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 Sala dos Doutrinadores - Monografias
Autoria:

Marcello Fernandes Leal
Advogado Bacharel em direito pela UNIRIO; Especialista em direito tributário pela UFF; Professor de Direito Tributário na pós-graduação da UGF e de diversos Cursos preparatórios. Colaborador do site: www.tributarioeconcursos.com

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A ordem pública na arbitragem comercial internacional

Trata sobre o instituto jurídico da arbitragem nas relações comerciais internacionais e o recurso de ofensa à ordem pública que poderá ser invocado pelas partes quando da homologação de uma sentença arbitral num determinado foro.

Texto enviado ao JurisWay em 09/07/2009.

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FACULDADE DE DIREITO

 

 

MARCELLO FERNANDES LEAL

 

 

 

 

A ORDEM PÚBLICA NA ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RIO DE JANEIRO

2008

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS – CCJP

ESCOLA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – ECJ

 

 

MARCELLO FERNANDES LEAL

 

 

A ORDEM PÚBLICA NA ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL

 

 

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Escola de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito

 

 

Profª. Orientadora: Flora Strozenberg

 

 

 

 

 

 

 

Rio de Janeiro

2008

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS – CCJP

ESCOLA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – ECJ

 

 

MARCELLO FERNANDES LEAL

 

A ORDEM PÚBLICA NA ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL

 

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Escola de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito

 

Banca Examinadora:

 

______________________________________

Prof.ª Orientadora: Flora Strozenberg  

 

 

______________________________________

 

 

 

______________________________________

 

 

Rio de Janeiro

2008

 

 

 

AGRADECIMENTOS

 

A minha família, em especial aos meus pais Jorgina e Wilson Leal, por nunca terem medido esforços em me ajudar, sempre terem me apoiado e participado nas minhas conquistas.

A minha namorada, Deborah, pelo amor e carinho e por sempre me incentivar quando me faltaram as forças.

A todos aqueles que fazem parte da minha vida e de alguma força fizeram com que fosse possível a minha caminhada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

É possível visualizar a evolução futura, e na verdade desejável, do controle das sentenças à luz da ordem pública: cada Estado continuará senhor de seu território, mas o juiz de controle poderá sempre referir-se a uma concepção internacionalista de ordem pública por meio da noção de ordem pública verdadeiramente internacional.”

Jean-Baptiste Racine

(apud ALMEIDA, Ricardo Ramalho. Arbitragem Comercial Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.251)

 

 

 

 

 

 

 

RESUMO

LEAL, Marcello Fernandes. A ordem pública na arbitragem comercial internacional. Monografia (Graduação em dezembro de 2008). Faculdade de Direito da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

 

O presente trabalho tem por objetivo estudar a ordem pública interna propriamente dita e àquela referente tão somente a relações internacionais e sua aplicação nas relações comerciais internacionais como parâmetro e limite a ser seguido a fim dessa ter sua validade reconhecida pelas jurisdições estatais. Para um maior entendimento sobre o tema, buscou-se trazer da mais autorizada doutrina diversos comentários sobre o instituto da arbitragem, tal como a sua antiguidade como instituto jurídico de direito privado apto a dirimir conflitos, malgrado venha tendo sua importância reconhecida somente nas últimas décadas. Traçou-se um paralelo entre a jurisdição estatal, demonstrando com isso as suas principais vantagens sobre esta, como por exemplo a celeridade do seu procedimento e o julgamento feito por um especialista no assunto e de confiança das partes, estando, portanto, em maior consonância com as demandas das relações comerciais internacionais. Devido a sua desvinculação a qualquer ordenamento jurídico nacional, demonstrou-se que deverá a arbitragem, ainda assim, estar de acordo com a ordem pública interna das jurisdições nas quais pretender ver-se reconhecida e que tal controle deverá não só ser feito pelo poder judiciário quando vir a se pronunciar, mas também pelo juízo arbitral. Finalmente estudou-se com maiores pormenores o conceito de ordem pública, principalmente a internacional ou a interna com relevância internacional, verificando sua tendente uniformização nos ordenamentos nacionais pelo mundo, dando mais autonomia ao processo arbitral e a postura do ordenamento jurídico nacional quando da recepção de uma sentença arbitral estrangeira.

 

 

Palavras-Chave: Arbitragem; Ordem pública; Comércio Internacional; Homologação de sentença arbitral.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ABSTRACT

LEAL, Marcello Fernandes. Public policy and its application on the international commercial arbitration. Final dissertation (Graduated in December, 2008). UNIRIO Law School.

 

This essay studies the public policy institute and its application on the international commercial arbitration, as a parameter to be taken into consideration when verifying its validation under the auspices of an international award settling an international commercial dispute. In order to cast more light on the present subject matter, the most authorized doctrine about arbitration has been consulted, showing that it is no modern innovation, even though its importance is being recognized only in the past few years. It's been tried to demonstrate the advantages of arbitration as a alternative way to settle commercial disputes, such as its celerity and the arbiter specialized skills, in comparison of the ordinary judicial way. It is not submitted to any national judicial system around the globe in particular, however arbitration must abide to public policies of those countries it must be enforced in. The whole process must be done according to that public policies and its adequacy must be checked not only by the judge when deciding over its accordance to the internal public policy regarding international matters, but by the arbiters as they work on settling down the dispute. Finally, it was studied more carefully the concept of public policy, mainly its  repercussions on the international commercial relations, observing the modern tendency to make it uniform among the different judicial system around the world, giving more autonomy to the arbitration itself.    

 

Key-words: Arbitration; Public policy; International commerce, International award recognition.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................10

2 A ARBITRAGEM COMO FORO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS........................13

2.1.  CONCEITO DE ARBITRAGEM..........................................................................13

2.1.1  Diferença entre arbitragem, mediação e autocomposição...............................13

2.1.2  Conceito de arbitragem comercial internacional..............................................14

2.2  TEORIAS SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM.......................16

2.3  VANTAGENS SOBRE A JURISDIÇÃO ESTATAL..............................................19

2.4   BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ARBITRAGEM.......................................21

2.4.1  Na antiguidade e idade média..........................................................................22

2.4.2  No Brasil...........................................................................................................23

3  BREVES COMENTÁRIOS À LEI DE ARBITRAGEM BRASILEIRA....................26

3.1  CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 9.307/96.................................................26

3.2 O PROCEDIMENTO ARBITRAL..........................................................................28

3.3  CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM.......................................................................30

3.3.1 Cláusula compromissória..................................................................................31

3.3.2 Compromisso arbitral........................................................................................33

3.4  OS ÁRBITROS....................................................................................................35

3.5  ARBITRAGEM INSTITUCIONAL........................................................................38

3.5.1 Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional.......40

3.5.2 Associação Americana de Arbitragem..............................................................41

3.6   A SENTENÇA ARBITRAL..................................................................................42

3.6.1  Laudo arbitral ou sentença arbitral?.................................................................43

3.6.2  Os requisitos de validade e efeitos da sentença arbitral..................................44

4 A ORDEM PÚBLICA NA ARBITRABILIDADE E NA HOMOLOGAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA............................................................47

4.1 A ARBITRABILIDADE..........................................................................................47

4.1.1 Limites à escolha da lei aplicável pelas partes.................................................48

4.1.2 Julgamento por direito e por eqüidade..............................................................50

4.2  LIMITES À ABITRABILIDADE.............................................................................53

4.2.1  Ordem pública..................................................................................................54

4.2.1.1 Conceito de ordem pública interna e internacional........................................55

4.2.1.2 Conceito de ordem pública transacional........................................................57

4.2.2 Normas imperativas ou de aplicação imediata..................................................58

4.2.3 Os bons costumes.............................................................................................59

4.3 HOMOLOGAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA.........................60

4.3.1  O procedimento da homologação de sentença arbitral estrangeira.................62

4.3.2 O entendimento do Supremo Tribunal Federal antes e depois da edição da Lei de Arbitragem.............................................................................................................64

5  CONCLUSÃO........................................................................................................67

6  BIBLIOGRAFIA......................................................................................................70

7 ANEXOS.................................................................................................................73

A Lei 9.307/96............................................................................................................74

B Coletânea jurisprudencial.......................................................................................85

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 – INTRODUÇÃO

 

A arbitragem como instituto apto a solucionar conflitos entre as partes, através da justiça privada, tem sua evolução histórica traçada desde a antiguidade, não sendo, sobremaneira, uma invenção para atender as necessidades do mundo moderno. É uma das formas aceitas pela jurisdição estatal para dirimir conflitos fora desta, juntamente com a mediação e a autocomposição de litígios. Contudo, dependendo da complexidade do caso concreto, a arbitragem é o meio mais recomendável vez que a solução será dada através de uma sentença emanada por um juízo composto por árbitros especialistas e de confiança das partes, vinculando essas a sua decisão.

Na Europa vários diplomas legais trataram da arbitragem ao longo da história e, no Brasil, o instituto é conhecido desde a época da colonização portuguesa, com a primeira lei que versava sobre o assunto vindo a ser editada após a proclamação da independência. Todavia, o instituto apesar de conhecido não vinha sendo muito utilizado, passando a ganhar força no cenário internacional com a flagrante inadequação da via judiciária com o cenário das relações comerciais internacionais.

O dinamismo das relações comerciais internacionais demandaram, então, um sistema de resolução de conflitos que pudesse acompanhá-lo, que se baseasse na autonomia da vontade para seu funcionamento e que fosse idôneo a ter sua decisão compelida. Através da redução das formalidades necessárias a sua validade e da desvinculação a um ordenamento jurídico nacional, a arbitragem possibilitou aos contratantes internacionais a pactuar em que termos, utilizando-se de qual regramento jurídico, gostariam de ver pacificado o litígio entre eles instaurado. Assim, a arbitragem foi sendo cada vez mais utilizada tornando-se o verdadeiro “Poder Judiciário” nas relações comerciais internacionais. 

O Brasil, até então em descompasso com o cenário mundial no que se referia às relações comerciais internacionais, por meio de entendimentos demasiadamente legalistas e até mesmo retrógrados encampados nos julgados do Supremo Tribunal Federal à época, impedia a popularização da arbitragem no território nacional. Esse cenário veio a mudar somente no final do século passado, com a edição da Lei de Arbitragem, lei nº 9.307/96, que regulamenta este instituto no Brasil, agasalhando importantes princípios consagrados por autorizada doutrina, colocando o país numa posição mais progressista.

No contexto das arbitragem comerciais internacionais, normalmente temos relações jurídicas plurilocalizadas, portanto, com pontos de conexão entre diversos ordenamentos jurídicos nacionais, inferindo-se daí, então, que poderão existir leis que legitimamente aplicar-se-iam ao contrato celebrado pelas partes nesta situação. Com a escolha entregue às partes da lei que regulará o procedimento arbitral, extingue-se uma possível antinomia que porventura viria a surgir na instauração de um processo pela via ordinária estatal a fim de solucionar um litígio advindo do cumprimento ou execução daquele contrato.

 Todavia, a arbitragem comercial internacional, por mais que seja um sistema desvinculado a uma jurisdição nacional, deverá estar de acordo com os parâmetros consagrados pelos tratados internacionais que versem sobre o tema, uma vez que a validade da sentença arbitral e sua executividade estarão vinculados a um ordenamento jurídico nacional eleito pelas partes na convenção arbitral. Esses parâmetros internacionais, conforme se demonstrará, segundo parte da doutrina, consubstanciam-se na ordem pública verdadeiramente internacional que deverá ser respeitada pelas arbitragens internacionais sob pena de serem ineficazes caso a sentença nessas emanadas, necessitem ser homologadas num determinado foro.

A ordem pública, que é a expressão dos valores jurídicos, políticos, econômicos e sociais de um determinado foro, é o principal limite à validade de um procedimento arbitral, vez que é com base nela que se verificará a validade do conteúdo de uma sentença arbitral pois, ainda que se tenha julgado por eqüidade ou de acordo uma lei estrangeira, não será possível afrontar a ordem pública internacional de um Estado nacional. A ordem pública internacional é aquela contida no conceito de ordem pública interna mas, é mais flexível do que este pois refere-se tão somente à repercussão de seus princípios e regramentos nas relações privadas internacionais, servindo como um parâmetro aferição de validade nestas relações.

Ao longo deste trabalho de conclusão de curso, serão apresentados, em forma de capítulos, as principais características sobre a arbitragem como instituição, analisando sua natureza jurídica, conceituação e evolução histórica para em seguida delimitar o campo teórico com as peculiaridades da arbitragem comercial internacional e as vantagens que esta oferece em comparação com a jurisdição estatal. Mais adiante, será traçada uma breve análise da Lei de Arbitragem brasileira, dissertando  sobre sua constitucionalidade, as modalidades de arbitragem existentes, seu procedimento e a função das partes envolvidas nessa relação. Finalmente, na última parte deste trabalho será enfrentado o tema proposto onde serão abordados das principais características da ordem pública e sua ingerência na arbitragem comercial internacional.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 A ARBITRAGEM COMO FORO DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

 

2.1  CONCEITO DE ARBITRAGEM

 

A doutrina tanto a nacional quanto a estrangeira não elaborou, ainda, um conceito largamente aceito de arbitragem, preferindo alguns autores, até mesmo, a uma conceituação negativa, enfocando na diferença desta em comparação com outras modalidades de resolução de disputas contrapondo-se à uma classificação objetiva desse conceito.

Uma definição, entretanto, aceita largamente na doutrina é que a arbitragem seria forma alternativa de composição de litígios entre as partes que a esta voluntariamente se submeteram ou, ainda, um meio paraestatal de solução de conflitos. Tal definição leva em conta, principalmente, a capacidade das partes de contratar e dispor de determinados direitos, submetendo determinada controvérsia a um julgamento que será feito por um terceiro, não integrante do poder jurisdicional estatal, denotando, assim, um meio de heterocomposição do litígio (CÂMARA, 2002, p.9).

A arbitragem encontra-se no “campo de liberdade” (MARTINS, 1999, p.33), em cujo espaço as partes poderão exercer o princípio da autonomia privada, uma vez que tal princípio “fornece o fundamento do direito da arbitragem (e do direito à arbitragem)”, podendo conceituar-se, então, como uma “jurisdição privada de origem contratual” (ALMEIDA, 2005, p.3). 

Em outros termos, conceituar-se-ia a arbitragem como um meio de solução de conflitos alternativos à jurisdição do Estado, opção esta feita diante das vantagens desta modalidade àquela estatal, tais como a celeridade e a economicidade, possibilitando as partes a escolha dos árbitros e, frise-se, que dessa jurisdição privada, nascerá também o poder e a autoridade dos árbitros para proferir tal decisão.

 

2.1.1  Diferença entre Arbitragem, mediação e autocomposição

Conforme o exposto acima, a arbitragem pode ser conceituada como uma forma alternativa de pacificar um determinado conflito, submetendo-se a contenda a um juízo arbitral de escolha das partes, adotando-se o conjunto de regras por estas escolhido. Através do reconhecimento da validade sob a ótica do princípio de ordem pública,deste procedimento por um ordenamento jurídico nacional, poderá a parte vencida ser obrigada a anuir com à decisão proferida por aquele juízo estatal.

A mediação ou conciliação também é considerada uma maneira alternativa de composição de conflitos à via ordinária, qual seja a tutela jurisdicional estatal, uma vez que naquela caberá a um terceiro, alheio a contenda, buscar uma solução do litígio apresentado, como um agente intermediador. Contudo, afasta-se da arbitragem pois, na mediação o terceiro ao tentar compor a contenda o fará de forma amigável sem, contudo, adentrar no mérito da questão, diferentemente do que ocorre na arbitragem.

A mediação poderá ser facultativa ou obrigatória, extrajudicial ou judicial. Como exemplo de mediação ou conciliação judicial obrigatória, temos aquela que o magistrado deverá designar, após a reforma do Código de Processo Civil (ultimando-se com a lei nº 11.276/2006), nos casos que versarem sobre direitos disponíveis pelas partes.

A autocomposição, também chamada de negociação direta, é aquela que as próprias partes buscam a solução da contenda, sem recorrerem a qualquer intervenção de terceiros, sejam integrantes ou não do poder jurisdicional estatal. É, como o próprio nome aduz: uma negociação, através da qual cada parte renuncia no todo ou em parte de um direito e/ou uma pretensão sua.  Caracteriza-se pela desistência, transação ou pelo reconhecimento de um interesse referentes ao litígio que se instaurou entre as partes, objetivando-se, com isso, o fim da contenda.

 

2.1.2  Conceito de arbitragem comercial internacional

A arbitragem comercial internacional é um ramo muito específico e especializado da arbitragem, que foi se desenvolvendo ao longo dos séculos sem estar vinculado a nenhum ordenamento jurídico nacional. Pode ser conceituada como um modo de solução de litígios empresariais, fundada na autonomia privada e na boa-fé ultrapassando as fronteiras de um único Estado nacional. (ALMEIDA, 2005, p.63)

Seu desenvolvimento teria sido feito de forma autônoma, com regras e princípios próprios, objetivando atender as necessidades da comunidade comercial mundial, não estando, portanto, restritas às normas dos ordenamentos jurídicos internos de um país em específico, ainda que o juízo arbitral tenha sede neste. Os árbitros que apreciarão as demandas que versam sobre regras e práticas internacionais, deverão ter em mente o intercâmbio cultural e jurídico, mantendo sua mentalidade aberta, independente e universalista. (BLESSING, 1999, p.153)

Faz-se necessário ressaltar que quando se diz que a arbitragem comercial internacional deve ser universalista, ou seja, não vinculada a um regramento jurídico nacional, significa dizer que as regras de direito a serem aplicadas por aquele juízo arbitral deverão ser aquelas convencionadas pelas partes, ainda que haja alguma dissonância com àqueles consagradas pelo país no qual o tribunal arbitral esteja sediado, respeitando-se, todavia, a ordem pública internacional desse, como se verá adiante. Pelo motivo de aquelas providências jurisdicionais incidentais, como por exemplo a execução de medidas cautelares, execução forçada da sentença arbitral, são bem-vindas e necessárias para o bom desenvolvimento das arbitragem, devendo ser levadas, então, preliminarmente, em consideração pelas partes quando da escolha do local sede da arbitragem.

