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O QUE OS POLICIAIS DEVEM SABER SOBRE O USO DE ALGEMAS


Autoria:

Getulio Cardoso Reis


Getúlio Cardoso Reís é agropecuariasta e Bacharel em Direito, tendo cursado o ensino superior na UESC/Ilheús e concluído na FASB/Barreiras. É Oficial da da reserva da Polícia Militar da Bahia - PMBA.

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Resumo:

Os inúmeros comentários, sobretudo a mídia jornalística que envolve assuntos de caráter jurídicos e policiais sobre o tema ALGEMAS, motivou-me a escrever o presente artigo.

Texto enviado ao JurisWay em 13/12/2008.

Última edição/atualização em 15/12/2008.



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O QUE  OS  POLICIAIS  DEVEM  SABER

SOBRE  O   USO  DE   ALGEMAS

 

"Diz-me como tratas o argüido, dir-te-ei o processo penal que tens e o Estado que o instituiu". (Jorge Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º vol., Coimbra: Ed. Almedina, 1974, p. 428)

 

 

Cap. PM R/R Getúlio C. Reis¹

 

 

I – INTRODUÇÃO

 

 

                        Os inúmeros comentários, anotações, resenhas, notícias, bate-papos, críticas, análise, escritos e, sobretudo a mídia jornalística que envolve assuntos de caráter jurídicos e policiais sobre o tema ALGEMAS, motivou-me a escrever o presente artigo, acerca do uso desses “grilhões” por parte dos policiais, especialmente após a edição da respeitável 11ª Súmula Vinculante, aprovada no dia 13 de agosto de 2008 pelo Plenário do Excelso Supremo Tribunal Federal.

 

 

II – REFLEXÕES PREÂMBULARES

 

 

                        A violência exacerbou-se no contexto social, em todos os rincões,  grandes e pequenos centros de forma que está atordoando a democracia e o nosso País vive momentos de extremados perigos, unido ou somando-se a isso a percepção clara de impotência que aflige à todos, dado ao panorama da impunidade que grassa aos quatro cantos da nossa idolatrada pátria amada Brasil.

 

                        Dúvidas não remanescem de que os mais diversos e variados fatos imorais e revoltantes que comumente denominamos de “escândalos”, contribuem e completam esse sentimento de impotência, fazendo exsurgir o desejo de vingança, e esse desejo com a maior veemência se origina das classes mais sofridas (baixa e média), em razão de serem as maiores e também as mais atingidas.


¹ Getúlio C. Reis é Bacharel em Direito cursado na UESC e concluído FASB. É também Oficial da reserva da gloriosa Polícia Militar do Estado da Bahia - PMBA.


                        A sociedade aplaude as ações policiais numa clara satisfação, quando em operações complexas e envolvendo pessoas de relevo (em razão dos cargos que ocupam, pelo status econômico-social ou ainda projeção político) são alcançadas, presas e apresentadas a Justiça, especialmente quando essas pessoas são exibidas pela imprensa devidamente algemadas, passando a opinião pública a acreditar num possível fim das impunidades.

 

III – O QUE  É  SÚMULA  VINCULANTE

                       

                        Buscando o auxilio de DE PLÁCIDO E SILVA, in Vocabulário Jurídico 27ª Edição, Editora Forense, Ano 2007, procuraremos esclarecer ao leitor que desconhece as letras jurídicas o verdadeiro significado do termo SÚMULA. Ei-lo:

 

SÚMULA – Do latim summula (resumo, epítome breve) tem o sentido de sumário ou de índice de alguma coisa. É o que de modo abreviadíssimo explica o teor, ou o conteúdo integral de alguma coisa. Assim, a súmula de uma sentença, de um acórdão, é o resumo ou a própria ementa da sentença ou do acórdão.

No âmbito da uniformização de jurisprudência, indica a condensação de série de acórdãos, do mesmo tribunal que adotem idêntica interpretação de preceito jurídico em tese, sem caráter obrigatório, mas, persuasivo, e que, devidamente numerados, se estampem em repertórios.     

                       

 

                        No fato sob comento o instituto da Súmula Vinculante, criado pela Emenda Constitucional (EC) 45/04, tem o intuito de pacificar a discussão de questões examinadas nas instâncias inferiores do Judiciário. Após sua aprovação – por no mínimo oito ministros e a publicação no Diário de Justiça Eletrônico (DJe), a Súmula Vinculante permite que agentes públicos – tanto do poder Judiciário quanto do Executivo, passem a adotar a jurisprudência fixada pelo STF.

