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 Sala dos Doutrinadores - Artigos Jurídicos
Autoria:

Maykell Felipe Moreira
Licenciado em Direito pela Faculd. de Direito do Vale do Rio Doce. Advogado administrativista, do Consumidor, e Concursos. Servidor Público Federal. Ocupou funções de Chefe de Seção Especializada de Benefícios e Sub-Gerente em Unidade da Previdência.

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Monografias Direito Administrativo

Requisição Administrativa sobre Imóveis versus Ocupação Temporária: Qual a importância prática para o cidadão comum?

Trata-se de um artigo de utilidade muito abrangente, tanto útil aos estudiosos para concursos públicos quanto àqueles que buscam aprofundar-se nesta temática, visando questões práticas como a advocacia ou assessoria jurídica na seara administrativa.

Texto enviado ao JurisWay em 11/12/2012.

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Resumo

 

Artigo voltado tanto aos estudiosos para concursos públicos quanto àqueles que buscam aprofundar-se na matéria, visando questões práticas como a advocacia ou assessoria jurídica.

O presente artigo não deixa de ser um desafio, uma vez que busca refutar conceitos antigos e já ultrapassados, que outrora foram muitos defendidos por outros autores.

Ademais, o objetivo do trabalho é justamente tirar as vestimentas desses institutos, e após desnudos, verificar, na realidade prática, se temos realmente feito a coisa certa quando o assunto é o ‘momento e hipótese’ de aplicação dos mesmos.

O tema é importante, haja vista que, de acordo a espécie Institutiva aplicada, as consequências financeiras, patrimoniais e mesmo emocionais podem ser completamente distintas, afetando diretamente a você – cidadão comum – o alvo da intervenção estatal.

 

Palavras–chave: Requisição. Ocupação. Intervenção. Propriedade. Administração.

Sumário: Introdução. 1. Evolução histórica. 2. Desvendando os institutos. Conclusão. Referências.

 

Introdução

 

No mundo jurídico, alguns institutos guardam certa semelhança entre si, e, no tocante ao direito de intervenção estatal na propriedade não é muito diferente, sendo que, muitas vezes, diante de determinados casos, torna-se tarefa estritamente complexa determinar se estamos em face de um instrumento interventivo ou de outro, cujas características são facilmente confundíveis.

É o que ocorre, por exemplo, entre a ocupação temporária e a requisição administrativa, que quando feita sobre imóveis é quase que idêntica à primeira.

Torna-se imprescindível esclarecer tais situações, pois, é a definição de que instrumento será cabível a cada caso concreto que vai definir a forma de instituição deste e também a possibilidade de indenização – ou não – em decorrência da invasão do estado no patrimônio do particular. É também a correta distinção que irá definir os limites que esse mesmo indivíduo sofrerá no que concerne ao uso e gozo pleno da coisa.

Temos que ter em mente que prejuízo não é apenas um ‘dano físico’ à coisa, mas também o tempo de restrição ou limitação que o proprietário fica sem poder usufruir do bem, e nesse ponto, poucos tem tocado, o que gera uma falsa idéia de que, tais nuances não devam ser ventiladas no conceito de ‘dano’ – o que ao nosso ver, é um erro cabal.

Em nosso entendimento, o particular que teve sua propriedade requisitada pelo Estado – ainda que por um período de quatro, cinco meses – inegavelmente sofre prejuízos, pois, durante tal interregno, esteve (contra a sua vontade) impedido de desfrutar da coisa. Devemos ter bem claro que, mesmo que não haja danos físicos ao bem requisitado, ainda assim há prejuízos de outra estirpe, por conseguinte – sim – há um dano decorrente desse uso e a conseqüente obrigação de indenizar, se assim não fosse, estaríamos a criar – disfarçadamenteuma espécie de ‘locação gratuita da coisa’.

A pátria doutrina é bem diversificada quanto à exata conceituação e caracterização das hipóteses de cabimento de tais institutos, não se obtendo, por conseguinte, uma concordância universal entre os autores. Isso resulta ao nosso ver, data máxima vênia, em uma variação de entendimentos por parte dos doutrinadores do direito, que só gera confusão e em nada traz efeitos práticos ao cidadão.

Os dois institutos a serem tratados no presente capítulo, remetem a uma idéia preliminar, que já nos permite fazer uma conceituação uniforme entre eles no sentido de que, ambos, refletem formas de atuação do Estado na propriedade privada, fundamentado no interesse, utilidade ou necessidade pública, dando permissão a este para que faça uso do bem particular em prol de um resultado que propicie o bem comum da coletividade.

Inobstante essa primeira similaridade entre os institutos, a tarefa proposta no presente trabalho não é tão simples assim.

A requisição administrativa pode ser instituída sob distintas modalidades, num primeiro momento, sobre bens móveis ou imóveis, noutro, sobre serviços, detalhe que, a principio já nos possibilita traçar uma distinção quanto à ocupação temporária, que somente se institui sobre imóveis. Ademais, nos limitaremos ao paralelo desta última com as requisições sobre imóveis, que é o tema do nosso estudo.

 

1.    Evolução histórica

 

No direito brasileiro, houve época em que a requisição administrativa somente era admitida em tempo de guerra ou de comoção intestina grave, o que se constata pelo artigo 113, número 17, da Constituição de 1934, in fine, que dispunha: “Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina grave, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior”. (BRASIL, 1934, p. 34, grifo nosso).

