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A competência penal oriunda do exercício do direito de greve


Autoria:

Marco Aurélio Paz De Oliveira


Servidor Público do Estado do Rio de Janeiro, formado pela Academia da Força Aérea (AFA), Bacharel em Direito e Pós-graduado em Segurança e Cidadania/Universidade Candido Mendes/SENASP.

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Resumo:

O presente trabalho aborda a partir da alterações advindas da EC 45/04 a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações de natureza penal oriundas do exercício do direito de greve.

Texto enviado ao JurisWay em 29/12/2008.



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1. Uma abordagem Constitucional de um direito fundamental coletivo.

 

            A palavra greve tem origem do francês grève. As margens do rio Sena havia um local para embarque e desembarque de navios, Place de Grève, lá os trabalhadores reuniam-se para deliberar sobre os interesses do grupo. Literalmente o termo significa “terreno plano composto de cascalho ou areia à margem do mar ou do rio.”[1]

            No Brasil o marco fundamental histórico de onde provém o Direito do Trabalho, conforme já exposto, o movimento sindical e o paredista é a abolição da escravatura com a conseqüente substituição da mão-de-obra escrava pela assalariada[2]. Por volta de 1890 o código penal ( decreto 847) tipificava a greve como crime, pouco tempo depois pelo decreto 1.162  o movimento paredista deixou de ser considerado ilícito penal. No período seguinte (1930 a 1945) a legislação trabalhista de vocação autoritária e conservadora vedava às manifestações grevistas. Todavia com o processo de redemocratização pós-segunda guerra mundial a greve foi regulamentada pelo Decreto-lei n.9.070 de 1946, tendo sido inserida na Constituição de 1946 que assim dispunha: “Art 158 - É reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará.

            As Constituições de 64 e 67, viés do regime ditatorial militar restringiu severamente o movimento paredista. Com o recrudescimento da situação política o Ato Institucional n.5 inviabilizou qualquer tentativa de legalizar a paralisação de atividades trabalhistas. Contudo a carta de 1988 afirmou de maneira inequívoca o direito de greve na História Constitucional brasileira: [3]

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

 

            Localizada topologicamente no Título II – Dos direitos e garantias fundamentais, no Capítulo destinado aos Direitos sociais, a greve é assegurada aos trabalhadores competindo-lhes a oportunidade de exercê-la e os interesses que devam por meio dela defender.

            O Conceito legislado de greve está previsto no artigo 2° da lei 7.783/89, que “se considera legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços ao empregador”. Entretanto em amplitude mais abrangente em estrita conformidade com a carta política vigente poder-se-ia assim definir[4]:

 

Seria a paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão visando à defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos.

    

            Tecendo breves considerações a cerca das definições aqui colacionadas cabe destacar primeiramente que a paralisação reveste-se de caráter coletivo, qualquer movimento de cunho individual, ainda que, com vista à insurgência de condições desfavoráveis na empresa, mesmo que atinja ao conjunto de trabalhadores, não engloba o conceito legal e, portanto, não é considerada greve. Esta tem característica marcadamente coletiva.

            Outro aspecto importante em relação à paralisação é que ela pode se dar de forma total, englobando a empresa como um todo, ou meramente setorial, dependendo para tanto da oportunidade e deliberação dos trabalhadores. A paralisação pode ter natureza de abstenção, mais comum, ou de ação, essa é controvertida, pois, se desenrola com a ocupação dos locais de trabalho, lock-in[5], a Constituição atual e a lei de greve não dispõem a cerca do instituto. A contraposição é o lock-out, paralisação provisória das atividades da empresa, estabelecimento ou setor, realizado por determinação empresarial, e é considerado instrumento de autotutela de interesses empresariais socialmente injusto e é expressamente proibida pela Lei de Greve, senão vejamos:

 

Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout).

Parágrafo único. A prática referida no caput assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação.   