Apesar da arbitragem dizer respeito a uma relação contratual, essencialmente privatista e, no caso específico da comercial internacional, mais do que qualquer outra, estar voltada a práticas e normas sem vinculação a nenhum país específico, não é correto afirmar, por esses motivos, que o deslinde do procedimento arbitral somente interessa às partes envolvidas. O que se quer dizer é que mesmo universalista, deverá o procedimento ser pautado pelas exigências de ordem pública, genericamente falando, ou seja, pelos interesses da coletividade tutelados pelo Estado, como no caso da comunidade de negócios internacional.

Além disso, a observância das normas de ordem pública é o pressuposto necessário e inescusável para o reconhecimento de uma sentença arbitral proferida no estrangeiro, sob pena de transformar a arbitragem num mero exercício teórico sobre uma problemática de um caso concreto sem, portanto, ter qualquer efetividade. Esta é a lição de Yves Derains:

 

O árbitro tem deveres perante as partes por conta das quais desempenha sua missão, mas ele os tem também perante a comunidade do comércio internacional, a Societas Mercatorum, a qual necessita ao mesmo tempo da arbitragem e de relações harmoniosas com os Estados. Ora, se bastasse recorrer à arbitragem para se subtrair às leis imperativas que sejam legitimamente aplicáveis, seria sobretudo a própria existência da arbitragem que seria colocada em questão pelos Estados que a têm favorecido. (Apud, ALMEIDA, 2005, p.66)

 

Outra detalhe de extrema relevância é que para uma arbitragem ser considerada comercial deverá ser proveniente de uma relação comercial propriamente dita. A Comissão de Nações Unidas para o Comércio Comercial Internacional[1], ao editar o regulamento sobre regras gerais para arbitragem comercial internacional, no ano de 1985, baseando-se no conceito dado pelo art. I da Convenção de Nova York, criou um vasto rol, que no entendimento majoritário da doutrina seria de cunho meramente exemplificativo, de quais relações poderiam ser consideradas como comerciais propriamente dita. Tal disposição deverá ser respeitada por todos os países signatários.

A importância desta distinção reside no fato de que, principalmente nos países de tradição jurídica romano-germânica, as relação comerciais estão disciplinadas por um corpo normativo diferenciado daqueles que regem as demais relações civis, como é o caso, por exemplo, do Brasil até o advento do Novo Código Civil, em 2002. Em alguns países do mundo somente as relações tidas como comerciais, nos termos do referido regulamento, são arbitráveis, preenchendo o requisito de arbitrabilidade objetiva (objeto de nosso estudo mais adiante), como por exemplo a África do Sul.

 

2.2  TEORIAS SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DA ARBITRAGEM

 

Com a evolução dos estudos sobre a arbitragem, algumas teorias sobre a sua natureza jurídica foram sendo desenvolvidas com enfoque em diferentes características desse instituto jurídico. Dessa sorte, registre-se que este tema ainda é alvo de grandes polêmicas vez que existem visões divergentes e conflitantes encontradas nas principais correntes doutrinárias.

Atualmente existem quatro principais teorias que tratam a respeito da natureza jurídica da arbitragem: a teoria contratualista ou privatista, a teoria jurisdicional, a Teoria híbrida ou mista e a Teoria autônoma. São elas:

A teoria contratualista ou privatista: baseia-se na liberdade das partes de contratar. Prioriza o conceito da autonomia da vontade, uma vez que a adoção dessa modalidade de solução de conflitos é voluntariamente adotada pelas partes,  escolhendo os julgadores de sua confiança para dirimir o litígio entre elas instaurado. Serão aplicadas as regras e princípios de direito eleitos por elas, podendo-se autorizar, até mesmo, o julgamento por eqüidade, ainda que sob os auspícios de um ordenamento jurídico nacional quando da verificação da adequação desta aos parâmetros de validade impostos pelo princípio de ordem pública nesse foro.

Aduzem os adeptos desta teoria ter a arbitragem uma natureza privatista com base na alegação de que a sentença arbitral (ou laudo arbitral como defendem alguns) não possuir força jurisdicional, pois tal decisum continuaria sendo “em essência, a extensão do acordo celebrado entre as partes, terreno exclusivo do direito obrigacional”, sendo necessário um posterior reconhecimento pelo poder judiciário para que possa produzir todos os seus efeitos. Além disso, não estaria o árbitro a conceder medidas cautelares no curso do processo arbitral, devendo as partes ter que se socorrer ao juízo estatal. (COSTA, 2002, p. 62).

A teoria jurisdicional: defende ser a arbitragem baseada mormente na soberania estatal, pois o reconhecimento pelo ordenamento jurídico da sentença arbitral, atribuindo-lhe, uma vez analisada sua adequação à este, seria requisito necessário para sua plena eficácia e executividade.

Segundo esta teoria,  os argumentos aduzidos pelos adeptos da teoria privatista para afastar a natureza jurisdicional da arbitragem seriam insuficientes. O primeiro ponto levantado é que a medida cautelar no ordenamento jurídico é uma exceção e não a regra da atividade jurisdicional. O Segundo, com relação ao poder de executar a sentença, diz que mais importante seria, como é no caso do ordenamento jurídico pátrio, a atribuição dada a sentença prolatada por um juízo arbitral dos efeitos de título executivo judicial.

Analisando o tema sob outro ângulo, consoante a conceituação feita acima,  é cediço que  a arbitragem é meio alternativo e imparcial de justa composição de conflitos, pois, legitimando-se na volição das partes, o árbitro com base no direito ou na eqüidade decidirá a contenda. Ocorrerá, então, uma substituição da vontade das partes, exatamente como ocorre quando acontece a jurisdição estatal.

Nesta seara, lembram os defensores da teoria jurisdicional a valiosa lição de Carnelutti: “a concepção de jurisdição pode ser resumida na justa composição da lide. Esta, por sua vez, consiste num conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida."  (Apud, COSTA, 2002, p.63).  Assim, entendem estar claro que o juízo arbitral enquadra-se perfeitamente na idéias de jurisdição lecionadas pelo supra-citado mestre italiano, sendo esta, portanto, uma atividade jurisdicional ainda que não realizada pelo Estado.

A arbitragem encontra-se sujeita a vontade estatal pois, apesar de um terceiro ter sido nomeado pela vontade das partes, são normas estatais que reconhecem a validade do laudo ou sentença arbitral, possibilitando-lhe a exeqüibilidade, determinando os poderes do arbitro, a validade das convenções arbitrais, medidas cautelares etc. 

 Em síntese, antes do advento da Lei 9.307/96, esta discussão seria válida, pois “o juízo arbitral significava um julgamento que só se aperfeiçoava quando recebia a força e autoridade do Estado por intermédio da homologação do laudo e, portanto, não era considerado atividade jurisdicional, hoje assim deixou de ser.” (FIGUEIRA JÚNIOR 1999, p.153)

Atualmente esta é a teoria majoritária, tendo como representantes os juristas brasileiros Carlos Alberto Carmona, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Humberto Theodoro Jr, Rosa Maria Andrade Nery e Pedro Batista Martins.

Teoria Mista ou Híbrida: reputa como sendo válidas algumas características tanto da teoria privatista como da teoria jurisdicional. Entende ser o nascedouro da arbitragem o emissão de vontade das partes e a partir dela se definirem todos os demais elementos procedimentais necessários para a pacificação da controvérsia.

Contudo, admite que somente terá validade no mundo jurídico o laudo arbitral que preencher os requisitos legais, em outras palavras, depende do Estado para produzir efeitos válidos ficando, neste ponto, mais próxima da teoria jurisdicional. Esta teoria é bastante difundida principalmente nos países de tradição da common law[2]. Dentre nossos juristas brasileiros, encontramos como defensores desta tese Sérgio Pinto Martins e Lilian Fernandes da Silva.

Teoria autônoma: Esta teoria sugere que a arbitragem seria um sistema independente de resolução de conflitos de qualquer ordenamento jurídico nacional. Estaria baseada somente nas práticas e normas desenvolvidas ao longo do tempo e largamente adotadas pelos comerciantes nas transações internacionais, a chamada lex mercatoria. É uma teoria relativamente nova e encontra poucos defensores na doutrina ao redor do mundo.

 

2.3 VANTAGENS SOBRE A JURISDIÇÃO ESTATAL

 

A instauração do procedimento arbitral se demonstra uma grande vantagem diante da realidade da via ordinária de composição de conflitos, qual seja a morosidade e a excessiva onerosidade da via jurisdicional, sendo, assim, incompatível com a agilidade necessária ao mundo negocial. Encontram-se exemplos de casos nos quais a jurisdição estatal, ao invés de solucionar o litígio que lhe foi apresentado, criou outros entraves para aquela solução, desrespeitando com isso o que seria a sua função precípua de apaziguadora, passando a figurar mais como um criador de problemas.

Desta forma, num mundo onde o tempo é um fator essencial, outra não foi a solução encontrada pelas partes, uma solução que se baseia na característica mais marcante desse ramo: a negocialidade pautada no princípio da autonomia da vontade. Percebeu-se que se obteria em menos tempo e de uma maneira muito mais eficaz se as partes acordassem em submeter a decisão que solucionará o conflito entre elas a um terceiro de sua confiança, de acordo com os critérios convencionados por elas. Esse pacto, uma vez firmado, já demonstra uma predisposição para uma solução célere do conflito, estampado na boa-fé dos litigantes.

Essa relação existente na arbitragem onde as partes deliberadamente se submetem a um julgamento de um terceiro de sua confiança, inexiste no poder judiciário, que se funda, ao contrário, na soberania do Estado para impor sua decisão. Por isso, é muito mais provável que o litígio seja resolvido de uma maneira mais célere quando a sua solução provêm de uma via negocial, submetendo-se voluntariamente a sua decisão, ao invés da via jurisdicional, com base na soberania.

Provavelmente o maior atrativo da via arbitral seja a celeridade desse procedimento. Normalmente a arbitragem costuma durar muito menos que uma ação judicial, podendo, até mesmo, constar na convenção arbitral um prazo razoável para que o tribunal arbitral profira uma sentença de mérito. Outro fator que muito influencia na sua brevidade, é a ausência de recursos, com pouquíssimas exceções que serão estudadas oportunamente, evitando-se com isso os excessivos formalismos que infestam o poder jurisdicional estatal,

Como os árbitros serão aqueles escolhidos pelas partes, pressupõe-se que seja levado em consideração critérios como a sua especialização técnica, o domínio sobre o assunto a ser tratado e a confiança neles depositada. É concedido às partes, por exemplo numa arbitragem que verse sobre relações de comércio, a oportunidade de vê-la apreciada por homens de negócios, afeitos ao tema, com domínio sobre as nuances imiscuídas neste ramo, ao invés da apreciação feita por um juiz togado, cuja competência para julgar o caso foi estabelecida de acordo com outros critérios.

Outro princípio da arbitragem, muito importante no ramo negocial, é a confidencialidade, que significa que a arbitragem será feita levando-se em conta a privacidade das partes, não escancarando para o mundo os detalhes do litígio que deverá solucionar. Nos procedimentos arbitrais uma pessoa estranha à relação arbitral só poderá presenciar o julgamento ou examinar os autos se as partes concordarem expressamente.

Poderão, ainda, as partes determinar que uma vez solucionado o conflito, serão destruídos todos os documentos que instruíram o procedimento arbitral. Este é um ponto relevante uma vez que nas relações comerciais os litígios lidam, em muitos casos, com informações sigilosas referentes às atividades empresárias das partes. No processo civil, de acordo com o princípio da publicidade dos atos, ocorre exatamente o inverso, demonstrando, nitidamente, sua ineficácia para a solução desses determinados conflitos.

Com a evolução das relações comerciais ao longo dos séculos, muitas práticas e regras foram abolidas e outras tantas consolidadas através de tratados, convenções, acordos, pactos e convênios, traduzidos pela expressão lex mercatoria.   São princípios e regras cuja prática reiterada as tornou praxe internacional no âmbito das relações comerciais internacionais, ainda que não sejam pertencentes a um ordenamento jurídico nacional. Com a adoção da arbitragem, principalmente no âmbito das relações comerciais internacionais, tais princípios e até mesmo o julgamento por eqüidade, poderão serem escolhidos pelas partes como fundamento apto a instruir a decisão arbitral, tornando-se essa lei entre as partes.

Contudo, é importante ressaltar que a escolha com relação à lei aplicável, terá sempre que ser lida sub a luz dos princípios da ordem pública, interna e internacional, da moral e dos bons costumes, visando a preservar a segurança jurídica, como se verá mais adiante.

Por fim, poderemos apontar como uma das grandes vantagens da via arbitral os custos mais baixos, em comparação com a via jurisdicional. Na arbitragem, ainda que sejam devidos os honorários dos árbitros, o pagamento das despesas ao longo do processo, não há taxas judiciárias, perícias técnicas judiciais, por serem os próprios árbitros os especialistas no assunto. Ainda que se discuta a substitutividade das taxas judiciárias pelo honorários dos árbitros, diante da brevidade da arbitragem, da inexistência de recursos, entre outros fatores, no final constata-se que esta é muito menos dispendiosa.

 

2.4 BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ARBITRAGEM

 

Para uma melhor compreensão do instituto em comento, faz-se forçoso uma breve análise de sua evolução ao longo da história da humanidade, ainda que bastante sintética, com o intuito de, apenas, demonstrar sua importância e sua larga utilização como forma alternativa de pacificação de conflitos.

 A arbitragem, ao contrário do que se pode imaginar, não é uma invenção da modernidade como um instrumento de solução de conflitos. A história demonstra que o instituto da arbitragem é um dos mais antigos na história da humanidade, concomitantemente com o da justiça privada, ganhando mais força com a evolução das práticas de troca de mercadorias.

Ainda nas mais antigas civilizações, sempre se teve em mente que no âmbito dos negócios o tempo é um fator importantíssimo. Assim, evitava-se levar determinados litígios, na sua grande maioria comerciais, a apreciação do juízo ordinário se, com isto, ante a morosidade e o alto custo deste, qualquer decisão emanada, ainda que favorável ao final, fosse carecer de plena efetividade do ponto de vista negocial.

Hodiernamente, a realidade não destoa daquela que consagrou a arbitragem como uma forma inteligente de se contornar os problemas encontrados na justiça estatal. Embalado pelas diversas inovações tecnológicas ocorridas no mundo, principalmente no campo da informação e transportes, o ramo dos negócios se transformou e, com isso, suas necessidades mais do que nunca por uma maneira rápida e eficiente de solução de conflitos faz-se necessária. Tais transformações tornaram patente a ineficiência da máquina jurisdicional estatal.

 

2.4.1  Na antiguidade e na idade média

Segundo Cretella Júnior, apud Lenza (1997), “... o instituto da arbitragem encontra-se na mitologia grega quando Páris funciona como árbitro entre Atenas, Hera e Afrodite, em disputa pela maçã de ouro, destinada pelos deuses à mais bela”

Estima-se que a arbitragem como instituição tenha surgido na Grécia Clássica (século VI a IV a.C.), durante as reformas introduzidas por Solon, com vários relatos de litígios sendo resolvidos utilizando-se desse instituto. Esta poderia ocorrer voluntariamente, através do compromisso arbitral ou e maneira compulsória. (LEMOS, 2001, p.4)

Aristóteles definiu o juiz do árbitro da seguinte maneira: “o árbitro visa à eqüidade, o juiz à lei; a arbitragem foi inventada para que a eqüidade fosse aplicada.” (LOPES, 2002, p.50)

No direito romano, as questões cíveis eram apresentadas, num primeiro momento, diante de um magistrado e, posteriormente, eram encaminhadas à um árbitro particular, o arbiter, que era escolhido pelas partes para julgar o processo. Era o chamado ordo judiciorum privatorum  ou ordem dos processos civis. Durante este primeiro período do processo, as legis acciones em muito se assemelhavam às atuais câmaras ou às cortes arbitrais. Devido a sua agilidade e eficácia perdurou durante muito tempo, mais precisamente até o período clássico, sendo abolido, somente com Justiniano. (LOPES, 2002)

Na idade média, principalmente na Europa, também era comum a utilização da Arbitragem como forma de pacificação de conflitos surgidos entre comerciantes e, em menor escala, entre nobres, cavaleiros, barões e proprietários feudais, uma vez que, normalmente, estes últimos se submetiam ao julgamento do Rei, em última instância, ou daquele numa posição hierárquica superior dentro da aristocracia medieval.

Em Portugal, conforme nos ensina Mello Freire, apud Oliveira Filho, apud Marcelo Reis, já era previsto o instituto da arbitragem, doravante a possibilidade de

 

recorrer-se aos amigáveis compositores ou compromissários do direito romano no século XIII; recebido esse direito canônico nas escolas e no foro, suas disposições sobre o juízo arbitral foram coordenadas no Livro 3º, Título 118, das Ordenações Afonsinas; Título 81 das Ordenações Manuelinas; e Título 18 das Ordenações Filipinas, legislação esta que passou a viger no Brasil em virtude da carta de lei de 20 de outubro de 1823. (REIS, 2006, p.15.)

 

Com relação às relações comerciais, a evolução da arbitragem na Europa medieval foi mais flexível, variando de acordo com as práticas e costumes adotados pelos mercadores de cada região e balizada pela legislação de cada país que a inspirou.