Contudo, e para uma melhor instrumentalidade da Máquina do Estado, passaram, posteriormente, segundo Zerbes (2007), a ser admitidas também em tempo de paz, autorizada pela Lei Delegada nº. 4, de setembro de 1962, regulamentada pelo Decreto nº. 51.644-A, de novembro 1962, referentes às requisições de bens e serviços e pelo Decreto-lei nº. 2, de janeiro de 1966, regulamentado pelo Decreto nº. 57.844, de fevereiro do mesmo ano, referente às requisições de bens ou serviços essenciais ao abastecimento da população:

 

Art.1°. A Superintendência Nacional do Abastecimento (SUNAB), na qualidade de órgão incubido de aplicar a legislação de intervenção do Estado no domínio econômico, poderá, quando assim exigir o interesse público, requisitar bens ou serviços essenciais ao abastecimento da população. (DECRETO LEI N°.2 de 11 de fevereiro de 1966, p.1, grifo nosso).

 

Ainda, sobre a matéria, tem-se o Decreto-Lei 4.812 de outubro de 1942, que também disciplina a requisição, tanto civil como militar, e continua em vigor, já que adequado ao artigo da Constituição Pátria que trata da matéria. (Carvalho Filho, 2005).

 

Trazendo o foco do estudo para os dias atuais, é da CF88 o dispositivo legal que dá a prerrogativa para que o Estado se utilize da medida interventiva de requisição administrativa sobre bens particulares.

 

2.    Desvendando os Institutos

 

O art. 5º, XXV, da vigente Carta Magna dispõe que: no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”. (BRASIL, 2008, p. 37, grifo nosso). Deve-se entender o enunciado constitucional como sendo o dispositivo específico que dá guarida a este instituto, e, de outro lado, como fundamento genérico, o art. 5º, XXIII, e o art. 170, III, da Lei Maior, preceito basilar de todas as formas interventivas utilizadas pelo Estado. (CARVALHO FILHO, 2005).

Conforme os dispositivos citados – a priori – já temos a possibilidade de vislumbrar duas características marcantes desse instituto: a exigência do perigo público iminente e a hipótese de cabimento de indenização somente quando a intervenção trouxer algum dano ao proprietário.

Descrevendo o instituto, temos a seguinte construção doutrinária:

 

Em qualquer das modalidades, a requisição administrativa caracteriza-se por ser procedimento unilateral e auto executório, pois, independe da aquiescência do particular e da prévia intervenção do poder judiciário; é em regra oneroso, sendo a indenização a posteriori. Mesmo em tempo de paz, só se justifica em caso de perigo público iminente. [...] Fixado os seus elementos característicos, pode-se conceituar a requisição como ato administrativo unilateral, auto-executório e oneroso, consistente na utilização de bens ou de serviços particulares pela administração, para atender a necessidades coletivas em tempo de guerra ou emcaso de perigo publico iminente. (DI PIETRO, 2006, p. 147, grifo nosso).

 

Nota-se, pela conceituação da autora, que ela faz referência à requisição como sendo em regra onerosa, sem, contudo, tecer qualquer observação quanto à necessidade de ocorrência de um dano para que seja cabível a indenização. Entretanto, presume-se, pelas entre linhas, que não havendo dano algum, certamente não haverá essa possibilidade de indenização, já que, em tese, não teria havido um dano físico à coisa, fazendo prevalecer nessa hipótese exceção à regra da onerosidade. Ademais, esse pensamento jurídico, nos leva, por ora, a criar um inquietamento no que se refere ao exato conceito do que venha a ser “dano” nessas circunstâncias. Seria tão somente, um prejuízo estrito ao uso e deteriorização da propriedade ou poder-se-ia ampliar o sentido, levando em conta os danos ao proprietário?

O artigo 5º da Carta Magna não dispõe de forma expressa quanto a isso, no entanto, há de entender que nesse conceito de dano enquadram-se tanto os danos imputados à coisa, quanto aqueles sofridos pelo proprietário, afinal, este deixou de ter em mãos a possibilidade de usar o imóvel ora atingido pela requisição, de modo que, caso tivesse qualquer interesse em gozar desse bem com fins de exercer alguma atividade econômica, por exemplo, o simples fato de existir essa ‘supressão’ da sua propriedade, já lhe frustraria qualquer anseio. Assim, é inequívoco que, esse proprietário – o qual permanecera todo o período interventivo sem poder utilizar do seu bem para exercer qualquer atividade que fosse, até mesmo uma atividade econômica – deve pleitear os lucros cessantes advindos desse impedimento no uso da coisa.

Carvalho Filho, discorre sobre a temática da seguinte forma:

 

A indenização pelo uso de bens e serviços alcançados pela requisição é condicionada: o proprietário somente fará jus à indenização se a atividade estatal lhe tiver provocado danos. Inexistindo danos, nenhuma indenização será devida. (CARVALHO FILHO, 2005, p. 623, grifo nosso).

 

Superado esse ponto, resta compreender a exigência do perigo público iminente. Pois, segundo informa expressamente a nossa Carta Magna, é preciso haver uma situação de iminente perigo público, caso contrário, não estaríamos diante de uma hipótese de requisição administrativa.

Consoante isso, o supracitado autor, em obra publicada no ano de 2006, afirma que não há hipótese de cabimento de requisição administrativa quando não se mostrar presente o requisito constitucional da existência de um perigo iminente, que não só coloque a sociedade em risco, como também cause um receio de haver expansão de algo que possa causar esse risco.

 

[...] O administrador público não é livre para requisitar bens e serviços. Para que possa fazê-lo, é necessário que esteja presente a situação de perigo público iminente, vale dizer, aquele perigo que não coloque somente em risco a coletividade como também que esteja prestes a se consumar ou expandir-se de forma irremediável se alguma medida não for tomada. (CARVALHO FILHO, 2006, p. 652, grifo do autor).

 

Por outro lado, em descrição completamente antagônica aos posicionamentos já citados, Diógenes Gasparini, relativamente ao tema, descreve que, seria uma utilização que, nem sempre se consubstanciaria pela transitoriedade, havendo, dessa forma possibilidade de em algum momento ser concebida de forma definitiva, o que nos leva a discordar, uma vez que, se tal fato ocorresse, estaria caracterizada uma situação de desapropriação e não de requisição, uma vez que a mesma se qualifica pelo “uso” do bem e não pela definitividade, como ocorre na medida desapropriatória, dando a entender um caráter perpétuo, resultando, se assim fosse, na transferência do bem, e, consequentemente, na conversão em perdas e danos, como reza o art. 35 da lei que trata da desapropriação.

