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 Sala dos Doutrinadores - Monografias
Autoria:

Mauro César De Souza
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia, Bacharel em Ciências Militares pela Academia da Polícia Militar de Minas Gerais e pós-graduado em Direito Militar pela Universidade Anhanguera - UNIDERP.

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Monografias Direito Penal

USO DE ALGEMAS: REGRA OU EXCEÇÃO

Em razão da mora legislativa em regulamentar o Art. 199 da Lei nº 7.210/84 busca-se neste trabalho desvendar as normas e princípios que, subsidiariamente, devem ser observados na utilização das algemas por parte dos encarregados de aplicação da lei.

Texto enviado ao JurisWay em 31/07/2011.

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ABSTRACT

 

In Brazil the use of handcuffs, according to law, should be regulated by a federal decree, however, the absence of federal regulation over the affair has caused inconsistencies in the performance of responsible law enforcement in the use of handcuffs. In this sense, seeking unveil the rules and principles that must be met alternatively in the use of handcuffs by the responsible law enforcement manufactures up this work. The survey was conducted by means of lifting bibliographic and documentary, analysis and interpretation of data obtained in the search field in order to unravel the limits of performance of the state in the use of handcuffs, with a view to standardizing the use of this resource use of force throughout the national territory. Demonstrate the general principles of law, the existing laws that refer the issue as well as international rules on Human Rights, which in the performance of the officials responsible to comply with the law, must be observed, even before the legislative delay and thus the absence of institute legal specifically regulating this issue, a set of principles and standards rules to protect the citizen against possible abuses potentially infringing committed by the State. The current controversy about the media exposure of prisoners wearing handcuffs, the recent decisions of the courts, the recent summary binding entered by the Supreme Federal Court (guardian of the Constitution), the standards and principles Constitutional and not constitutional about it, are the object of study in this work. Finally, there is what is relevant and necessary to regulate the use of handcuffs, however, as the Legislative Power does not edit the relevant standard on the theme, it is understood that the lack of standardization that does not interfere with the activity of responsible for implementing the law, because, as explained the repeated decisions of the Supreme Federal Court, the law enforcement may be worth of common sense in situations where it takes use them, and justify their conduct in the various rules and principles that form the Brazilian legal and binding, and limit the conduct of public servant.

 

Keywords: Use of handcuffs, regulation and legal and regulatory principles governing their use.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

Desde época remota o Estado busca regular a atuação do agente encarregado de aplicação da lei com o escopo de limitar o seu poder face à necessidade de respeito à dignidade da pessoa humana e, conseqüentemente, a proteção dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, colocando-o a salvo de toda e qualquer forma de discriminação e abuso de poder.

 

Neste sentido, toda ação do ente estatal deve ter como fundamento este paradigma limitativo da ação do Poder Público, erigido a um dos elementos indispensáveis de performance do Estado brasileiro.

 

O mestre CANOTILHO[i] ao discorrer sobre o princípio da dignidade assim aduz:

 

[...] perante as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República.

 

Ainda, o doutrinador RIZZATO NUNES[ii] sobre o tema assevera que:

 

A República Federativa do Brasil que constitui um Estado Democrático de Direito estabelece topograficamente em sua Constituição, através de seu artigo 1º, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do sistema constitucional, servindo de resguardo para os direitos individuais e coletivos, além de revelar-se um princípio maior para a interpretação dos demais direitos e garantias conferidos aos cidadãos.

 

Nota-se que o princípio da dignidade da pessoa humana é preceito basilar, fundamental, que deve imperar na conduta do agente público ao lidar com aqueles que são os destinatários finais de sua atividade laborativa, não podendo ser violado sob qualquer hipótese.

 

Ocorre que, em razão do uso de algemas no Brasil não possuir regulação específica, visto que o art. 199 da Lei de Execuções Penais (Lei nº. 7.210 / 1984) apenas assegura que o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal e tal dispositivo jurídico-normativo ainda não foi exarado, o emprego desnecessário e excessivo das algemas, além de afrontar o princípio basilar da dignidade da pessoa humana, em tese, pode configurar crime de abuso de autoridade ou de tortura, contrariando a vedação do tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III, CF/88); o respeito à integridade física e moral do preso (art. 5º, XLIX, CF/88); o direito à honra e à imagem (art. 5º, X, CF/88) e a presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88) protegidos constitucionalmente, corroborando a fundamental importância do presente estudo.

 

 

 

 

1 OBJETIVOS

 

 

O presente trabalho será realizado e direcionado pelos objetivos abaixo elencados.

 

 

1.1 Objetivo geral

 

O presente trabalho técnico-científico tem o fito de desvendar os princípios e normas jurídicas que devem ser observados pelos encarregados de aplicação da lei no emprego de algemas em um cidadão que, em tese, cometeu um crime, para esclarecer se o uso de algemas no Brasil deve ser considerado um procedimento rotineiro na prisão e condução de agentes infratores ou trata-se de exceção.

 

 

1.2 Objetivos específicos

Em razão da inexistência de norma legislativa que regule o uso de algemas a presos não sujeitos à jurisdição militar, buscar-se-á no presente trabalho:

a) desvendar os princípios e normas jurídico-positivas que devem ser criteriosamente observados no uso de algemas;

b) analisar os tratados internacionais em que o Brasil seja signatário e sua aplicação e regulação no que se refere ao uso de algemas;

c) explicitar o entendimento majoritário dos Tribunais brasileiros no que se refere ao uso de algemas;

d) concluir tecnicamente, com fulcro nas normas jurídico-positivas vigente no país, bem como no entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência, se o uso indiscriminado de algemas configura crime de abuso de autoridade nos termos da Lei Nº. 4.898 de 09 de dezembro de 1965;

e) definir o uso de algemas enquanto procedimento padrão ou medida de exceção no momento da prisão de agentes infratores.

 

 

 

2 JUSTIFICATIVA

 

A atuação dos encarregados de aplicação da lei deve ser pautada na observância estrita dos princípios que regem a administração pública positivados taxativamente no Art. 37 da Constituição Federal que preconiza in verbis Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...] (grifo nosso).

 

Pois bem, como se pode notar, a legalidade mostra-se um dos princípios fundamentais que deve orientar a conduta do encarregado de aplicação da lei quando este age investido da autoridade que a lei lhe confere. Neste sentido, em se tratando do agente encarregado de aplicação da lei, quando realizar a prisão de um suposto cidadão infrator, deverá observar criteriosamente os ditames legais para evitar o cometimento de arbitrariedades e, conseqüentemente, abuso de poder.

 

O renomado doutrinador pátrio CARVALHO FILHO[iii], ao discorrer sobre o princípio da legalidade, esclarece:

 

O princípio da legalidade é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita.

Tal postulado, consagrado após séculos de evolução política, tem por origem mais próxima a criação do Estado de Direito, ou seja, do Estado que deve respeitar as próprias leis que edita.

O princípio implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas. Na clássica e feliz comparação de HELLY LOPES DE MEIRELLES, enquanto os indivíduos no campo privado podem fazer tudo o que a lei não veda, o administrador público só pode atuar onde a lei autoriza.

É extremamente importante o efeito do princípio da legalidade no que diz respeito aos direitos dos indivíduos. Na verdade, o princípio se reflete na conseqüência de que a própria garantia desses direitos depende de sua existência, autorizando-se então os indivíduos à verificação do confronto entre a atividade administrativa e a lei. Uma conclusão é inarredável: havendo dissonância entre a conduta e a lei, deverá aquele ser corrigida para eliminar-se a ilicitude.

Não custa lembrar, por último, que, na teoria do Estado moderno, há duas funções estatais básicas: a de criar a lei (legislação) e a de executar a lei (administração e jurisdição). Esta última pressupõe o exercício da primeira, de modo que só se pode conceber a atividade administrativa diante dos parâmetros já instituídos pela atividade legisferante. Por isso é que administrar é função subjacente à de legislar. O princípio da legalidade denota exatamente essa relação: só é legítima a atividade do administrador público se estiver condizente com o disposto em lei.

 

Neste sentido, tem-se ainda a lição de MELLO[iv] que ao discorrer sobre o tema assevera:

 

O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina. Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde, administrar é prover aos interesses públicos, assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições. Segue-se que a atividade administrativa consiste na produção de decisões e comportamentos que, na formação escalonada do Direito, agregam níveis maiores de concreção ao que já se contem abstratamente nas leis.

 

Ocorre que em se tratando do fato da necessidade de uso de algema no, em tese, agente infrator, encontra-se no ordenamento jurídico pátrio, precisamente no Art. 199 da Lei Nº. 7.210 de 11 de julho de 1984 (Lei de Execuções Penais), a seguinte norma: Art. 199. O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal. Entretanto, apesar do supracitado dispositivo legal contar com cerca de vinte e três anos de vigência, até a presente data o Poder Legislativo brasileiro não exarou nenhum decreto legislativo regulamentando o assunto.

 

Em razão de tal mora legislativa, surge um grande problema social: Qual é o limite de atuação dos encarregados de aplicação da lei no que se refere ao uso de algemas no momento da prisão de um cidadão brasileiro?

 

Importante ressaltar que, conforme sustenta a doutrina clássica, o basilar princípio da legalidade, previsto no inciso II, art. 5º, da Constituição Federal, aplica-se normalmente à Administração Pública, entretanto, de forma rigorosa e especial, em razão do administrador público poder, nos termos da lei, fazer somente o que estiver expressamente autorizado nas diversas espécies normativas, não havendo, portanto, a incidência de vontade subjetiva, porquanto na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza, diferentemente da esfera particular, onde é permitida a realização de tudo que a lei não proíba. Esse princípio concilia-se com a própria função administrativa - de executor do direito - que atua sem finalidade própria, mas sim em respeito à finalidade imposta pela lei e com o fim especial de promover o objetivo último do Estado: o bem-estar social.

 

Importante ressaltar que a Constituição compreende o fundamento de validade de todas as demais normas pertencentes à ordem normativa por ela criada, daí não se podendo falar em observância do princípio da legalidade se a administração pública não participa do processo de interpretação do ordenamento jurídico, tomando como base o texto constitucional. Neste aspecto, o renomado jurista KELSEN[v] em sua obra Teoria Pura do Direito leciona:

 

Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental forma um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum de validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O facto de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem. É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa.

 

No contexto enquadra-se o princípio da supremacia da Constituição, que, segundo CANOTILHO[vi], revela-se por meio de dois princípios - o princípio da tipicidade constitucional de competência e o princípio da constitucionalidade das restrições a direitos, liberdades e garantias, assim explicitados:

 

O princípio fundamental do Estado de Direito Democrático não é o de que a Constituição não proíbe é permitido (transferência livre ou encapuçada do princípio da liberdade individual para o direito constitucional), mas sim o de que os órgãos do Estado só têm competência para fazer aquilo que a Constituição lhes permite [...]. No âmbito dos direitos, liberdades e garantias, a reserva de constituição significa deverem as restrições destes direitos ser feitas directamente pela Constituição ou através de lei, mediante autorização constitucional expressa e nos casos previstos pela Constituição.

 

Também da clássica lição de DEL VECCHIO[vii] extrai-se:

 

Para Rousseau o contrato social deve conceber-se do seguinte modo: é necessário que os indivíduos por um instante confiram ao Estado os seus direitos, o qual, depois, os devolverá a todos mas com o nome substituído (não serão já direitos naturais mas direitos civis). Desta sorte, uma vez que o acto de devolução é realizado por todos, nenhum ficará privilegiado ou prejudicado. A igualdade ficará assegurada. Simultaneamente, cada qual conservará a sua liberdade, porque o indivíduo torna-se súdito apenas em relação ao estado, síntese das liberdades individuais, graças a esta espécie de novação ou de transformação dos direitos naturais em civis, os cidadãos vêem assegurados pelo Estado aqueles direitos que já possuíam por natureza.

 

Sob tal espectro poder-se-ia ter um Estado que, legitimamente, expressasse as razões da vontade geral dos seus súditos, prosseguindo DEL VECCHIO[viii] aclara:

 

A lei para Rousseau, não passa da expressão da vontade geral -, por conseguinte, não é ato de comando arbitrário. Nenhuma ordem possui legitimidade se não se basear na lei - isto é, na vontade geral. Nesta vontade geral consiste a verdadeira soberania que não pertence a um indivíduo, ou a uma corporação particular, mas sempre, e necessariamente, ao povo, enquanto este constitui um Estado.

 

Apoiado em tais fundamentos teóricos e filosóficos não há como conceber que uma conduta administrativa de caráter relevante como a utilização das algemas não disponha de uma regulamentação jurídica, mormente por se confrontar com os direitos e garantias fundamentais, em outras palavras, com o princípio da legalidade que se traduz em garantia fundamental do cidadão contra o abuso do poder.

 

Eis, então, o verdadeiro propósito da presente pesquisa, qual seja, revelar o limite de atuação das autoridades no momento da prisão de um, em tese, agente infrator em razão dos valores consagrados desde a promulgação da Carta Magna brasileira em 1988, dentre os quais se destaca o princípio da dignidade da pessoa humana e presunção de inocência.

 

 

 

3 OBJETO DE ESTUDO

 

 

3.1 Assunto

 

O emprego de algema à luz do ordenamento jurídico brasileiro.

 

3.2 Tema

 

Uso de algemas: regra ou exceção?

 

 

3.3 Problema

 

O uso de algemas é tema bastante vasto e controvertido gerando discussões em todos os segmentos sociais desde aqueles responsáveis pela aplicação da lei em sentido abstrato (por exemplo, os órgãos policiais) até mesmo nos órgãos encarregados da aplicação da lei ao caso concreto (o Poder Judiciário).

 

Neste sentido, com vistas a direcionar o trabalho na presente pesquisa, buscar-se-á desvendar através da análise de diversos institutos jurídico-positivos como legislação constitucional, tratados internacionais, legislação infraconstitucional, decisões dos tribunais, regulações interna corporis exaradas pelos próprios órgãos executivos estaduais, etc. os princípios e normas que, aplicados de forma supletiva, regulam o uso de algemas no país.

 

Destaca-se que o verdadeiro intuito da presente pesquisa é desvendar se o agente encarregado de aplicação da lei encontra fundamento no ordenamento jurídico pátrio, mesmo diante da mora legislativa, para utilizar indiscriminadamente as algemas quando da prisão de agentes infratores ou se, ao contrário, o uso de algemas exige do agente público a observância estrita dos preceitos principiológicos e normativos, sendo, na realidade, uma exceção à regra geral.

 

Face ao exposto, adotou-se como forma de direcionar os trabalhos na presente pesquisa o seguinte tema: Uso de algemas: regra ou exceção?.