 

                        A aplicação desse entendimento tem por objetivo ajudar a  diminuir o número de recursos que chegam às instâncias superiores e ao STF, permitindo que sejam resolvidos já na primeira instância. A medida pretende dar mais celeridade aos processos judiciais, uma vez que podem ser solucionados de maneira definitiva os casos repetitivos que tramitam na Justiça, permitindo que o cidadão conheça o seu direito de forma mais breve e célere.

 

IV - O  QUE  DIZ  A  11ª  SÚMULA  VINCULANTE

 

                        Como já enunciamos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou, numa quarta-feira de 13 de agosto de 2008 a 11ª Súmula Vinculante, onde consolidou jurisprudência daquela Corte no sentido de que o uso de algemas somente é lícito em casos excepcionais e prevendo a aplicação de penalidades pelo abuso nesta forma de constrangimento físico e moral do preso. A Suprema Corte decidiu, também, dar a esta e às demais Súmulas Vinculantes um caráter impeditivo de recursos, ou seja, das decisões tomadas com base nesse entendimento do STF não caberá recurso.  

 

                        Eis a íntegra da Súmula aprovada pelo STF:

 

Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

 

                        A Corte Suprema ainda decidiu, também, deixar mais explicitado o seu entendimento sobre o uso generalizado de algemas, diante do que considerou uso abusivo, nos últimos tempos, em que pessoas detidas vêm sendo expostas, algemadas, aos flashes da mídia.

                        A súmula consolida entendimento do STF sobre o cumprimento de legislação que já trata do assunto. É o caso, entre outros, de vários incisos dos artigos 1º e 5º da Constituição Federal, que dispõem sobre o respeito à dignidade da pessoa humana e os seus direitos fundamentais; bem como dos artigos 284 e 292 do Código de Processo Penal, que tratam do uso restrito da força quando da realização da prisão de uma pessoa e ainda o artigo 474 do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.689/08, dispõe, em seu parágrafo 3º: “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”.

 

                        O Exmº Senhor Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Souza, quando convidado a se pronunciar sobre a 11ª Súmula do STF, lembrou que o controle externo da autoridade policial é atribuição do Ministério Público, função esta, segundo ele, ainda não devidamente compreendida pela sociedade, também manifestou a sua preocupação com o efeito prático da súmula sobre a autoridade policial, no ato da prisão, ou seja, que a súmula possa vir a servir como elemento desestabilizador do trabalho da polícia. O procurador-geral lembrou que, muitas vezes, um agente policial tem de prender, sozinho, um criminoso, correndo risco. Lembrou, também, que é interesse do Estado conter a criminalidade e disse que, para isso, é necessário utilizar a força, quando necessário.

 

                        O ilustre ministro Cezar Peluso quando se pronunciou a respeito, reconheceu que o ato de prender um criminoso e de conduzir um preso é sempre perigoso. Por isso, segundo ele, “a interpretação deve ser sempre em favor do agente do Estado ou da autoridade”.

                        Por seu turno, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, disse que a súmula tinha basicamente o objetivo de evitar o uso de algemas para exposição pública do preso. Disse: “A Corte jamais validou esta prática, que viola a presunção da inocência e o princípio da dignidade humana”. Segundo ele, em geral, a utilização de algemas já é feita com o propósito de violar claramente esses princípios. O objetivo é "algemar e colocar na TV", afirmou. Notadamente respondendo A S. Exª, o Procurador Geral da República, concluiu: "Ao Ministério Público incumbe zelar também pelos direitos humanos, inclusive propondo os inquéritos devidos".

V – DISPOSITIVOS LEGAIS QUE TRATAM DA

        UTILIZAÇÃO  DE  ALGEMAS  NO  BRASIL.

 

 

                        Após longo e dedicado estudo sobre a matéria, conseguimos apurar que o uso de algemas esteve regulamentado no Brasil, direta ou indiretamente, em diversos momentos, desde as Ordenações Filipinas (século XVII) até os dias atuais.