 

É a requisição [...] a utilização quase sempre transitória e auto-executória, pela administração pública, de bens particulares, mediante determinação da autoridade competente, com ou sem indenização posterior, em razão ou não de perigo público. (GASPARINI, 2003, p. 628, grifo nosso).

 

Por conseguinte,  o autor faz menção ainda à possibilidade de instituição de tal medida tanto em casos de perigo público iminente ou não, como se observa no trecho citado acima. No entanto, com fulcro no próprio texto constitucional, e nas obras anteriormente mencionadas, o que se observa é que se faz imprescindível a existência de um risco ou perigo que seja iminente à coletividade, ainda que não seja concreto, mas que haja, ao menos, receio de que venha a ocorrer.

Retomando a questão da não-transitoriedade da requisição, defendida pelo autor retro mencionado, até entendemos a intenção do mesmo ao defender que, nem sempre a ocorrência será de forma temporária, uma vez que, se levarmos em conta, a hipótese da requisição ocorrer sobre bens perecíveis ou consumíveis, esta deixaria de ser transitória para ser permanente, tornando-se impossível a devolução do objeto, e por conseguinte, devendo ser feita na forma de indenização no valor total do objeto, conforme ensina Braz (2001).

Ademais, o presente estudo, se limita em apreciar as situações ocorrentes sobre bens imóveis, de tal forma que, não seremos exaustivos no que foge ao objeto centro da pesquisa.

Dando seqüência, Braz (2001, p. 637), percorrendo a mesma linha da doutrina majoritária, especificamente a este ponto, coloca a requisição como sendo um instrumento do Estado para atender:

 

[...] interesses sociais de maior vulto, que necessita de bens para solucionar situações urgentes, imprevistas e transitórias, em casos de calamidade pública oficialmente declarada, estado de sítio, comoção intestina ou guerra. (grifo nosso).

 

A nosso ver, o autor bem resolve essa primeira questão, a qual damos, pois, por encerrada.

Face isto, passemos a analisar o caráter auto-executório do referido instituto. Tal preceito favorecedor da atuação estatal nada mais é do que uma prerrogativa que visa tornar tal ato eficiente, com realização em tempo hábil, pois, tratando de situações que se consubstanciam numa necessidade de caráter urgente, de efeito algum teria se tivesse que passar pelos trâmites burocráticos da formalização antes de sua realização. Ocorreria que, tratando de calamidade pública, por exemplo, se houvesse a espera do procedimento moroso para sua declaração, o fim que a justifica talvez deixasse de existir, resultando num prejuízo muito maior.

 

A requisição não depende de intervenção prévia do Poder Judiciário para a sua execução, porque, como ato de urgência, não se compatibiliza com o controle judiciário a priori. É sempre um ato de império do Poder Público, discricionário quanto ao objeto e oportunidade da medida, mas condicionado à existência de perigo público iminente [...]. (MEIRELLES, 2001, p. 590, grifo nosso).

 

Posicionando-se no mesmo sentido, Cretella Júnior (2000, p. 570), também coloca tal instituto, como sendo “ato unilateral de gestão pública” de maneira auto-executória por parte da administração, pelo qual é exigido, dentre outros, o fornecimento de bens imóveis, com um fim de interesse geral. (grifo nosso).

Na mesma linha de raciocínio também se posicionam outros autores, como Carvalho Filho, Di Pietro, e o já citado anteriormente, Hely Lopes Meirelles. Podemos citar ainda o ilustre Bandeira de Mello (2003, p. 773), para o qual:

 

Requisição é o ato pelo qual o Estado, em proveito de um interesse público, constitui alguém, de modo unilateral e auto-executório, na obrigação de prestar-lhe um serviço ou ceder-lhe transitoriamente o uso de uma coisa in natura, obrigando-se a indenizar os prejuízos que tal medida efetivamente acarretar ao obrigado. (grifo nosso).

 

Desse modo, fazendo um apanhado de tudo já abordado até aqui, e, por estar em total conformidade à Carta Magna vigente, anota-se como sendo mais completa, a conceituação extraída das obras de Carvalho Filho, à qual perfilamos, por englobar, de forma concisa, todas as características do referido instituto: urgência da situação ou perigo público iminente, auto-executoriedade do ato instituidor, e, o caráter transitório, com possibilidade de indenização ulterior, caso haja dano.

 

A finalidade é sempre de preservar a sociedade contra situações de perigo público iminente. [...] A indenização pelo uso dos bens e serviços alcançados pela requisição é condicionada: o proprietário somente fará jus à indenização se a atividade estatal lhe tiver provocado danos. [...] o ato administrativo que a formaliza é auto-executório e não depende, em conseqüência, de qualquer decisão do judiciário. [...] só não será legítima se não estiver configurada a situação de perigo mencionada na Constituição. Nesse caso pode o proprietário recorrer ao judiciário para invalidar o ato de requisição. [...] a apreciação, todavia, há de cingir-se ao exame da legalidade do ato, e não aos aspectos de avaliação reservados ao administrador. Se falta o pressuposto do perigo público iminente, por exemplo, cabe ao Judiciário invalidar o ato por vício de legalidade. A extinção da requisição se dará tão logo desapareça a situação de perigo público iminente. Por essa razão, a requisição é de natureza transitória, sabido que aquela situação não perdurará eternamente. (CARVALHO FILHO, 2005, p. 622 e 623, grifo nosso).