 

 

3.4 Hipóteses

 

a) no Brasil, apesar de não haver lei específica que regule o uso de algemas, os princípios constitucionais e de Direitos Humanos inserem no sistema jurídico-normativo restrições ao uso de algemas, tratando-se tal conduta de medida excepcional;

 

b) o uso indiscriminado de algemas por parte dos encarregados de aplicação da lei acarreta em flagrante violação de direitos fundamentais e, conseqüentemente, em abuso de autoridade nos termos da Lei Nº. 4.898 de 09 de dezembro de 1965;

 

c) Não há um consenso entre os encarregados de aplicação da lei acerca dos pressupostos fáticos que autorizam o emprego de algemas;

 

 

 

4 HISTÓRICO DO EMPREGO DE ALGEMAS

 

 

Consultando-se o Dicionário Aurélio[ix] encontra-se o seguinte significado para o vocábulo algema:

 

Algema [Do ár. al-liAma(t).] Substantivo feminino.

1.Cada uma de um par de argolas de metal, com fechaduras, e ligadas entre si, us. para prender alguém pelo pulso. [Sin.: (gír.) bracelete, e (bras., gír.) pulseira.]

2.Cadeia, grilheta.

3.Fig. Coação, coerção, opressão. [M. us. no pl.] [Var.: aljama].

 

Também SILVA[x] historicamente desvenda o conceito deste recurso de força comumente empregado na contenção de cidadãos no momento da prisão, transporte ou apresentação na justiça e unidades de saúde:

 

A palavra algema origina-se de ‘al-jamad’, que, em árabe, significa pulseira. Referido vocábulo passou a integrar o léxico da língua portuguesa devido à influência da cultura árabe-sacarrecena na Península Ibérica. Nas ordenações do Reino de Portugal, a expressão era utilizada no sentido de instrumento para tolher os dedos polegares ou pulsos, de modo a restringir os movimentos dos braços.

 

Destaca-se que desde época remota, o ordenamento jurídico brasileiro, com o fito de cumprir os preceitos basilares afetos aos direitos e garantias fundamentais assegurados pelos Direitos Humanos, busca regular a atuação do agente encarregado de aplicação da lei, sobretudo, limitando o seu poder de atuação. Tal proteção atinge o seu ápice com a promulgação da Constituição Cidadã que erigiu à condição de cláusulas pétreas os direitos e garantias fundamentais, dentre os quais se enfatiza a dignidade da pessoa humana.

 

Neste sentido, antes mesmo de se fazer qualquer consideração técnico-jurídica a respeito do uso de algemas, é imperiosa a necessidade de compreensão dos aspectos históricos que envolvem a sua regulação.

 

Preliminarmente, compulsando-se as referências históricas acerca do emprego de algemas, encontra-se Sec. XVII, nas Ordenações Filipinas (Código Filipino), precisamente no Título CXX, a sua regulação mais remota. Destaca-se que aquele dispositivo normativo ao versar sobre Em que maneira os Fidalgos e Cavaleiros e semelhantes pessoas devem ser presos assim regulava:

 

 

[...] que os Fidalgos de Solar, ou assentados em nossos Livros, e os nossos Desembargadores, e os Doutores em Leis, ou em Canones, ou em Medicina, feitos em Studo universal per exame, e os Cavaleiros Fidalgos, ou confirmados per Nós, e os Cavalleiros das Ordens Militares de Christo, Santiago e Aviz, e os Scrivães de nossa Fazenda e Camera, e mulheres dos sobreditos em quanto com elles forem casadas, ou stiverem viuvas honestas, não sejão presos em ferros, senão por feitos, em que mereção morrer morte natural, ou civil [...][xi].

 

Importante ressaltar que, também em Portugal, no ano de 1693, têm-se a regulação ao uso de algemas. Neste sentido, esclarece PITOMBO[xii]:

 

Em 71 anos, antecedendo o famoso escrito de Beccaria, começou-se a abolir, em Portugal, mercê de decreto, a aplicação indiscriminada de algemas: ‘Por ser informado que nas cadeias do Limoeiro desta cidade se põem ferros a algumas pessoas, que a elas vão sem justa causa e as metem em prisões mais apertadas, do que pedem as culpas, porque foram presas; e que ainda com algumas se passa ao excesso de serem maltratadas e castigadas; Hei por bem, que os escravos, que foram às cadeias por ordem de algum dos julgadores; e por casos leves, ou só por requerimento de seus senhores, não sejam molestados com ferros, nem metidos em prisões mais apertadas, que aquelas que bastarem para a segurança; porque só naqueles casos de crimes graves, que pedirem segurança pela qualidade da culpa, ou da prisão, ou em casos cometidos nas mesmas cadeias a que os ferros servem de pena, se poderá usar deles contra tais escravos; ou outras quaisquer pessoas livres; e se lhes não poderá dar outro algum castigo mais, do que aquele, que pelas Leis for permitido, por não ser justo que esteja no arbítrio de um Julgador mandar prender alguma por respeitos particulares e que na prisão seja vexada com ferros com o rigor da prisão, ou outro algum gênero de castigo. Ao Regedor da Justiça hei por muito recomendada a observância deste Decreto; e contra os carcereiros, que o contrário permitirem, ou fizerem, se mandará proceder com a demonstração de castigo, que for justo. Lisboa, a 30.09.1963.

 

Referindo-se à primeira norma vigente no Brasil que regulava o uso de algemas, encontramos um decreto promulgado em 23.05.1821, por Dom Pedro, que segundo PITOMBO[xiii], regulava:

 

[...] violando o Sagrado Depósito da Jurisdição, que se lhes confiou, manam prender por mero arbítrio, e antes da culpa formada, pretextando denuncias em segredo, suspeitas veementes e outros motivo horrorosos à humanidade, para impunemente conservar em masmorras, vergados com o peso de ferros, homens que se congregaram convidados pelos bens, que lhes oferecera a Instituição das Sociedades Civis, o primeiro dos quais é, sem dúvida, a segurança individual [...] em caso nenhum possa alguém ser lançado em segredo, ou masmorra estreita, escura ou infecta, pois que a prisão deve só servir para guardar pessoas e nunca para as adoecer e flagelar; ficando implicitamente abolido para sempre o uso de correntes, algemas, grilhões e outros quaisquer ferros, inventados para martirizar homens, ainda não julgados, a sofrer qualquer pena aflitiva, por sentença final; entendendo-se, todavia, que os juízes e magistrados criminais poderão conservar por algum tempo, em casos gravíssimos incomunicáveis os delinqüentes, contanto que seja em casas arejadas e cômodas e nunca manietados, ou sofrendo qualquer espécie de tormento [...] (grifo nosso).

 

É ainda no período imperial que o legislador pátrio se aventurou em positivar a referência normativa genuinamente brasileira, a regular o uso de algemas, precisamente com a promulgação do Código Criminal do Império do Brasil em 16 de dezembro de 1830. Neste sentido, o citado dispositivo jurídico-penal estabelecia a pena de galés que acarretava na utilização, por parte dos réus escravos, de calceta no pé e corrente de ferro, juntos ou separados, excluindo-se apenas as mulheres, menores de 21 anos e maiores de 60 anos.

 

Ao discorrer sobre o Código Criminal do Império, PRADO[xiv] elucida:

 

No que tange à pena, fixava a regra geral de sua aplicação – ‘nenhum crime será punido com penas que não estejam estabelecidas nas Leis, nem com mais ou menos daquellas que estiverem decretadas para punir o crime no gráo maximo, médio ou mínimo, salvo o caso em que aos Juízes se permitir o arbítrio (art. 33), cominando, entre outras, as seguintes penas: penas de morte (art. 38); galés (art. 45); prisão com trabalho (art. 46); prisão simples (art. 47); banimento (art. 50); degredo (art. 51); desterro (art. 52); multa (art. 55); suspensão de emprego (art. 58); perda de emprego (art. 59); açoites (art. 60). Dispunha também sobre a imprescritibilidade das penas (art. 65); o perdão, concedido pelo imperador (art. 66), e o perdão do ofendido (art. 67) (grifo nosso).

 

Com o advento do Decreto Imperial Nº. 4.824, foi promulgada no ano de 1871 a lei sobre delitos culposos, que acarretou na vedação expressa de uso de algemas nos presos. Neste sentido, afirma MIRABETE[xv]:

 

 [...] No Brasil, o artigo 28 do Decreto n° 4.824, de 22-11-1871, que regulamentou a Lei n° 2.033, de 20-9-1871, impunha sanção ao funcionário que conduzisse o preso ‘com ferros, algemas ou cordas’, salvo o caso extremo de segurança, justificado pelo condutor [...].

 

Posteriormente, as tentativas de consolidação das leis processuais penais mantiveram a idéia de se tolerar o uso da força no instante da prisão quando o réu não obedecesse à ordem ou tentasse fugir e de validar o emprego das algemas em circunstâncias extremas e devidamente justificadas pelo condutor.

 

Já a Constituição da República de 1891 concedeu competência para as unidades federativas legislarem em matéria processual penal e civil (art. 34, item 23 c/c art. 65, item 2), mantendo-se quanto à prisão a maioria das leis federais e estaduais, o mandamento esculpido no art. 28 do Decreto nº. 4.824 de 1871. Destarte, PINHO[xvi] ao tratar dos aspectos históricos que envolveram a promulgação da segunda Constituição Brasileira e a primeira republicana, assim afirma:

 

Diversos fatores históricos levaram à alteração dos fatores reais de poder. A Monarquia não contava mais com sua tradicional base de apoio, os fazendeiros de café do Vale do Paraíba, em razão da abolição da escravatura no ano anterior. Havia insatisfação de alguns setores políticos com o fato de a Princesa Isabel, herdeira do trono, ser casada com um estrangeiro, o Conde D’Eu. Com o fim da Guerra do Paraguai, o Exército mobilizado passou a ser uma força política considerável, não mais aceitando a simples subordinação ao poder do Imperador. Além disso, existia uma séria aspiração federalista das províncias. A República, no Brasil, resulta de um golpe militar deferido em 15 de novembro de 1889, com o banimento da família real do território nacional. Como escreveu Aristides Lobo, um dos poucos civis envolvidos na revolta: ‘O povo assistiu tudo aquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada’. Com a proclamação da nova forma de governo, impunha-se a elaboração de uma nova Constituição. Foi convocada uma Assembléia Nacional Constituinte, que elaborou a 1ª Constituição republicana, a qual foi bastante influenciada pelo modelo constitucional norte-americano, o que se evidencia pela própria denominação adotada: ‘Estados Unidos do Brasil’.

 

Com a efetiva promulgação da Carta de 1934, precisamente em seu art. 5º, XIX, a, estabeleceu-se a competência privativa da União para legislar sobre matéria processual normatizando-se, no art. 11 das disposições transitórias, que fossem elaborados os projetos de Códigos de Processo Penal e Civil. Neste sentido, exarou-se o projeto do Código de Processo Penal de 1935 que também previa, no art. 32, o emprego de algemas nos casos de resistência ou tentativa de fuga, mas, em razão do golpe de Estado de 1937 e da promulgação da nova Constituição, o projeto não se tornou uma realidade social.

 

SILVA[xvii], ao dissertar a respeito dos aspectos jurídico-normativos relacionados à Constituição Federal de 1934 explica:

 

A nova Constituição não era tão bem estruturada como a primeira. Trouxera conteúdo novo. Mantivera a anterior, porém, os princípios mais fundamentais: a república, a federação, a divisão de poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e hamornicos entre si), o presidencialismo, o regime representativo. [...] A lado da clássica declaração de direitos e garantias individuais, inscreveu um título sobre a ordem econômica e social e outro sobre a família, a educação e a cultura, com normas quase todas programáticas, sob a influência da Constituição alemã de Weimar. Regulou os problemas da segurança nacional e estatuiu princípios sobre o funcionalismo público (arts. 159 e 172). Fora, enfim, um documento compromissado entre o liberalismo e o intervencionismo (grifo nosso).

 

Também o Decreto-Lei Nº. 3.689 de 03 de outubro de 1941, que instituiu o Código de Processo Penal brasileiro, ainda vigente nos dias atuais, apesar de não regular concretamente o uso de algemas, ao se referir ao emprego da força, normatiza in totum:

Art. 284. Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.

[...]

Art. 292 Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas [...].

 

Através de análise superficial no citado dispositivo jurídico-normativo, evidencia-se que o uso moderado da força, aí incluído o uso de algemas, é permitido, mas no estrito limite estabelecido pelo ordenamento jurídico pátrio.

 

Modernamente, a Lei Nº. 7.210 de 11 de julho de 1984 (Lei de Execuções Penais), em seu art. 199 assim preconiza: Art. 199 - o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal. Contudo, apesar da previsão taxativa, mesmo após cerca de vinte e quatro anos após a sua entrada em vigor, o legislador pátrio não regulamentou tal dispositivo.

 

Finalmente, destaca-se que, em razão da mora legislativa, o problema do uso de algema se arrasta, cumprindo-se aos operadores do direito, através da utilização da hermenêutica, encontrar uma solução adequada a sua correta utilização, em consonância com os princípios basilares assegurados pelo ordenamento jurídico pátrio.

 

 

 

5 O USO DE ALGEMAS E AS NORMAS CONSTITUCIONAIS E INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

 

 

Inaugurando este capítulo, atenta-se para o fato de que a promoção dos Direitos Humanos e princípios constitucionais deve ser objeto de constantes ações não só do Estado, mas, sobretudo, da sociedade organizada através de atuação que seja capaz de promover o pleno desenvolvimento dos cidadãos que integram o Estado brasileiro.  Neste sentido, MILANI[xviii] ao discursar sobre o tema Construir uma cultura de paz: desafios brasileiros assevera:

 

A construção de uma Cultura de Paz implica em grandes desafios. No que se refere ao Brasil, destaco quatro que são prioritários: o da cidadania, o da justiça social, o da educação e o dos valores morais. Cada um destes se traduz em transformações que podem ser alcançadas, se forem assumidas pela sociedade brasileira como sua visão compartilhada de futuro.

O primeiro desafio é o exercício pleno e universal da cidadania e dos direitos humanos. Isso só será possível quando exercermos uma cidadania proativa, que defino como uma postura de vida do indivíduo e instituições caracterizada pelo exercício consciente de seus direitos e deveres, pela participação ativa nos processos de busca de melhorias coletivas, e pela responsabilidade para com tudo aquilo que afeta a sua vida e/ou as vidas de outras pessoas.

 

Importante ressaltar que, conforme esclarece PIOVESAN[xix], Direitos Humanos compreendem:

 

Um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretiza as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos, nos planos nacional e internacional.

 

Nota-se que o Brasil tem cada vez mais assumido o compromisso internacional de preservação dos direitos e garantias fundamentais assegurados pelos Direitos Humanos. Destarte, tem assinado e, posteriormente, ratificado diversos protocolos internacionais que acarretam na observância estrita dos direitos humanos nas ações desencadeadas, sobretudo, por seus agentes públicos.