 

2.4.2  No Brasil

O Brasil ao longo da sua história teve diversos diplomas legais que regularam a arbitragem, possibilitando a aplicação desta em situações diversas sendo, em alguns casos, referentes até mesmo ao direito penal. Faremos uma breve análise desses principais diplomas legais.

Durante o período colonial do Brasil, no qual vigiam as Ordenações Filipinas e Manuelinas até a proclamação da república, conforme foi apontado acima, o instituto da arbitragem era previsto no Livro III, que tratava dos juízes e árbitros e dos arbitradores.

Com o advento da Constituição de 1824, a arbitragem passou a ser prevista no artigo 160, que previa que "nas cíveis, e nas penais civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juízes Árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim convencionarem as mesmas Partes"

Um caso bastante emblemático da utilização da arbitragem é aquele narrado pelo advogado Petrônio G. Muniz, cuja atualidade se faz patente, durante o período imperial brasileiro, na qual eram partes o Brasil e o Almirante Lord Cochrane. Neste caso foi utilizada a eqüidade pelo juízo arbitral, referente às presas de guerra, tendo durado da sua instauração à solução final, 7 meses, ao passo que a Corte de Presas levou meio século para tentar encontrar uma solução para o conflito, sem êxito. (Apud, SZKLAROWSKY, 2004)

O direito brasileiro regulamentava a arbitragem compulsória, através da edição da resolução de 26 de Julho de 1831, referente as questões relativas a seguro e da Lei 108, de 11 de outubro de 1837, referente aos dissídios provenientes de contratos de locação de serviços.

O Regulamento 737, de 1850, que tratava sobre o processo comercial, também distinguia a arbitragem voluntária da necessária. Tal distinção encontrava sua razão de ser pois tal diploma legal regulamentava o Código Comercial, do mesmo ano desse, que, por sua vez, no artigo 294, ao tratar das questões sociais porventura surgidas entre os sócios, durante a existência da sociedade ou da companhia ou, até mesmo, durante sua liquidação e partilha, previa a arbitragem, compulsoriamente, para dirimir tais conflitos. A lei em comento, no artigo 302, parágrafo 5º, traçava regras sobre como os árbitros seriam escolhidos e como seria pautado seu julgamento.

Após severas críticas a arbitragem compulsória pelos juristas da época, foi editado o Decreto 3.960, de 1867, que regulamentava a Lei 1.350, de 1866, que derrogou todos os artigos sobre a arbitragem compulsória, extinguindo, com isso, do  ordenamento jurídico pátrio o referido instituto.

O Código Civil de 1916, nos artigos 1.037 a 1.048, versava sobre o compromisso e a solução das pendências judiciais e extrajudiciais, mediante a indicação de árbitros, juízes de fato e de direito, não estando seu julgamento sujeito a interposição de recurso, salvo de previsto pelas partes no compromisso arbitral.

O artigo 1.037 era bastante claro e autorizava “as pessoas com capacidade de contratar de escolher a via arbitral, elegendo um árbitro com o objetivo de solucionar conflitos judiciais e extrajudiciais, a qualquer tempo”. Da mesma forma previram os Códigos de Processo Civil de 1939 e 1973, nos seus arts. 1.031 a 1.040 e 1.072 a 1.102, respectivamente. (MORAIS, 1999, p.177)

Com a proclamação da República, no dia 15 de novembro de 1889, foi facultados aos Estados-membros legislar sobre matéria processual. O Código paulista, mineiro e baiano, continham disposições sobre a arbitragem na mesma linha contida no Código Civil de 1916. (REIS, 2006, p.1)

Atualmente, com o promulgação da Lei sobre Arbitragem, Lei 9.307, de 1996, o Brasil tem um diploma legal específico que trata sobre o tema, facultando a adoção da arbitragem para a solução de litígios relativos a direitos disponíveis.

 

 

 

 

 

3  BREVES COMENTÁRIOS À LEI DE ARBITRAGEM BRASILEIRA

 

3.1  CONSITUCIONALIDADE DA LEI 9.307/96

 

Com o advento da Lei nº 9.307/96 que regulamenta a arbitragem no território nacional, devido a inovação trazida ao ordenamento jurídico pátrio por alguns de seus dispositivos, foi reaberto o debate sobre a constitucionalidade do instituto da arbitragem.

O referido diploma legal trouxe inovações como a execução compulsória da cláusula arbitral, a dispensa da homologação por juiz togado da decisão do árbitro e a irrecorribilidade da sentença arbitral que, de acordo com os seus opositores, feriam os princípios constitucionais da inafastabilidade do controle judicial (CFRB, art. 5º, XXXV), da garantia do devido processo legal (CFRB, art. 5º, LVI), da ampla defesa e da dupla instância de julgamento (CFRB, art. 5º, LV), do juiz natural (CFRB, art. 5º, LIII) e, por fim, além de contrariar proibição constitucional de criação de juízo ou tribunal de exceção (CFRB, art. 5º, XXXVII).

Primeiramente é forçoso esclarecer que o direito pátrio admite outras formas de composição de litígios paraestatais, como, por exemplo, a autocomposição que, apesar de diferir da arbitragem, está próxima desta no que se refere a solução do litígio buscada fora da esfera estatal e, nem por isto, reputa-se inconstitucional. A cláusula arbitral prevendo a instauração da arbitragem, implementando o juízo arbitral, transfere, por decisão voluntária das partes, a jurisdição para um terceiro de sua confiança.

Todo o processo de instauração do juízo arbitral funda-se na vontade das partes, tanto o é que estas para poderem fazê-lo deverão estar no pleno gozo de sua capacidade civil para contratar e, com base no princípio da boa-fé objetiva, se comprometem a submeterem-se voluntariamente à decisão emanada por aquele juízo, com base em leis e princípios avençados na convenção arbitral.

 Ademais, sempre que houver uma resistência de uma das partes não aceitando a instauração do juízo arbitral, ainda que tenha assinada a cláusula arbitral neste sentido, esta poderá socorrer-se ao poder judiciário que decidirá se o motivo que ensejou tal recusa é válido ou não.

Como outros exemplos da interferência do poder judiciário no procedimento arbitral podemos citar: a necessidade da homologação da sentença arbitral estrangeira; decidir sobre a arbitrabilidade do litígio em questão, ou seja, se este versa sobre direitos disponíveis; julgar a ação de anulação da sentença arbitral; garantir a execução da sentença arbitral; e julgar a procedência do pedido de quaisquer medidas de natureza cautelar.

Desta feita, a arbitragem não significa numa violação ao princípio da inafastabilidade do controle judicial pois, apenas trata-se de um acordo celebrado livremente pelas partes objetivando solucionar uma contenda fora da jurisdição estatal estando, todavia, em última análise, ao controle desse no caso da necessidade de se levar ao seu conhecimento qualquer decisão arbitral proferida.

Com relação ao princípio da ampla defesa, reza o art. 21, § 2º, da Lei da Arbitragem, que o procedimento arbitral deverá organizar sua atividade instrutória de acordo com os princípios do contraditório e da igualdade de tratamento dispensado às partes. Percebe-se, então, que a Lei disciplina o assunto de acordo com os mandamentos constitucionais, os mesmos que baseiam a atividade jurisdicional estatal, restando, desta forma, insubsistente os argumentos aduzidos por aqueles contrários à Lei.

No que diz respeito ao princípio do duplo grau de jurisdição, é importante salientar que este tem como destinatário a atividade jurisdicional estatal. A arbitragem, como já explicitada, é uma faculdade dada às partes que se baseia na boa-fé objetiva, ou seja, no desejo daquelas de verem solucionadas a contenda entre elas existente. Ela já é instaurada com o pressuposto que a sentença que dela advém é desejada, pois será emanada por juízo escolhido e com base em regras convencionadas pelas partes. Insurgir-se, então, contra decisão do árbitro é ir de encontro com os princípios que nortearam toda a instauração do procedimento arbitral.

Com relação ao princípio do juiz natural é importante lembrar o conceito de jurisdição estatal, por é a este que tal princípio constitucional se refere. A juridição, em outras palavras o dizer o que é de direito, é um poder uno e indivisível, de natureza abstrata exercido pelo Estado na sua soberania. Contudo, é delimitado em razão de competências aos órgãos jurisdicionais, seja em razão do local, da natureza da ação, da pessoa do demandante, para julgar as demandas que deverão ser apreciadas pelo poder judiciário.

Tais órgãos jurisdicionais são compostos por pessoas, divididos em razão da competência que lhe foram atribuídas, investidas do poder jurisdicional. Disto infere-se que quando é ajuizada uma ação para que o Estado preste o serviço jurisdicional, esta será distribuída, de acordo com o regimento daquele tribunal, a um juiz competente, que representará a própria figura do Estado, atribuindo-se a ele a denominação de juiz natural para o caso, não podendo, aprioristicamente, ser afastado da condução e julgamento do processo. (THEODORO JÚNIOR, 2005)

A sistemática do procedimento arbitral é outra, uma vez que a autoridade para julgar o processo apresentado ao juízo advém da escolha feita pelas partes, da submissão voluntária a sua decisão, sendo incorreto, assim, falar em violação ao princípio do juiz natural em sede de arbitragem.

Pelo mesmo motivo que a alegação de que a arbitragem, em última análise, consubstancia-se na criação de um tribunal de exceção, não deverá prosperar. A Constituição Federal permite a existência de meios alternativos de solução de controvérsias, impedindo, apenas, que seja atribuído o poder jurisdicional a tribunais criados em caráter temporário, de cunho excepcional, com o objetivo de julgar casos determinados, carecendo, desta forma, de legalidade, legitimidade, ferindo a imparcialidade do juiz, do direito a defesa e ao contraditório, ao devido processo legal.

Esta discussão acerca da Lei da Arbitragem já foi objeto de debates no Pretório Excelso, estando, atualmente, consolidado o entendimento pela sua constitucionalidade, através do julgamento proferido em 13/12/2001, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no recurso interposto em processo de homologação de Sentença Arbitral Estrangeira (Agr. Regimental de nº 5206-8/246).

 

3.2 O PROCEDIMENTO ARBITRAL

 

Neste tópico teceremos comentários sobre o procedimento arbitral em geral, destacando alguns pontos de maior relevância. Mais adiante, devido ao grande destaque dentro da matéria, serão estudados em tópicos apartados a convenção arbitral, os papéis desempenhados pelos árbitros e os requisitos e características da sentença arbitral.

Preliminarmente, faz-se forçoso diferenciar os conceitos de processo e procedimento, muito caros a doutrina processualista. Por processo entende-se a “relação jurídica que interliga os sujeitos processuais (as partes e o árbitro), atribuindo-lhes direitos, poderes e faculdades, e os correspondentes deveres, obrigações, sujeições e ônus”. O procedimento é o “modus operandi do processo, ou aquela seqüência de atos que lhe dão corpo, permitindo-lhe alcançar a resolução da lide”. (REIS, 2006, p.43)

Deste modo, constata-se a existência de um processo arbitral, que consubstancia-se na relação processual entre as partes pactuantes e o juízo arbitral e, igualmente, de um procedimento arbitral, que traduz-se no modo que se dará a relação processual, disciplinado no ordenamento jurídico pátrio na Lei da Arbitragem nº 9.307/96. Feitas essas considerações, passemos a analisar o procedimento arbitral.

A arbitragem obedecerá ao procedimento convencionado pelas partes na convenção arbitral (art. 21, caput). O procedimento arbitral será presidido por um ou por mais de um árbitro, instaurando-se neste caso um tribunal arbitral que terá como presidente aquele indicado pelas partes na convenção arbitral ou, em caso de omissão, na pessoa do árbitro mais idoso.

A legitimidade deste juízo arbitral, conforme já visto, vem da convenção arbitral, responsável, dentre outras coisas, em nomeá-los diretamente ou indiretamente. A escolha será indireta quando feita através de uma instituição, de acordo com os critérios desta, nomeada pelas partes na convenção arbitral.

O objetivo principal de todo o processo arbitral é a pacificação do litígio de uma maneira célere e menos dispendiosa possível, sendo assim, a conciliação entre as partes será sempre buscada a qualquer momento pelo juízo. Caso isto ocorra, o juízo arbitral tão somente homologará este acordo, através da sentença que terá natureza meramente declaratória, como se verá adiante. Todavia, não conseguindo a conciliação, prosseguirá normalmente o processo arbitral até a solução do litígio.

O tribunal poderá designar a um dos árbitros funções especializadas, como a de secretário e, ainda, poderá designar terceiros para atuar no processo arbitral como assessores, desde que concordem as partes, ainda que indiretamente.

O tempo de duração médio de um procedimento arbitral é de seis meses, conforme assinalado no art. 23, da Lei de Arbitragem, podendo as partes, inclusive, estabelecer um determinado prazo para que a sentença arbitral seja proferida, resultando, assim, numa maior economia processual em comparação com a tutela jurisdicional estatal.

 Sobre o prazo da sentença arbitral, é importante ressaltar que

 

na prática, em alguns casos mais complexos, o prazo de seis meses torna-se inviável. Nestas situações, ainda que inicialmente esteja previsto tal prazo, as partes ou os próprios árbitros têm solicitado a dilatação do prazo, o que é plenamente possível e, até mesmo, aconselhável. Não podemos nos esquecer de que a maior vantagem do instituto da arbitragem é a possibilidade de decisões justas e proferidas por árbitros especialistas. A ansiedade de ver proferida uma sentença arbitral em pouco tempo pode ocasionar problemas graves, que não são desejados pelas partes. Daí a importância de os árbitros, ao aceitarem exercer a sua função em um procedimento arbitral, analisarem o caso de forma a definir o prazo em que realmente será possível proferir a sentença arbitral. (LIMA, 2003, p.95)

 

A doutrina destaca duas fases no procedimento arbitral: a “pré-arbitral” e a “jurisdicional”. Por fase pré-arbitral, entende ser aquela na qual as partes celebração a convenção arbitral, seja através da cláusula arbitral, anterior ao surgimento do litígio, seja através do compromisso arbitral, posterior ao surgimento deste. A fase “jurisdicional” compreende a instauração do juízo arbitral, ou seja, necessariamente posterior ao litígio e, portanto, terá como objetivo a solução deste, ultimando-se com a entrega da sentença arbitral.

 

3.3  CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM

 

A Convenção de arbitragem, também chamada de convenção arbitral, é aquela na qual as partes escolhem o procedimento arbitral que será utilizado para a solução do litígio presente ou futuro, incluindo os árbitros e seus poderes, a lei aplicável ao caso, a sede do tribunal arbitral etc. A Lei de Arbitragem traz duas espécies do gênero convenção arbitral capazes de instaurar o juízo arbitral: a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

Com relação a diferença entre ambos os institutos, temos a elucidativa lição de César Fiúza:

 

A convenção arbitral, celebrada entre as particulares, pode apresentar-se de duas formas. Ou bem, desde o início, designam as partes o objeto do litígio e o nome dos árbitros, ou bem apenas se comprometem a se submeter à arbitragem, quando de futuras querelas. A primeira forma de convenção é compromisso concreto, cujos traços já são previamente delineados. Já a segunda forma não passa de compromisso abstrato, cujo conteúdo se delineia em momento futuro. À primeira dá-se o nome de compromisso arbitral. À segunda, cláusula compromissória (apud REIS, 2006, p.53)

 

A Lei reconhece o efeito de instaurar o juízo arbitral a ambas modalidades, encerrando uma antiga discussão existente no direito pátrio onde duas correntes doutrinárias divergiam com relação ao efeito da cláusula compromissória: Ao passo que uma entendia ser suficiente e por si só válida para instaurar o juízo arbitral, outra entendia o contrário, reputando capaz somente o compromisso arbitral para produzir tal efeito e, numa situação de descumprimento da cláusula compromissória,  resolver-se-ia somente em perdas e danos em favor da parte prejudicada. (CÂMARA, 2002)

 

3.3.1  Cláusula Compromissória

Classifica-se como sendo um gênero da convenção arbitral. É aquele no qual as partes, em um contrato principal ou num acessório a este, decidem submeter a um juízo arbitral qualquer litígio futuro que advenha do cumprimento do contrato principal, sendo, portanto, necessariamente prévia ao surgimento do litígio. Deduz-se, então, que somente se implementará esta cláusula caso venha de fato a existir alguma contenda nos termos avençados.

O art. 4º da Lei de Arbitragem define a cláusula compromissória como sendo a “convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”. Essa definição legal é largamente aceita na doutrina, tendo o cuidado alguns autores de apenas esclarecer que a cláusula compromissória poderá ser estipulada em um ato consecutivo ao contrato principal celebrado.

Outra definição extremamente elucidativa foi aquela feita por um dos membros da Comissão Revisora do anteprojeto de lei que resultou na Lei de Arbitragem em comento:

 

uma convenção celebrada entre os contratantes, através da qual fica estipulado que as divergências que vierem a surgir entre eles a respeito de um dado negócio jurídico (normalmente acerca da execução ou interpretação de um contrato) serão resolvidas por meio da arbitragem. (Apud, CARMONA, 2004, p.84)

 

 A cláusula compromissória, como já foi visto, deverá constar do próprio contrato objeto ou de um ato em separado, consecutivo a este, fazendo, neste caso, expressa menção ao contrato principal. Disto infere-se que se trata de um contrato preliminar, em outras palavras, de uma promessa feita pelas partes de celebrar um contrato definitivo, qual seja o compromisso arbitral. Desta feita, gerará para as partes uma obrigação de fazer, que se consubstancia na celebração do contrato definitivo.

Essa assertiva é verdadeira somente nos casos onde a cláusula compromissória não contenha todos os elementos necessários para a instauração do juízo arbitral, ou seja, como chama a doutrina, for uma cláusula vazia. Em se tratando de uma cláusula que contenha todos os elementos necessários a instauração do juízo arbitral, evidentemente sem adentrar no objeto que será apreciado por este juízo pois, conforme visto anteriormente, esta sempre antecederá aquele, dispensará a necessidade de uma posterior emissão de vontade das partes no intuito de se firmar o compromisso arbitral.