 

                        As Ordenações já previam, no Título CXX, como se verá, desde aquela época, a lei que separa uma casta da outra, criando, para a “especial”, regalias de uma prisão distinta e sem ferros, eis a previsão na integra:

 

“que os Fidalgos de Solar, ou assentados em nossos Livros, e os nossos Desembargadores, e os Doutores em Leis, ou em Canones, ou em Medicina, feitos em Studo universal per exame, e os Cavaleiros Fidalgos, ou confirmados per Nós, e os Cavalleiros das Ordens Militares de Christo, Santiago e Aviz, e os Scrivães de nossa Fazenda e Camera, e mulheres dos sobreditos em quanto com elles forem casadas, ou stiverem viuvas honestas, não sejão presos em ferros, senão por feitos, em que mereção morrer morte natural, ou civil”. Ficava este “seleto” grupo, desde então, “preso sobre sua menagem no Castelo da Cidade, ou Villa onde o feito for ordenado, ou em outra caza honesta, se ahi Castello não houver, segundo arbítrio do Julgador.” 

 

 

                        No Código Criminal do Império (1830), consoante o disposto no artigo 60, provavelmente por causa das revoltas contra a Coroa, a pena de galés sujeitava os réus:

 

“a andarem com calceta no pé e corrente de ferro, juntos ou separados”,  com  exceção  das  mulheres,  dos menores de vinte e um e dos maiores de sessenta anos, conforme estatuído no artigo 44. Contudo, fosse o réu escravo e condenado a açoites, depois destes era trazido por seu senhor “com um ferro pelo tempo e maneira que o juiz o designar”

 

 

                        Em 1871, é promulgado o Decreto Imperial nº 4.824, que em seu artigo 28 mitiga o Código Criminal, vedando o deslocamento de presos “com ferros, algemas ou cordas, salvo o caso extremo de segurança, que deverá ser justificado pelo condutor”, sob pena de multa.

 

                        A primeira codificação penal da República (1890) e a Consolidação das Leis Penais (1932) são omissas quanto ao uso de ferros, que só voltará à baila, indiretamente, com o advento do Código de Processo Penal (1940).

 

                        Cotejando-se os artigos 284 e 292 concluímos ser essa prática uma exceção, admitida, como medida de força, tão-somente quando o preso oferecer resistência ou tentar fugir, pois, nestas hipóteses, a autoridade poderá usar (moderadamente, dizemos nós) dos meios necessários para impedi-lo. As algemas, como adiante se observará, somente podem ser utilizadas em situações excepcionalíssimas, desde que esgotados todos os outros meios para conter o conduzido.

 

                        Em tempos mais modernos, a Lei de Execução Penal (1984) estabeleceu, no artigo 199, que “o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”, o qual não foi promulgado pelo Executivo até a edição da Carta Cidadã (1988) — quatro anos se passaram sem que o ato fosse baixado pelo presidente da República!. Impedida, pela Constituição, a edição de decretos, o texto restou inútil, devendo, agora, a matéria ser objeto de lei, até hoje inexistente — vinte anos anos decorridos sem que o Legislativo cumpra sua missão!

 

                        Registre-se, por importante, que a lei 8.653/93, que “dispõe sobre o transporte de presos e dá outras providências”, nada disciplina acerca de tão delicada e importante questão. Disciplina a lei, unicamente, ser “proibido o transporte de presos em compartimento de proporções reduzidas, com ventilação deficiente ou ausência de luminosidade”.

 

                        Entretanto, o Código de Processo Penal Militar (1969), baixado pela junta ditatorial então no poder, prevê, no § 1º do artigo 234, que “o emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou agressão da parte do preso”. Conservando e preservando o espírito elitista das Ordenações Filipinas, o código proíbe, peremptoriamente, no art. 242, § 1º, in fine, a utilização de algemas em presos “especiais”, tais como ministros de Estado, governadores, parlamentares, magistrados, oficiais das Forças Armadas (inclusive os da reserva) e da Marinha Mercante, portadores de diplomas de nível superior e demais “amigos do rei”, os quais ficam presos e são conduzidos sem ferros, porventura tenham praticado crime militar.

                        Para uma melhor compreensão, detalhamos algumas previsões normativas e legislações atuais que abordam a empregabilidade das algemas, como medida assecuratória na condução e no ato de prisão e detenção de pessoas.  Eis as principais:

 

 

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

(Decreto-lei nº 3.689 de 3.10.1941)

 

Art. 284. Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.