 

Indo pelo mesmo horizonte em que também se sustenta o citado Jurista, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pelo AI nº. 99.001.1197, 17ª Câmara Cível, votação unânime, Rel. Des. Fabrício Paulo Miranda Filho, julgado em 10 de maio de 1999, assim decidiu:

 

Município – Estado de calamidade pública – Requisição de bens particulares. No caso de Calamidade pública reconhecido por decreto municipal, há possibilidade de requisição de bens particulares assegurada pela CF – art. 5º, XXV -, já que o interesse público se sobrepõe ap privado em situações de iminente perigo para a comunidade, ensejando requisição de bens, sem pagamento pela utilização dos mesmos, salvo se houver dano. (BRASIL, 1999 apud CARVALHO FILHO, 2005, p. 622, grifo nosso).

 

Sob os mesmos fundamentos, entretanto, com julgamento denegatório da pretensão dos autores, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, indeferiu o pleito de uma de suas unidades municipais, que buscava requisição de hospital particular para suprir necessidade causada pela falta de leitos hospitalares públicos da referida cidade. Através do julgamento em Apelação Cível de número 149.172-1/1991, 8ª Câmara Cível, votação unânime, Rel. Des. Antônio Marson, onde entendeu-se que, no caso em tela, inexistia situação de perigo público iminente, pois, a situação pela qual passava o hospital advinha, nada mais que, da negligência e má administração do próprio Município, devendo, assim, a norma ser interpretada de forma restrita, uma vez que coloca à baila direitos de terceiros. E, ainda, o fato não gerava caos público, resultante de calamidade ou situação de iminente perigo, devendo tal deficiência ser suprida pela própria administração através de recursos próprios, ao invés de, fazendo uso de desvio de finalidade, querer atingir patrimônio alheio para alcançar fins desvinculados da justa destinação que se atém ao instituto interventivo. Abaixo, pois, assim segue:

 

1. ACORDAM, em Oitava Câmara Civil do Tribunal de Justiça, por votação unânime, negar provimento aos recursos de conformidade com o relatório e voto do relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. [...] Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato do Prefeito Municipal de São José dos Campos, que editou o Decreto n. 7.093, de 1990, declarando de calamidade pública a situação de assistência médico hospitalar naquele Município [...] e o Decreto Municipal n. 7.094, de 1990, que requisitou o Hospital Nossa Senhora de Fátima [...] Ocorre, porém, que para a requisição [...] era mister ocorresse situação de perigo público iminente e calamidade pública no setor da saúde, o que não se verifica no setor de saúde do Município de São José dos Campos, pois a insuficiência de leitos nos hospitais públicos e nos hospitais contratados e conveniados com o Poder Público naquele Município, circunstância e motivação indicadas para justificar o ato requisitório, não se adequam àquelas situações. Com efeito, para se caracterizar “perigo público iminente”, a justificar requisição administrativa [...] mister se verifiquem ocasiões de [...] epidemias, inundações, terremotos e acontecimentos semelhantes. Por outro lado, para evidenciar “calamidade pública”, conforme lições trazidas à baila pelo ilustre julgador e da lavra de JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, que também perfilho, importa que se sucedam aqueles fatores anormais e adversos afetando gravemente a comunidade, exemplificados pelo eminente administrativista com secas prolongadas e devastadoras, grandes incêndios, inundações, outros flagelos semelhantes [...] É certo que reina muita incompreensão e mesmo incerteza em se saber quais as questões que permitem investigação noexame da legalidade.[...] Aqui, as deliberações requisitórias [...] revestindo indisfarçável caráter permanente e sem natureza emergencial, além de se constituir em ato dissimulado, com visos fortes de ação administrativa para a consecução de outro fim [...] ficando evidenciado assim o desvio de finalidade [...]. De tudo resulta que, qualificando-se o mesmo tempo como ilegais, porque o fato real pressuposto por lei não ocorreu [...]. 3. Pelo exposto, nego provimento aos recursos. (BRASIL, 1991, p. 1 e 4-6, grifo nosso).

 

Com base no texto jurisprudencial acima citado, pode-se ainda vislumbrar outra situação, que já havia sido comentada no presente trabalho sob o foco da doutrina do ilustre professor José dos Santos Carvalho Filho, referente à questão da invalidação, por parte do Judiciário, do ato que instituiu a requisição quando ausente um dos seus pressupostos legais de validade. Como foi dito no relatório do douto julgador, não cabe ao Judiciário adentrar na valoração do conteúdo do ato que declara a situação de perigo iminente, substituindo, de tal modo, o administrador. Pode, porém, avaliar a legalidade do ato, ou seja, se estão presentes os permissivos de legalidade. Afinal, a instituição da modalidade interventiva é ato, em regra auto-executório por parte do ente estatal, não podendo, entretanto, fazer uso de tal prerrogativa para se consubstanciar através de atos maculados de ilegalidade.

Por sua vez, nos remetendo para o outro pólo da nossa discussão, aparece a Ocupação Temporária. Que, tradicionalmente, da forma como mais é conhecida, nos possibilitaria já traçar um conceito inicial, com base na doutrina de Carvalho Filho (2005), sendo esta como uma modalidade de intervenção na propriedade pelo qual o Estado se utiliza transitoriamente de bens imóveis de patrimônio privado, como meio de apoio à execução de obras e serviços públicos.

Nesse mesmo sentido, preceitua Hely Lopes Meirelles (2001, p. 592): “Ocupação provisória ou temporária é a utilização transitória, remunerada ou gratuita, de bens particulares pelo Poder Público, para a execução de obras, serviços ou atividades públicas ou de interesse social (...)”. (grifo do autor).

Observa-se assim, que, por ora, fica clara a primeira característica marcante desse segundo instituto jurídico de intervenção na propriedade, o qual se faz presente na conceituação da doutrina majoritária, sem maiores controvérsias, sendo qualificada como: de utilidade auxiliar na execução de obras públicas, servindo como depósitos de materiais, alojamento para equipamentos e máquinas usadas no serviço público, hospedagem de barracas de operários, dentre outras.