No que se refere a cláusula compromissória vazia, o descumprimento da  obrigação de fazer, de celebrar o compromisso final, por uma das partes, dará a outra o direito de obter em juízo a tutela jurisdicional especifica, obedecendo o procedimento previsto no art. 7º, da Lei sob análise, que prevê uma substituição legal da vontade da parte renitente. Deverá o autor da ação, na sua petição inicial, indicar precisamente o objeto da arbitragem e anexar a cláusula compromissória avençada, demonstrando inequivocamente sua causa de pedir.

Um outro ponto importante é que presente ambas as partes, tenterá o juízo conciliar as mesmas com relação ao litígio que seria objeto da arbitragem. Caso este logre exito na conciliação, será esta tomada por termo e homologada por sentença, que terá eficácia de título executivo judicial. Caso não haja acordo entre as partes acerca do litígio, e em se tratando de uma cláusula compromissória vazia, tentará o juízo fazer com que as partes celebrem o compromisso arbitral. Se as partes não chegarem a um comum acordo, decidirá o juiz por sentença, respeitando o que foi disposto na cláusula compromissória e os requisitos que a própria Lei da Arbitragem estipula para o compromisso arbitral (art. 21, § 2º).

A natureza de contrato preliminar faz com que sua validade seja independente do contrato ao qual se refere, em outras palavras, a nulidade deste não implica a nulidade da cláusula compromissória. É o que prevê a Lei de Arbitragem no seu art. 8º, estipulando, ainda, que caberá ao árbitro, agindo de ofício ou provocado pelas partes, decidir “questões acerca a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”.

Nos contratos de adesão, o aderente deverá expressamente anuir com a escolha do foro arbitral, através de um visto ao lado desta cláusula, que deverá estar redigida de forma destacada ou por meio de um documento anexo ao contrato, se  esta iniciativa não partir dele.

 

3.3.2  Compromisso arbitral

A principal diferença entre a cláusula compromissória e o compromisso arbitral é que este se refere a um litígio atual, ao passo que aquela, conforme já foi explicado acima, pressupõe-se anterior a qualquer conflito. Trata-se, então, de um contrato atual e específico, devendo ser necessariamente escrito, referindo-se a litígios já existentes, cuja solução é buscada pelas partes através da instauração do juízo arbitral.

Assim, pode-se definir o compromisso arbitral como “o ato pelo qual as partes constituem o juízo arbitral e se obrigam a acatar seu veredicto”. (CARMONA, 2004, p.29)

Para Fiúza, o compromisso arbitral pode ser conceituado como uma “convenção bilateral pela qual as partes renunciam à jurisdição estatal e se obrigam à decisão de árbitros por elas indicados”.  (Apud, REIS, 2006, p.50)

A instauração do procedimento arbitral, conforme já foi visto, não pode prescindir do compromisso arbitral validamente reconhecido nos termos da Lei de Arbitragem, ou de decisão judicial que supra esta lacuna. O que poderá acontecer é evitar a repetição desnecessária no corpo do compromisso arbitral de estipulações já contidas na cláusula compromissória, passando a tão somente cumprir uma função de notificação e de posterior anuência da parte contrária com relação ao início do procedimento arbitral.

O compromisso arbitral deverá ser, conforme já explicitado anteriormente, na forma escrita, segundo os ditames do art. 9º, §§ 1º e 2º, da Lei de Arbitragem, podendo ser contratado extrajudicialmente, por instrumento público ou particular com a assinatura de duas testemunhas, ou judicialmente, onde tem curso a demanda, por termo nos autos.

Para produzir todos os efeitos reconhecidos pela Lei de Arbitragem brasileira, deverá o compromisso arbitral conter os seguintes pré-requisitos obrigatórios de validade, arrolados no seu art. 10º, que são: (i) a qualificação completa, nos termos da lei civil, das partes contratantes; (ii) identificar a matéria que será apreciada pelo juízo arbitral; (iii) a escolha dos árbitros ou duma entidade que será responsável por esta tarefa; (iv) e, finalmente, o lugar onde será proferia a sentença arbitral.

A ausência de quaisquer desses requisitos no compromisso acarretará na decretação pelo juízo competente sua nulidade, na forma do art. 33 da lei em comento.

O compromisso arbitral poderá ainda conter, facultativamente, disposições acerca dos seguintes elementos: (i) a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e despesas com a arbitragem; (ii) a fixação do quantum do honorário do árbitro ou dos árbitros; (iii) no caso de terem sido escolhidos três ou mais árbitros, qual dele presidirá o juízo arbitral; (iv) no caso de renúncia, impedimento ou em qualquer outro caso que o impeça de continuar funcionando no juízo, quem será o seu substituto; (v) o local, ou locais, onde se desenvolverá a arbitragem; (vi) a escolha da lei aplicável e a autorização para que os árbitros julguem por eqüidade; e (vii) o prazo para o proferimento da sentença arbitral.

As partes deverão ter a cautela de elaborar estes dispositivos de uma maneira que não enseja dúvida, ambigüidade ou que contenha lacunas e antinomias para que não se tenha a necessidade de ser levado ao órgão jurisdicional competente para que se pronuncie sobre estes problemas.

 

3.4 OS ÁRBITROS

 

Os árbitros são aqueles em cuja pessoa foi depositada a confiança das partes e o poder decisório para solucionar o litígio apresentado. Exerce uma função semelhante aos órgãos do poder judiciário, pois tem a responsabilidade de fazer justiça no caso concreto. Todavia, conforme já foi explicitado neste trabalho, separa-se deste na medida em que são escolhidos de acordo com a confiança que as partes depositam neles e não por critérios legais de definição de competência.

Fiúza define o árbitro como sendo “toda pessoa natural que, sem estar investida da judicatura pública, é eleita por duas ou mais pessoas para solucionar conflito entre elas surgido, prolatando decisão de mérito.” ( CARMONA, 2004, P.43)

Percebe-se, então, que os únicos requisitos para uma determinada pessoa funcionar como árbitro são a capacidade de contratar, esta sempre presente no instituto da arbitragem e ter a confiança das partes, direta ou indiretamente, pela  escolha feita diretamente pelas partes ou indiretamente, quando será feita através de um órgão arbitral, este sim escolhido a critério das partes.

Ainda com relação ao aspecto da confiança na escolha dos árbitros, é importante ressaltar que existirão casos em que a escolha caberá ao órgão do poder judiciário ao proferir sentença substitutiva do compromisso arbitral, de acordo com o art. 7º, da Lei 9.307/96. Todavia, essa hipótese, como exceção ao princípio da liberdade contratual e da autonomia da vontade que norteiam todo o procedimento arbitral, não afasta o caráter de confiabilidade que informa a escolha dos árbitros no procedimento arbitral.

Poderá funcionar como árbitro toda pessoal civilmente capaz para contratar, de acordo com o art. 13 da Lei de Arbitragem, não fazendo esta qualquer exigência especial como, por exemplo, deter grau de bacharel em direito ou outros títulos, ser advogado ou engenheiro, ainda que a matéria a ser discutida verse sobre direito ou engenharia, respectivamente.

Não é feita qualquer restrição com relação a nacionalidade dos árbitros. Dessa forma, será perfeitamente válida a escolha de árbitros estrangeiros para funcionar num tribunal arbitral que verse, precipuamente, sobre direito pátrio. A única ressalva na escolha de árbitros estrangeiros, em sede doutrinária, é que deverão estes conhecer a língua nativa do pais sede da arbitragem. Com relação aos analfabetos, segundo o Prof. Alexandre Câmara, não é possível exercerem a função de árbitros, ainda que possuam conhecimento técnico sobre o assunto discutido, pois não estão aptos a redigir a sentença arbitral, que tem como requisito obrigatório a forma escrita. (CÂMARA, 2002)

O dever entre as partes e o árbitro nasce com a celebração do contrato arbitral, onde o árbitro aceita o encargo que lhe foi atribuído, este contrato difere da convenção arbitral pois conceitua-se como sendo o ato vinculativo que estabelecerá todos os sujeitos da relação procedimental na arbitragem, celebrado posteriormente a convenção arbitral. É importante salientar que o aceite do árbitro, como a própria expressão sugere, é facultativo, não ensejando nenhuma obrigação para ele até a assinatura no contrato arbitral.

O número de árbitros será sempre ímpar, com o intuito de se evitar empate nas decisões tomadas por um colegiado, obstruindo a obtenção de um decisão definitiva de mérito de imediato. Caso fosse possível a escolha de um número par de árbitros pelas partes para compor definitivamente o tribunal arbitral, teria a Lei que ter previsto algum tipo de recurso cabível a ser proposto visando buscar uma decisão definitiva de mérito no caso de empate. Tal hipótese seria de todo descabida de acordo com os princípios vigentes na arbitragem. Por isso que a Lei de Arbitragem prevê, na parte final do § 2º, do art. 13, que não havendo acordo quanto ao árbitro a ser escolhido pelos nomeados em número par, poderá qualquer uma das partes ir a juízo pleitear a escolha de novo árbitro. (CÂMARA, 2002)

Os árbitros deverão agir com imparcialidade e, nos termos do art. 14 da Lei 9.307/96, estarão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham com as partes ou com o litígio a ser pacificado, qualquer relação. Assim como nos órgãos do poder judiciário, poderão ser argüidas exceção de  suspeição, impedimento ou incompetência, nos termos da lei processual civil, no que for cabível.

Ressalte-se que a arbitragem difere da jurisdição estatal por basear-se em princípios como o da boa-fé. Isto implica que, não obstante a escolha de um amigo íntimo de uma das partes para funcionar como um dos árbitros, se tal fato for da ciência e concordância da outra parte pois tem sua confiança, não haverá impedimento algum. Assim o é, vez que o principal requisito é o da confiança e, ainda que nos termos da legislação processual civil que regula supletivamente a arbitragem o considere suspeito, sendo tal fato conhecido e concordado por todos,  não serão aplicados os dispositivos que impediriam seu funcionamento como árbitro.

Todavia, poderão existir casos em que as partes estabeleceram a insubstituibilidade dos árbitros por elas escolhidos e, diante de uma posterior declaração de impedimento ou suspeição impossibilitando seu funcionamento no processo, ensejará na quebra do compromisso arbitral. Disto resulta a impossibilidade da pacificação do conflito por meio da arbitragem, uma vez que, diante da expressa proibição feita pelas partes, não poderá um terceiro, inclusive através do poder judiciário, contrariar sua vontade expressa.

Os árbitros deverão pautar sua atuação, como juízes de fato e de direito equiparados no caso concreto, nos princípios constitucionais do contraditório, da isonomia entre as partes e da imparcialidade. O descumprimento resultará na declaração de nulidade da sentença arbitral. Além destes princípios, deverão os árbitros agirem com independência, diligência e discrição. Por independência entende-se que o árbitro durante o procedimento arbitral levará sempre em conta as regras que foram previstas na convenção arbitral e, na falta desta ou quando encontrar lacuna, preencherá de acordo com os meios tradicionais de integração previstos na lei. Toda a atuação do árbitro deverá ser feita de acordo com os critérios de prudência, de acordo com o princípio da diligência. E, finalmente, contrariamente ao caráter público que norteia todo o processo jurisdicional, com a exceção de alguns casos, o procedimento arbitral diz respeito somente às partes envolvidas, assim, agirá o árbitro sempre com discrição e respeitando a privacidade dos assuntos que serão por ele tratados, muito comum na arbitragem comercial internacional.

Quando da decisão de mérito a ser proferida, deverão os árbitros ter especial atenção que esta seja feita de acordo com os critérios estabelecidos na lei e aos critérios de ordem pública aplicáveis ao procedimento arbitral. Se o caso concreto tratar sobre litígio que tenha como conexão apenas elementos de um direito interno de um determinado país, atentar-se-ão aos requisitos legais desta jurisdição,  entre eles o respeito ao princípio de ordem pública interna. Quando se tratar de uma arbitragem comercial internacional, ou seja desvinculada a um ordenamento jurídico nacional, mutatis mutandis, ainda assim se observarão os critérios legais e de ordem pública necessários para que a sentença exerça seus efeitos legítimos. Este tema será tratado mais detalhadamente adiante.

 

3.5 ARBITRAGEM INSTITUCIONAL

 

A Lei de Arbitragem permite que as partes na cláusula compromissória convencionem que serão aplicadas as regras de uma determinada instituição arbitral especializada. Esta modalidade, disposta nos arts. 5º e 21 da referida Lei é conhecida como arbitragem institucional, bastante utilizada em sede de litígios referentes ao comércio internacional, devido a larga experiência que esses órgãos arbitrais institucionais possuem no tratamento desta temática, possibilitando assim um julgamento mais célere e justo.

Os órgãos arbitrais possuem um regimento próprio que disciplina o procedimento arbitral e uma relação de árbitros que poderão funcionar nos processos de acordo com sua especialidade. Dependerá do regimento de cada instituição, conhecidas por câmaras arbitrais, a possibilidade das partes ao aderirem às suas regras, poder escolher quais árbitros julgarão seu litígio fora do seu quadro funcional.

Assim o é pois, malgrado estar a arbitragem alicerçada nos princípios da autonomia da vontade e liberdade para contratar, esses deverão ser mitigados após feita a livre adesão aos procedimentos de uma câmara arbitral. Todavia, ressalte-se que a escolha da nomeação dos árbitros feita pelo órgão arbitral poderá ser impugnada pelas partes, através das exceções de impedimento e suspeição, conforme foi visto anteriormente.

Para que seja instaurado o procedimento arbitral, deverão as partes na cláusula compromissória pactuar que serão submetidas à apreciação de determinada câmara arbitral todos e quaisquer litígios arbitráveis futuros, advindos da execução ou cumprimento daquele contrato. Conforme já foi visto, a inclusão de disposição nesse sentido gera para as partes um direito de ver a contenda apreciada pelo juízo arbitral, cabendo socorrer-se ao judiciário quando uma delas for reticente ao celebrar o compromisso arbitral.

 Esta modalidade é muito mais utilizada que a ad hoc, ou seja aquela na qual as partes convencionam da escolha dos árbitros e os procedimentos que serão adotados, pois coloca à disposição das partes a sua maior experiência nessa área. Nos países onde a prática da arbitragem é mais difundida, principalmente no âmbito do comércio internacional, a escolha da via institucional possibilitou a criação de câmaras arbitrais que, ao longo do tempo, foram se especializando e angariando mais confiança das pessoas nessa modalidade de solução de conflitos, proporcionando com isso um procedimento arbitral com cada vez mais qualidade.

Várias, atualmente, são as instituições arbitrais de grande renome no comércio mundial. No âmbito nacional, tem papel importante na promoção da arbitragem no país a Comissão de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, a Comissão de Arbitragem da Câmara Internacional de Comércio do Brasil e o Centro Brasileiro de Arbitragem.

Contudo, no plano mundial, poderemos citar duas de grande destaque: a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), com sede em Paris, e a Associação Americana de Arbitragem (AAA), com sede em Nova York.

Em síntese, serão apresentados os procedimentos arbitrais adotados e as principais características dessas câmaras arbitrais internacionais que hoje em dia servem de referência como centros de excelência, ajudando a difundir cada vez mais a prática de se adotar a arbitragem como fora de solução de conflitos, principalmente no âmbito do comércio internacional.

 

3.5.1 Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI)

A Câmara de Comércio Internacional (CCI), fundada em Paris, no ano de 1919, é uma instituição privada que reúne países do mundo inteiro, tendo como  principal objetivo facilitar o comércio internacional. Entre suas diversas atividades, está a de criar um fórum de soluções de conflitos advindos de relação comerciais através da Corte Internacional de Arbitragem.

A CCI não é ligada a qualquer país ou governo no mundo, ainda que tenha sua sede em Paris, “sendo certo que mais de 60 países mantêm comitês nacionais”.  Por ser uma corte internacional de arbitragem sem vínculo a qualquer Estado nacional, não há impedimentos relativos a nacionalidade dos árbitros, sendo relevante, contudo, sua idoneidade, imparcialidade e o conhecimento específico sobre o assunto a ser tratado. A CCI mantém no seu quadro de árbitros profissionais de várias especialidades, provenientes de mais de 48 países diferentes, separados por áreas de conhecimento. (CARMONA, 2004, p. 94.)

 Não será necessário que o processo arbitral se desenvolva somente na França, país onde está sediada a CCI, podendo acontecer em qualquer lugar do mundo. É de bom grado escolher um local neutro à disputa, com leis nacionais que facilitem a efetivação da sentença arbitral. Se não há impedimentos com relação à escolha do local, também não há na escolha da língua utilizada. Esta poderá ter alguma conexão com a nacionalidade das partes ou não e, normalmente, as mais utilizadas são o inglês, francês e o alemão.

O procedimento para a instauração do procedimento arbitral é relativamente simples. Num primeiro momento deverá a parte interessada enviar uma solicitação para a secretaria da CCI, que analisará brevemente a matéria para ver se o objeto da demanda é arbitrável e a partes capaz de contratar, ou seja, verificará sua arbitrabilidade objetiva e subjetiva, respectivamente. Após sua aprovação, uma cópia desse laudo será remetida ao demandado juntamente com um esboço do procedimento que será adotado, dispondo, inclusive, sobre a composição do juízo arbitral. Este poderá conter um ou três árbitros, de acordo com o requerido pelo demandante e/ou de acordo com a complexidade do caso concreto.

Caso as partes não encontrem um consenso com relação à nomeação dos árbitros ou se simplesmente ficarem silentes nesse ponto, caberá à CCI decidir, constituindo-se, então, o juízo arbitral de acordo com as suas regras que, lembre-se, provavelmente foram previamente escolhidas pelas partes na cláusula compromissória.