 

Destaca-se que a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, instrumento normativo de ordem internacional, assim estabelece:

[...] Artigo 5

Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante

[...]

Artigo 11

I) Todo o homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa.

II) Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

[...]

Artigo 12

Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques a sua honra e reputação. Todo o homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques [...].

 

Dentre os tratados internacionais que sucederam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tem-se o Código de Conduta para os Funcionários Públicos Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembléia Geral da ONU em 1979[xx], como um dos instrumentos jurídicos normativos que regulam a atuação dos agentes públicos encarregados da persecução criminal.

 

Tal dispositivo jurídico-normativo, de abrangência internacional, esclarece e reconhece que a natureza das funções exercidas pelo encarregado de aplicação da lei incide diretamente na qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade, estabelecendo princípios jurídico-normativos relevantes, dentre os quais destacamos:

 

a) o emprego da força somente é autorizado quando estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do dever funcional por parte do encarregado de aplicação da lei, tratando-se, na realidade, de medida excepcional. Tal princípio orientador está esculpido no artigo terceiro do citado dispositivo legal que in verbis preconiza: Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei so podem empregar a força quando tal se afigure estritamente necessário e na medida exigida para o cumprimento do seu dever.

 

b) atribui ao encarregado de aplicação da lei o dever de guardar sigilo das informações, somente podendo revelar informações que detém em razão do cargo quando o dever funcional o exigir. Destaca-se, neste sentido, que as informações afetas à vida particular das pessoas, potencialmente, podem ser prejudiciais aos seus interesses e reputação. O citado comando normativo está esculpido no Art. 4º do referenciada declaração, que assegura:

 

As informações de natureza confidencial em poder dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem ser mantidas em segredo, a não ser que o cumprimento do dever ou as necessidades da justiça estritamente exijam outro comportamento.

 

c) ainda, o Art. 5º, define que conceitualmente o que denominamos tortura, esclarecendo que trata-se da forma mais cruel da violação dos direitos humanos. Nota-se que a tortura assume, com propriedade, a conotação de ato intencional e hábil a causar dor violenta ou sofrimento físico ou mental a qualquer pessoa, desencadeado por um agente público ou mesmo em razão da instigação deste, com o fito de obter informação ou confissão, punir por um ato que tenha cometido ou se supõe ter cometido, intimidar pessoalmente o ofendido ou mesmo terceiros. Neste sentido, com vistas a comprovação de tal assertiva importante ressaltar in totum o conteúdo literal do citado dispositivo legal:

 

Nenhum funcionário responsável pela aplicação da lei pode infringir, instigar ou tolerar qualquer ato de tortura ou qualquer outra pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante, nem invocar ordens superiores ou circunstancias excepcionais, tais como o estado de guerra ou uma ameaça à segurança nacional, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública como justificação para torturas ou outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

 

Ao comentar os princípios esculpidos no Código de Conduta para os Funcionários Públicos Responsáveis pela Aplicação da Lei ROOVER[xxi] afirma que:

 

Apesar de não ser um tratado, o instrumento tem como objetivo proporcionar normas orientadoras aos ‘Estados-membros na tarefa de assegurar e promover o papel adequado dos encarregados da aplicação da lei’, os princípios estabelecidos no instrumento ‘devem ser levados em consideração e respeitados pelos governos no contexto da legislação e da prática nacional, e levados ao conhecimento dos encarregados da aplicação da lei assim como de magistrados, promotores, advogados, membros dos executivo e legislativo e do público em geral. (ROOVER, 1998, cad.10, p.8)

 

Com o escopo de garantir a efetiva implementação do Código, o 8º Congresso Para Prevenção do Crime da Organização das Nações Unidas adotou, por meio da Resolução 45/166, de 18/12/1990, os Princípios Básicos para o Uso da Força e das Armas de Fogo pelos Funcionários Encarregados de Aplicação da Lei[xxii]. A Resolução que adota o Código reconhece a importância das funções do policial na defesa da ordem pública, e que a forma pela qual esta função é exercida tem um impacto direto na qualidade de vida dos indivíduos vistos isoladamente e na sociedade como um todo, de forma que PAIXÃO[xxiii] esclarece:

 

Embora à primeira vista possa parecer que a única intenção do Código é estabelecer normas que evitem o uso da força excessiva e atenuem o potencial de abuso presente no desempenho da atividade policial, não é o que de fato ocorre. Na verdade, as regras contidas no Código obrigam muito mais os Governos do que os próprios policiais, na medida em que impõem ao Estado uma série de responsabilidades em relação à seleção, formação, equipamento e treinamento permanente dos componentes das Forças Policiais, bem como o dever de equipar e treinar as suas forças policiais no uso de armas não-letais e munições especiais, de forma a garantir que o uso da força letal só se dará após esgotados todos os demais recursos.

 

Ainda, visando promover a incolumidade física do preso, o Pacto de San José da Costa Rica, também veda toda e qualquer forma de tratamento desumano a ser dispensado àquele que é a razão de existência do próprio Estado (o cidadão), estabelecendo:

 

Art. 5o - Direito à integridade pessoal

[...]

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o devido respeito à dignidade inerente ao ser humano.

 

Também a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem corrobora: [...] Artigo XXV - Ninguém pode ser privado da sua liberdade, a não ser nos casos previstos pelas leis e segundo as praxes estabelecidas pelas leis já existentes [...].

 

Enfim, as regras jurídicas que tratam de prisioneiros adotadas pela ONU, especificamente as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos aprovado em Genebra no ano de 1955, através da resolução 663, em seu Art. 33, como forma de salvaguardar a integridade física e moral do preso, estabelece:

 

[...] Instrumentos de coação

33. A sujeição a instrumentos tais como algemas, correntes, ferros e coletes de força nunca deve ser aplicada como punição. Correntes e ferros também não serão usados como instrumentos de coação. Quaisquer outros instrumentos de coação não serão usados, exceto nas seguintes circunstâncias:

a. Como precaução contra fuga durante uma transferência, desde que sejam retirados quando o preso comparecer perante uma autoridade judicial ou administrativa;

b. Por razões médicas e sob a supervisão do médico;

c. Por ordem do diretor, se outros métodos de controle falharem, a fim de evitar que o preso se moleste a si mesmo, a outros ou cause estragos materiais; nestas circunstâncias, o diretor consultará imediatamente o médico e informará à autoridade administrativa superior [...].

 

Ao comentar as regras mínimas da Organização das Nações Unidas, SILVA[xxiv], com maestria, elucida que:

 

As regras mínimas da ONU – fonte inspiradora da Lei de Execução Penal, sobre essa matéria, assim dispõe: ’33 – Os meios de coerção, como algemas, correntes, grilhões, camisas-de-força, nunca deverão ser aplicados como sanções. Tampouco deverão empregar-se correntes e grilhões como meios de coerção, isto é, algemas e camisas-de-força, só poderão ser utilizados nos seguintes casos: a) como medida de precaução contra a fuga, durante uma transferência, devendo ser registrados quando o recluso comparecer perante uma autoridade judicial ou administrativa; b) por motivos de saúde, segundo a indicação do médico; c) por ordem do diretor, se os demais meios de dominar o recluso tiverem fracassado, com o objetivo de impedir que este cause danos a si mesmo ou deverá consultar urgentemente o médico e informar a autoridade administrativa superior.

Quer nos parecer, assim, que o emprego de algemas só excepcionalmente pode ocorrer. Mais quando for o caso de apenas do perigoso que, não fosse esse meio de coerção, facilitaria a fuga.

 

Importante ressaltar que a Carta Magna brasileira, promulgada em 1988, que recebeu do povo brasileiro o título honorário de Constituição Cidadã, em resposta aos abusos ocorridos no período ditatorial, esculpiu em seu corpo normativo uma série de princípios e normas que tiveram o fito de proteger o cidadão de toda e qualquer forma de abuso do poder. Neste sentido, cumpre-nos destacar alguns de seus dispositivos jurídico normativos:

 

a) já no Art. 1º o legislador pátrio assegura um dos princípios basilares de proteção aos Direitos Humanos fundamentais: a dignidade da pessoa humana. Tal preceito normativo mostra total consonância com a Declaração Universal dos Direitos Humanos[xxv] que, logo na exposição de motivo, como primeiro argumento a fundamentar a sua promulgação, protege a dignidade da pessoa humana como um dos valores fundamentais a ser observado em todo o globo terrestre. Neste sentido, destacamos in verbis o conteúdo inserto no Art. 1º da Constituição Federal: [...] Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana; [...].

 

b) Nota-se, ainda, que no Art. 4º, como forma de inserir o Brasil no rol dos países que asseguram e promovem os direitos fundamentais do ser humano, a Carta Magna assim normatiza: Art. 4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] II – prevalência dos direitos humanos; [...].

 

c) Como se não bastasse assegurar a proteção integral aos Direitos Humanos, o legislador constitucional inseriu no artigo 5º, erigido à condição de cláusula pétrea, isto é, no rol dos direitos fundamentais que não podem ser suprimidos, alguns direitos fundamentais, impondo limites à atuação do servidor público, ao regular in totum:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

[...]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[...].

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral

[...].

 

O citado inciso XLIX é objeto de observações do ilustre doutrinador BULOS[xxvi] que tece a seguinte orientação técnico-jurídica:

 

Com este inciso, reafirma-se a saliente disposição do Código Penal: ‘O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral’ (art. 38).

O maior problema desse preceptivo: ser cumprido. Os próprios presídios, muitos deles superlotados, não ensejam condições mínimas de respeito à integridade corporal e espiritual do condenado.

 

d) destaca-se ainda que a Constituição cidadão ao positivar os princípios que devem orientar a conduta dos agentes públicos preconizou, taxativamente, a seguinte norma:

 

Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa [...].

 

Do exposto, ressalta-se que o legislador constitucional regulou até mesmo a conduta do cidadão brasileiro diante do uso imoderado das prerrogativas por parte dos encarregados de aplicação da lei, através da norma esculpida no Art. 5º, II da Constituição Federal, instituindo o princípio da legalidade. Ao comentar o citado dispositivo normativo, o insigne doutrinador pátrio Moraes[xxvii] aclara:

 

O art. 5º, II da Constituição Federal, preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei. [...] no fundo, portanto, o princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei [...].  

 

 

6 O USO DE ALGEMAS E AS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS

 

 

O primeiro dispositivo normativo infraconstitucional a referenciar o uso de algemas no ordenamento jurídico brasileiro compreende o Art. 199 da Lei 7.210 de 11jul1984 (Lei de Execução Penal[xxviii]) que, em resumo, assegura: o uso de algemas será regulado por decreto federal.

 

Entretanto, até a presente data, o Congresso Nacional não promulgou o instrumento normativo específico, o que causa dúvidas e possibilidades de abuso no uso das algemas por parte das autoridades públicas.

 

Neste sentido, esclarece MIRABETE[xxix]:

Mesmo em época anterior a Beccaria, já se restringia o uso de algemas (ferros), permitido apenas na hipótese de constituírem a própria sanção penal ou serem necessárias à segurança pública. No Brasil, o artigo 28 do Decreto nº. 4.824, de 22-11-1871, que regulamentou a Lei nº. 2.033, de 20-09-187, impunha sanção ao funcionário que conduzisse o preso ‘com ferros, algemas ou cordas’, salvo o caso extremo de segurança, justificado pelo condutor. Sem se referir especificamente às algemas, o Código de Processo Penal veda o emprego de força, salvo se indispensável no caso de resistência ou de tentativa e fuga do preso (art. 284). Por fim, a Lei de Execução Penal determina a regulamentação por decreto federal do uso de algemas (art. 199).

Não há dúvidas sobre a necessidade de regulamentação, pois o uso desnecessário e abusivo de algemas fere não só o artigo 40 da Lei de Execução Penal, como o artigo 5º, XLIX, da Constituição Federal, que impõe a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral do preso. Constitui-se nessa hipótese injúria e castigo, tratamento degradante e desumano da pessoa sob guarda ou custódia. Como já salientou Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, ‘o emprego de algemas não pode ser mostrar abusivo, visto que a força e o símbolo ferem o direito individual, a liberdade jurídica e o respeito à integridade física e moral do preso’.

 

Destarte, no artigo 199 da Lei de Execução Penal, a lei institui regra não auto-aplicável referente ao uso de algemas. Esta tem exatamente o escopo de disciplinar o uso deste equipamento pelas autoridades públicas, evitando-se o vexame, constrangimento e, sobretudo, abusos cometidos por aqueles que ostentam a nobre missão de servir e proteger.

 

Diante da mora legislativa, para se desvendar em que circunstâncias o legislador pátrio autoriza o uso de algemas, é preciso interpretar não só as normas Constitucionais e as afetas aos Direitos Humanos, como todas as demais normas que integram o ordenamento jurídico-positivo infraconstitucional.

 

Inicialmente, destacam-se as normas esculpidas no Decreto-Lei Nº 3.689, de 03 de outubro de 1941, Código de Processo Penal, que, apesar de não referenciarem taxativamente ao uso de algemas, introduz normas que regulam a conduta dos encarregados de aplicação da lei no que concerne ao uso da força. Tais regras estão positivadas nos seguintes dispositivos jurídico positivos:

 

Art. 284.- Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.

[...]

Art. 293.- Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão.

Parágrafo único.- O morador que se recusar a entregar o réu oculto em sua casa será levado à presença da autoridade, para que se proceda contra ele como for de direito.

 

Neste sentido, TOURINHO FILHO[xxx] ao tecnicamente dissertar a despeito do uso da força argumenta:

 

Quando da efetivação da prisão, o princípio geral é de que não será permitido o emprego da força. E o art. 284 estabelece as exceções a este princípio:

a) poderá ser usada a força indispensável no caso de resistência, e

b) no caso de tentativa de fuga do preso.

Apenas nesses dois casos se admite. Fora daí, toda e qualquer violência contra o capturando poderá configurar o crime previsto na Lei nº. 4.898, de 9-12-1965.

A resistência distingue-se em passiva e ativa. Na primeira hipótese, há, como diz Hungria, tão somente uma oposição ghândica, uma oposição branca, simples manifestação oral de um propósito de recalcitrância. Até mesmo o fato de quem, vacuis manibus, afasta de si o executor do ato, ou seu assistente, traduzindo, apenas, um gesto instintivo de autodefesa, sem intenção positiva de ofender, não constitui a vis característica da resistência (cf. Comentários, cit., v9, p. 408). Outro não é o pensamento de Maggiore:

‘Oposición denota siempre um acto positivo; no la hay em la conducta purajente pasiva, en la inactividad no violenta, como asirse n árbol o encharse en tierra para no dejar se llevar preso’ (cf. Derecho, cit., v.3, p.248).

É, também, a lição Soler:

‘… Por lo tanto, no será resistência el hecho dél que se tome de un árbol o se ate a él o se haga arrastar’ (cf. Derecho, cit., v. 5, p. 123).

