relações sociais.

 

O princípio da solidariedade, positivado em nossa Constituição, como visto, não possui caráter meramente individual, mas sim de cunho coletivo, pelo qual é dever da sociedade ajudar os desamparados, tendo em vista que o Estado sozinho não consegue zelar pelo bem-estar social e ainda, encontramos um grande problema de ordem constitucional caso o princípio estudado seja aplicado de forma meramente restritiva a alguns ramos do direito.

 

Sendo assim, o art. 3°, I da Constituição Federal de 1988, estabelece uma aplicação obrigatória em todos os demais dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, pois a norma consagra o princípio da solidariedade que ostenta o condão de materializar os direitos fundamentais, constituindo não somente um princípio, mas um objetivo de uma nação, almejando diminuir as desigualdades e garantindo a dignidade da pessoa humana, sendo para isso necessário a atuação de todos, tanto os órgãos públicos e privados quanto a população como um todo, cujo objetivo uma vez alcançado beneficiará irrestritamente a todos, tendo em vista sua aplicação em todos os direitos fundamentais garantidos constitucionalmente.

 

Portanto, o princípio da solidariedade está no momento de efetivação e não mais de ideologia e para isso sua otimização dependerá, sobretudo do Supremo Tribunal Federal, visto ser esse o órgão que possui em nosso Estado Democrático de Direito o maior poder para efetivar os anseios da sociedade e caso siga a mesma tendência do julgamento da ADPF 186, estaremos mais perto de atingir o objetivo te tornar nosso país mais justo, livre e solidário.

 

Enfim, a solidariedade pode ser considerada um alicerce indispensável à existência da isonomia e da liberdade, pois a efetiva igualdade decorre da solidariedade e a liberdade decorre dessas duas. Sendo assim, o valor da solidariedade foi trazido para o campo jurídico para humanizar o direito, regularizar a vida em sociedade e finalmente conseguir resguardar uma justiça social.

 

 

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