 

Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.

 

Art. 474, alterado pela Lei 11.689/08, dispõe:

3º - “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do Júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”.

 

 

 

A LEI DE EXECUÇÃO PENAL

(Lei nº 7.210 de 11.07.1984)

 

Art. 199. O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal.

Obs:O decreto a que se refere este artigo ainda não fora editado.

 

 

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR

(Decreto-lei nº 1.002, de 21.10.1969)

 

Emprego de força

§ Art. 234. O emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas.

Emprego de algemas

1º O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o Art. 242.

LEI DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS

(Lei Federal nº 9.537 de 11.12.1997)

 

A lei que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional

Artigo 10: O Comandante, no exercício de suas funções e para garantia da segurança das pessoas, da embarcação e da carga transportada, pode:

III - ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga;

 

 

DECRETO ESTADUAL DE SÃO PAULO

(Decreto Estadual nº 19.903 de 30.10.1950.)

 

Art. 1º O emprego de algemas far-se-á na Polícia do Estado, de regra, nas seguintes diligências:

1º Condução à presença da autoridade dos delinqüentes detidos em flagrante, em virtude de pronúncia ou nos demais casos previstos em lei, desde que ofereçam resistência ou tentem a fuga.

2º Condução à presença da autoridade dos ébrios, viciosos e turbulentos, recolhidos na prática de infração e que devam ser postos em custódia, nos termos do Regulamento Policial do Estado, desde que o seu estado externo de exaltação torne indispensável o emprego de força.

3º Transporte, de uma para outra dependência, ou remoção, de um para outro presídio, dos

presos que, pela sua conhecida periculosidade, possam tentar a fuga, durante diligência, ou a

tenham tentado, ou oferecido resistência quando de sua detenção.“

 

 

                        Por seu turno, o Departamento de Aviação Civil determina que o transporte de presos em aeronaves civis seja efetuado por escolta, que poderá:

 

 

 “ser realizada por apenas um acompanhante policial, de acordo com a periculosidade do passageiro, que o algemará ou não, conforme seu entendimento” (www.dac.org.br)

 

 

                   À míngua de uma lei, vigora no estado do Rio de Janeiro até os dias atuais, só no âmbito do sistema penitenciário, a Portaria nº 288/JSF/GDG, de 10 de novembro de 1976 (DORJ, parte I, ano II, nº 421), que considera a utilização de algemas importante meio de segurança “ao serviço policial de escolta, para impedir fugas de internos de reconhecida periculosidade”.

                        Determina, entretanto, no mesmo passo do Decreto Imperial de 1871, que os servidores evitem “o emprego de algemas, desde que não haja perigo ou agressão por parte do preso”, e proíbe sua utilização nas pessoas contempladas como “especiais” pelo Código de Processo Penal Militar, ainda que estejam presas à disposição da justiça comum.

 

                        Ademais, a norma fluminense obriga “os servidores que de alguma forma tiverem necessidade de empregar algemas” a apresentarem, “após a diligência, ao chefe de Serviço de Segurança, relatório explicativo sobre o fato”, sujeita sua não observância a penalidades administrativas.

 

 

VI – COMO SE POSICIONAM ALGUNS MAGISTRADOS

E  JURISTAS SOBRE O USO DE ALGEMAS

 

 

                        O ponto crucial da questão não é o USO DE ALGEMAS, em situações de efetiva necessidade e nas condições que se tornam imperiosas a utilização desse recurso, mas, o que pretende se combater é o USO IMODERADO E INDISCRIMINADO DE ALGEMAS.

 

                        Nas operações policiais desencadeadas pelos órgãos de segurança, tais como, Policial Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Civil, Polícia Militar, como alertamos, até Guardas Municipais, especialmente nos cumprimentos de mandados de prisão e no transporte de presos e detidos ainda não condenados, bem assim naquelas pessoas detidas para uma simples averiguação, procedem com esse uso imoderado, indiscriminado e até desnecessário desse equipamento.