Resistência ativa é aquela na qual existe um manifesto animus oppugnandi.

Em qualquer dessas hipóteses, admite-se o emprego da força, dentro nos limites indispensáveis para vencer a oposição. Não se concebe, por exemplo, que, em caso de resistência passiva, o soldado faça uso do casse-tête. O que passar do indispensável sujeitará o executor às penas da lei. Na hipótese de resistência passiva, pode o executor carregar o capturando. Já no caso de resistência ativa, o executor pode, inclusive, usar da força. Não se pode estabelecer a priori qual a força a ser usada. Tudo depende do caso concreto.

Outra hipótese em que poderá ser usada a força se verifica quando ocorre a fuga do preso. Não se trata, como poderá parecer, apenas da hipótese da fuga de alguém que estava legalmente preso. Assim, se a Polícia vai prender alguém e este corre, para evitar a prisão, pode o executor, inclusive, usar da força necessária pra evitar a fuga, disparando-lhe, por exemplo, um tiro na perna. Com razão o ensinamento de Tornaghi:

‘Conquanto a lei fale em tentativa de fuga do preso, parece-me que ela minus dixt quam voluit. A palavra preso não está a designar apenas o já capturado, mas também o que se vê na iminência de o ser’ (cf. Instituição, cit, v. 1, p. 126-6, e Manual, cit., p. 328).

Em qualquer desses casos, pouco importa que a resistência parta do preso ou de quem deve ser preso ou de terceiros. O executor poderá usar da força necessária para quebrar aquela resistência, aquele obstáculo, aquela dificuldade oposta. Se particulares o estiverem auxiliando, poderão, também, legalmente, fazer uso da força necessária, não só para se defender, como também para vencer a resistência. É a regra contida no art. 292. Na hipótese de flagrante, a solução é a mesma. Entretanto convém ponderar a observação de que, na hipótese de prisão em flagrante, se esta for efetuada por particular, e a pessoa que deva ser presa resistir, não poderá ser processada também por resistência, pois, de acordo com o Art. 329 do CP, só se configura o crime de resistência quando alguém se opõe ‘a execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio’.

 

Tal posição é ainda sustentada em outra obra do supracitado autor[xxxi] quando este esclarece que:

Quando da realização da prisão, não podem seus executores fazer uso da força, a não ser nas duas hipóteses enunciadas no artigo em exame. Quanto à resistência, distingue-se em passiva e ativa. A primeira consiste num simples gesto instintivo de autodefesa, sem intenção de ofender e, por isso mesmo, não constitui propriamente a resistência a que se refere o art. 329 do CP. Já a ativa, sim. Em qualquer uma dessas espécies de resistência, pode ser usada a força, dentro dos limites para vencê-la. Assim, por exemplo, se o capturando deita-se ao chão, evidente que o executor seria penalmente responsabilizado se, por acaso, fizesse uso do casse-tête. Preciso é, contudo, seja legal (formal e materialmente) a ordem que esteja sendo cumprida, sob pena de responsabilidade dos executores. A lei permite também o uso da força no caso de tentativa de fuga do preso. Como bem diz Tornaghi, a lei, aqui, disse menos do que queria dizer. Ela abrange o capturado e o capturando. Daí, se alguém recebe voz de prisão, é capturado e resiste, pode ser empregada a força. Se por acaso ele ainda não foi preso e fogo, ainda assim pode o executor usar da força necessária para impedir-lhe a fuga.

[...]

Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão.

 

Também MIRABETE[xxxii] a respeito do tema, com propriedade, argumenta:

 

A lei permite o emprego de força se for necessária, ou seja, indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso quando da execução do mandado ou da prisão flagrante. A fuga, ou tentativa de fuga, ocorre quando o capturando desobedece à ordem, negando-se a acompanhar o executor, escapando ou procurando escapar do executor. O emprego da força não deve exercer o indispensável ao cumprimento do mandado, que é fato praticado em estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito no caso de prisão em flagrante por particular (art. 23, III, do CP). O excesso, com o emprego de violência desnecessária, constitui ilícito penal (abuso de autoridade, homicídio, lesões corporais, etc.). O emprego de algemas deveria ser disciplinado por decreto federal (art. 199 da LEP), que não existe. No Estado de São Paulo vige ainda o Decreto nº. 19.903, de 30-50, que orienta os policiais no uso de algemas nas hipóteses de tentativa de fuga ou resistência à prisão com violência, exigindo que as ocorrências dessa espécie sejam registradas em livro nas repartições policiais. O capturando que se opõe com violência ou ameaça ao executor ou a terceiro que lhe esteja prestando auxílio comete o crime de resistência (art. 329 do CP). O que não atende a ordem, passivamente, pratica o crime de desobediência (art. 330 do CP), mas se tem entendido nos tribunais estaduais que a fuga, sem violência, não caracteriza tal ilícito. Efetuada a prisão, a evasão ou tentativa de evasão com violência contra a pessoa constitui o ilícito previsto no art. 352 do CP.

Fuga sem violência – Desobediência – STF ‘Quem foge, sem tocar no funcionário, nem ameaçá-lo, não comete crime de resistência, mas só o de desobediência (RTJ 70/660).

Contra – Inexistência de Crime – TACRSP: ‘Simples fuga, sem violência, não caracteriza o crime de desobediência, mesmo diante de voz de prisão. Tal atitude é natural, inspirada não pela vontade de transgredir a ordem, mas pela busca e impulso instintivo de liberdade’ (RT 555/374). No mesmo sentido, TJSP: RT 551/311; TACRSP: RT 378/235, 383/216, 396/303, 398/292, 423/416, JTACRESP 52/329.

 

Ainda CASTELO BRANCO[xxxiii] ao discorrer a respeito da oposição à prisão afirma que esta pode ocorrer nas seguintes condições:

 

A resistência passiva consiste em não acatar a voz de prisão, omitindo-se, imobilizando-se, parando, cruzando os braços, jogando-se ao chão, não contribuindo corporeamente para a execução da prisão, não acompanhando o executor da captura. A resistência ativa configura-se pela oposição mediante violência ou grave ameaça. Assim quando o Código de Processo Penal cita  resistência, quer se referir ao aspecto comissivo deste crime propriamente dito, e também ao seu aspecto omissivo, que poderia ser uma das modalidades da desobediência.

[...]

A tentativa de fuga antes da captura é aquela que se dá antes de o acusado ser alcançado, antes de ser seguro, antes de receber a voz de prisão, ainda na perseguição da flagrância. A tentativa de fuga depois da captura é, conseqüentemente, aquela que ocorre depois de o acusado haver sido alcançado e haver recebido a voz de prisão.

 

Importante ressaltar as sábias lições de NUCCI[xxxiv] a respeito do uso da força e algemas:

 

A prisão deve realizar-se sem violência, exceto quando o preso resistir ou tentar fugir. Logo, parece-nos injustificável, ilegal se tratar de presos cuja periculosidade é mínima ou inexistente. Tem-se assistido a autênticos espetáculos de violência (no mínimo moral), por ocasião da realização de prisões de pessoas em geral, disseminando-se o uso das algemas como se esta fosse a regra e não a exceção. Algemar alguém é nítido emprego de força, o que o artigo 284 veda, como regra, para a efetivação da prisão. Enquanto não houver uma disciplina legal a respeito do uso de algemas, deve-se seguir a lei, valendo-se dos grilhões quando o réu, realmente apresentar periculosidade.

 

Oportuna, ainda, é a afirmação de MICHEL FOCAULT apud NUCCI[xxxv] que entende arbitrária diversas ações desencadeadas por policiais brasileiros, afirmando:

 

Pessoas idosas, agentes de delitos não violentos, enfermos, enfim, muitos réus estão sendo algemados somente para dar uma satisfação à opinião pública, com a deprimente sessão de fotos e filmagens do ato. Preceitua o art. 4° da Lei 4.898/65 (Abuso de autoridade) constituir crime ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder, bem como submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei. Por isso, algemar (emprego de força) quem não apresenta risco algum para a efetivação do ato, constitui delito de abuso de autoridade.

 

 

Torna-se oportuno constar os comentários de TORNAGHI[xxxvi] a respeito das algemas e da ausência de regulamentação de lei, que afirma serem os legisladores os responsáveis pelo uso indiscriminado de algemas e outros instrumentos no Brasil, tendo-se em vista que se omitem em regulamentar tais procedimentos esclarecendo:

 

Dir-se-á que os grilhões e outros utensílios semelhantes desapareceram, não há por que lembrá-los. Mas a verdade é que o uso de algemas começa a generalizar-se entre nós e, no interior, não é desconhecido o emprego de cordas para amarrar os presos. Assim como não precisamos ter pudor de tratar daquelas coisas que Deus não se envergonhou de criar, também não precisaria a lei ruborizar-se de dispor sobre aquilo que seus agentes não coram de utilizar.

É certo que a lei não pode ser casuística e fez bem em conter uma norma geral. Mas a respeito da permissão de algemas e do uso de arma teria sido conveniente que ela dispusesse. A delicadeza do legislador que não se atreve a falar em cadeias ou em grilhões, o escrúpulo de não reviver passadas vergonhas estaria a salvo e não impediria de regular o emprego de outros meios que, na realidade, são usados e convém que o sejam.

Diante dos art. 284 e 292 parece não haver dúvida de que, se com as algemas o executor da prisão pode vencer a resistência, ele está autorizado a usá-las. Quanto ao emprego de correntes deve dizer-se que, embora não proibido a priori, há de ser evitado pelo que representa retrocesso histórico. Outro tanto não pode ser dito das algemas, que nada tem de desumanas, são práticas e seguras.

 

Ocorre que, conforme explica LINHARES[xxxvii] o uso da força e, consequentemente de algemas, trata-se de exceção, somente podendo ser aplicado em casos em que ocorra a legítima defesa, o exercício regular do direito ou o estrito cumprimento do dever legal, nos termos da lei penal. Neste sentido, destacamos as sábias afirmações do citado doutrinador pátrio:

 

Vários códigos consignam expressamente o uso legítimo de armas como causa especial de justificação de fato.

[...] dispondo não ser punível o oficial público que, ao fim de cumprir um dever do próprio ofício, faz uso ou ordena que alguém faça uso de armas ou de um outro meio de coação física quando é constrangido pela necessidade de reprimir uma violência ou de vencer uma resistência à autoridade, e também de impedir a consumação de delitos graves.

 

Outro aspecto bastante importante, que impõe limites à atuação dos agentes encarregados de aplicação da lei compreende o Decreto-Lei Nº. 2.848 de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal) que em seu art. 38 ipsis litteris preconiza: Art. 38 - O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.

 

Ao comentar o citado dispositivo legal, esclarece DELMANTO[xxxviii]:

 

Embora condenado, o preso continua tendo todo os direitos (excetos os alcançados pela privação da liberdade). E é obrigatório o respeito à sua integridade física e moral (CR, art. 5º, XLIX, e LEP, arts. 3º e 40), sob pena de responsabilidade administrativa, civil e penal por abuso de autoridade (Lei 4.898/65)ou até mesmo crime de tortura, dispondo o art. 1º, II da Lei nº 9.455/97 que configura este delito, punido com reclusão de dois a oito anos, ‘submeter alguém, sob sua guarda ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo’.

 

Sábia é a lição de FRANCO[xxxix] que a respeito do tema elucida:

 

O art. 38 do Código Penal estatui, em sua primeira parte, que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade. Com isso, o dispositivo pena quer dizer que o preso provisório e o preso em razão de sentença condenatória transitada em julgado, não perdem a dignidade de pessoa humana. Com inteira propriedade, José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa. Coimbra e São Paulo: Cimbra Editora e Ed. RT, 2007, p. 198/199) afirmam que a dignidade humana ‘alimenta materialmente o princípio da igualdade proibindo qualquer diferenciação ou qualquer pesagem de dignidades: os deficientes, os criminosos, os desviantes têm a mesma dignidade da chamada pessoa normal’. Ao preso provisório e ao preso definitivamente condenado, é garantido, portanto, o exercício de todos os direitos pertinentes a qualquer ser humano, exceção feita ao direito de liberdade que não poderá ser usufruído na sua plenitude. O preso não disporá do direito de ir e vir; por isso, não poderá dirigir-se para onde entender e quando bem entender. Além disso, deverá forçosamente permanecer em lugar que lhe é determinado e fora do convívio social. Essa limitação ao direito de liberdade terá reflexos obviamente em relação a outros direitos que tenham a liberdade de locomoção como dado referencial. Mas, posta de lado a perda a liberdade, nenhum outro direito pertinente à pessoa humana pode ser retirado do preso.

A segunda parte do art. 38 do Código Penal impõe a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral do preso. O que está aqui, consignado, encontrou total recepção na Constituição Federal de 1988 ao reconhecer, em incisos do art. 5º, o princípio constitucional da humanidade da pena. Por ele, o preso não poderá sofrer tortura ou tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III) e lhe será assegurado ‘o respeito à integridade física e moral’ (art. 5º, XLIX) [...].

 

Ressalta-se que durante a atuação em prol da sociedade o agente público goza do chamado poder de polícia que, em sentido lato, assume contornos indeterminados, estendendo-se a qualquer setor em que o bem-estar se encontre ameaçado. Trata-se, na realidade, de instrumento que afasta o interesse privado diante dos interesses superiores da comunidade. Neste sentido, esclarece o mestre CRETELLA JÚNIOR[xl]:

 

O poder de polícia informa todo o sistema de proteção que funciona, em nossos dias, nos Estados de direito. Deve satisfazer a tríplice, a qual seja, o de assegurar a tranqüilidade, a segurança e a salubridade públicas, caracteriza-se pela competência para impor medidas que visem a tal desideratum, pode ser entendido como, a faculdade discricionária da administração de limitar, dentro da lei, as liberdades individuais em prol do interesse coletivo.

 

Tal assertiva é corroborada por MEIRELLES[xli] que de forma técnica assevera:

Faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado, é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda a Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.

 

No ordenamento jurídico brasileiro, o conceito de poder de polícia está capitulado no artigo 78, do Código Tributário Nacional que preconiza in verbis:

 

Considera-se poder de polícia da atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, á ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo Único – Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

 

Entretanto, é oportuno esclarecer que a faculdade outorgada aos agentes públicos de agir repressivamente em prol do bem comum não é ilimitada, está sujeita a limites jurídicos positivados, principalmente na Constituição Federal que asseguram, dentre outros, direitos do cidadão, prerrogativas individuais e liberdades públicas instituindo um Estado Democrático de Direito, com proteção, sobretudo, da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, do mesmo modo que os direitos individuais são relativos, assim também acontece com o poder de polícia, que, longe de ser onipotente, não pode colocar em risco, mesmo que potencial, os direitos fundamentais, sob pena de configurar o abuso de poder.