Consoante isso, não é muito diferente o entendimento de Aldemio Ogliari (2008, p. 2), segundo o qual, tal instrumento, tem sua razão de existir na: “(...) utilização de bens particulares, de forma temporária, remunerada ou gratuita, para execução de obras ou serviços ou atividades de interesse público”. (grifo nosso).

Porém, o autor segue, no que diz respeito ao tema, trazendo algumas considerações que, até o presente momento ainda não havia conquistado espaço entre os já citados estudiosos. Trata-se da possibilidade da desapropriação vinculada ao processo desapropriatório que, como será visto mais à frente, é o ponto onde mais gera efeitos positivos em prol do proprietário.

Atentemo-nos, então:

 

A doutrina entendia que somente se aplicava para guarda de equipamentos e materiais para a realização de obras públicas, mas hoje já admite vários objetos para a ocupação temporária. É utilizada como ato complementar da desapropriação, ou seja, o poder público desapropria um certo imóvel e, para utilizá-lo ou produzir as obras para a sua utilização, necessita do terreno vizinho. Não produz perda da propriedade particular, e a indenização é posterior e somente se houver dano à propriedade ou prejuízo ao proprietário. O art. 5°, XXV da Constituição Federal prevê a ocupação temporária em caso de perigo público iminente, mediante indenização posterior, se houver dano.(ibidem, p. 2, grifo nosso).

 

O autor foi preciso na sua abordagem no que se refere à ocupação vinculada também ao processo de desapropriação, pois, tal fundamento está no artigo 36 do decreto-lei 3.365 de junho de 1941, que regula os casos de desapropriação por utilidade pública, dispondo da seguinte forma: “É permitida a ocupação temporária, que será indenizada, afinal, por ação própria, de terrenos não edificados, vizinhos às obras e necessários à sua realização”. (grifo nosso). Quanto à exigência do perigo público iminente, não perfilhamos deste entendimento em relação à Ocupação Temporária, porém, será discutido mais à frente, em momento oportuno.

Não obstante isso, como se vê, o decreto faz menção ao dever de indenização quando a ocupação vier vinculada ao processo desapropriatório, de modo que, em seu texto, dispõe de forma expressa, que a ocupação “será indenizada, afinal”. Se pensarmos que a intenção do legislador foi, justamente, qualificar a ocupação temporária, como sendo, em tais circunstâncias, surpreendentemente mais morosa que nos demais casos de alojamento para máquinas, equipamentos – ou, uso para fins de estabelecimento de zonas eleitorais públicas em circunstâncias de última hora, como ocorre nos casos de requisição durante eleições – fica fácil entendermos o tema sem maiores complicações.

Nesse sentido, se mantém Carvalho Filho (2005, p. 625 e 626), afirmando que existem duas modalidades de ocupação temporária, e, é isto que vai definir ou não os conseqüentes casos de indenização:

 

Uma delas é a ocupação temporária para obras públicas vinculadas ao processo de desapropriação, esta a prevista no citado art. 36 da lei expropriatória. A outra é a ocupação temporária para as demais obras e para os serviços públicos em geral, sem qualquer vínculo com o processo de desapropriação executado pelo Estado. (grifo nosso). [...] A questão da indenização, em nosso entender, dever levar em conta essas duas modalidades. A primeira delas implica o dever do Estado de indenizar o proprietário pelo uso do imóvel. O referido dispositivo da lei expropriatória estabelece que a ocupação “será indenizada, afinal”. (grifo do autor). Nota-se aqui que a utilização estatal se consuma por período de tempo mais extenso, gerando, em conseqüência, o dever indenizatório.Na ocupação desvinculada da desapropriação, a regra é a mesma que vale para a servidão administrativa, ou seja, em princípio não haverá indenização, mas esta será devida se o uso acarretar comprovado prejuízo ao proprietário. (grifo nosso).

 

Dessa forma, adotando a posição do referido autor, importante é ressaltar que, no primeiro caso haverá indenização independente de dano físico à coisa, pois, o processo de ocupação nesse caso, já é por si só excessivamente moroso, trazendo consigo prejuízos ao proprietário em decorrência dessa morosidade, e, conforme dispõe a lei expropriatória no seu artigo 36, haverá indenização a posteriori, não fazendo menção alguma quanto à necessidade de ocorrência de dano para que haja o ressarcimento. Por outro lado, isso não acontece, por exemplo, nos casos em que essa vinculação ao processo desapropriatório inexiste, pois, uma situação fática que torne exigível do particular ‘ceder o seu bem’ para fins de depositar ali alguns equipamentos por período referente à duração de uma reforma de interesse público (onde ele está incluído como parte da coletividade), a princípio, não traz um prejuízo ao proprietário, exceto, se em decorrência desse uso, ocorrer alguma deteriorização na coisa, ou, mesmo se os referidos materiais depositados ocuparem integralmente o bem impossibilitando a sua fruição pelo particular, ou, ainda que, de modo parcial, fique configurado a existência de diminuição no proveito que, normalmente, aquele sujeito extraia da coisa. Assim, imaginemos, por exemplo, um indivíduo que tinha um depósito do seu supermercado, cujo terreno possuía cerca de 100.000metros quadrados, nos últimos 10 (dez) anos, a Administração comprova que aquele indivíduo só usa cerca de 5mil metros para suas atividades, inclusive nos outros 95.000metros restantes, o matagal já estava a tomar conta, ficando claro que – estando ou não no uso da Administração Pública – aquele indivíduo não tirava proveito algum daquele espaço de terra (a não ser para a sua vaidade pessoal em ter tanto espaço improdutivo num só lugar), assim, não há que se falar, a priori, em indenização, haja vista que, nada mais está a fazer aquele indivíduo do que colaborar com a sua coletividade, não tendo sofrido qualquer ‘anormalidade de uso’ que em situações ordinárias, já não sujeitava o próprio bem.