Após instaurado o procedimento arbitral com a aceitação da nomeação dos árbitros através da assinatura do compromisso arbitral, caberá à CCI a supervisão do desenvolvimento desta, objetivando sempre a lisura, imparcialidade e justiça.

 

3.5.2  Associação Americana de Arbitragem

Segundo o estatuto da Associação Americana de Arbitragem (AAA), seus objetivos são: “estudar, pesquisar, promover, instaurar e administrar procedimentos para a solução de disputas através do uso da arbitragem, conciliação e mediação, entre outros mecanismos”[3]. Trata-se de um “órgão arbitral independente, privado, sem fins lucrativos, que oferece serviços e facilidades para a arbitragem” (CARMONA, ano, p.97)

As regras adotadas pela AAA são similares àquelas adotadas nos processos judiciais norte-americanos, adaptados para uma maior eficácia no aspecto financeiro. Com a adoção desse conjunto de regras compatíveis com o seu sistema judicial, a AAA certifica a executividade da sentença arbitral que vier a ser prolatada fora ou dentro dos Estados Unidos da América nesta jurisdição. Para as partes que tiverem interesses comerciais neste país, esta câmara arbitral é uma opção bastante interessante.

O procedimento arbitral adotado pela AAA é conhecido pela sua flexibilidade, privilegiando a vontade das partes na escolha dos árbitros e no procedimento arbitral, funcionando muito mais como uma administradora. Assim, poderão as partes adotar a forma que melhor lhe aprouverem de acordo com o caso concreto para escolher o árbitro de sua confiança, dentro ou fora do quadro de árbitros disponibilizado pela câmara.

O quadro de árbitros da AAA é composto por mais de 8 mil especialistas em diversas áreas, consagrados na sua área de atuação.  A conduta desses árbitros é fiscalizada pela AAA de acordo com os padrões éticos profissionais de várias instituições, como, por exemplo, a American Bar Associação (ABA), um órgão equivalente à Ordem dos Advogados do Brasil.

 

3.6  SENTENÇA ARBITRAL

 

São vários os conceitos trazidos pela doutrina do ato que põe fim ao procedimento arbitral. Segundo Falazzari, que entende ser mais correta a expressão sentença arbitral, conceitua este ato como “uma volição emitida em virtude da investidura conferida ao árbitro pelas partes, relativamente à demanda entre elas, podendo ter conteúdo similar ao da sentença civil” (FAZZALARI, apud, ALVIM, 2000, p.409)

Nos dizeres de Figueira Júnior, com relação a sentença arbitral e a jurisdicional, assevera que

 

assim como aquela proferida pelo Estado-juiz, a sentença arbitral tem como escopo imediato e principal a solução do conflito de interesses que lhe foi submetido a conhecimento pelos litigantes insatisfeitos diante da violação a direito patrimonial disponível ou ameaça de violação a determinada relação jurídica ou fática, dentro dos contornos assinalados no compromisso arbitral. Ela atinge, também, outros escopos mediatos, o que se dá por intermédio de sua função pacificadora de conflitos sociais, econômicos, comerciais e políticos, seja de ordem interna, seja de ordem internacional, de forma muito mais simplificada, célere e menos onerosa às partes litigantes. (1999, p.255-256)

 

Assim, percebemos que tanto a sentença arbitral quanto a sentença judicial constituem na exteriorização do poder jurisdicional. Contudo, tais conceitos se distanciam na medida em que no procedimento arbitral está presente o especto da confiança encampado no compromisso arbitral, ausente na relação jurisdicional estatal pois, diferentemente da arbitragem, a escolha o juízo naquela não fica a critério das partes.

Num primeiro momento vamos enfrentar a problemática que surgiu na doutrina com relação a expressão mais correta a ser adotada para designar este ato, explicitando, sucintamente, os pontos defendidos pelas correntes para, depois de vencido este ponto, tratar dos demais requisitos referentes a validade da sentença arbitral, tais como a forma, prazo e quorum deliberativo.

 

3.6.1 Laudo arbitral ou sentença arbitral?

Em doutrina este não é um ponto pacífico, existindo autores que utilizam o termo laudo arbitral, outros que o empregam indistintamente, como expressões sinônimas, e outros que preferem a expressão consagrada pela Lei de Arbitragem, ou seja, “sentença arbitral”. (CÂMARA, 2002)

Os que defendem a utilização do termo laudo arbitral aduzem que no direito brasileiro a expressão sentença sempre foi reservada para designar o ato jurisdicional que põe fim ao processo. Portanto, sendo a atividade do juízo arbitral paraestatal, não seria escorreito o emprego deste termo, frise-se, que para estes é  sempre jurisdicional, sob pena de se conceituar atos de natureza jurídica distintas com o mesmo nome. (CARMONA, 2004)

Todavia, aqueles que entendem diversamente, ou seja, aduzem que a expressão mais correta é “sentença arbitral”, baseiam-se no fato que o árbitro funciona no caso concreto como juiz de fato e de direito, tendo sido equiparado desta maneira pela Lei de Arbitragem. Essa equiparação resultou no investimento do árbitro na função jurisdicional, pois sua decisão fará lei entre as partes, sendo irrecorrível, com relação ao mérito apreciado, até mesmo no poder judiciário. Dessa forma, seria mais correto, continuam, utilizar a mesma expressão que mais se aproxima das características que revestem esse poder decisório, ainda que a mesma seja utilizada para designar outro ato de exclusividade do Estado.

Por fim, com a opção feita de forma nítida pela Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) da expressão “sentença” e, no seu art. 31 reconhecer-lhe os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário, esta expressão passou a ser mais utilizada pela doutrina, ainda que pesem as críticas contrárias feitas por juristas autorizados[4].

 

 

3.6.2  Requisitos de validade e efeitos da sentença arbitral

De acordo com a Lei de Arbitragem, a sentença arbitral deverá ser proferida no prazo estipulado pelas partes na convenção arbitral ou, caso não tenha havido estipulação nesse sentido, num prazo legal de seis meses, a contar da instauração do processo arbitral. Caso tenha havido substituição de um ou de mais de um árbitro, o prazo será interrompido, recomeçando a contar a partir da data da aceitação do encargo do novo árbitro.

Ressalte-se que tal interrupção imputará na desconsideração do prazo anteriormente computado em favor do árbitro substituído. Para Alexandre Câmara (2002, p.108), a recontagem do prazo a contar do aceite do novo árbitro, deverá “ser aplicada também quando a arbitragem tramitar perante tribunal arbitral, ainda que apenas um dos componentes do colegiado tenha sido substituído.”

A desobediência ao prazo estipulado na convenção arbitral ensejará na responsabilização civil do árbitro pelos danos causados às partes, de acordo com o art. 12 da Lei 9.307/96. Na forma deste mesmo artigo, uma vez descumprido o prazo para o proferimento da sentença arbitral, qualquer parte interessada poderá notificar o árbitro ou ao tribunal arbitral, neste caso na pessoa de seu presidente, para que no prazo máximo de 10 dias seja proferida a sentença, sob pena de extinção do processo arbitral sem julgamento do mérito.

A arbitragem, por basear-se na negociabilidade, não é a via correta para solucionar conflitos que dizem respeito a direitos indisponíveis. As partes ao acatarem cumprir os mandamentos da sentença arbitragem, sob outro ponto de vista, estão desistindo da totalidade ou de parte de um direito seu. Verifica-se, então, que somente será válida a arbitragem que verse sobre direitos que as partes possam dispor.

Disto decorre o mandamento previsto no art. 25, da Lei da Arbitragem, que diz que no curso do processo arbitral, existindo controvérsia sobre direitos indisponíveis, suspender-se-á o procedimento arbitral até que seja julgada esta controvérsia pelo órgão competente do poder judiciário. Se esta controvérsia era uma questão prejudicial ao caso objeto da arbitragem, uma vez resolvido, juntar-se-á aos autos do processo arbitral a sentença ou acórdão transitados em julgado, seguindo após normalmente o procedimento arbitral.

A sentença arbitral deverá respeitar determinados requisitos enumerados no art. 26, da Lei de Arbitragem. São eles: (i) o relatório onde se discorrerá sucintamente sobre o litígio que fora objeto de apreciação por aquele juízo arbitral; (ii) a fundamentação que consistirá na exposição de motivos que levaram o juízo arbitral a tomar sua decisão, lembrando-se que como fatores influenciadores, deverão conter somente aqueles estipulados pelas partes como aptos a produzir tal efeito;  (iii) dispositivo da decisão que julgará procedente ou não os pedidos feitos na peça exordial do processo arbitral, contendo todos os mandamentos que objetivarão a execução e eficácia desta sentença, como deveres de dar, fazer ou não-fazer que deverão ser respeitados pelas partes. A falta desta parte da sentença importará na sua inexistência como ato jurídico; (iv) a data em que foi proferida; e (v) o local onde esta foi prolatada.

Conforme já foi assinalado anteriormente, a sentença arbitral deverá ter a forma escrita, ainda que proferida oralmente durante a audiência, devendo, neste caso, posteriormente ser reduzida a termo pelo juízo. Esta obrigatoriedade, dentre outros motivos, justifica-se pela sua natureza de título executivo judicial, ou seja, precisa ter a forma escrita para que seja apta a instruir um processo de execução na esfera judicial. Não poderão as partes convencionar de outro modo na convenção arbitral, vez que “a regra que determina sua forma é cogente, acarretando em nulidade absoluta a sentença ou cláusula que disponha de maneira diversa” (CÂMARA, 2002, p.98).

A sentença arbitral, conforme já foi apontado neste trabalho, é a decisão de mérito do árbitro. O seu principal efeito, de acordo com o disposto no art. 29 da Lei em comento, é aquele que uma vez “proferida a sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem”. Deste modo, deverá abordar o prazo para o seu cumprimento, apontar as possíveis penalidades caso seja descumprida e dispor sobre a responsabilidade pelo pagamento de custas e despesas da arbitragem, caso as pates não o tenham feito no compromisso arbitral. Nessa hipótese, o árbitro, assim como o juiz togado, atenderá ao princípio da sucumbência, devendo então a parte para qual a sentença foi desfavorável, arcar com os pagamentos devidos. A sentença versará ainda sobre a verba decorrente da litigância de má-fé, se aplicável, nos termos do art. 27 da Lei.

Devido a sua equiparação à sentença judicial, a sentença arbitral, decorrido o prazo previsto no art. 30 da lei sob análise ou o prazo previsto na convenção arbitral para a interposição de qualquer outro recuso interno, fará, igualmente, coisa julgada inter partes. Se possuir natureza condenatória, constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, VI, do Código de Processo Civil.

Os limites e efeitos da coisa julgada na sentença arbitral restringem-se às partes litigantes e seus respectivos sucessores. Com relação à terceiros, discute-se se poderá atingir indiretamente, mas perante estes não operará a coisa julgada,  pois a sentença arbitral tira sua legitimidade de um negócio jurídico celebrado entre as partes, sendo, portanto, estranho a terceiros. Além disso, importante ressaltar o disposto no art. 472 do Código de Processo Civil, segundo o qual a sentença faz coisa julgada entras as partes à qual foi proferida, não podendo beneficiar ou prejudicar terceiros.

Sobre o tema, temos a lição de Paulo Furtado:

 

É correto afirmar que apenas as partes litigantes são alcançadas pela autoridade da coisa julgada, mas sua eficácia pode eventualmente alcançar terceiros, que não integram a relação processual. Pela teoria alemã dos efeitos reflexos da coisa julgada, são as partes atingidas “diretamente” pela coisa julgada, mas terceiros podem sofrer “indiretamente” tais efeitos. Os primeiros queridos e previstos pelos litigantes; os últimos, não queridos, nem previstos, mas inevitáveis. (FURTADO, 1997, p.112)

 

Finalmente, cabe salientar que a sentença arbitral, assim como a judicial, poderá ter natureza meramente declaratória, constatando a existência de uma situação fática ou de direito, contendo apenas a homologação de uma conciliação conduzida pelo árbitro ou por um tribunal arbitral ou de um acordo feito entre os contratantes durante o curso do processo, nos moldes do art. 28, obedecendo, todavia, aos requisitos do art. 26 da Lei de Arbitragem.

4 A ORDEM PÚBLICA NA ARBITRABILIDADE E NA HOMOLOGAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA

 

4.1 A ARBITRABILIDADE

 

A arbitrabilidade é a capacidade da se instaurar o processo arbitral num caso concreto, levando-se em conta a capacidade das partes e a natureza do objeto a ser arbitrado sob a luz da ordem pública internacional. Quando se infere da capacidade das partes, verifica-se a arbitrabilidade subjetiva, ou seja, a capacidade para contratar e, por conseqüência, de “valer-se da arbitragem para dirimir conflitos”, conforme preceitua o art. 1º da lei 9.307/96. A arbitrabilidade objetiva é aquela que diz respeito a natureza do objeto da arbitragem, se esta refere-se a direitos patrimoniais disponíveis.

A ordem pública irá interferir na avaliação tanto da arbitrabilidade objetiva quanto da subjetiva. A arbitragem como instituição de direito pressupõe para sua validade a existência de um acordo de vontade entre as partes. Somente partes capazes, então, poderão contratar e a capacidade destas será aferida de acordo com os critérios da lei do foro ou daquela aplicável no processo arbitral. Em algumas legislações estrangeiras, por exemplo, entes estatais não poderão se valer da arbitragem comercial internacional para solucionar problemas advindos de contratos nessas áreas. Assim, por uma questão de ordem pública, não serão válidas convenções arbitrais contrárias à esse impedimento legal, pois faltar-lhes-á a arbitrabilidade subjetiva. A ordem pública interferirá na arbitrabilidade objetiva, na aferição sub a luz de um ordenamento jurídico nacional, referente a possibilidade de resolver-se por este meio um determinado caso ligado ao comércio internacional, a ser visto de acordo com a lei escolhida ou do foro.

A arbitragem diante das vantagens que oferece foi eleita como sendo o modo preferencial para a solução de litígios do comércio internacional, figurando como um verdadeiro elemento implementacional da lex mercatoria. A grande problemática, contudo, para a arbitragem comercial internacional é que para a aferição da arbitrabilidade objetiva, deverão ser respeitados critérios de ordem pública interna  provenientes de diversas jurisdições para poder ver-se reconhecida nestas.

Ainda que uma relação comercial tenha se dado somente no âmbito internacional, escolhendo para a sua regência a lex mercatoria, os árbitros ao solucionarem o litígio deverão fazê-lo dentro dos limites impostos pela ordem pública interna dos países que com a arbitragem tenha alguma conexão.

Surge daí um outro problema com relação à arbitrabilidade nas relações comerciais internacionais: qual deverá ser o direito aplicado nas relações plurilocalizadas pois, normalmente, nestas existirão situações onde mais de um ordenamento jurídico terá conexão com o processo arbitral, fornecendo soluções distintas para a aferição da arbitrabilidade subjetiva e objetiva.

Um dos métodos para a solução desse impasse é o conflitual, onde determinar-se-á a lei aplicável para aferir-se a arbitrabilidade de acordo com o elemento de conexão mais relevante. Então, o arbitro deverá “decidir entre, v. g., a lei de regência do contrato, ou a lei da sede da arbitragem, ou a lei de regência da convenção de arbitragem (se esta for diferente das anteriores)”. Dependendo do critério que prevalecerá no caso concreto, o juiz aplicará a lei que ira dispor sobre a arbitrabilidade. (ALMEIDA, 2005, p.73)

A doutrina aponta diversos parâmetros que deverão nortear a decisão do julgador na escolha da lei aplicável para verificar a arbitrabilidade. Um deles diz respeito a validade da convenção arbitral, ou seja, aplicar-se-á a lei que determina a sua validade ou, no momento da homologação da sentença, a lei do foro. Outro parâmetro, mais liberal, defendido na doutrina nacional pelo professor Jacob Dolinger, diz que adotar-se-á o critério mais favorável a validade da arbitragem, seja com relação a aplicação da lei da sede da arbitragem, da lei material que rege o mérito da questão, da lex mercatoria, da lei aplicável às partes litigantes etc. (ALMEIDA, 2005, p.75)

 

4.1.1 Limites à escolha da lei aplicável pelas partes

O art. 2º da Lei 9.307/96 ao permitir a escolha da lei a ser aplicada no processo arbitral pelas partes, afastando assim o critério até então vigente no ordenamento pátrio encampado no art. 9º da Lei de Introdução do Código Civil, qual seja o da territorialidade, criou uma discussão sobre em qual modalidade de arbitragem (interna, internacional ou em ambas) este dispositivo se aplicaria.

A Lei de Arbitragem não faz distinção restringindo a aplicabilidade desse dispositivo a uma modalidade específica de arbitragem, podendo-se aplicá-lo, então, de acordo com a pura e fria interpretação da letra da lei, tanto nos processos arbitrais plurilocalizados como nos monolocalizados. A única distinção feita é aquela que se refere a sentença arbitral que, se proferida fora do território nacional, será considerada estrangeira estando, portanto, sujeita a homologação pelo Superior Tribunal de Justiça (após a Emenda Constitucional 45, de 2004) e, a contrario sensu, considerando-se sentença arbitral nacional, quando essa for proferida no território nacional. Ressalte-se que tal distinção se refere tão somente a sentença arbitral, não dizendo respeito à arbitragem em si. Desta forma, poderíamos ter uma sentença estrangeira que verse sobre litígio interno e uma sentença nacional que verse sobre litígio internacional.

O problema ocorre quando temos um processo arbitral onde todos os elementos de conexão apontam para o direito interno e se, ainda assim, diante da permissão criada pela lei, poderiam as partes escolher a aplicação de outra lei senão a nacional.