 

Ao dissertar a respeito do controle jurisdicional do ato administrativo CRETELLA JÚNIOR[xlii] elucida que:

 

Como se pode notar, não só no direito universal como no direito brasileiro, os doutrinadores empregam as expressões ‘abuso de poder’, ‘excesso de poder’ e ‘desvio de finalidade’, umas vezes designando realidades distintas, outras como sinônimas, indicando o mesmo instituto jurídico.

Observe-se, porém, que a expressão global ‘abuso de poder’ é constituída de dois termos bem distintos, com significados diferentes, ‘abuso’ e ‘poder’, ligados pelo conectivo preposicional ‘de’, ambos com sentido técnico, que é necessário elucidar.

‘Abuso’, a primeira parte da expressão, é de facial entendimento, pois conserva a acepção vulgar, não técnica, de ‘além do uso’, ‘uso intensivo’, ‘uso indevido’, ‘desbordamento do uso’, ‘ultrapassagem do uso’, ‘uso exorbitante’. Nesse caso, o agente público, embora competente para o ‘uso do poder’, exagera ou distorce esse ‘poder’, abusivamente.

A segunda parte da expressão ‘poder’ – potestas, em latim, puissance e não pouvoir, em francês -, complementando a idéia contida no substantivo qualificado – abuso - é explicada pela doutrina como o emprego do poder administrativo, exercido, não em justa medida, mas ultrapassando os fins visados pela lei. Abuso de poder é o uso imoderado do poder. (‘poder’, com p minúsculo); é o equivalente ao francês puissance, ao português ‘potesdade’ e no latim potestas; ‘Poder’ (com P maiúsculo) é o equivalente ao francês Pouvoir, e ao português Poder, nas expressões Poder Legislativo, Executivo, Judiciário. Nesse caso, o agente, embora competente, ‘abusa’, ‘ultrapassa’ essa competência.

O assunto ainda não recebeu, na doutrina, a desejada sistematização. Dentro da linguagem rigorosamente técnica, exata, que o direito público universal e local exigem, é conveniente empregar os vocábulos em acepções precisas, a fim de afastar confusões. Assim ‘abuso’ teria um sentido mais genérico, ao passo que ‘desvio’ e ‘excesso’ teriam acepções mais específicas. O abuso de direito, no campo do direito administrativo, caracterizar-se-á ou por excesso (diferença de grau) ou por desvio (diferença de índole), como já acentuamos.

Abusar, no direito público brasileiro, é extravasar a competência, distorcendo-a ou desvirtuando-a para o campo da arbitrariedade, o que, por isso, é uma forma de ilegalidade. Esta, porém, nem sempre, ao reverso, se reduz ao abuso.

Exceder também é ultrapassar o uso da competência, empregando-a com arbítrio.

Desviar é distorcer o ato administrativo, orientando-o para alvo diverso daquele que deveria atingir.

No ‘abuso’ e no ‘excesso’, o arbítrio e a violência estão presentes; no ‘desvio’, não se percebe o quantum de arbítrio e violência estão presentes; no ‘desvio’, não se percebe o quantum de arbítrio e violência que inspira o ato, tal a astúcia da autoridade ao mascarar suas verdadeiras intenções.

 

Visando coibir o abuso de autoridade, o legislador pátrio promulgou a Lei Nº. 4.898 de 09 de dezembro de 1965 (Regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade) que assegura no art. 3º, alínea i e art. 4º, alínea b, respectivamente:

 

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

[...]

i) à incolumidade física do indivíduo

[...]

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

[...]

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei [...]

 

FREITAS[xliii] ao tecer comentários a respeito da questão inserta no Art. 3º, alínea ‘i’ da Lei de abuso de autoridade, de forma clara e precisa, afirma:

 

Na letra i do art. 3º da Lei 4.898, de 1965, encontramos o atentado à incolumidade física do indivíduo, que consiste em ‘toda ofensa praticada pelo agente da Administração, no exercício de um cargo, emprego ou função, contra o indivíduo’, não importando que a violência não tenha deixado vestígios, pois a violência se caracteriza pelo emprego de força física, maus-tratos ou vias de fato.

Face à lei em questão, a violência abrange desde a mais grave, como homicídio, à mais leve, como as vias de fato.

Certa corrente jurisprudencial tem entendido que a violência deve ser real, e não apenas moral.

Contudo, a este entendimento se opõe o Des. Vicente Sabino Júnior, o qual, em declaração de voto vencido, afirma:

‘... a violência, que alude o CP, em seu art. 322, não obstante a opinião contrária de Bento Faria, compreende o fato abusivo, que pode ser material ou moral. O que se exigem, na lição de Manzini (Tratado, vol. V, n. 1.354) é que desse fato resulte um dano para terceiros e descrédito para a Administração Pública. No direito francês, originariamente, o conceito de violência se restringia à material. Mais tarde, segundo o que consta da Enciclopédia de Dalloz, in verbete: ‘Fonctionarie public’, Ed. de 1954, a lei ampliou o conceito e fez compreender até as vias de fato. Formulando exemplos, lembra o articulista a possibilidade de constituir violência o simples gesto de ameaça de agressão.

Na Itália, o citado Manzini informa que os meios empregados são indiferentes à configuração da violência, ainda que não constituam outra infração; se o fizessem, dariam lugar ao óbvio, a um concurso material de delitos.

E, prosseguindo, diz: ‘Doutrina Antolisei (Diritto penale, ‘Parte Especial’, vol. I, p. 24) que poderá ocorrer uma violência imprópria, representada por todo outro meio que não seja o físico, capaz de produzir o mesmo resultado, com exclusão da ameaça: hipnotismo,narcotização, emprego de gases, disparo de armas para o ar, falsa aparição de fantasmas, e até pela comissão, para obrigar a vítima a ter determinado comportamento’.

Entretanto, nem toda violência praticada por funcionário, no exercício de sua função, deverá ser erigida como abuso de autoridade.

Além das causas excludentes de criminalidade previstas na lei penal, o CPP é claro ao dispor, em seu art. 292, que:

‘Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas’.

Segundo Hungria: ‘Há violência (constrangimento) legal, a que a lei autoriza e norma com a finalidade de assegurar a sua própria eficiência, que, sem isso, se comprometeria, frustrando-se, mesmo. Em contraste com essa, há a violência não legal, mas arbitrária; é a aplicada fora dos casos ou além da medida estabelecida pela lei’.

É de todo evidente que as autoridade policiais necessitam de certo arbítrio para poder alcançar seus objetivos e realizar suas funções. Seria fechar os olhos à realidade e torná-las ineficiente impedi-las de assim agir. Mas este arbítrio deve ser exercido dentro dos limites de sua necessidade, sob pena de, ocorrendo o excesso, constituir crime.

Aliás, Macedo Soares é peremptório no afirmar que: ‘casos há, porém, onde se justifica perfeitamente o emprego da força, o acusado recusa obedecer à ordem legal. Sem o emprego da força para coagi-lo à obediência, a lei, e a Justiça ficariam desarmadas. O acusado agride o executor da ordem. Ora, o agente da autoridade não há de se oferecer como vítima resignada e submissa aos golpes do agressor. O instinto natural da conservação leva-o a defender-se. Ademais, ele personifica a lei, representa a autoridade que a encarna, não pode permitir que seja ela assim desrespeitada pelo criminoso audaz e insolente. Estas considerações ainda aumentam de valor quando o agente da autoridade é militar que deve fazer respeitar a farda que veste, símbolo da grandeza e da glória de sua pátria, que não pode fugir, pois é a covardia o mais infamante dos defeitos que o militar pode ter.

Neste mesmo sentido é a lição de Waldemar César da Silveira, para o qual ‘... a violência contra as pessoas na execução de leis ou imposições de justiça é legítima, na medida onde ela seja necessária. Sem o emprego da força, a lei e a Justiça se tornariam impotentes e desarmadas. De sorte que a acusação deve estabelecer, contra o funcionário que usou voluntariamente de violência, não somente a existência do fato material que lhe é imputado, mas também sobre a ilegitimidade desse fato, porque se o emprego da violência é sempre ilegítimo por parte dos particulares, não o é sempre por parte dos funcionários.

Este entendimento foi, inclusive, assentado pela jurisprudência:

‘Se o preso, ao reagir à sua autuação em flagrante, deu lugar a uma necessária ação da Polícia, no sentido de levar a efeito o ato, não se configura o delito de abuso de autoridade’.

‘Se é verdade que elementos da Polícia praticam muitas vez violência inúteis contra presos, por má compreensão de seus deveres, ou por outros motivos menos confessáveis, não é menos certo que, lidando com a escória da sociedade, tendo, freqüentemente, de tomar decisões rápidas, é de difícil aos policias manterem equilíbrio exato entre o perigo de cometerem algum excesso funcional e o de permitirem o desprestígio de suas delicadas funções.

Em resumo, desde que a autoridade, no exercício de sua função, a fim de cumpri-la, seja obrigada ao emprego de força e a use moderadamente, não há que se falar em abuso de autoridade.

Contudo, se no exercício de suas funções, usa desnecessariamente de violência, excede-se sem motivo justificável, não resta dúvida que deve ser enquadrado no referido dispositivo legal.

Sempre será necessário observar os casos concretos, a fim de poder divisar-se a nem sempre clara faixa que separa os atos discricionários dos arbitrários.

É imprescindível que se proceda uma profunda apreciação do elemento subjetivo do injusto, devendo ser punido apenas aquele que, não visando a defesa social, proceda com arbitrariedade, com capricho, maldade, com o propósito de praticar injustiças.

Em matéria de abuso de autoridade, explana Bardoni:

‘... o dolo deve consistir no ânimo maldoso, na prepotência, no capricho, no arbítrio e, em geral, em qualquer paixão má; o abuso de autoridade é constituído por aqueles atos ou fatos dos funcionários públicos, os quais atos se viciam de ilegitimidade, porque cometidos com dolo, de guisa que representam a positivação da atividade do funcionário, como pessoa e não como órgão da Administração Pública, a qual não encontra, para o dano recebido pelo titular de um direito civil ou político, ou de um interesse legítimo prejudicado pelos próprios atos, nenhuma responsabilidade.

Ainda no que pertine ao atentado à incolumidade física do indivíduo, aspecto que vem dando motivo a algumas discussões, é o que diz respeito ao agente que, além do crime de abuso de autoridade, pratica lesão corporal na vítima.

Duas correntes se formaram: uma sustentando que, se além do abuso, o agente praticar lesões na vítima, ocorre o concurso formal. Outra, afirmando que no caso, deve ser aplicada a regra do concurso material.

A nosso ver, a razão está com essa última corrente, a qual entende que a concomitante prática de lesão corporal não resta absorvida pelo abuso de autoridade.

Realmente, o abuso de autoridade, por si, já é punível. E, se além dele, o agente pratica outro crime, de aplicar-se a regra da cumulação das penas (art. 69 do CP). Aliás, essa corrente é que predomina na jurisprudência.

Outrossim, esse o entendimento, também adotado pelo SFT, merecendo destaque tópido do voto do Min. Cordeiro Guerra, que afirma: ‘Tal orientação encontra apoio na lição de Manzini, ao tratar do ‘abuso genérico d’ufficio, I reati conessi sono imputabili all’agente in concorsomateriale (art. 72 e ss.), anche se siano concreati com uma sola azione (art. 81, prima parte) purché l’um reato son sai elemento constitutivo o circostanza agravante dell’altro reato (Trattato di Diritto Penale, vol V, n. 1354, p. 222). Ora, na espécie, poderia haver abuso de autoridade sem ocorrência de lesão corporal.Verificando-se lesões corporais e abuso de autoridade, no caso, impunha-se o reconhecimento do concurso materail de delitos’

 

Também, FREITAS[xliv] ao discorrer a respeito da norma inserta no Art. 4º, alínea ‘b’ da Lei de abuso de autoridade, aclara:

 

A seguir, dispõe a letra b do art. 4º que constitui abuso de autoridade ‘submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento, não autorizado em lei’.

Trata-se de princípio constitucional previsto no §14 do art. 153 da nossa Carta Magna. E, segundo Sahid Maluf, ‘... o texto constitucional vem em forma de recomendação às autoridades. Em verdade, porém, trata-se de declarar mais um direito fundamental do homem o de não ser morto, espancado ou humilhado, quando detido, ainda que definitivamente condenado ...’

Este dispositivo repede o dispositivo n. III do art. 350 do CP. Nesta hipótese, a situação é outra. A prisão é legítima, porém o agente agrava-a com medidas ilegais, abusando de seu poder.

Referindo-se à figura em questão, assim se manifestou o E. TACRIMSP, em acórdão relatado pelo Juiz Fernando Prado: ‘O que aí prevê é o fato de o agente da autoridade, encarregado da guarda ou custódia do preso, vir a submeter este último a constrangimento ou restrições não autorizados pela lei. Explicando a essência do crime, ensina Manzini que, ‘... mesmo aqueles que são legalmente sujeitos a formas mais estreitas de privação da liberdade, como os detentos, conservam o direito a algumas manifestações dessa liberdade, as quais não podem ser impunemente violadas’ (Trattato di diritto penale italiano, vol. VIII, p. 669). E , mais adiante, cita, como exemplos de tais práticas disciplinares aplicadas fora dos casos consentidos pelos regulamentos das prisões, a proibição ou a limitação extraordinária de visitas ou da liberdade de escrever, e assim por diante (ob. e vol. cits., p. 675).

E, para Bento de Faria, ‘... permitir a exposição pública do preso, obrigá-lo a trabalho não previsto e deprimente, permitir que alguém o injurie, impedir-lhe a higiene corporal, sujeitá-lo a castigos injustificados, etc., são fatos expressivos de vexame ou constrangimento.

Segundo reza o art. 40 da Lei de Execução Penal, ‘Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e os presos provisórios.

Outrossim, reza o art. 32 do CP, que trata dos ‘regulamentos das prisões’, que é proibida qualquer medida que exponha a perigo a saúde ou ofenda a dignidade humana.

De fato, não se pode permitir qualquer medida de violência ou vexatória contra os encarcerados. Qualquer medida disciplinar deve obedecer aos mínimos princípios de humanidade, combinando-se qualquer espécie de agressão física ou moral.

Hoje, quando todos estão voltados para a humanização da pena, pugnando pela recuperação do homem, é inadmissível a prática de qualquer violência ou ato vexatório contra o preso ou custodiado.

Aliás, dispõe o art. 241 do CPP Militar que: ‘Impõe-se à autoridade responsável pela custódia o respeito à integridade física e moral do detento, que terá direito à presença de pessoa de sua família e assistência religiosa, pelo menos uma vez por semana, em dia previamente marcado, salvo durante o período de incomunicabilidade, bem como à assistência de advogado que indicar, nos termos do art. 71, ou, se estiver impedido de fazê-lo, à do que foi indicado por seu cônjuge, ascendente ou descendente’.