Dando sequência, façamos uso da orientação doutrinária da ilustre profª Di Pietro (2006, p. 145), ainda que, “data máxima vênia”, não perfilhemos in totum com a referida posição, que adota prefacialmente o critério do iminente perigo público em relação aos casos de ocupação temporária. Não adentremos, por ora, nessa problemática, reservando este momento para o próximo parágrafo.

Não obstante isso, assim, pois, descreve a autora:

 

[...] é a forma de limitação do Estado à propriedade privada que se caracteriza pela utilização transitória, gratuita ou remunerada, de imóvel de propriedade particular, para fins de interesse público. [...] A Constituição federal prevê no seu artigo 5º, inciso XXV, a ocupação temporária da propriedade particular, em caso de perigo público iminente, mediante indenização ulterior se houver dano. É o caso, por exemplo, de ocupação de imóvel particular, por motivo de inundação, ameaça de desabamento de prédio em ruína ou perigo de propagação de moléstia contagiosa.

 

Com base no texto supracitado, e, por vez, fazendo um paralelo com os artigos da CF/88 em conexão com a posição jurídica defendida por alguns doutrinadores, parece confusa a explicação da autora, uma vez que, os casos de perigo público iminente, como a moléstia grave, por exemplo, nos remete às mesmas situações enquadráveis nas hipóteses de requisição administrativa, conforme defende Carvalho Filho (2006, p. 655) em passagens já citadas ao longo do presente trabalho. Num outro trecho da mesma obra, o autor discorre:

 

Há situações que, apesar da denominação de ocupação temporária, configuram hipótese de requisição, por estar presente o estado de perigo público. A Constituição fornece interessante exemplo ao admitir a ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos quando ocorrer a hipótese de calamidade pública, ressalvando, todavia, o dever da união de indenizar no caso de haver danos e custos decorrentes da utilização temporária”. (CARVALHO FILHO, 2006, p. 655). (grifo nosso).

 

Fazendo uso do posicionamento do autor, adotamos tal lição, como se mostrando a mais coerente, afinal, seria de nenhuma valia a existência de dois institutos de nomenclaturas distintas que, no entanto, não tivessem diferenciação alguma quanto a sua aplicabilidade aos casos concretos. Ora, o fato de a ocupação temporária poder ocorrer como instrumento auxiliar à execução de obras públicas, escavações, dentre outras situações, não dá uma utilidade real a esse instituto em detrimento da requisição administrativa, uma vez que na prática, até então, nenhum efeito distinto gera ao particular. Afinal, se fossem os dois utilizados em caráter urgente, indenização a posteriori condicionada à ocorrência de dano, e auto-executoriedade, como descrevem alguns autores, que utilidade teria ao particular a existência de dois instrumentos que, ao final das contas, consubstanciassem num mesmo efeito?

Portanto, não podem ser tais institutos entendidos demasiadamente de forma igualitária, pois, cada um tem a sua razão de ser e o motivo determinante de sua existência.

Ainda assim, a dificuldade no que tange a tais institutos não é nenhuma surpresa, nem mesmo dentre os ilustres autores, é o que se vê pela obra de Di Pietro: “A requisição, quando recai sobre imóvel, confunde-se com a ocupação temporária, consoante se vê pelos termos dos artigos 1º e 15, item 13, do Decreto-Lei nº. 4.812, de 8-10-42”. (2006, p.148, grifo nosso).

Vejamos, pois, o que diz o texto do citado dispositivo legal:

 

Art. 15. Estão sujeitos à requisição: 5 – o material, as máquinas, as ferramentas necessárias à construção, reparação e demolição de obras e vias de comunicação [...]; 8 – a ocupação dos hospitais com todo o seu pessoal, instalações, dependências, instrumentos e medicamentos; [...]. 13 – a ocupação temporária da propriedade. (Decreto-lei 4.812, p. 3 e 4, grifo nosso).

 

O que se nota, desde logo, ao ler as disposições acima, é uma preliminar confusão advinda dos próprios textos legais, que poderiam estabelecer uma conceituação clara e segura a respeito dos institutos interventivos, e, no entanto, permanecem confusos, causando estranheza quanto à correta denominação e o respectivo objeto tutelado. Não podemos chegar a outra conclusão senão aquela que aponta para inequívocas ‘impropriedades técnicas’ por parte do legislador da época que, certamente, fez confusão na hora de editar os textos legais, ocasionando essa miscelânea de equívocos conceituais, que prejudica em muito na prática.

Como bem salienta Carvalho Filho, em obra já citada, os institutos se confundem tanto que, até mesmo na vigente Constituição Pátria, temos caso de requisição administrativa sendo tratada como ocupação temporária, estando expresso no art. 136, II, desta lei. Não obstante isso, a interpretação desse dispositivo não deve ser levada à letra fria e expressa, pois, extraindo a real essência do instituto, conclui-se que, casos de calamidade pública clamam por urgência devido à situação de perigo iminente à sociedade, caracterizando de tal modo, uma situação de requisição administrativa, auto-executória, com indenização a posteriori caso ocorra dano, e sem necessidade de passar pela via judicial, devido à impossibilidade de espera.

Como bem diz o autor, diferentemente do ‘instituto da requisição’, a ‘ocupação temporária’ existe por motivos adversos aos daquela, devendo ser distinguida, a começar pelos fundamentos jurídicos. Ambos os instrumentos interventivos aqui tratados tem elementos normativos genéricos apoiados na função social da propriedade perante a coletividade, numa utilidade em prol das necessidades públicas – amparados pelos artigos 5º, XXIII, e 170, III, da CF/88, mesmo fundamento das demais formas interventivas – se atém, porém, como fundamento específico, ao art. 36 do Decreto-Lei nº. 3.365 de 1941 (Lei Expropriatória). Dando-lhe, assim, o real sentido de instituição prática.