 

            Pode-se concluir ainda que a greve transbordou o esquema empregador/empregado, há que se considerá-la também envolvendo trabalhadores e tomadores de serviço, compatibilizando o instituto com o alcance da expressão relação de trabalho.

            De cunho marcadamente coercitivo é também instrumento direto de pressão coletiva, que não autoriza, contudo atos de violência contra empregador, seu patrimônio e outros empregados. Visa alcançar objetivos, em geral, de natureza sócio-econômica ou contratual trabalhista.

            Em que pese à amplitude do conceito constitucional a própria carta delimita alguns limites ao exercício desse direito, ressalte-se como mais importante à noção de serviços ou atividades essenciais, remetendo à legislação infraconstitucional a conceituação de atividades essenciais (art. 9º, §1º da CRFB/88). Assim dispõe a Lei da greve acerca dos serviços tidos como essenciais:

 

Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV - funerários;

V - transporte coletivo;

VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII - telecomunicações;

VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

 IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

 X - controle de tráfego aéreo;

  XI compensação bancária

                       

            Procedidas às considerações acerca do instituto da greve torna-se mais simples entendermos sua natureza jurídica. A própria Constituição lhe deu essa dimensão, é direito fundamental coletivo de aplicação imediata. No magistério do professor GODINHO[6]:

A natureza jurídica da greve, hoje, é de um direito fundamental de caráter coletivo, resultante da autonomia da privada coletiva inerente às sociedades democráticas. É exatamente nesta qualidade e com esta dimensão que a Carta Constitucional de 1988 reconhece esse direito (art. 9º).

É direito que resulta da liberdade de trabalho, mas também, na mesma medida, da liberdade associativa e sindical da autonomia dos sindicatos, configurando-se como manifestação relevante da chamada autonomia privada coletiva, própria às democracias. Todos esses fundamentos, que se agregam no fenômeno grevista, embora preservando suas particularidades, conferem a esse direito um status de essencialidade nas ordens jurídicas contemporâneas. Por isso é direito fundamental nas democracias.

            Estabelece o artigo 114, II, da CRFB que “compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações que envolvem o exercício do direito de greve”.  Que natureza de ações seria da competência da Justiça laboral? Há no texto Constitucional ou na legislação ordinária alguma exceção que afaste da competência obreira determinadas espécies de ações? Tais questionamentos serão enfrentados no tópico seguinte.

2. Competência penal oriunda do exercício do direito de greve.

 

            Não há dúvidas de que por expressa atribuição Constitucional às ações oriundas do exercício do direito de greve, sem distinção alguma de natureza, devam ser processadas e julgadas pela justiça especializada. É evidêntico que qualquer exceção mandamental em contrário seria incorporada ao texto de forma a remeter ao “segmento” competente para o deslinde da questão. O constituinte deixou de apontar a natureza das ações estabelecidas no art. 114, II, da CRFB/88 posto que tal competência naturalmente seria da justiça comum? A resposta é negativa, lembremos que as competências afetas a justiça comum são sempre residuais.

                        Assim dispõe a Lei de Greve:

 

Art. 15. A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.

Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito.

                       

            Isto posto, não há dificuldade em concluir que, se a Carta política vigente dirige a competência à Justiça do Trabalho, sem distinções, para processar e julgar, as ações oriundas do direito de greve e a legislação infraconstitucional dispõe que os ilícitos, civil ou penal, serão apurados pelos primas trabalhista, civil e penal, não há nenhuma possibilidade de se entender que a competência especializada não será ampla[7], outra interpretação, restritiva, não se coaduna com o princípio da unidade de convicção, somente uma visão afeta a dogmas ultrapassados sobre a Justiça obreira partindo de pré-juízos inautênticos de que caberia a ela ( especializada laboral ) julgar exclusivamente conflitos entre empregados e empregadores, posição superada pela Emenda 45/04, poderia afastar de sua seara determinadas ações, v.g, ações criminais, sob o argumento de que a justiça do trabalho não estaria apta a absorver tal tarefa. Contudo, a interpretação que subtrai das competências estabelecidas pelo art. 114 da CRFB/88, matéria de natureza criminal baseada no argumento da tradição tem nítida inspiração sofística-nominalista, como a do personagem de Alice no País das Maravilhas que diz: “ Eu dou às palavras o sentido que quero!”[8]