É a opinião de Ricardo Almeida:

 

Inobstante gozarem as partes de prerrogativas da autonomia da vontade, que lhes permite pactuar as cláusulas e condições negociais que entenderem pertinentes, devem necessariamente conformar-se aos limites da liberdade de contratar, tal como compreendida no direito nacional, isto é, deverão respeitar o que se convencionou chamar de ordem pública interna, por oposição à ordem pública internacional, sendo certo que a primeira é mais restritiva e exigente que a segunda. (ALMEIDA, 2005, p.158)

 

A autorização da Lei de Arbitragem de julgar por eqüidade quando as partes assim expressamente autorizarem, não pode ser entendida, sendo parte da doutrina, como um mecanismo legitimador de um procedimento arbitral onde foi eleita uma lei estrangeira para a solução de um litígio quando este se circunscreveria tão somente dentro do ordenamento interno. A permissão legal pelo uso da eqüidade no julgamento não o afasta do direito que, pelo contrário, deverá ser levado em conta pelo julgador, temperando sua aplicação em busca da solução justa para o caso concreto, não servindo, portanto, como uma justificativa para o afastamento da lei interna pelas partes nesse caso. Desta forma, não seria lícito, então, de acordo com esse ensinamento doutrinário, as partes afastarem a aplicação do direito interno num procedimento arbitral onde todos os elementos de conexão apontam para ele.

Contudo, a questão torna-se mais complicada ao analisar o tema em comento sob à luz de outros dispositivos legais aos quais o Brasil também se submete. A Lei-modelo da UNCITRAL, instituição que o Brasil faz parte, no seu art. 1º, item 3, letra “c”, dispõe que o simples fato das partes acordarem expressamente que o objeto do litígio está relacionado a mais de um país qualifica a arbitragem como sendo internacional. A Convenção de Roma, de 1980, já ratificada pelo Brasil, no seu art. 3º, item 3, admite a possibilidade da escolha de lei estrangeira para regular arbitragem interna, desde que não ofende a ordem pública interna do país. A lei 9.307/96 não contém dispositivo expresso nesse sentido mas, conforme já foi visto, também não contém proibição expressa ou mesmo distinção entre arbitragem interna ou internacional quando da escolha da lei pelas partes.

Encontrará o limite para a escolha da lei aplicável nos bons costumes e na ordem pública, sob pena de ser ineficaz nessa jurisdição. Deste modo, diante da permissão legal no nosso ordenamento pátrio, seria possível a escolha pelas partes de lei estrangeira para regular um contrato com todos os elementos de conexão no direito interno, desde que não atente contra a ordem pública interna. A competência para verificar se a escolha da lei está de acordo com a ordem pública interna, é do próprio juízo arbitral e, num momento posterior, do juiz estatal quando chamado a se pronunciar sobre a validade da sentença arbitral.

 

4.1.2 Julgamento por direito e por eqüidade

As partes poderão convencionar como elemento norteador do julgamento do juízo arbitral regras de direito, a eqüidade ou, ainda, estabelecer que ambos os critérios deverão ser levados em conta pelos julgadores, tendo em vista não serem antagônicos. Poderão as partes convencionar que ela se realize também segundo os princípios gerais de direito, os usos, os costumes ou as regras internacionais de comércio, segundo disposto no art. 2º da Lei de Arbitragem.

Os princípios gerais do Direito, segundo conceituação de Miguel Reale  são enunciações normativas de valor genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico. Essas enunciações iram variar de acordo com a tradição jurídica de cada nação, devendo, assim, as partes no compromisso arbitral deixar claro a qual ordenamento jurídico se referem quando elegerem seus princípios gerais. (REALE, 2003),

A possibilidade das partes de escolher como elemento suficiente e eficaz para basear o julgamento dos árbitros fontes que não sejam emanações normativas estatais, não importa dizer que aquelas não devam estar em consonância com estas. Não poderá, obviamente, tais fontes paraestatais violentar os princípios de ordem pública e os bons costumes, conforme se demonstrará com maiores detalhes adiante.

A eqüidade é a mitigação da lei, a humanização do Direito segundo Aristóteles. Por meio dela, o juiz “ameniza o rigor das regras jurídicas, tempera com justiça a rigidez da norma de direito, foge da norma escrita, pois o direito é bom senso, na acepção sempre atual do jurisconsulto romano Cícero”. Para alcançar seu objetivo humanizador, o julgador deverá adaptar à realidade social a norma jurídica, no intuito de ver sua sentença mais justa e equilibrada, sem desprezar, naturalmente, “a ética, a boa razão e, sem dúvida, a moral, princípio basilar, que atualmente, está expresso na Constituição”. (SZKLAROWSKY, 2005, p.2)

A eqüidade objetiva atenuar o rigor de uma norma, interpretando-a de forma compatível com o progresso e a solidariedade humana, e acomodada ao sistema jurídico, de conformidade com a gravidade e importância do negócio, as circunstâncias das pessoas e dos lugares, nos dizeres do mestre Miguel Reale (REALE, 2003, p.104)

Segundo Chaim Perelman “a eqüidade visa a reduzir as desigualdades resultantes da justiça formal e opõe-se frontalmente ao formalismo”. (apud SKLAROWSKY, 2005, p.2)

O mestre Caio Maria da Silva Pereira considera a eqüidade como um princípio geral de direito, em que o julgador se assente para proferir uma decisão justa no caso concreto. Estaria intimamente relacionada com a noção de justiça, como idéia ou princípio e, com fundamento na melhor doutrina, ensina que fazer uso da eqüidade não significa julgar contra a lei, mas sim atenuar a dureza da lei, harmonizando-se com as lições de Clóvis Beviláqua. (REALE, 2003)

Desta forma, na arbitragem quando as partes convencionar que a decisão seja proferida segundo critérios de eqüidade, estão, em outras palavras, autorizando o juízo arbitral a interpretar as normas que regem um determinado ordenamento jurídico, ou um conjunto de normas, como por exemplo as de comércio internacional, e extrair delas os princípios de justiça que o norteará à uma solução justa do litígio.

A submissão do julgamento do juízo arbitral somente às normas de direito não significa dizer que será adotado um formalismo rígido a ponto de se desconsiderar totalmente a eqüidade. Na verdade, para ver a decisão arbitral promover todos os efeitos estipulados pela lei, deverá ela atender aos seus requisitos mas, objetivando a solução célere e justa para as partes do conflito entre elas instaurado, impossível será também deixar de lado a eqüidade, ou seja, a flexibilização da norma jurídica, sob pena de se frustar os fundamentos básicos do instituto arbitral.

Nesse sentido, temos a lição de Joel Dias Figueiredo Junior, interpretando o dispositivo da Lei de Arbitragem que versa sobre a utilização da eqüidade como elemento apto a instruir a decisão do árbitro, defendendo que

 

o árbitro, como juiz de fato e de direito, autorizado apenas a julgar com base nas regras de direito, poderá também decidir com alicerce na eqüidade, porque, de há muito, se ultrapassou a barreira da mera subsunção, para atingir-se, finalmente, uma interpretação e aplicação da norma jurídica ao caso concreto, dentro dos padrões sociológicos e axiológicos de exegese, à medida que o árbitro, na qualidade de juiz de direito e de fato, deverá atender os fins sociais da lei e às exigências do bem comum. (apud SKLAROWSKY, 2004, p.3)

 

Na arbitragem comercial internacional o uso da eqüidade traduz-se na aplicação das normas e práticas adotadas e consolidadas ao longo dos anos, que foram consagradas pelos diversos tratados multilaterais internacionais que tratam do assunto, mitigando o direito interno aplicável ao caso. O julgador deverá, então, buscar na chamada lex mercatoria os princípios que a norteiam, para no caso concreto que terá que solucionar, o faça de maneira mais justa de acordo com as normas internacionais que regem o tema.

 

4.2 LIMITES À ARBITRABILIDADE

 

O primeiro limite imposto à arbitragem comercial internacional é aquele que diz respeito a  possibilidade de solucionar o litígio pela via da jurisdição privada, em razão da matéria que será objeto desta, sob a luz do princípio de ordem pública. Em outras palavras, verificando sua arbitrabilidade objetiva. Esta deverá ser aferida de acordo com a lei aplicável ao procedimento arbitral ou a lei do foro do juízo estatal chamado a se pronunciar sobre a mesma.

A verificação ocorre em dois momentos: o primeiro momento é aquele quando o árbitro apontado pelas partes irá verificar sua própria competência ou quando a arbitragem é submetida à administração de um órgão arbitral que, ao processar o pedido, verificará a arbitrabilidade do litígio; o segundo momento é quando, seja por via de processo de anulação da sentença arbitral ou de sua homologação, o órgão judicial é chamado a se pronunciar sobre o processo, ocasião na qual a arbitrabilidade será apreciada de acordo com as leis ao qual este juízo estatal é submetido.

Conforme foi evidenciado anteriormente, a arbitragem comercial internacional não está vinculada a nenhum ordenamento jurídico nacional, salvo estipulação expressa das partes nesse sentido. Contudo, para ser reconhecida num determinado foro, garantindo, assim, sua executividade, deverá a arbitragem estar de acordo com os preceitos das normas imperativas e de ordem públicas aplicáveis nessa jurisdição. Disso deduz-se que a não submissão ao ordenamento nacional, quando deste modo for avençado pelas partes, relaciona-se tão somente aos elementos norteadores do julgamento do árbitro quando decidir sobre o mérito da questão pois, para o reconhecimento da validade desta emanação, necessária será a sua leitura de acordo com os critérios estabelecidos pela ordem pública de um determinado Estado.

O árbitro, então, já objetivando ver sua sentença produzir todos os efeitos reconhecidos em lei, poderá aplicar os princípios de ordem pública de um determinado ordenamento jurídico que tenha conexão com o litígio, ainda que não tenham sido expressamente convencionados pelas pates na convenção arbitral nesse sentido. Esse poder advém da sua autonomia pois, não somente retira da vontade das partes a sua legitimidade para julgar mas, também, do regramento jurídico eleito por estas ou daquele que de alguma forma tem conexão com o procedimento arbitral.

Deste modo estará garantindo a efetividade da sua sentença e desempenhando na totalidade o seu papel como pacificador da contenda que lhe foi atribuído. Possível também será a aplicação de princípios de ordem pública transnacional, ou “verdadeiramente” internacionais, a fim de harmonizar seu julgamento com a praxe comercial internacional, muito comum em sede de arbitragem comercial internacional, onde tão importante quanto estar em consonância com a ordem pública interna de uma jurisdição é, também, estar de acordo com as práticas do seguimento ao qual pertence.

 

4.2.1 Ordem pública

Antes mesmo da criação da Lei de Arbitragem no Brasil, o ordenamento brasileiro já era protegido contra violações à ordem pública nacional, através do art. 17, da Lei de Introdução ao Código Civil, que segue: “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, à ordem pública e os bons costumes” (grifo nosso)

Com a introdução da Lei n. 9.307/96, a ordem pública tornou-se expressamente um dos limites à discricionariedade das partes em contratar e do julgador ao proferir sua sentença. Tal previsão se encontra no § 1º do art. 2º, da Lei de Arbitragem, que diz que “poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública”.

A ordem pública é um conceito indefinido, englobando elementos de ordem política, social, filosófica, econômica e moral. Traduz-se num “reflexo dos valores de determinada época e de certas culturas jurídicas, representando, assim, os valores que a moral vigente em nossa cultura jurídica considera fundamentais” (ELIA JÚNIOR, 2005, p.1)

Corroborando esta definição, temos a lição de Jacob Dollinger:

 

Tanto no campo do direito interno como no do direito internacional, a ordem pública significa, basicamente, regras e princípios aptos a manter a unicidade das instituições do foro e a proteger os profundos sentimentos de justiça e moral de determinada sociedade. (...) é o reflexo da filosofia sociopolítica-jurídica de toda a legislação, que representa a moral básica de uma nação e que atende às necessidades econômicas de cada Estado. (apud CASELLA, 1999, p.375)

 

As relações comerciais internacionais, por serem em sua grande maioria plurilocalizadas, estarão dentro do escopo de regramentos jurídicos nacionais diversos. Será necessário, então, quando da instauração de eventual processo de arbitragem, a observância à ordem pública internacional de cada país relacionado, sob pena de ser ineficaz nas jurisdições que for contrária. Portanto, da adequação da sentença arbitral ao conceito de arbitragem, depende a arbitragem sua própria validade.

Analisaremos o conceito de ordem pública nacional e internacional para depois estudar seu impacto nas relações jurídicas que a elas se submetem, sob a perspectiva de um regramento de um único estado nacional contrapondo-se com aquelas que se submetem a mais de um ordenamento jurídico nacional.

 

4.2.1.1 Conceito de ordem pública interna e internacional

Parte da doutrina aponta uma divisão do conceito de ordem pública em ordem pública interna e ordem pública internacional. Aduzem que ambos conceitos somente poderão ser entendidos sob a luz de um ordenamento jurídico nacional. A ordem pública internacional estaria contida dentro do conceito de ordem pública interna, integrando ambas o direito nacional. A “ordem pública internacional é uma ordem pública interna, relevante para situações internacionais”. (ALMEIDA, 2005, p.25)

A ordem pública é una, homogênea, porém seu conceito poderá ser dualizado. Isto significa, segundo Paulo Borba Casella, que a “ordem pública é uma só instituição, com aplicabilidade diferente no direito interno e no direito internacional”. Mais adiante explica o autor que “na ordem interna, a ordem pública limita a autonomia da vontade das partes; na ordem internacional, impede que leis e decisões estrangeiras gerem no território brasileiro efeitos contrário a ordem pública interna”. (CASELLA, 1999, p.375 e 393)

Essa dualização somente interessaria ao julgador estatal ao fazer o controle de legalidade de um sentença arbitral estrangeira. Nesse caso somente o interessaria o aspecto internacional do ordem pública interna que ao qual a arbitragem estaria vinculado. Ao decidir se determinada sentença estaria de acordo com a ordem pública interna de um foro, quando da sua homologação, atentará ao aspecto desta somente quando se referir às relações internacionais.

Com relação ao árbitro internacional, lembrando que este deverá julgar com base nas regras avençadas pelas partes na convenção arbitral, não existirá “foro” propriamente dito, ou seja, não se aplicará a ele diretamente nenhuma ordem pública nacional. Todavia, isto não significa dizer que o árbitro que atuará numa arbitragem internacional não deverá respeitar a qualquer ordem pública, muito pelo contrário, o que se pretende dizer é que este controle por sua parte se dará de forma indireta. O árbitro pautará seu julgamento tendo em vista o núcleo relativo às situações internacionais da ordem interna nacional que tem alguma conexão com o processo arbitral em questão.

O que busca-se no âmbito das relação entre os países, principalmente no âmbito da arbitragem comercial internacional, é a convergência dos conceitos de ordem pública internacional ou interna com referente a relações internacionais. Ainda que somente existam ordem públicas nacionais, sejam com relevância internas ou internacional, a convergência dessas últimas é bastante desejável pois proporciona uma maior segurança jurídica na realização de arbitragens internacionais. Organismos internacionais, como o UNIDROIT[5], buscam essa unificação do conceito de ordem pública no direito internacional privado, principalmente em países com tradições jurídicas semelhantes.

No âmbito da arbitragem comercial internacional, por se tratar de negócio jurídico entre partes residentes em países diferentes e, portanto, objetivando uma posterior homologação da sentença arbitral em ordenamentos jurídicos diversos, uma convergência do conceito de ordem pública internacional trará uma maior segurança, pois será reduzida a chance de possíveis alegações de ofensas à ordem pública.

Sobre o tema, elucidativa é a lição de Albert Van den Berg , nos explicando que

 

a distinção entre ordem pública interna e internacional significa que aquilo que é considerado como pertinente à ordem pública nas relações internas não necessariamente diz respeito à ordem pública nas relações internacionais. De acordo com essa distinção, a quantidade de temas enquadrados sob a ordem pública em casos internacionais é inferior aos enquadrados sob a ordem pública interna. A distinção justifica-se pela diversidade de propósitos perseguidos nas relações internas e internacionais.(apud ALMEIDA, 2005, p.28)

 

Conclui-se, então, que tudo que interessar a ordem pública internacional, por esta ser mais restrita, interessará também a ordem pública interna, todavia, a recíproca não será verdadeira.

 

4.2.1.2 Conceito de ordem pública transnacional

Parte da doutrina mais moderna defende a existência da chamada ordem pública transnacional ou “verdadeiramente” internacional. Diferiria das outras conceituações na medida em que ela não estaria associada a um ordenamento jurídico nacional, não seria um mero reflexo nas relações internacionais dos preceitos da ordem pública interna. E sim, ao contrário, uma exteriorização das normas e práticas que informam o comércio internacional, como, por exemplo, a lex mercatoria. (ALMEIDA, 2005)

Seu conceito de transnacionalidade vêm do fato de tal modalidade de ordem pública transcender a territorialidade embutida no conceito tradicional de ordem pública internacional, ou seja, ela não traduziria os conceitos de direito, justiça e moralidade de acordo com a tradição jurídica de uma nação, mas sim esses mesmos conceitos referentes às relações comerciais internacionais, através das práticas reiteradas e aperfeiçoadas ao longo do tempo. (CASELLA, 1999)

Por este motivo, esta deverá ser, então, a modalidade de ordem pública que deverá informar o árbitro internacional quando julgar litígios referentes às relações comerciais, pois somente esta reflete as concepções fundamentais de direito praticadas por este seguimento.

Outros autores identificam-na, ainda, com a celebração de acordos e tratados internacionais, reconhecendo princípios inafastáveis que deverão nortear as relações comercias internacionais. Contudo, defendem os autores contrários a essa classificação que os tratados internacionais ao serem ratificados passarão a integrar o ordenamento nacional e, conseqüentemente, perdendo com isso o caráter transcendental referente a territorialidade, já que passará a integrar o conceito de ordem pública interna nacional.