Consoante isso, vejamos, pois, algumas diferenciações feitas pelo professor da UNIDF, especialista em Direito Tributário e Constitucional acerca da ocupação e da requisição administrativa sobre imóveis, Ricardo dos Santos:

 

Ocupação temporária [...] 1 - É transitória; 2 - Incide sobre bem imóvel; 3 - Se houver dano é indenizável; 4 - Art. 36. Decreto-lei 3365/41; 5 – Pode ocorrer para escavações ou pesquisas arqueológicas; [...]. 7 - Precedida de declaração de utilidade pública; [...] Requisição administrativa [...] a - Unilateral por parte da Administração Pública; b - Auto-executável; c - Iminente perigo público; d - Indenização ulterior se houver dano; e - Risco é imediato, urgente; f - Casos de incêndio, inundação; [...]. i - Art. 22, III, CF/88. (2008, p. 2, grifo nosso).

 

Bem notou, sabidamente, o citado professor, relativamente a outra importante característica que, por vezes, coexiste junto a ocupação temporária. Refere-se à precedência que deve se ater o ato instituidor do mencionado instrumento conexo a uma declaração de utilidade pública. O autor, ainda, coloca outra hipótese relevante: a hipótese de cabimento da ocupação para processos de escavações com fins históricos ou de arqueologia em jazidas localizadas em propriedade particular, garimpamento, etc., estando autorizada pelo artigo 14 da lei 3.924 de julho de 1961, que, dispõe sobre a matéria em específico.

Quanto à declaração que, em certos casos, deve preceder o ato instituidor da ocupação temporária, temos, no mesmo sentido do autor anterior, a doutrina de Cretella Júnior (2000, p. 576, grifo do autor), dispondo que “a utilização temporária, pelo poder público, de bem do domínio privado, deve ser precedida de ato declaratório de utilidade pública”.

De tal modo, observa-se outra relevante distinção entre os mencionados institutos: a forma de instituição destes. Nota-se, pois, como também descreve Carvalho Filho (2005), que, o ato de instituição nos casos de Requisição Administrativa não pode esperar pelo andamento dos trâmites burocráticos, pois, como pressupõe uma situação de caráter urgente, ou a iminência de se consubstanciar num resultado trágico, necessário é que haja celeridade e prontidão na sua execução. Por isso, é eivado do caráter da auto-executoriedade. Entretanto, do outro lado, está a Ocupação Temporária, que em determinados casos, principalmente quando vinculada ao processo de desapropriação, presume-se que haverá uma longa demora na duração do seu uso em decorrência de toda a parafernália procedimental que a esta se atrela.

 

Se se trata de ocupação vinculada à desapropriação, é de entender-se indispensável ato formal de instituição, seja por decreto específico do chefe do executivo, seja até mesmo no próprio decreto expropriatório. Há duas razões aqui, a primeira é que a ocupação se estenderá por período temporal um pouco maior do que na breve ocupação; e depois porque esta ocupação deverá ser indenizada, como já reclama o já citado art. 36 da lei expropriatória. (CARVALHO FILHO, 2005, p. 626).

 

Dessa forma, e por não ser uma situação que exija execução imediata, de que resulte risco ou perigo à sociedade, há de ser feito um processo para instituição desse ato, passando pelo clivo do judiciário, e uma melhor avaliação quanto aos requisitos para a sua declaração, e, por assim também dispor a lei expropriatória, a qual este se vincula ao estar ligado ao procedimento desapropriatório.

Por concluir a questão da auto-executoriedade, entenda-se que, apesar de na requisição não haver necessidade de declaração do ato requisitório, valendo-se este do seu caráter executório, por outro lado, são situações que se extinguem mais rapidamente tão só termine o motivo de caráter emergencial; No entanto, na ‘ocupação’, por se tratar de apoio a obras ou auxilio a atividades expropriatórias, essas tem um fim, quase sempre, programado a logo prazo. Leve em conta, por exemplo, o auxílio expropriatório de um terreno que se localize ao lado de outras propriedades a serem desapropriadas, próximo a uma extensa rodovia que irá sofrer duplicação das vias. Esse procedimento pode levar anos para se concretizar. Por isso, o particular, sofre de forma mais dura essa intervenção.

Como se observa, o núcleo central dos institutos continua presente em ambos os casos, e segundo o entendimento do autor, no tocante à questão indenizatória, deve-se levar em conta justamente essas duas modalidades da ocupação, pois, num primeiro caso o dever de indenizar se faz presente com fulcro na lei 3.365, e, noutro, fica pendente com relação à questão de haver ou não um dano. Não restando dúvida, portanto, relativamente ao ressarcimento do uso, no que tange à requisição administrativa e o instituto anteriormente mencionado.

Outro ponto crucial é no que se refere à exigência do critério de perigo público iminente para instituição do instrumento. Pois, Como já fora abordado, há situações de requisição administrativa, que muitas vezes são confundíveis com a ocupação temporária, justamente pela equivocada observação desse requisito. Deve-se atentar para o fato de que a simples existência de uma situação de perigo público iminente, leva à imposição da requisição administrativa, que por sua vez, não precisa de ato declarativo para se instituir, sendo auto-executório; Por outro lado, a ausência da situação emergencial, retira totalmente a possibilidade de que a intervenção seja feita na forma de requisição, mudando assim, todos os conseqüentes efeitos, passando, de tal modo, à possibilidade de indenização obrigatória e de ato instituidor fiscalizado pelo judiciário.