Neste ponto, de suma importância o disposto no parágrafo único do art. 68 da Lei de Execução Penal, quando dispõe que o órgão do Ministério Público visitará mensalmente os estabelecimentos penitenciários.

Aliás, no Estado de São Paulo, já se constituía numa das atribuições do Promotor de Justiça, visitar os estabelecimentos carcerários da comarca, sempre que conveniente e pelo menos uma vez por mês, relatando suas observações ao Corregedor Geral do Ministério Público.

O mesmo se diga quanto à fiscalização a ser feita pelo Juiz Corregedor dos Presídios.

 

O uso de algemas é regulado em legislação especial (Decreto-Lei Nº. 1.002 de 21 de outubro de 1969), que instituiu o Código de Processo Penal Militar, que em seu art. 234, § 1º normatiza:

 

[...] Art. 234 - O emprego de força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas.

 

§ 1º - O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242 [...] (grifo nosso).

 

Nota-se que o citado dispositivo legal determina que o uso de algemas compreende exceção, devendo ser utilizado apenas em casos de riscos concretos de fuga ou agressão por parte do preso. Neste sentido, ASSIS[xlv] entende ser o uso de algemas uma ação vexatória, que constrange o preso e é utilizado por muitos policiais para ostentar força e demonstrar arrogância, esclarecendo o que procurou proteger o CPPM:

 

Notamos aí, apesar de não vir expressa, a preocupação do legislador com a incolumidade física do preso, e também, em se evitar colocá-lo na situação vexatória que a visão das grilhetas opressoras causa às pessoas que o observam.

 

Outro dispositivo legal especial que institui princípio de utilização de algemas compreende a Lei Nº. 9.537 de 11 de dezembro de 1997 (Dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências) que em seu art. 10, III, assim regula:

 

Art. 10. O Comandante, no exercício de suas funções e para garantia da segurança das pessoas, da embarcação e da carga transportada, pode:

[...]

III - ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga [...] (grifo nosso).

 

Através de uma simples análise teleológica da mens legem inserta no citado dispositivo normativo, nota-se, novamente, que o legislador regulou o uso de algemas como uma exceção, somente justificável em caso de imperiosa necessidade de salvaguarda da integridade física das pessoas.

 

Enfim, a respeito das normas que regulam o uso de algemas, torna-se relevante destacar algumas regulamentações adotadas por organismos estaduais[xlvi] de segurança pública.

 

O Decreto Nº. 19.903 de 30 de outubro de 1950 do Estado de São Paulo dispõe ipsis litteris:

 

Art. 1º — O emprego de algemas far-se-á na Polícia do Estado, de regra, nas seguintes diligências:

1º — Condução à presença da autoridade dos delinqüentes detidos em flagrante, em virtude de pronúncia ou nos demais casos previstos em lei, desde que ofereçam resistência ou tentem a fuga.

2º — Condução à presença da autoridade dos ébrios, viciosos e turbulentos, recolhidos na prática de infração e que devam ser postos em custódia, nos termos do Regulamento Policial do Estado, desde que o seu estado externo de exaltação torne indispensável o emprego de força.

3º — Transporte, de uma para outra dependência, ou remoção, de um para outro presídio, dos presos que, pela sua conhecida periculosidade, possam tentar a fuga, durante diligência, ou a tenham tentado, ou oferecido resistência quando de sua detenção [...] (grifo nosso).

 

Tal dispositivo normativo é regulamentado interna corporis pelo Manual Básico de Policiamento Ostensivo da Polícia Militar do Estado de São Paulo que, conforme esclarece RUIZ[xlvii], possui conteúdo normativo distinto do citado decreto, assegurando:

 

Em princípio, devem ser conduzidos algemados:

 Presos violentos que tenham esboçado resistência efetiva ou que procurem fugir;

 Que tenham antecedentes de tentativa de fuga ou agressão a policiais;

 Marginais de reconhecida periculosidade;

 Outras pessoas que a medida seja de bom alvitre.

 

Observa-se que, também, a Portaria Nº. 288/JSF/GDG, de 10 de novembro de 1976 (DORJ, parte I, ano II, Nº. 421) do Estado do Rio de Janeiro, versa sobre o uso de algemas autorizando-o nas seguintes condições: ao serviço policial de escolta, para impedir fugas de internos de reconhecida periculosidade.

 

O Manual de Prática Policial da Polícia Militar de Minas Gerais[xlviii], ao tratar do uso de algemas, assim orienta:

 

Algemas são um importante equipamento que você possui. O correto uso de algemas pode impedir uma agressão, salvaguardando a sua integridade e a do suspeito. A decisão de algemar ou não uma pessoa é uma decisão discricionária do policial. De um modo geral, todo agente de crime deve ser algemado. O uso de algemas ainda não é disciplinado por Decreto Federal, contudo, como referência, temos o Decreto nº 19.903 do Estado de São Paulo que orienta os policiais no uso de algemas nas hipóteses de tentativa de fuga e/ou resistência à prisão com violência. O Código de Processo Penal Militar em seu artigo 234, Parágrafo 1º diz: ‘O emprego de algemas dever ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso e de modo algum será permitido nos presos aqui se refere o artigo 242’.

[...]

Os fatores incluídos na decisão de algemar são:

a) Possibilidade de fuga;

b) Possibilidade de agravamento da ocorrência;

c) Ameaça POTENCIAL a cidadãos ou policiais;

d) Vida pregressa do suspeito (criminoso reincidente ou pessoa reconhecida violenta);

e) Proibições legais.

O uso de algemas tem como objetivos primários CONTROLAR o suspeito/agente, prover SEGURANÇA aos policiais e suspeito/agente e REDUZIR o agravamento da ocorrência. O uso de algemas em contraventores ou agentes de crimes mais simples é discricionário. Avalie situação, os riscos, as circunstâncias, tendo em sua mente os objetivos descritos.

Tenha consciência de que o correto uso de algemas mantém o suspeito sob controle e minimiza a possibilidade de agravamento da situação a ponto de se necessitar o uso de um nível superior de força do que o da contenção. Contudo é preciso que o policial avalie a real necessidade de fazê-lo, pois se trata de situação bastante constrangedora, e, nos casos em que as pessoas são apenas suspeitas, deve-se assegurar da fática potencialidade do risco que justifique o uso de algemas. Este equipamento policial não deve ser usado como instrumento de subjugação ou humilhação de indivíduos sob suspeita

 

Importante notar que, a regulamentação acerca do tema tem sido alvo de constante atuação do legislador pátrio. Neste sentido, foi promulgada a Lei Nº 11.689 de 09 de junho de 2008 (Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos ao Tribunal do Júri, e dá outras providências) que em seu corpo normativo in totum preconiza:

 

Art. 1o O Capítulo II do Título I do Livro II do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

[...]

Art. 474 A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no Capítulo III do Título VII do Livro I deste Código, com as alterações introduzidas nesta Seção.

§ 1o  O Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado.

§ 2o  Os jurados formularão perguntas por intermédio do juiz presidente.

§ 3o  Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes. (NR)

[...]

Art. 478 Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:

I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado [...].

 

Do exposto, cumpre asseverar que o uso de algemas é regulamentado por diversos institutos jurídico normativos, mesmo que de forma indireta, visto que tal recurso compreende uma das modalidades do uso da força, devendo na sua utilização ser observados desde os postulados dos Direitos Humanos, passando pelos princípios e proteções Constitucionais até a regulamentação por parte dos órgãos de segurança pública dos Estados que tentam desvendar e implementar tais preceitos normativos durante a prisão, instrução processual, julgamento e execução da pena.

 

 

 

7 AS DECISÕES REITERADAS DOS TRIBUNAIS AFETAS AO USO DE ALGEMAS

 

 

Os Tribunais, na atualidade, assumem importante tarefa na proteção e promoção dos direitos fundamentais do cidadão. Neste sentido, assegura CANOTILHO[xlix]:

 

Em virtude da dupla vinculação dos tribunais – à constituição e à lei -, os juízes, no caso de lei polissêmica, devem procurar atribuir-lhe o sentido mais conforme com os direitos, liberdades e garantias. Mas não só por isso.

Caso a mácula constitucional da lei seja indiscutível, segundo a perspectiva do juiz da causa, ele deve desaplicá-la no caso concreto sobretudo quando a inconstitucionalidade se basear em violação de direitos, liberdades e garantias. Sempre que, por desaplicação da lei, o juiz se veja confrontado com lacunas, ele deve proceder à sua complementação, recorrendo, em primeiro lugar, se for caso disso, às normas e princípios constitucionais consagradores de direitos, liberdades e garantias. Neste caso, os tribunais não se encontram perante a alternativa da vinculação pela constituição ou da vinculação pela lei. As duas vinculações convergem concorrentemente: o juiz deve aplicar a lei mas em conformidade com os direitos fundamentais constitucionalmente garantidos. Assim, por exemplo, os Tribunais ao integrarem lacunas devem observar a proibição do recurso à analogia em matéria penal [...] e em matéria fiscal [...].

A forma, a medida e a extensão da vinculação não é sempre a mesma, pois é necessário distinguir entre: (i) vinculação dos tribunais que actuam nas vestes de jurisdição civil e decidem segundo a medida do direito privado; (ii) e vinculação dos tribunais que aplicam direito público, actuando como jurisdição jurídico-pública. Neste último caso, os tribunais administrativos, tributários, financeiros, ao controlarem actos das autoridades administrativas, verificarão se estes estão em conformidade com os direitos fundamentais. As autoridades administrativas, como entidades públicas, estão já vinculadas pelos direitos fundamentais (os direitos fundamentais como normas de acção das entidades públicas); os seus actos estão ainda, em sede de controlo jurisdicional, sujeitos à apreciação dos tribunais competentes, cujas decisões de devem pautar como normas de controlo e decisão da própria actividade jurisdicional). Noutras hipóteses, existe uma vinculação imedidata dos juízes pelos direitos fundamentais. Exemplos significativos são os casos de reserva de decisão judicial [...] em que os juízes devem observar e aplicar directamente as normas constitucionais consagradoras de direitos, liberdades e garantias [...]. Uma vinculação especial dos tribunais pelos direitos, liberdades e garantias verifica-se também quando os juízes aplicam direito público – direito público sancionatório – que, em si mesmo, comporta graves medidas de ingerência na esfera jurídica dos particulares [...]. A actividade típica de poderes públicos que os tribunais desenvolvem só pode conceber-se, aqui, como actividade de entidades públicas directamente vinculadas pelos direitos fundamentais.

 

Também será objeto de apreciação recentes decisões dos Tribunais brasileiros que tratam do uso de algemas, tendo-se em vista que, diante da omissão legislativa, estas introduzem no ordenamento jurídico positivos os princípios, normas e valores que devem imperar no tratamento do encarregado de aplicação da lei para com o, em tese, cidadão infrator no momento da prisão deste, dentre as quais se destaca, inicialmente, a decisão exarada pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar o RHC Nº. 5.663-SP, que in totum esclarece:

 

Uso de algemas. Avaliação da necessidade – A imposição do uso de algemas ao réu, por constituir afetação aos princípios de respeito à integridade física e moral do cidadão, deve ser aferida de modo cauteloso e diante de elementos concretos que demonstrem a periculosidade do acusado. Recurso provido. (RHC nº. 5.663-SP, 6ª Turma, j. 19.87.1996, rel. Min. William Patterson, v.u., DJU 23.9.1996, pág. 35.157).

 

Nota-se que o citado Tribunal, enquanto órgão julgador e encarregado do controle da legalidade federal, no caso concreto, externou um princípio elementar a ser observado em caso do uso de algemas: a necessidade de demonstração, através de elementos concretos, da periculosidade do acusado. Tal conduta tem o escopo de evitar os constantes abusos cometidos pelos encarregados de aplicação da lei, quando, com o objetivo de afetar dolosamente os princípios de respeito à integridade física e moral do preso, utilizam as algemas indiscriminadamente.

 

Destaca-se, também, especificamente quanto ao uso de algemas em pessoas que figurem na condição de réu ante ao júri, o renomado Tribunal de Justiça de São Paulo, assim decidiu:

 

JÚRI - NULIDADE - RÉU MANTIDO ALGEMADO DURANTE OS TRABALHOS SOB A ALEGAÇÃO DE SER PERIGOSO - INADMISSIBILIDADE - FATO COM INTERFERÊNCIA NO ÂNIMO DOS JURADOS E, CONSEQÜENTEMENTE, NO RESULTADO - CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO - NOVO JULGAMENTO ORDENADO - APLICAÇÃO DO ART. 593, III, A, DO CPP - Írrito o julgamento pelo Júri se o réu permaneceu algemado durante o desenrolar dos trabalhos sob a alegação de ser perigoso, eis que tal circunstância interfere no espírito dos jurados e, conseqüentemente, no resultado do julgamento, constituindo constrangimento ilegal que dá causa à nulidade. (TJSP - Ap. 74.542-3 - 2ª C. - J. 08.05.1989 - Rel. Des. RENATO TALLI - RT 643/285)

 

Neste sentido, salienta-se que, conforme preconiza o art. 497, inciso I, do Decreto-Lei Nº 3.689 de 03 de outubro de 1941(Código de Processo Penal[l]), compete do presidente do Tribunal do Júri regular a polícia das sessões, cabendo ao magistrado, coibir toda e qualquer forma de violação dos direitos fundamentais do preso durante a realização das sessões. Destarte, o TJSP por considerar que o uso de algemas por parte do réu durante a sessão era capaz de incutir na cabeça dos jurados um pré-julgamento de responsabilidade penal pelo fato em discussão. Importante notar, que a supracitada decisão considerou o uso de algemas naquela sessão ‘constrangimento ilegal’ que, em sentido técnico, trata-se, em tese, de um fato típico, antijurídico e culpável, esculpido no art. 146 do Decreto-Lei Nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal), que assevera ipsis litteris:

 

Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

 

Relevante é também a decisão proferida pelo insígne Tribunal de Justiça de Minas Gerais a respeito de constrangimento a que fora submetido determinado preso, que in totum elucida:

 

É direito fundamental do homem o de não ser humilhado quando detido, ainda que definitivamente condenado, consoante o art. 38 do CP a exposição de preso em praça pública, submetendo-o a vexame ou constrangimento não autorizado por lei, configura o crime do art. 4º, b, da Lei 4.898 (TJMG RT 784/670).

 

Tal posicionamento jurisdicional é corroborado também pelo Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais que, ao decidir um caso concreto de prisão de determinado cidadão que se recusou a exercer o munus de testemunha, proferiu a seguinte decisão:

 

APELAÇÃO Nº 1.983 TJM-MG - Ementa: A autoridade policial não pode obrigar o cidadão a ser testemunha de um fato que nem sequer presenciou. - Se, por isto, o cidadão for preso e algemado, o será ilegalmente, respondendo o policial militar pelo crime de constrangimento, como também pelo das lesões corporais. Se as ofensas aos direitos do cidadão são cometidas publicamente e de forma arbitrária, vexamosa e desmoralizante, atingindo sua honra pessoal e, ainda, ausente qualquer motivo para justificá-las, deve o agente, de precedentes irrecomendáveis que revelam personalidade violenta, ser punido com as sanções extremadas, previstas para os ilícitos praticados. (Juiz Cel PM Laurentino de Andrade Filocre).