 

4.2.2  Normas imperativas ou de aplicação imediata

Em doutrina encontra-se, ainda, uma outra distinção de ordem pública que seriam as normas imperativas ou de aplicação imediata. Tais normas relacionam-se com questão de políticas públicas, sociais e econômicas. Diferem do conceito geral de ordem pública na medida em que integram o ordenamento jurídico positivado de um Estado, exteriorizando valores já consagrados por aquela sociedade no seu ordenamento e, deste modo, devendo ser aplicados sempre.

São normas positivas materiais que, devido ao seu objeto consagrador de valores muito caros a uma certa tradição jurídica, serão sempre de aplicação imediata, não sendo necessário lançar mão de recurso para integração de leis. Nesse sentido, temos que as normas imperativas são

 

um método que afasta o raciocínio conflitual de tipo savigniano, conduzindo o juiz a aplicar uma lei em função de sua vontade de aplicação às situações que ela define. [...] Essa lei é objeto de uma aplicação imediata, sem a intermediação de uma regra de conflito. Sua vontade e seu campo de aplicação imperativa se deduzem de seu objetivo, dos interesses que ela pretende proteger. (SERAGLINI, Christophe, apud ALMEIDA, 2005, p.53)

 

No caso das normas de aplicação imediata, não se discute uma antinomia ou critérios de integração quando se constatar divergências entre as leis adotadas em um processo arbitral e àquelas vigentes no país em que se busca a homologação. Ao menor indício de uma contradição, deverá ser aplicada a lei interna, por importar a sociedade em geral, ainda que signifique a invalidação de determinada sentença arbitral nesse país.

Com relação à postura do magistrado ao se deparar com uma sentença arbitral estrangeira cujo conteúdo vá de encontro a uma norma imperativa (“lois de police” na doutrina francesa), deverá

 

em vez de aplicar um critério abstrato de conexão (a nacionalidade, o domicílio de uma parte, o lugar de execução do contrato...), como método do conflito de leis, o juiz que raciocina em termo de leis de polícia considera a lei em si e se pergunta qual é o interesse objetivo do Estado que a editou em vê-la aplicada a uma dada situação internacional. Se esse interesse existir e for suficiente forte, o juiz aplicará a lei de polícia, mesmo que ela não pertença à legislação designada pela regra ordinária de conflito. (MAYER, Pierre, apud ALMEIDA, 2005, p.54)

 

Difere da ordem pública na medida em que esta tem a função de afastar a aplicação da lei normalmente aplicável ao caso, por exemplo a lei escolhida pelas partes para reger o processo arbitral, através de um critério de solução de conflitos diante de uma ofensa às concepções fundamentais da tradição jurídica do Estado nacional em questão.

Como um exemplo de normas imperativas ou de aplicação imediata dentro do ordenamento jurídico pátrio temos o Decreto-lei nº 857, de 1969, que dispõe serem nulas de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como obrigações que, exeqüíveis no território nacional, estipulem pagamento em ouro, moeda estrangeira ou, que por alguma forma, restrinjam o curso normal da moeda nacional. Assim, vemos que não importa qual será o critério de solução de conflitos, aplicar-se-á a lei nacional sempre que configurar-se a situação fática apresentada pela lei.

 

4.2.3 Os bons costumes

A  Lei de Arbitragem, no § 1º do art. 2º, faz ainda menção aos bons costumes como um dos limites ao princípio da autonomia da vontade das partes. Traduz-se num conjunto de regras adotadas reiteradamente na prática de um determinado seguimento econômico ou social, por pessoas honestas agindo de boa-fé. Uma violação da moralidade na adoção dessas mesmas práticas por um sujeito, importaria no desrespeito aos bons costumes consagrados por uma determinada sociedade.

Alguns autores entendem estar o conceito de bons costumes embutido no conceito de ordem pública, por aquele referir-se mais às práticas sociais e econômicas por um determinado seguimento da sociedade, ao passo que este trataria do tema dando um enfoque mais amplo, situando-o no ordenamento jurídico positivado.  Seriam os bons costumes uma dimensão moral da ordem pública, sendo uma noção que, apesar de nesta estar contida, possui natureza complementar àquela. (CASELLA, 1999)

Existem, ainda, aqueles que não enxergam nenhuma diferença entre os princípios  de bons costumes e ordem pública, considerando ambos faces diferentes da mesma moeda. O desrespeito a ordem pública já seria suficiente para ensejar desrespeito aos bons costumes, justificando-se essa distinção somente por apego à evolução histórica distinta desses dois institutos e, aduzem seus defensores, atualmente já se confundem uns nos outros.

 

4.3 HOMOLOGAÇÃO DA SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA

 

A arbitragem é regrada em diversos ordenamentos jurídicos ao redor do mundo, com características que poderão divergir de acordo com a tradição jurídica de cada nação. O procedimento arbitral, conforme já foi visto anteriormente, poderá ser feito em diversos países do mundo, obedecendo à leis que serão escolhidas pelas partes ou por uma instituição arbitral, provenientes de fontes jurídicas diversas. Assim, a escolha de determinado conjunto de regras num processo arbitral, importará na não aceitação deste pelo ordenamento cujos princípios basilares, traduzidos no conceito de ordem pública, forem contrários àquele.

A sua larga utilização nas relações comerciais internacionais, pelo motivos já apontados, faz com que em muitas das vezes a sentença arbitral que fora emanada em determinado país deva ser reconhecida e executada em outro, a fim de dar-lhe cumprimento, de acordo com o interesse da parte no caso concreto. Desta sorte, um dos pontos mais importantes quando se trata do reconhecimento por um ordenamento jurídico de uma sentença arbitral emanada em outro, é saber, antes de mais nada, quais são os critérios indicados para se determinar a sua nacionalidade.

Em doutrina, são apontados três critérios para a determinação da nacionalidade da sentença arbitral: (i) critério geográfico: diz respeito ao lugar onde foi proferida a sentença arbitral, ainda que algumas partes do procedimento arbitral tenham acontecidos fora deste; (ii) critério processual: determina qual será a nacionalidade da sentença arbitral de acordo com a lei processual aplicável ao procedimento arbitral; (iii) critério misto: é aquele que determinará a nacionalidade utilizando-se de elementos dos dois critério mencionados acima, como o adotado pela Convenção de Genebra de 1961. (REIS, 2006)

O critério processual é o mais aceito pela doutrina majoritária, encontrando respaldo na Convenção de Nova York de 1958, que diz que serão consideradas decisões arbitrais não nacionais aquelas que forem proferidas em outros Estados e aquelas proferidas no próprio Estado em que é pedido o seu reconhecimento, mas que devido a sua lei processual interna não a reconhece como nacional.

De acordo com a Lei de Arbitragem, lei ordinária específica que rege o procedimento arbitral no território nacional, no seu art. 34, parágrafo único, considera-se sentença arbitral estrangeira toda decisão proferida por juízo arbitral, independente da nacionalidade dos árbitros que o compões, fora do território nacional. O Brasil é signatário de tratados internacionais que versam sobre o assunto, sendo assim, as sentenças arbitrais estrangeiras serão reconhecidas e executadas na forma destes e, em caso de omissão, de acordo com a legislação interna (Lei de Arbitragem).

Sobre o tema, temos a valorosa lição de Souza Júnior :

 

A decisão proferida por autoridade estrangeira não adquire eficácia extraterritorial automática, sujeitando-se, na forma das convenções internacionais sobre a matéria ou da legislação nacional do Estado em que lhe pretenda validar, a alguma mecanismo de incorporação na ordem interna. Tal circunstância decorre da noção de soberania estatal, que a seu turno traça os limites da jurisdição estatal. Entre nós, esse processo de incorporação toma o nome de homologação de sentença estrangeira e, no direito comparado, de modo geral, é tratado como meio de reconhecimento e execução de decisões proferidos por tribunais estrangeiros. (SOUZA JÚNIOR, 1997, p.311)

 

4.4.1 O procedimento da homologação de sentença arbitral estrangeira

A Emenda Constitucional nº 45, publicada no dia 31 de dezembro de 2004,  transferiu a competência do Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar, originariamente, o reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras. Percebemos, então, que à época da edição da Lei de Arbitragem, corroborado pelo seu art. 35, pertencia ao Supremo Tribunal Federal tal competência. Desta feita, por um critério meramente explicativo, uma vez que a letra da lei cita o Supremo Tribunal Federal, analisaremos os principais pontos do procedimento de homologação como antes se dava da edição da referida emenda constitucional sem nenhum prejuízo pois, mutatis mutandis, tal procedimento ainda continua vigendo.

O procedimento que deverá ser adotado pela parte interessada em ver a sentença arbitral estrangeira homologada no Brasil se iniciará com um requerimento, nos moldes do art. 282, do Código de Processo Civil, instruído dos documentos elencados no art. 37, da lei 9.307/96, que são o original da sentença arbitral e o original da convenção de arbitragem, ou cópias certificadas e autenticadas pelo consulado brasileiro, estando todas acompanhadas de tradução oficial. Poderão, ainda, serem apresentados quaisquer outros documentos juntamente com àqueles de caráter obrigatórios.

Por força da atual redação do art. 35 da Lei de Arbitragem, a sentença arbitral estrangeira somente se sujeitará a homologação única, ou seja, aquela que será feita pelo Supremo Tribunal Federal (lembrando-se, outra vez, que com a edição da EC nº 45, de 2004, passou-se para o Superior Tribunal de Justiça). O julgamento deverá dizer respeito aos parâmetros legais para a homologação, sem adentrar no mérito da questão. Assim, verificará o Egrégio Tribunal: se (i) o objeto do litígio é arbitrável, segundo o ordenamento jurídico pátrio; se (ii) a sentença ofende a ordem pública nacional, os bons costumes e/ou impede a incidência de alguma norma nacional de caráter imperativo; (iii) verifica a validade do compromisso arbitral, segundo a lei à qual as partes se submeteram ou às normas do órgão arbitral escolhido para promover a arbitragem e às leis a que este se submete; (iv) se foi possibilitado às ambas as partes o direito de ampla defesa e do contraditório, etc.

A verificação do preenchimento de todos os requisitos legais obrigatórios para a homologação era de responsabilidade do Presidente do Supremo Tribunal Federal que fixaria um prazo para que, caso seja possível, a parte possa atender ao que a lei dispõe. Diante de uma inércia da parte interessada, findo o prazo, extinguir-se-á o processo, arquivando-se os autos. Desta decisão caberá interposição de agravo regimental para o Pleno do Supremo Tribunal Federal. (CÂMARA, 2002)

Caso tenham sido preenchidos todos os requisitos legais, o processo será admito e a parte contrária citada para poder contestar, no prazo de quinze dias, que não poderá adentrar no mérito do litígio objeto da arbitragem, versando apenas sobre o cumprimento de todos os requisitos legais e a autenticidade dos documentos que instruem a exordial, na forma do art. 38, da lei 9.307/96. A citação será feita por oficial de justiça, expedindo-se carta de ordem ou, caso a pate contrária esteja no exterior, por carta rogatória, na forma do art. 20 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

 Os casos encontrados na Lei de Arbitragem, mais especificamente no seu art. 38, restringem o campo de defesa da parte contrária, pois se diferente fosse, ou seja, se questões de mérito pudessem serem trazidas à apreciação do judiciário, estariam esvaziados todos os princípios que instruem a arbitragem. Desta forma, os princípios elencados no art. 38 não se referem à justiça ou acerto da decisão arbitral, sob pena de se criar um duplo grau de jurisdição em um procedimento que este não foi, num primeiro momento, pretendido pelas partes.

As situações previstas no referido artigo consagram aquelas previstas nos arts. 5 e 6 da Convenção de Panamá e nos artigos V e VI da Convenção de Nova York.

Conforme já foi visto anteriormente, nos termos do art. 39 da Lei de Arbitragem, o Supremo Tribunal Federal, o órgão competente para a homologação da sentença arbitral estrangeira, nos termos do art. 35 da lei 9.307/96, não  reconhecerá efetividade quando o objeto do litígio por ela versado não for passível de ser resolvido por arbitragem, de acordo com a lei nacional e se a decisão arbitral no seu mérito ofender a ordem pública nacional.

Serão aplicados no processo de homologação da sentença arbitral estrangeira, mutatis mutandis, as regras dispostas nos arts. 483[6] e 484[7], do Código de Processo Civil, conforme manda o art. 36 da Lei de Arbitragem pois, conforme já foi visto anteriormente, a competência atualmente é do Superior Tribunal de Justiça.

 

4.4.2 O entendimento do Supremo Tribunal Federal antes e depois da edição da Lei de Arbitragem

O Pretório Excelso adotava um posicionamento extremamente protetivo da ordem pública nacional antes do advento da Lei de Arbitragem, principalmente com relação aos seus delineamentos na esfera processual. A interpretação adotada era  demasiadamente protetiva do ordenamento jurídico brasileiro e em muito travou a popularização do instituto da arbitragem no nosso país, colocando-nos em defasagem em relação a diversos países do mundo. Tal protetividade estava intimamente ligada ao conceito de ordem pública e, para um melhor entendimento desse posicionamento, faz-se necessário um breve estudo sobre esse conceito.

Antes mesmo da lei 9.307/96, a proteção da ordem pública nacional já estava inserida no nosso ordenamento contra emanações volitivas estrangeiras a ela contrária, seja através de atos normativos, judiciais ou privados, no art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil (decreto-lei 4.657/42). O referido artigo dispõe que “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes” (grifo nosso)

O papel do Supremo Tribunal Federal no momento em que era feito o pedido de homologação de uma sentença arbitral estrangeira era de analisar o mérito do julgamento, ou seja, o seu conteúdo, a parte dispositiva da sentença, não com a intenção de verificar se o juízo arbitral conseguiu fazer justiça no caso concreto, mas sim para negar a executividade a este se de seu conteúdo pudessem ser extraídos elementos incompatíveis com os princípios éticos, sociais e políticos que servem de base para o Estado nacional brasileiro, encampados no princípio da ordem pública.

Desempenhando o papel de protetora e aplicadora da ordem pública nacional, a Suprema corte brasileira diante da inexistência de lei específica sobre o assunto assumiu uma postura protetiva, não reconhecendo executividade a sentenças arbitrais estrangeiras cujos procedimentos adotados pelas partes não encontrassem similaridade com o nosso sistema processual, sob o fundamente de estar chancelando um desrespeito a garantias constitucionais, como por exemplo o direito ao devido processo legal.

Um dos casos que melhor ilustra esse posicionamento de proteção à ordem pública é aquele que dizia respeito à forma de citação da parte com residência no país. Entendia a Suprema Corte ser contrária a ordem pública nacional a citação que fosse feita de maneira diversa daquela estabelecida na legislação processual pátria, qual seja a carta rogatória citatória, malgrado feita em consonância com o avençado pelas partes no compromisso arbitral.

Com relação ao tema, interessante é o comentário de Carlos Alberto Carmona, ao destacar que

 

o fundamento de tal orientação apóia-se na garantia do direito de defesa estabelecido pelo processo, de tal sorte que o modelo brasileiro de due process of law acaba considerado como o único satisfatório, exigindo-se, então, a utilização de carta rogatória, cujo manejo – todos sabemos – torna penosa (para dizer o mínimo) a realização do ato processual citatório. (CARMONA, 2004, p.215)

 

Somente com a edição da Lei da arbitragem que este posicionamento foi alterado, em virtude do que dispõe o parágrafo único do seu art. 39:

 

Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa.

 

Percebemos que a citação, com o advento da lei em comento, será válida ainda que baseada em legislação processual estrangeira que fora aplicada no processo arbitral. Contudo, ainda sob a luz desse dispositivo legal, deverá a Suprema Corte proceder à análise da sentença arbitral pois, conforme o E. Tribunal com muita propriedade ressalta, deverá o procedimento arbitral ter possibilitado a parte residente ou domiciliada no país um tempo hábil para se defender, ressalva que traduz-se no princípio constitucional da ampla defesa, integrante da ordem pública nacional. 

O art. 39, no seu parágrafo único, traz um grande avanço para que as sentenças arbitrais estrangeiras tenham sua exeqüibilidade reconhecida pelo sistema normativo brasileiro. Reduz, com isso, a noção que antes se tinha de ordem pública, contribuindo em muito para a arbitragem internacional pois, agora, não mais há aquela antiga possibilidade de evocar-se ordem pública para obstar a aplicação no que se refere ao modo avençado para a citação do réu, tornando o processo menos oneroso.

A Lei de Arbitragem, para o reconhecimento e execução da sentença arbitral estrangeira no Brasil, de acordo com o seu art. 35, requer que esta seja tão somente homologada pelo Supremo Tribunal Federal. É conhecida na doutrina como o sistema de homologação única. Contudo, anteriormente a esta disposição expressa da Lei 9.307/96, o entendimento do Pretório Excelso era de que para homologar uma sentença arbitral estrangeira deveria, antes, este ter sido homologada pelo poder judiciário competente no país em que fora proferida.

Estes pontos agora são enfrentados pelo Superior Tribunal de Justiça, órgão do poder judiciário competente para processar e julgar, originariamente, esses pedidos, que tem seguido o último posicionamento da Suprema Corte em consonância com a Lei de Arbitragem.

 

5 CONCLUSÃO

 

A arbitragem é um instituto cuja utilização é ainda incipiente no Brasil e nos demais países da América Latina. Todavia, rata-se de um instituto jurídico antiqüíssimo, cuja evolução histórica remonta à antiguidade. Sua utilização como meio de solução de conflitos é alicerçada no princípio da autonomia da vontade, traduzindo-se na capacidade das partes de negociar, de encontrar uma via mais adequada para apaziguar uma contenda. Apesar de no país encontrarmos diplomas legais do século XIX versando sobre o tema, devido ao forte legalismo da cultura contenciosa que nos é própria, somente no final do século passado, com a edição da lei 9.307/96, sua utilização passou a ser mais freqüente.