Haja vista a possibilidade de erro administrativo quanto à não-adequada aplicação dos institutos jurídicos, ora estudados, cria-se uma situação preocupante, pois, como mostra Carvalho Filho (2006), há casos de ocupação temporária em que a indenização se faz obrigatória, por outro lado, tem-se os casos de requisição administrativa onde a indenização é condicionada, e, é diante disto, que se torna necessário redobrar a atenção para que, dessa forma, não ocorra equívocos ao interprete do direito, pois, se assim não for bem definido, observe que, o particular pode estar perdendo o seu direito ao ressarcimento, pelo fato da interferência estar sendo feita na forma inadequada daquela que deveria ter sido, ou vice-versa, como é muito comum em casos de inundações, calamidade pública, ou demais situações em que se faz presente o perigo público iminente, mas, insabidamente, a intervenção acaba por ser feita na forma de ocupação temporária, mudando, relevantemente, os corretos reflexos advindos de cada instituto sobre a intervenção.

É de cabal importância um entendimento uniformizado e distante de obscuridades no que tange ao tema, afastando, por fim, definições conflitantes da doutrina e da própria legislação, que acabam por ser usadas como meio de encobertar interesses estatais que somente sejam proveitosos a si, e, desproporcionalmente prejudiciais ao particular, sujeito mais fraco nessa relação. Que, a essa altura, sequer tem um instrumento sólido e livre de lacunas, que propicie segurança jurídica aos seus interesses.

 

Conclusão

 

Como visto ao longo do presente trabalho, o poder Estatal de adentrar na propriedade privada advém do próprio povo, refletindo dessa forma um ato legítimo, justo, de caráter democrático, que antes visa propiciar um equilíbrio de interesses entre o particular e o coletivo, em face do direito individual do primeiro. Obviamente, este último sempre prevalecerá em detrimento daquele. Decorrência essa, dos princípios também já vistos ao longo da apresentação, que colocam o interesse público num patamar de superioridade em relação ao interesse individual, uma conseqüente conexão do princípio da supremacia do interesse público e da função social que deve ter a propriedade.

Princípios esses que evoluíram no decorrer dos séculos, desde épocas mais distantes onde tal direito se consubstanciava numa garantia plena e intocável até os dias atuais, adquirindo caráter relativo ao ser vinculado a uma função social, decorrência das necessidades de se viver em sociedade.

Ademais, foi abordado ainda como a atuação do Estado pode gerar prejuízos ao proprietário de imóvel objeto de intervenção pública, caso os procedimentos adotados pela máquina estatal não sejam os mais adequados. O que foi possível através de minuciosa abordagem de dois dos institutos interventivos usados pela administração: a ‘ocupação temporária’ e a ‘requisição sobre imóveis’, que em muito se confundem, pois, ora incidem sobre o mesmo objeto, causando controvérsias doutrinárias quanto aos casos concretos a que estas se ajustam, e alterando, de tal modo, as conseqüentes formas de responsabilização pelo uso estatal, que ora ocasionam danos ao proprietário.

Por fim, foi confirmada a tese inicial, de que a confusa aplicabilidade dessas medidas pode causar grandes transtornos ao particular, principalmente no que tange à questão de instituição do ato declaratório da intervenção, e, de igual modo, nas possibilidades ressarcitórias advindas de cada caso. Veja que, na requisição, como foi abordado, não há necessidade de processo ou autorização judicial para que ocorra a declaração da mesma, sendo devida indenização somente em casos de ocorrência de danos, portanto, sendo obrigado, ao proprietário, suportar desde logo a intervenção, sem poder, preliminarmente, contestar a autorização para a ocorrência desta. Pois, por tratar-se de situações que exijam uma providência imediata devido à urgência e risco, é inconcebível a espera, a qual poderia resultar na ineficácia da medida, cabendo assim, ao proprietário, somente o questionamento quanto aos requisitos legais exigidos para a instituição do ato, no caso, as próprias situações urgentes e de perigo público iminente como, por exemplo, inundações, calamidade pública, epidemias, etc.

De outro lado, foi discutido os casos de ocupação temporária, que por sua vez, é utilizada como meio de apoio a obras públicas, construções, reformas, alojamento para maquinário estatal, e, dentre outras, a possibilidade de instituição para atuar no auxílio do processo desapropriatório, sendo que, neste caso, nem sempre é ato auto-executório, pois, como estudado, em tais circunstâncias, por geralmente se tratarem de situações fáticas de maior morosidade na execução das obras, ainda que não haja dano físico à coisa, o prejuízo se consubstancia pela demora temporal que é privado o particular no uso, gozo e fruição do seu bem. Além de que, tal respaldo legal vem expresso no próprio texto do dispositivo 36 da lei 3.365 de 1941, quando diz que a indenização ocorrerá “ao final” da obra, sem fazer menção alguma quanto à existência de algum dano para configuração do dever de ressarcir. E, adversamente do que apóiam alguns juristas, não faz sentido a configuração da ocupação em casos de eminente risco ou perigo público, pois, se assim fosse, estaria a ocupação temporária, perdendo sua razão jurídica de existir, afinal, nada mais seria do que um revestimento quanto aos atributos pertencentes à requisição administrativa, passando os dois institutos a configurarem tão só, o mesmo instrumento, sendo inútil, portanto, a distinção entre ambos, já que teriam nomenclaturas distintas, porém, mesmos objetivos e hipóteses de cabimento. Em suma: dois institutos jurídicos para as mesmas situações, e sem qualquer utilidade prática para a sociedade em geral, no que poderíamos até chamar de mera vaidade doutrinária, já que não teria outro escopo que fosse lúcido e útil.

  

Referências

 

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Comentários e Opiniões

1) Aracy (05/04/2015 às 03:27:33) IP: 179.211.21.188
Agradeço profundamente por seu trabalho.
A mensagem está clara.
Excelente texto!
Havia lido vários outros artigos e ainda não tinha entendido a diferença entre os institutos. Agora, está tudo nítido.
Espero novas criações.
Saravá!
2) Maykell (04/06/2016 às 21:39:22) IP: 179.192.127.149
Jesus te abençoe, querida Aracy! E te encha de Sabedoria! Continue acompanhando as nossas publicações. Em breve postarei mais!


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