 

Imprescindível enfatizar a notável decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, que exerce a nobre função de guardião da constituição, ao julgar o Habeas Corpus Nº. 89.429 / RO em data de 22 de agosto de 2006 que assim decidiu:

 

A Turma deferiu habeas corpus em que conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia denunciado, com terceiros, com base em investigações procedidas na denominada ‘Operação Dominó’ pleiteava fosse a ele garantido o direito de não ser algemado e nem exposto à exibição para as câmeras da imprensa. Na espécie, a Min. Cármen Lúcia, relatora, concedera liminarmente salvo conduto ao paciente para que não fosse algemado em sua condução ao STJ, local onde processada a ação penal contra ele instaurada. Tendo em conta que o paciente encontra-se preso e que o seu pedido estende-se à obtenção da ordem para que as autoridades policiais não voltem a utilizar algemas em qualquer outro procedimento, considerou-se inexistente, nessa parte, o prejuízo da impetração. Em seguida, esclareceu-se que a questão posta nos autos não diz respeito à prisão do paciente, mas cinge-se à discussão sobre o uso de algemas a que fora submetido, o que configuraria, segundo a defesa, constrangimento ilegal, porquanto sua conduta em face da prisão fora passiva e o cargo por ele ocupado confere-lhe status similar ao dos membros da magistratura, o qual, nos termos do Código de Processo Penal Militar, não se sujeita ao uso daquele instrumento. Asseverou-se que as garantias e demais prerrogativas previstas na CF (art. 73, § 3º) concernentes aos Ministros do Tribunal de Contas da União referem-se ao estatuto constitucional, enquanto os preceitos repetidos, por simetria, na Constituição do referido Estado-membro, à condição legal. Ademais, salientou-se a natureza especial da norma processual penal militar. Afirmou-se, no ponto, que somente por analogia seria permitido o aproveitamento desta para a sua aplicação ao presente caso (STF, HC 89.429/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22.8.2006)’.

‘No tocante à necessidade ou não do uso de algemas, aduziu-se que esta matéria não é tratada, específica e expressamente, nos códigos Penal e de Processo Penal vigentes. Entretanto, salientou-se que a Lei de Execução Penal (art. 199) determina que o emprego de algema seja regulamentado por decreto federal, o que ainda não ocorreu. Afirmou-se que, não obstante a omissão legislativa, a utilização de algemas não pode ser arbitrária, uma vez que a forma juridicamente válida do seu uso pode ser inferida a partir da interpretação dos princípios jurídicos vigentes, especialmente o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade. Citaram-se, ainda, algumas normas que sinalizam hipóteses em que aquela poderá ser usada (CPP, artigos 284 e 292; CF, art. 5º, incisos III, parte final e X; as regras jurídicas que tratam de prisioneiros adotadas pela ONU , N. 33; o Pacto de San José da Costa Rica, art. 5º, 2). Entendeu-se, pois, que a prisão não é espetáculo e que o uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional e que deve ser adotado nos casos e com as finalidades seguintes: a) para impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; b) para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. Concluiu-se que, no caso, não haveria motivo para a utilização de algemas, já que o paciente não demonstrara reação violenta ou inaceitação das providências policiais. Ordem concedida para determinar às autoridades tidas por coatoras que se abstenham de fazer uso de algemas no paciente, a não ser em caso de reação violenta que venha a ser por ele adotada e que coloque em risco a sua segurança ou a de terceiros, e que, em qualquer situação, deverá ser imediata e motivadamente comunicado ao STF (STF, HC 89.429/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22.8.2006)’.

 

A Suprema Corte brasileira ainda, em decisão inédita, em data de 07 de agosto de 2008, ao julgar o Habeas Corpus Nº 91.952, pugnou pela edição de súmula vinculante acerca do tema. Neste sentido, o jornal Estado de Minas do dia 08 de agosto de 2008, na coluna Justiça elucidou:

 

O Supremo Tribunal Federal decidiu ontem proibir o uso abusivo de algemas. Por unanimidade, os ministros concluíram que as algemas devem ser usadas apenas em casos excepcionais ou quando há ameaça ao acusado, ao policial ou a outras pessoas. A decisão envolveu ação específica, mas poderá servir como recomendação para ouras situações semelhantes.

O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, disse que a decisão terá efeito vinculante. Na prática, significa que a decisão deverá ser adotada pelos juízes federais e estaduais. O ministro-relator Marco Aurélio Mello – da ação ingressada por um réu condenado por homicídio em Laranjal Paulista (SP), que critica o fato de ter sido algemado durante todo o período que durou o tribunal do júri – entendeu que houve abuso no uso de algemas no caso do denunciado.

O relator sugeriu também que fossem enviadas cópias da decisão ao ministro Tarso Genro (Justiça) e aos secretários estaduais de Justiça, para fixar a tese de excepcionalidade do uso de algemas. O ministro Cezar Peluzo ponderou ainda que poderia ser editada uma súmula definindo que terá efeito vinculante.

Houve intervalo na sessão e os ministros, no retorno, definiram se haverá ou não efeito vinculante – obrigando que todos os tribunais sigam a mesma decisão. O julgamento do caso de Laranjal Paulista gerou debate no plenário da Suprema Corte. Apesar de a ação se tratar de situação específica, os ministros poderiam definir ainda ontem se a decisão poderá ser tomada como uma espécie de jurisprudência (referência) para outros processos semelhantes.

CRÍTICAS A discussão foi acirrada nos últimos dias, em decorrência de várias críticas sobre a prisão dos envolvidos na Operação Stiagraha, realizada pela Polícia Federal. Na prisão dos acusados, o banqueiro Daniel Dantas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta foram filmados e fotografados com algemas.

O presidente do STF, Gilmar Mendes, disse ontem que o julgamento era fundamental porque trata do ‘princípio da dignidade da pessoa humana’. Segundo ele, não há dúvida alguma de que o tribunal deveria se pronunciar sobre o assunto.

 

Visando pacificar o entendimento a respeito do assunto, finalmente, em data de 17Ago2008 o Supremo Tribunal Federal, no uso das atribuições conferidas pela Lei Nº 11.417 de 19 de dezembro de 2006[li], editou a 11ª Súmula Vinculante que possui o seguinte conteúdo normativo:

 

Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

 

Diante do conteúdo taxativo inserto na súmula vinculante nº 11, até mesmo por se tratar de um instituto recentemente incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, restam muitas indagações. Dentre elas uma assume papel de destaque, principalmente, para os encarregados de aplicação da lei que, diuturnamente, experimentam os percalços de uma verdadeira batalha urbana, colocando em risco a própria vida no cumprimento de seu dever. Neste sentido, a revista jurídica Consulex[lii], através de artigo eletrônico, divulgou a opinião dos próprios Ministros do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria:

 

Ministro diz que aposta no bom senso de policiais para cumprimento de restrição a algemas

Agência Brasil

Brasil Agora

Luana Lourenço

Repórter da Agência Brasil

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, reconheceu que a súmula vinculante aprovada pelo Plenário da Corte, que restringe o emprego de algemas por autoridades policiais a casos excepcionais, está sujeita a critérios subjetivos no ato da prisão.

Sempre haverá o caráter subjetivo e nós apostamos no bom senso dos policiais. O que foi decidido pelo Supremo não pode servir de pretexto para se fechar os olhos à delinqüência, ao cometimento de crimes; para se deixar de prender quem deva realmente ser preso. Com a súmula, simplesmente acertamos que o uso das algemas é sempre excepcional, afirmou Marco Aurélio antes de participar da posse de novos defensores públicos da União.

O texto, aprovado por unanimidade no tribunal, define que só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Marco Aurélio argumentou que a medida não impedirá o trabalho de policiais, apenas orientará o uso de algemas, que é utilização da força, segundo ele. É claro que continuamos a aplaudir o trabalho que vem sendo desenvolvido pela Polícia Federal em prol dos cidadãos; mas devem ser afastados os exageros, acrescentou.

O Ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou que antes de definir como a Polícia Federal aplicará a decisão do STF nas ações, irá analisar os fundamentos da nova regra.

Vamos ter que examinar qual foi a discussão que fundamentou a súmula e a partir dessa decisão nós vamos traçar as normativas para a PF se comportar. A ordem é cumprir rigorosamente a decisão da Justiça sempre. O que tem que se ver é qual a forma operacional para isso para proteger o agente e fazer uma custódia bem feita, ponderou.

 

Do exposto, observa-se que o encarregado de aplicação da lei não pode utilizar as algemas simplesmente para satisfazer o seu interesse pessoal. Tal recurso, apesar de não estar expressamente regulado por lei, somente poderá ser empregado em casos restritos, em que indícios concretos da periculosidade e possibilidade de fuga do preso, assim recomendarem. Entretanto, mesmo em se tratando de caso notório que exija a utilização das algemas, a todo o momento, deve ser assegurado ao preso, em sua plenitude, os direitos e garantias fundamentais asseguradas na Carta Magna brasileira, tratando-se de medida excepcional.

 

 

 

CONCLUSÃO

 

 

A humanidade vem experimentando, desde os tempos primitivos até a atualidade, expressiva evolução, desenvolvendo concepções jurídico-normativas que permitiram convolar a natureza bárbara em um sistema de direitos e garantias fundamentais que asseguram o integral desenvolvimento humano.

 

Destarte, a proteção dos direitos e garantias individuais é assegurada em todo o globo terrestre, tendo como marco fundamental a Declaração Universal dos Direitos Humanos, editada em 1948, como forma de coibir as atrocidades ocorridas na 2ª Guerra Mundial.

 

No Brasil, com o advento da Constituição de 1988, popularmente denominada Constituição Cidadã, os direitos e garantias fundamentais são erigidos à cláusula pétrea, de forma que passaram a representar os fatores reais de poder e, conseqüentemente, em razão da promoção do Estado Democrático de Direito, passaram a limitar o poder do próprio Estado.

 

Ocorre que, mesmo diante deste cenário normativo integral, em razão de não haver regulamentação específica afeta ao uso de algemas, o tema inspira o arbítrio dos agentes encarregados de aplicação da lei, acarretando, por vezes, em abuso do poder.

 

Ressalta-se que o emprego de algemas, enquanto recurso de uso da força, tem o escopo de prevenir e assegurar proteção à integridade física dos encarregados de aplicação da lei, de terceiros e do próprio preso e, ainda, evitar a fuga do preso, observada os princípios e normas Constitucionais e de Direitos Humanos afetos à matéria.

 

A salvaguarda da integridade física do preso compreende um dever dos encarregados de aplicação da lei, cabendo-lhes envidar todo o esforço necessário a assegurar a integridade física e moral do cidadão infrator. Assim, o emprego de algemas perpassa o campo do uso da força como instrumento de repressão de qualquer mal, mas, sobretudo, assume, nos termos das normas e princípios insertas no ordenamento jurídico pátrio, a conotação de instrumento de prevenção e promoção dos direitos e garantias fundamentais.

 

Face ao exposto, diante dos novos paradigmas jurídico-normativos instituídos pelas normas de Direitos Humanos e pela Constituição Federal do Brasil, através dos quais os direitos e garantias individuais se apresentam como base do Estado Democrático de Direito, o presente trabalho monográfico examina os aspectos legais que envolvem o emprego de algemas, visto que no país, em razão de mora legislativa, não existe um instituto jurídico-normativo que regule especificamente a utilização das algemas nas atuações desencadeadas pelos encarregados de aplicação da lei.

 

Com base no que se pesquisou e nos dados da pesquisa, pode-se afirmar que os objetivos colimados para o trabalho foram plenamente alcançados.

 

As hipóteses elencadas para responder ao problema do trabalho foram as seguintes:

 

a) no Brasil, apesar de não haver lei específica que regule o uso de algemas, os princípios constitucionais e de Direitos Humanos, inserem no sistema jurídico-normativo restrições ao uso de algemas, tratando-se tal conduta de medida excepcional;

 

Essa hipótese foi totalmente comprovada.

 

Compulsando-se os institutos normativos que integram a ordem jurídica afeta aos Direitos Humanos, os ditames Constitucionais e as normas infraconstitucionais, mesmo diante da inexistência de norma específica que regule o uso de algemas, nota-se que os direitos e garantias fundamentais, sobretudo, o princípio da dignidade humana, deve ser observado quando da prisão ou condução de um cidadão infrator.

 

Neste sentido, destacamos o que asseverou a suprema corte brasileira, ao julgar o Habeas Corpus 89.429/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22.8.2006:

 

[...] No tocante à necessidade ou não do uso de algemas, aduziu-se que esta matéria não é tratada, específica e expressamente, nos códigos Penal e de Processo Penal vigentes. Entretanto, salientou-se que a Lei de Execução Penal (art. 199) determina que o emprego de algema seja regulamentado por decreto federal, o que ainda não ocorreu. Afirmou-se que, não obstante a omissão legislativa, a utilização de algemas não pode ser arbitrária, uma vez que a forma juridicamente válida do seu uso pode ser inferida a partir da interpretação dos princípios jurídicos vigentes, especialmente o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade. Citaram-se, ainda, algumas normas que sinalizam hipóteses em que aquela poderá ser usada (CPP, artigos 284 e 292; CF, art. 5º, incisos III, parte final e X; as regras jurídicas que tratam de prisioneiros adotadas pela ONU , N. 33; o Pacto de San José da Costa Rica, art. 5º, 2). Entendeu-se, pois, que a prisão não é espetáculo e que o uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional e que deve ser adotado nos casos e com as finalidades seguintes: a) para impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; b) para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. Concluiu-se que, no caso, não haveria motivo para a utilização de algemas, já que o paciente não demonstrara reação violenta ou inaceitação das providências policiais. Ordem concedida para determinar às autoridades tidas por coatoras que se abstenham de fazer uso de algemas no paciente, a não ser em caso de reação violenta que venha a ser por ele adotada e que coloque em risco a sua segurança ou a de terceiros, e que, em qualquer situação, deverá ser imediata e motivadamente comunicado ao STF.

 

Também a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem corrobora: [...] Artigo XXV - Ninguém pode ser privado da sua liberdade, a não ser nos casos previstos pelas leis e segundo as praxes estabelecidas pelas leis já existentes [...].

 

Ainda, a Constituição da República Federativa do Brasil aduz:

 

Art. 5o - Direito à integridade pessoal

[...]

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o devido respeito à dignidade inerente ao ser humano.