 

                        Para os mestres e doutores do direito a utilização imoderada das algemas é um verdadeiro atentado contra a imagem e o moral do detido, atingindo em cheio a sua dignidade e somam-se a isso as indevidas veiculações televisivas das prisões que atuam como uma prolongada amplitude desses abusos, expondo os presos e detidos, perigosos ou não, ricos e pobres, negros ou brancos, homens e mulheres, jovens ou idosos, letrados e ignorantes, pessoas comuns ou autoridades, detentores ou não do direito a prisão especial, que se encontram indevidamente algemados e expostos sem qualquer parcimônia a toda sociedade, em âmbito  de rede nacional, nos principais jornais.

 

                        Louva-se a posição de alguns eruditos do direito, especialmente o abalizado Conselheiro Federal da OAB Alberto Zacharias Toron:

 

 

“a questão que se coloca é a de se saber se num Estado Democrático de Direito é possível (lícito) o emprego de algemas fora dos casos de real necessidade. Sim, pois num Estado que tem, de um lado, na dignidade humana um princípio reitor e, de outro, na presunção de inocência uma garantia, ambos com assento constitucional, não se pode permitir o emprego abusivo de algemas e, muito menos, com o fim de degradação do ser humano, rico ou pobre, negro ou branco, homem ou mulher.” (Toron, A. Z. Relator Proposição 0055-2006, COP). (Grifei)

 

 

 

                        Em recente decisão proferida pela eminente Ministra Carmem Lúcia no HC nº 89.429-RO, afirmou a magistrada que a prisão não pode constituir um espetáculo. Vejam-na sua integra:

 

 

“A prisão há de ser pública, mas não há de se constituir em espetáculo. Qualquer conduta que se demonstre voltada à demonstração pública de constrangimento demasiada ou insustentada contra alguém, que ainda é investigado nesta fase do Inquérito, não pode ser tida como juridicamente fundamentada. De resto, não é outra a orientação dos tribunais pátrios. O uso de algemas somente é legítimo quando demonstrada a sua necessidade (STJ, 5ª T, HC n. 35.540, rel. min. José Arnaldo, j. 5.8.2005), mas sempre considerando-o excepcional e nunca admitindo seu emprego com finalidade infamante ou para expor o detido à execração pública (STJ, 6ª T., RHC 5.663/SP, rel. Min. William Patterson, DJU, 23 set. 1996, p. 33157).”(Grifei).

 

 

 

                        No também ilustre Ministro Joaquim Barbosa,  o denodado magistrado esclarece que:

 

“... a 11ª Sumula Vinculante não proíbe o uso das algemas, mas, apenas restringe, e que em casos excepcionais, desde que justificado, a autoridade pode sim, algemar acusados” (STF – Rcl 6.919).

 

 

                        O culto Ministro Eros Grau em um dos seus julgados assim posicionou:

 

“As autoridades judiciárias ostentam uma posição radical, não levando em consideração que mesmos os criminosos são sujeitos de direitos...” (Conjur – As algemas)

 

 

 

                        O ilustre e renomado professor Antônio Magalhães Gomes Filho, assim enfatiza:

 

 

... a cautela de segurança “poderia ser conseguida através das escoltas policiais reforçadas e outras providências, sem que se ofenda tão gravemente a dignidade da pessoa”, que representa uma das garantias constitucionais. (“Sobre o uso de algemas no julgamento pelo júri”, RIBCCrim, RT, São Paulo, v. 0, p. 115, dez. 1992)

 

 

 

                        A ofensa à dignidade da pessoa humana é tão patente, tão gritante, tão escandalosa, tão sugestiva, que julgamentos realizados pelo júri são anulados por nossos tribunais quando o acusado é mantido algemado durante a sessão. Vejamos:

 

 

Júri — Nulidade — Réu mantido algemado durante os trabalhos sob a alegação de ser perigoso — Inadmissibilidade — Fato com interferência no ânimo dos jurados e, conseqüentemente, no resultado — Constrangimento ilegal caracterizado — Novo julgamento ordenado — Aplicação do art. 593, III, ‘a’, do CPP.

 

Írrito o julgamento pelo Júri se o réu permaneceu algemado durante o desenrolar dos trabalhos sob a alegação de ser perigoso, eis que tal circunstância interfere no espírito dos jurados e, conseqüentemente, no resultado do julgamento, constituindo constrangimento ilegal que dá causa a nulidade. (TJSP — Ap. 74.542-3 — 2ª C. — j. 8.5.89 — rel. des. Renato Talli — RT 643/285).