            Para robustecer a argumentação tomamos como exemplo as greves de bancários ocorridas pelo Brasil a fora nos anos de 2002 e 2003. Trabalhadores em greve invadiam mediante violência diversas agência bancárias com fins de ocupação dos postos de trabalho(lock-in) como forma de pressionar a federação dos bancos, FEBRABAN, a conceder aumento com vistas à reposição das perdas salariais dos últimos anos e a substituição da mão-de-obra por máquinas de auto-atendimento. O saldo das ações, invariavelmente, resultava em quebras de máquinas de auto-atendimento, vigilantes feridos por trabalhadores e sindicalistas presos.

            Na situação percebe-se o absurdo que aconteceria, três juízos vinculados a tribunais distintos apreciando o mesmo fato. O juízo Trabalhista apreciando o Hábeas Corpus do trabalhador preso pelo exercício do direito de greve, na conformidade do art. 114, IV da CRFB/88, o juízo comum criminal a julgar os crimes de dano e lesão corporal e o juízo comum cível apreciando ação possessória (interdito proibitório) manejada pela instituição bancária. E com a possibilidade de decisões diametralmente opostas criando aos jurisdicionados potencial insegurança jurídica. Ora se o fato do exemplo é um ilícito e tem efeito em diferentes jurisdições, nada mais natural do que concentrá-los em uma delas, para coordenar e decidir com rapidez o feixe dos efeitos ilícitos, para garantir sua rápida aplicação e conseqüentemente seu efeito jurídico nos diferentes setores em que refletem[9], o juízo trabalhista teria melhores condições de julgar de forma una o fato? A resposta só pode ser positiva. Àquela altura, parafraseando o Ministro Marco Aurélio no voto que proferiu no HC-85096[10], não possuía a Justiça laboral competência criminal, todavia tal obstáculo foi superado e agora essa Justiça especializada possui por límpido mandamento Constitucional competência para processar e julgar ações de natureza criminal.

            As discussões a cerca da competência penal da justiça do trabalho chegaram ao Supremo Tribunal Federal, via Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI n° 3684/2006-DF), e, ao Congresso Nacional, onde tramitam os projetos de lei n° 2.636/2007 e 2.684/2007, estes, conferem competência penal expressa à justiça do trabalho; aquela via controle concentrado de constitucionalidade procura afastar qualquer interpretação ampliativa que confira à Justiça obreira tal competência. Veremos no próximo artigo o posicionamento do pretório excelso sobre a competência penal trabalhista. 

 

 



[1] Nesse sentido. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 2.ed. Niterói: Impetus, 2008. p.1316

[2] Cf. NASCIMENTO, op.cit., p.1428.

[3] A respeito, consultar DELGADO, op. cit., p.1438 a 1440.

[4] Nesse sentido. DELGADO, op.cit., p.1412

[5] Ibidem, p.1414

[6] Ibidem, p. 1434

[7] Nesse sentido. CESÁRIO, João Humberto. Competência para conhecimento das ações que envolvam o exercício do direito de greve. Jus Navegandi, Tersina, ano 10, n.1197, 11 out. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9033. Acesso em: 13 jul.2007.

[8] Nesse sentido. STRECK, Lênio Luiz. Bem Jurídico e Constituição. Disponível em: http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40. Acesso em: 30 de out.2008.

[9] Cf. Silva, op.cit., p.34.

[10] Senhor Presidente surge uma complicação, porque tanto o Superior Tribunal do Trabalho como o Superior Tribunal de Justiça findaram por atuar, no campo da recorribilidade, em hábeas corpus julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, que não tinha competência, por faltar à Justiça do Trabalho, àquela altura (grifo nosso), a jurisdição penal.

 

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