 

Portanto, o uso indiscriminado de algemas, em observância dos preceitos que devem orientar o emprego da força, acarreta em responsabilidade penal, civil e administrativa ao encarregado de aplicação da lei.

 

b) o uso indiscriminado de algemas por parte dos encarregados de aplicação da lei acarreta em flagrante violação de direitos fundamentais e, conseqüentemente, acarreta em abuso de autoridade nos termos da Lei Nº. 4.898 de 09 de dezembro de 1965.

 

Comprovada totalmente.

 

Neste sentido, aduz a Lei Nº 4.898 de 09 de dezembro de 1965 (Regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade), que aduz:

 

Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

[...]

i) à incolumidade física do indivíduo

[...]

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

[...]

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei [...]

 

Salienta-se que a preocupação nacional - com possíveis excessos e o uso indiscriminado das algemas - ajuda a preservar os valores da dignidade humana e a observar as regras fundamentais da Constituição Federal.

                       

Ressalta-se, ainda, que o egrégio Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, guardião da Constituição, com o escopo de suprir a lacuna legislativa, exarou a Súmula Vinculante Nº 11 que in totum assegura:

 

Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

 

Nota-se que o supracitado dispositivo atribui responsabilidade ao encarregado de aplicação da lei que, no exercício de seu nobre mister de servir e proteger o povo brasileiro, inobservar o preceito normativo da súmula.

 

 

c) Não há um consenso entre os encarregados de aplicação da lei acerca dos pressupostos fáticos que autorizam o emprego de algemas.

 

Esta hipótese foi totalmente comprovada.

 

Cumprindo os requisitos de validade do ato administrativo, toda ação desencadeada pelos encarregados de aplicação da lei deve ser motivada, isto é, acompanhada dos pressupostos fáticos e jurídicos que fundamentaram a decisão, o que ensejou, após reiteradas decisões acerca da matéria, a edição da súmula vinculante nº 11 que trata da matéria.

 

Destarte, é importante observar que no século XXI, o século da evolução tecnológica (cibernética, informática, etc.), da medicina, da inteligência emocional, da proteção integral dos direitos afetos ao gênero humano, etc. , o encarregado de aplicação da lei não pode adotar uma atitude análoga àquela que os nossos mais primitivos ancestrais adotavam, através de práticas instintivas que tinham o escopo único e exclusivo de retribuir sumariamente a agressão desferida pelo oponente, sob pena de, nos termos da lei, ser responsabilizado civil, penal e administrativamente por sua conduta.

 

Por derradeiro, com o escopo de transmitir o verdadeiro espírito que deve orientar a atuação de todas as autoridades no Século XXI, destacamos as sábias lições do mestre BALESTRERI[liii]:

 

Quais, então, são as vitórias humanas que evocam o mais justo orgulho, as que melhor expressam a qualidade de nossa evolução desde os primórdios?

Nem arquitetônicas, nem médicas, nem matemáticas, nem químicas, nem espaciais, nem eletrônicas, nem informáticas, nem cibernéticas, são, antes de tudo, vitórias morais.

Se há algo que possa ser considerado essencial ao que chamamos ‘civilização’, esse algo é a construção, lenta mais inexorável, do edifício da dignidade de cada ser humano e de suas comunidades.

Não há obra mais bela do que a consciência ética. Podemos dar diversos nomes a esse tesouro. ‘Direitos Humanos’ e ‘Cidadania’ são duas expressões emblemáticas da contemporaneidade para representar tal patrimônio.

Evidentemente, ainda falta muito. Todos sabemos o quão pouco respeitada é a maioria dos cidadãos do planeta.

Grande parte dos países ignora solenemente a questão dos Direitos Humanos. No entanto, os poderosos vivem tempos cada vez mais incômodos. A barbárie já não é bem tolerada e, cada dia, outras vozes se elevam, outras mãos se entrelaçam, em clamor universal por solidariedade.

Não é apenas poética, o que já seria encantador. É política, e da melhor qualidade.

O muito que há por fazer já não pode mais roubar-nos a esperança obreira, seminal para o hoje e para o amanhã.

Toda grande causa – e essa é, de todas, a maior – necessita seus marcos de referência. Eles são, antes de tudo, legados históricos, patrimônios do espírito, reservas morais acumuladas.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos coroa, como síntese, o sofrido labor de milhões por uma sociedade mais justa, e aponta, como competente mapa, os caminhos do presente e do futuro desejados. Não esta só, contudo, como marco referencial da civilidade. Ao seu lado, e por ela engendrados, um corolário de pactos, convenções, tratados internacionais, dão testemunho do valor de nossa razão e sentimentos, bem como de nossas imensas potencialidades.

‘É só papel, dirão os céticos.

É luta transformada em letra, diremos nós. É constatação mas é também proposta. É roteiro.

Foram necessários milênios para que se admitissem paradigmas universais de caráter igualitário.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma epístola humanizadora que nos compromete com a lembrança do melhor de nossa história, que continua como promessa e possibilidade. Sistematiza, dá ordenamento e justifica poderosamente o nosso fazer social.

Seus artigos são Atas da Humanidade!

Alguns teólogos cristãos progressistas dizem que a Bíblia continua a ser escrita, mesmo que não nos apercebamos da função sagrada de muitos textos que produzimos na linguagem da modernidade.

Se acreditamos nisso, mui respeitosamente, poderemos considerar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ofertada por mãos do presente, como uma obra divinamente inspirada.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

ALBERGARIA, Jason. Comentários à lei de execução penal. Rio de Janeiro: AIDE Ed., 1987.

ASSEMBLÉIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução Nº 34/169, de 17 de dezembro de 1979. Adotou o Código de Conduta para os Responsáveis pela Aplicação da Lei. ONU, 17Dez1979.

ASSEMBLÉIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução Nº 46/166, de 18 de dezembro de 1990. Princípios Básicos para o uso da Força e das Armas de fogo dos responsáveis pela aplicação da lei. ONU, 18Dez1990.

ASSIS, Jorge Cesar. Lições de direito para a atividade das Polícias Militares e das Forças Armadas. 6. ed. Revista e Ampliada. Curitiba: Editora Juruá, 2005.

BALESTRERI, Ricardo Brisolla (organizador) et al. Na Inquietude da Paz. 2. ed. rev. e ampl. Rio Grande do Sul: Gráfica Editora Bertheir, 2003.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Decreto-lei Federal Nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. ed. São Paulo: Saraiva.1999.

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[i] CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: [s.n.], 1998. p. 221.

 

[ii] NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 45.

[iii] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2005. pp. 14-15.

 

[iv] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 95

[v] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. Tradução de João Batista Machado. Coimbra: Armênio Armado, 1984. p. 269

 

[vi] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2001. p. 247

[vii] DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. 5. ed. Trad. Antônio José Brandão. Coimbra: Armenio Armado, 1979. p. 213

 

[viii] ob. cit. p. 213

[ix] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0 [corresponde à 3. edição, 1ª. impressão da Editora Positivo, revista e atualizada do Aurélio Século XXI, O Dicionário da Língua Portuguesa, contendo 435 mil verbetes, locuções e definições].

 

[x] SILVA, Uélton Santos. Uso de algemas. Revista Jurídica Consulex, ano XI, nº 241, Brasília, 2007. p. 36

 

[xi] PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: Evolução Histórica. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. 752 p.

 

[xii] PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Emprego de Algemas: notas em prol de sua regulamentação. Revista dos Tribunais. São Paulo, vol. 592, ano 74, p. 275-292, fev. 1985.

 

[xiii] ob. cit. p. 276

 

[xiv] PRADO, Luís Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 1: Parte Geral, arts. 1º a 120. 3. ed. rev., atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. pp. 97-98.

 

[xv] MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei nº. 7210 de 11.7.84. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 1992. p.462

 

[xvi] PINHO, Rodrigo César Rebello. Da organização do Estado, dos poderes e histórico das constituições. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 150-151

 

[xvii]  SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 8. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 1992. p. 75

[xviii] BALESTRERI, Ricardo Brisolla (organizador) et al. Na Inquietude da Paz. 2. ed. rev. e ampl. Rio Grande do Sul: Gráfica Editora Bertheir, 2003. p. 17

 

[xix] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Ed. Max Limonad, 1997. p.33

 

[xx]  ASSEMBLÉIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução Nº 34/169, de 17 de dezembro de 1979. Adotou o Código de Conduta para os Responsáveis pela Aplicação da Lei. ONU, 17 dez. 1979. 5 p.

[xxi] ROOVER, Cees de. Direitos humanos e direito internacional humanitário para forças policiais e de segurança. Genebra: Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 1998. Cad.2: Direito internacional dos direitos humanos; Cad.4: Aplicação da lei nos estados democráticos; Cad.5: Conduta ética e legal na aplicação da lei; Cad.6: Prevenção e detecção do crime; Cad.7: Manutenção da ordem pública; Cad.8: Captura; Cad.10: Uso da força e de armas de fogo; Cad.13: Vítimas da criminalidade e do abuso de poder.

 

[xxii] ASSEMBLÉIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução Nº 46/166, de 18 de dezembro de 1990. Princípios Básicos para o uso da Força e das Armas de fogo dos responsáveis pela aplicação da lei. ONU, 18 dez. 1990. 6 p.

 

[xxiii]  PAIXÃO, Ana Clara Victor da. O uso da força e das armas de fogo pela polícia. Serrano, São Paulo. 2000. Disponível em http://www.ibccrim.org.br/ (acesso em 07Ago2010).

[xxiv] SILVA, Odir Odilon Pinto da. Comentários à lei de execução penal. Rio de Janeiro: AIDE, 1986. p. 224

 

[xxv] Importante ressaltar que a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, já em seu dispositivo preambular, isto é, quase na mesma posição topográfica do texto Constitucional, positiva a proteção integral à dignidade da pessoa humana aduzindo ipsis litteris: Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz do mundo. Nota-se que o legislador pátrio, aos moldes do que vem ocorrendo no mundo em relação à proteção dos Direitos Humanos fundamentais, tem buscado assegurar, mesmo que através de instrumento formal, condições dignas de vida a todos os cidadãos, com vistas a promoção integral de seu desenvolvimento. Neste sentido, cabe à população de uma forma geral e, principalmente às autoridades, transformar este conteúdo normativo que não passa de um pedaço de papel, nos fatores reais de poder, de forma que tal proteção seja uma realidade social.

[xxvi] BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 39 / 2002. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 269

 

[xxvii] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007. pp. 36-37

 

[xxviii] A respeito da importância da Lei de Execução Penal ALBERGARIA (ALBERGARIA, Jason. Comentários à lei de execução penal. Rio de Janeiro: AIDE Ed., 1987. p. 5) esclarece: A edição da Lei de Execução Penal constitui notável avanço na cultura jurídico-penal do país. Já há muito tempo, paises da mesma cultura e civilização do Brasil publicaram a sua lei penitenciária. Na verdade, houve várias tentativas de eminentes juristas para dotarem o Brasil de um código penitenciário, como o Projeto de 1933 e os Anteprojetos de 1957, 1963 e 1970. Esse empenho atendia à tendência universal de renovação da legislação penal, a partir da Segunda Guerra Mundial. A Polônia foi o primeiro pais a publicar o Código de Execução Penal. Logo em seguida, leis penitenciárias foram editadas na Europa, nos países ocidentais e nos países socialistas, como também na América. São leis que receberam a influência do direito comparado e da legislação positiva da ONU. Tanto o direito penal como o direito penitenciário situam-se num contexto cultural universal, como demonstrou JESCHECK, ao examinar na legislação comparada mudança do direito penal no mundo provocada pelo progresso das ciências criminológicas. Estudou esse iminente criminalista a reforma penal nos países da Europa, Estados Unidos, Japão, África e América Latina. A Lei de Execução Penal inscreve-se nesse contexto cultural universal, sem embargo da longa demora de sua instituição. Num rápido confronto, verifica-se que a mesma concepção que presidiu à elaboração da Lei de Execução Penal de serviço destina-se a regular o desenvolvimento de um serviço ou atividade administrativa [...].

 

[xxix] ob. cit. p. 462

[xxx] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 22. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2000. pp. 412-413

[xxxi] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. pp. 459-466

 

[xxxii] MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado: referências doutrinárias, indicações legais, resenha jurisprudencial: atualizado até abril de 1999. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999. pp. 368-369

 

[xxxiii] CASTELO BRANCO, Tales Oscar. Da prisão em flagrante: doutrina, legislação, jurisprudência, postulações e casos concretos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. pp. 85-86

 

[xxxiv] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 3. ed. rev., atual e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 572

 

[xxxv] ob. cit. p.572

 

[xxxvi] TORNAGHI, Hélio, Curso de Processo Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 39

 

[xxxvii]  LINHARES, Marcelo Jardim. Estrito cumprimento do dever legal. Exercício regular do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1983. p. 261

 

[xxxviii] DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 7. ed. atual.e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. pp. 147-148

 

[xxxix] FRANCO, Alberto Silva. STOCO, Rui (coordenadores). Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 267

 

[xl] CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. Revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 542

 

[xli] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 122

[xlii] CRETELLA JÚNIOR, José. Controle jurisdicional do ato administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992. pp. 46-47

[xliii] FREITAS, Gilberto Passos de, FREITAS Vladimir Passos de. Abuso de Autoridade: Notas de legislação, doutrina e jurisprudência. 3. ed. rev. e aum. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. pp. 43-48

[xliv] ob. cit. pp. 59-61

[xlv] ASSIS, Jorge Cesar. Lições de direito para a atividade das Polícias Militares e das Forças Armadas. 6. ed. Revista e Ampliada. Curitiba: Editora Juruá. 2005. p.42

 

[xlvi] Ressalta-se a respeito do assunto que a regulamentação por parte dos organismos estaduais do uso de algemas, nos termos do Art. 22, I, da Constituição Federal, que preconiza in verbis Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual [...] é questionável, entretanto, serve de parâmetro para corroborar os princípios que devem ser observados na uso de algemas por parte dos organismos policiais.

[xlvii] RUIZ, Serupi. Comentários. Disponível em http://br.grupos.com.br/policial-br (acesso em 19Mar2007).

 

[xlviii] MINAS GERAIS, Polícia Militar de. Comando Geral. Manual de Prática Policial. Belo Horizonte. vol. 1. 2002. 120p. pp. 73-74

[xlix] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7. ed. Coimbra: Edições Almedina, 2003. pp. 1299 e 1300

[l]  Eis o conteúdo literal inserto no citado dispositivo legal: Art. 497 - São atribuições do presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente conferidas neste Código: I – regular a polícia das sessões e mandar prender os desobedientes.

[li] O citado dispositivo jurídico-normativo, logo em seu Art. 2º assevera: O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei. § 1o  O enunciado da súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.

 

[lii]  Fonte: http://www.consulex.com.br/juris.asp (acesso em 14Ago2010)

[liii] ob. cit. pp. 29-30

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