 

 

 

                        Podemos subtrair que a utilização de algemas está condicionada, numa relação de proporcionalidade, à imprescindibilidade do meio em razão da periculosidade do indivíduo, ou seja, o detido deve apresentar um perigo atual ou iminente ao sucesso da operação policial. Nesta hipótese, de justificação teleológica em face da personalidade e atributos pessoais do detido, é que o agente de polícia pode se valer do meio.

VII –  O  QUE   DIZ  A  LEI  MAIOR

 

 

 

                        No momento em que não se obedece a 11ª Súmula Vinculante, num só turno são postergados o Art. 1º, Inciso III que por via reflexa atinge o preceito fundamental da dignidade da pessoa humana e ainda o Art. 5º, incisos III, X, XLIX, da Constituição da República Federativa do Brasil, que textualmente estabelece:

 

 

CONSTITUIÇAO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

 

TITULO

Dos Princípios Fundamentais

 

Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

 

( . . . )

 

III - a dignidade da pessoa humana;

 

 

TÍTULO  II

Dos Direitos e Garantias Fundamentais

 

CAPÍTULO  I

Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos

 

Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

 ( . . . )

 

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

 

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

 

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

 

                        DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS  Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da  Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, estabece:

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

 

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, 

( ... )

Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão  e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.   

Artigo II - Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,  religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 

Artigo III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.   

Artigo V - Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo IX - Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.   

Artigo XI –           1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.   

                            2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XXIV         1. (...)

                            2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.   

                        Também afrontam as legislações infra-constitucionais a saber:

 

1-     A lei que dispõe sobre o abuso de autoridade (Lei Federal nº 4.898/1965):

 

 

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade: b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;

 

 

                        2 - A Lei de Execução Penal (Lei ]Federal nº 7.210/1984):

 

Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

 

 

 

                        3 - O Pacto de São José de Costa Rica (22.11.1969):

 

Artigo 5 º - Direito à integridade pessoal

Ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

 

 

VIII – CONCLUSÃO

 

 

                        É o agente policial (Policial Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e até Guardas Municipais) quem desobedece aos mandamentos impositivos da lei, violando os vetores constitucionais e infra-constitucionais. Quantas vezes assistimos às cenas humilhantes de pessoas de idade provecta sendo conduzidas com algemas.

 

                        O crime representa, em inúmeras hipóteses, ato isolado na vida de uma pessoa. É um momento de embriaguez, de raiva, violenta emoção, que faz com que o ser humano atente contra as normas de direito penal. A prisão, conseqüência principal de um fato tipificado criminalmente, é suficientemente traumatizante a ponto de não ser passível de previsibilidade qualquer reação do detido.

 

                        Sabemos que causa repulsa as atitudes cometidas por um gestor público corrupto, mas há um abismo entre o modus operandi deste tipo de bandido, que comete delitos intelectuais (mediante a utilização de influência para cometer os atos executórios do crime) para os criminosos que utilizam armas de toda espécie, afeitos à violência física.

 

                        Logo, a população precisa entender o conceito de periculosidade e a necessidade de atuação com algema, pois medidas açodadas como as que vemos  cotidianamente na televisão, só facilita e contribui para a liberdade dos malfeitores, especialmente os chamados “colarinho branco”, que tem por trás de si, para elaborar as  suas defesas, excelentes bancas de conceituados causídicos.

                       

                        No tocante a inviolabilidade da imagem, nos posicionamos, na linha de raciocínio que se trilha, da seguinte maneira: a caracterização de periculosidade e de imoralidade advinda com as imagens é nascida da ilegalidade e inconstitucionalidade de ato público (que pode ser perfeitamente atacado por ADPF, na modalidade autônoma ou direta: “terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.”- lei da ADPF, 9882/1999), o seu fio condutor, que a transmite e elastece, é a imprensa.

                       

                        A exposição de imagens alarga – e muito – a gravidade da lesão, mas não existindo as câmeras também haverá burla aos ditos princípios. Por outro lado, em alguns casos, não só o moral dos detidos é atacado, mas a sua integridade física. Por fim, o ato de prisão, mesmo não sendo televisionado, será assistido pelos que se fizerem presentes.

 

                        Como solução parcial para a situação, deveria o Judiciário e/ou mesmo o Executivo estender aos presos em que haja necessidade do uso das algemas, a mesma prerrogativa de que gozam os menores, ou seja, a deformação da imagem quando do ato de prisão ou transporte mediante o emprego de algemas, de modo a tornar impossível a identificação do indivíduo que por ventura esteja algemado, assim evitaria que a imprensa fosse convocada pela Polícia para acompanhar as famosas Operações, sem o menor constrangimento de expor os detidos à execração pública, mas, tão somente para propaganda, publicidade, auto-valorização desses policiais artistas e até mesmo da instituição.

 

                        Para concluir, reiterando saliento que como a Constituição ordena o respeito à integridade física e moral dos presos, proibindo, a todos, submeter alguém a tratamento desumano e degradante, devendo ser respeitadas a dignidade da pessoa humana e a presunção de inocência, o constrangedor e aviltante uso de algemassímbolo maior de humilhação ao homem — só pode se dar nas singulares e excepcionalíssimas hipóteses retro mencionadas da 11ª Súmula Vinculante e nas situações previstas nas leis infra-constitucionais (art. 284 c/c 292 do CPP) e, mesmo assim, desde que esgotados todos os demais meios para conter a pessoa que se pretende prender ou conduzir. Ou seja, quando houver inquestionável imprescindibilidade do uso de algemas, deve esta ser demonstrada e justificada caso a caso pela autoridade ou seu agente, não podendo a necessidade ser deduzida da gravidade dos crimes nem da presunção de periculosidade do detento, porque ilegal.

 


NOTA

¹ Getúlio C. Reis é Bacharel em Direito cursado na UESC e concluído FASB e também Oficial R/R da Polícia Militar do Estado da Bahia- PMBA.


BIBLIOGRAFIA

1-       Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

2-       FIGUEREDO, Antonio Carlos - Vade-Mecum da Legislação Brasileira, Primeira Impressão Editora e Distribuidora Ltda, Ano 2002 – São Paulo-SP.

3-       SILVA, De Plácido e – Vocabulário Jurídico, 27ª Edição e 3ª tiragem, Editora Forense, Ano 2007. Rio de Janeiro – RJ.

4-       Anuário da Justiça – 2007, Consultor Jurídico, Ano 2007 – São Paulo – SP.

5-       VIEIRA, Luís Guilherme. Abuso de autoridade – uso de algemas é desumano e degradante. Revista Consultor Jurídico, mar. 2002. Disponível em:.

6-       GOMES, Luiz Flávio. O uso de algemas em nosso país está devidamente disciplinado?. Jus Navigandi, Teresina, ª 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: .

7-       MOREIRA, Rômulo de Andrade. Algemas para quem precisa. Jus Navegandi, Teresina, a. 10, n. 924, 13 jan. 2006. Disponível em: .

8-       Algemas: abusos e pirotecnias. Disponível em:

9-       REGIS, André. USO INDEVIDO DE ALGEMAS. 
www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1205505904174218181901.pdf

10-   FURUIE, Vinicius. é repórter da revista Consultor Jurídico

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Comentários e Opiniões

1) Paulo (20/08/2009 às 12:34:26) IP: 201.42.77.124
TODO O SEU TRABALHO DE PESQUISA É DE SUMA IMPORTÂNCIA NO CONTEXTO JURIDICO DO ASSUNTO, QTO O COMENTÁRIO MALDOSO DO ÍTEM ANTERIOR NÃO VEJO NENHUMA LÓGICA, PQ OAB NÃO MOSTRA CAPACIDADE INTELECTUAL DE NINGUÉM, NEM TÃO POUCO DOUTORADO EM DIREITO, PQ MESTRES DO DIREITO E ATÉ JUÍZES NÃO TÊM AS MESMAS CONVICÇÕES, FAZENDO OS JUIZES USO DA SUA INTERPRETAÇÃO PESSOAL EM DIVERSOS CASOS...PARABÉNS...
2) Antônio Paixão (08/09/2009 às 19:15:54) IP: 189.112.77.12
Como fica a conduta com os menores? quando poderão serem algemadas ou nunca serão algemadas. Gostaria de ter um parecer.
3) Anderson (19/01/2011 às 14:25:27) IP: 189.104.145.251
Excelente trabalho, lhe parabenizo pela excelente pesquisa como visto na Bibliografia.
Certamente esse é um trabalho digno de ser impresso e lido todo dia.
abraços


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