A arbitragem como via alternativa à judicial encontra campo fértil na seara do comércio internacional devido a celeridade e eficiência que proporciona numa área onde a dinamização do tempo e a velocidade na compartilhação de informações são elementos cruciais. A adequação do instituto da arbitragem à essas demandas fez com que fosse eleita como o foro de resolução de conflitos mais utilizado, chegando até mesmo a ser reconhecido como o “Poder Judiciário” do comércio internacional. Num seguimento onde as partes tem por característica a negociabilidade, a escolha da arbitragem alavancada pelas suas vantagens foi mais óbvia.

A arbitragem comercial internacional tornou-se um sistema de solução de conflitos desvinculado de qualquer ordenamento jurídico nacional, com características que lhe são próprias, ligada à princípios e práticas internacionais, reconhecidas pelos Estados nacionais através de tratados ratificados sobre o tema. As relações comerciais internacionais são plurilocalizadas tendo como ponto de conexão dois ou mais ordenamentos jurídicos diversos e, instaurando-se um litígio referente à tais relações, a flexibilidade inerente à arbitragem permite às partes a chegar a um conjunto de regras mais apto a sua solução. A ordem pública, como expressão das características sociais, econômicas, jurídicas e políticas de um país, nesse momento, exerce uma função de grande importância, vez que funciona como um limite imposto à validade da arbitragem.

Esse limite é necessário pois com isso assegura-se que as partes, dentro do âmbito do comércio internacional, ao cogitarem da utilização da arbitragem para dirimir conflitos surgidos da execução ou cumprimento de contratos comerciais, terão em mente somente suas vantagens legítimas em comparação com a via ordinária, qual seja o juízo Estatal. Em outras palavras, a arbitragem ao possibilitar que as partes escolham árbitros especializados, o conjunto de regras mais adequados ao litígio, entre outras coisas, tem por objetivo tornar mais eficaz e eficiente o mecanismo de solução de conflitos, dinamizando com isso as relações comerciais internacionais. Desta forma, qualquer tentativa de valer-se dessas vantagens para fins ilícitos deverá ser rechaçada.

A arbitragem comercial internacional deverá funcionar, então, como um elemento dinamizador das relações internacionais, vez que é mais célere e eficaz, jamais como um mecanismo possibilitador de fraude, através da evasão de leis que legitimamente se aplicariam ao caso concreto. Os árbitros deverão ter isto em mente quando decidir sobre sua competência pois, ainda que a arbitragem comercial internacional não esteja vinculada a nenhum foro em particular, além de não poder servir para proporcionar às partes vantagens ilegítimas, depende para ter sua validade reconhecida, estar em conformidade com aquelas jurisdições onde tenha conexão.

Nesse ponto, faz-se também extremamente necessária uma mudança na cultura jurídica com viés marcadamente litigioso que trata da postura das partes e de seus representantes que vigora no país, normalmente entre os advogados. A arbitragem é um foro onde impera a autonomia da vontade, tem por escopo o poder negocial das partes, funcionando como um mecanismo dinamizador dessas relações, sendo, portanto, descabida a postura litigiosa adotada por alguns advogados representando seus clientes, por demais acostumados a funcionar na via contenciosa judicial, engessando um instituto que deveria ser célere. Este é um dos principais motivos pela pouca e tardia utilização deste instituto no país. Alguns advogados estão muito acostumados com as famosas manobras procrastinatórias que não encontram espaço na arbitragem. É forçoso ter-se em mente que a sujeição a uma sentença que lhe é desfavorável é algo a ser considerado aprioristicamente, somente instaurando-se a arbitragem caso ambas as partes assim concordarem.

Assim, o recurso relativo à ofensa à ordem pública ajuizado pela parte sucumbente deverá ser mitigado vez que a doutrina entende que o procedimento arbitral é baseado na boa-fé e que na arbitragem comercial internacional a sentença ofensora se fundamenta, entre outras coisas, no conjunto de regras avençado também pela parte sucumbente. Ora, se no momento em que foi pactuado o compromisso arbitral aquelas regras lhe pareciam satisfatórias, não faz sentido deixarem de ser no momento que serviram de base para o juízo prolatar a sentença ponde fim a contenda entre as partes instaurada.

O recurso à ordem pública funciona como um sistema que leve em conta que as características da arbitragem comercial internacional como um sistema desvinculado, mas que para ter eficácia necessita estar de acordo com os ordenamentos jurídicos que têm conexão. A arbitragem comercial internacional tem seu aspecto internacionalista na medida em que serão reputadas válidas toda e qualquer sentença, não importando sua proveniência, desde que respeitem parâmetros fixados nas convenções internacionais. As partes e o juízo estatal velando pelo interesse da sociedade deverão ter em mente seu aspecto internacionalista, sob pena de banalizar um recurso importante que tem por objetivo se prestar a um interesse legítimo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6  BIBLIOGRAFIA

 

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ANEXOS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEXO A

 

LEI FEDERAL Nº 9.307, DE 23 DE SETEMBRO DE 1996.

 

Dispõe sobre a arbitragem.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu

sanciono a seguinte Lei:

Capítulo I

Disposições Gerais

Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.

§ 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.

§ 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.

Capítulo II

Da Convenção de Arbitragem e seus Efeitos

Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.

§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.

Art. 5º Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem.

Art. 6º Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral.

Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da causa.

Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.

§ 1º O autor indicará, com precisão, o objeto da arbitragem, instruindo o pedido com o documento que contiver a cláusula compromissória.

§ 2º Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação acerca do litígio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do compromisso arbitral.

§ 3º Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2º, desta Lei.

§ 4º Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá ao juiz, ouvidas as partes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a solução do litígio.

§ 5º A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavratura do compromisso arbitral, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito. § 6º Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvido o autor, estatuir a respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único.

§ 7º A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral.

Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.

Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.

Art. 9º O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.

§ 1º O compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo ou tribunal, onde tem curso a demanda.

§ 2º O compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público.

Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral:

I - o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes;

II - o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros;

III - a matéria que será objeto da arbitragem; e

IV - o lugar em que será proferida a sentença arbitral.

Art. 11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter:

I - local, ou locais, onde se desenvolverá a arbitragem;

II - a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por eqüidade, se assim for convencionado pelas partes;

III - o prazo para apresentação da sentença arbitral;

IV - a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, quando assim convencionarem as partes;

V - a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas com a arbitragem; e

VI - a fixação dos honorários do árbitro, ou dos árbitros.

Parágrafo único. Fixando as partes os honorários do árbitro, ou dos árbitros, no compromisso arbitral, este constituirá título executivo extrajudicial; não havendo tal estipulação, o árbitro requererá ao órgão do Poder Judiciário que seria competente para julgar, originariamente, a causa que os fixe por sentença.

Art. 12. Extingue-se o compromisso arbitral:

I - escusando-se qualquer dos árbitros, antes de aceitar a nomeação, desde que as partes tenham declarado, expressamente, não aceitar substituto;

II - falecendo ou ficando impossibilitado de dar seu voto algum dos árbitros, desde que as partes declarem, expressamente, não aceitar substituto; e

III - tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, inciso III, desde que a parte interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de dez dias para a prolação e apresentação da sentença arbitral.

Capítulo III

Dos Árbitros

Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.

§ 1º As partes nomearão um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, podendo nomear, também, os respectivos suplentes.

§ 2º Quando as partes nomearem árbitros em número par, estes estão autorizados, desde logo, a nomear mais um árbitro. Não havendo acordo, requererão as partes ao órgão do Poder Judiciário a que tocaria, originariamente, o julgamento da causa a nomeação do árbitro, aplicável, no que couber, o procedimento previsto no art. 7º desta Lei.

§ 3º As partes poderão, de comum acordo, estabelecer o processo de escolha dos árbitros, ou adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada.

§ 4º Sendo nomeados vários árbitros, estes, por maioria, elegerão o presidente do tribunal arbitral. Não havendo consenso, será designado presidente o mais idoso.

§ 5º O árbitro ou o presidente do tribunal designará, se julgar conveniente, um secretário, que poderá ser um dos árbitros.

§ 6º No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.

§ 7º Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral determinar às partes o adiantamento de verbas para despesas e diligências que julgar necessárias.

Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.

§ 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.

§ 2º O árbitro somente poderá ser recusado por motivo ocorrido após sua nomeação. Poderá, entretanto, ser recusado por motivo anterior à sua nomeação, quando:

a) não for nomeado, diretamente, pela parte; ou

b) o motivo para a recusa do árbitro for conhecido posteriormente à sua nomeação.

Art. 15. A parte interessada em argüir a recusa do árbitro apresentará, nos termos do art. 20, a respectiva exceção, diretamente ao árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral, deduzindo suas razões e apresentando as provas pertinentes.

Parágrafo único. Acolhida a exceção, será afastado o árbitro suspeito ou impedido, que será substituído, na forma do art. 16 desta Lei.

Art. 16. Se o árbitro escusar-se antes da aceitação da nomeação, ou, após a aceitação, vier a falecer, tornar-se impossibilitado para o exercício da função, ou for recusado, assumirá seu lugar o substituto indicado no compromisso, se houver.

§ 1º Não havendo substituto indicado para o árbitro, aplicar-se-ão as regras do órgão arbitral institucional ou entidade especializada, se as partes as tiverem invocado na convenção de arbitragem.

§ 2º Nada dispondo a convenção de arbitragem e não chegando as partes a um acordo sobre a nomeação do árbitro a ser substituído, procederá a parte interessada da forma prevista no art. 7º desta Lei, a menos que as partes tenham declarado, expressamente, na convenção de arbitragem, não aceitar substituto.

Art. 17. Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal.

Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.

Capítulo IV

Do Procedimento Arbitral

Art. 19. Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se for único, ou por todos, se forem vários.

Parágrafo único. Instituída a arbitragem e entendendo o árbitro ou o tribunal arbitral que há necessidade de explicitar alguma questão disposta na convenção de arbitragem, será elaborado, juntamente com as partes, um adendo, firmado por todos, que passará a fazer parte integrante da convenção de arbitragem.

Art. 20. A parte que pretender argüir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem.

§ 1º Acolhida a argüição de suspeição ou impedimento, será o árbitro substituído nos termos do art. 16 desta Lei, reconhecida a incompetência do árbitro ou do tribunal arbitral, bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, serão as partes remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa.

§ 2º Não sendo acolhida a argüição, terá normal prosseguimento a arbitragem, sem prejuízo de vir a ser examinada a decisão pelo órgão do Poder Judiciário competente, quando da eventual propositura da demanda de que trata o art. 33 desta Lei.

Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento.

§ 1º Não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro ou ao tribunal arbitral discipliná-lo.

§ 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.

§ 3º As partes poderão postular por intermédio de advogado, respeitada, sempre, a faculdade de designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral.

§ 4º Competirá ao árbitro ou ao tribunal arbitral, no início do procedimento, tentar a conciliação das partes, aplicando-se, no que couber, o art. 28 desta Lei.

Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.

§ 1º O depoimento das partes e das testemunhas será tomado em local, dia e hora previamente comunicados, por escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente, ou a seu rogo, e pelos árbitros.

§ 2º Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral levará em consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir sua sentença; se a ausência for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de arbitragem.

§ 3º A revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral.

§ 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa.

§ 5º Se, durante o procedimento arbitral, um árbitro vier a ser substituído fica a critério do substituto repetir as provas já produzidas.

Capítulo V

Da Sentença Arbitral

Art. 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.

Parágrafo único. As partes e os árbitros, de comum acordo, poderão prorrogar o prazo estipulado.

Art. 24. A decisão do árbitro ou dos árbitros será expressa em documento escrito.

§ 1º Quando forem vários os árbitros, a decisão será tomada por maioria. Se não houver acordo majoritário, prevalecerá o voto do presidente do tribunal arbitral.

§ 2º O árbitro que divergir da maioria poderá, querendo, declarar seu voto em separado.

Art. 25. Sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário, suspendendo o procedimento arbitral.

Parágrafo único. Resolvida a questão prejudicial e juntada aos autos a sentença ou acórdão transitados em julgado, terá normal seguimento a arbitragem.

Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio;

II - os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por eqüidade;

III - o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e

IV - a data e o lugar em que foi proferida.

Parágrafo único. A sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros. Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato.

Art. 27. A sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver.

Art. 28. Se, no decurso da arbitragem, as partes chegarem a acordo quanto ao litígio, o árbitro ou o tribunal arbitral poderá, a pedido das partes, declarar tal fato mediante sentença arbitral, que conterá os requisitos do art. 26 desta Lei.

Art. 29. Proferida a sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem, devendo o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, enviar cópia da decisão às partes, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, ou, ainda, entregando-a diretamente às partes, mediante recibo.

Art. 30. No prazo de cinco dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência pessoal da sentença arbitral, a parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá solicitar ao árbitro ou ao tribunal arbitral que:

I - corrija qualquer erro material da sentença arbitral;

II - esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral, ou se

pronuncie sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se a decisão.

Parágrafo único. O árbitro ou o tribunal arbitral decidirá, no prazo de dez dias, aditando a sentença arbitral e notificando as partes na forma do art. 29.

Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.

Art. 32. É nula a sentença arbitral se:

I - for nulo o compromisso;

II - emanou de quem não podia ser árbitro;

III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;

IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;

V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;

VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;

VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e

VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.

Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei.

§ 1º A demanda para a decretação de nulidade da sentença arbitral seguirá o procedimento comum, previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento.

§ 2º A sentença que julgar procedente o pedido:

I - decretará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, incisos I, II, VI, VII e VIII;

II - determinará que o árbitro ou o tribunal arbitral profira novo laudo, nas demais hipóteses.

§ 3º A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser argüida mediante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741 e seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução judicial.

Capítulo VI

Do Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras

Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei.

Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional.

Art. 35. Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do Supremo Tribunal Federal.

Art. 36. Aplica-se à homologação para reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, no que couber, o disposto nos arts. 483 e 484 do Código de Processo Civil.

Art. 37. A homologação de sentença arbitral estrangeira será requerida pela parte

interessada, devendo a petição inicial conter as indicações da lei processual, conforme o art. 282 do Código de Processo Civil, e ser instruída, necessariamente, com:

I - o original da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certificada, autenticada pelo consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial;

II - o original da convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada, acompanhada de tradução oficial.

Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:

I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;

II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida;

III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;

IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;

V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;

VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.

Art. 39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que:

I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem;

II - a decisão ofende a ordem pública nacional.

Parágrafo único. Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa.

Art. 40. A denegação da homologação para reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira por vícios formais, não obsta que a parte interessada renove o pedido, uma vez sanados os vícios apresentados.

Capítulo VII

Disposições Finais

Art. 41. Os arts. 267, inciso VII; 301, inciso IX; e 584, inciso III, do Código de Processo Civil

passam a ter a seguinte redação:

"Art. 267.........................................................................

VII - pela convenção de arbitragem;"

"Art. 301.........................................................................

IX - convenção de arbitragem;"

"Art. 584...........................................................................

III - a sentença arbitral e a sentença homologatória de transação

ou de conciliação;"

Art. 42. O art. 520 do Código de Processo Civil passa a ter mais um inciso, com a seguinte

redação:

"Art. 520...........................................................................

VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem."

Art. 43. Esta Lei entrará em vigor sessenta dias após a data de sua publicação.

Art. 44. Ficam revogados os arts. 1.037 a 1.048 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916,

Código Civil Brasileiro; os arts. 101 e 1.072 a 1.102 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973,

Código de Processo Civil; e demais disposições em contrário.

Brasília, 23 de setembro de 1996; 175º da Independência e 108º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Nelson A. Jobim

 

 

 

 

ANEXO B

 

Coletânea Jurisprudencial

 

Os seguintes julgados demonstram claramente qual era o fundamento usado pelo Supremo Tribunal Federal na recusa da homologação de sentença arbitral, quando esta valia-se de procedimento em que a citação do demandado não se efetivou por meio de rogatória:

 

Sentença estrangeira. República Francesa. Sentença arbitral. Falta de citação regular por meio de competente carta rogatória. Decisão que se limita a revelar a sanção aplicada à ré, sem dizer as razões que orientam o arbítrio, não se qualifica como hábil à homologação" (Sentença Estrangeira Contestada 3976 – França, Tribunal Pleno, Relator Ministro Paulo Brossard, j. 14.6.89).

 

Sentença estrangeira. Homologação. Sentença estrangeira, que teve por exequível decisão arbitral. sua homologabilidade, em princípio, no Brasil. Precedente na sentença estrangeira n. 2178 (RTJ 92/515 e 91/48). Regimento Interno do STF, art-217. requisitos à homologação de sentença estrangeira. (...) é princípio de ordem pública, no Brasil, seja o réu, conhecida sua residência, diretamente, citado no país, para responder à ação, perante a justiça estrangeira, constituindo a citação válida, dessa sorte, requisito indispensável à homologação da sentença alienígena. Lei de Introdução ao Código Civil, art-12, par-2. a citação deve ser feita, mediante carta rogatória, após obtido o exequatur do presidente do Supremo Tribunal Federal. No caso, não houve citação da requerida, mediante carta rogatória, nem compareceu ela, voluntariamente, ao juízo estrangeiro. Não afastaria o vicio da falta de citação, sequer, o fato alegado, pela requerente, segundo o qual a requerida não ignorava a existência da decisão arbitral. Trânsito em julgado da decisão estrangeira homologada, não regularmente comprovado. Sentença estrangeira, cujo pedido de homologação se indefere, por falta de citação regular da requerida, mediante carta rogatória, e porque não comprovado, suficientemente, seu trânsito em julgado (RISTF, art-217, ii e iii)" (Sentença Estrangeira Contestada 2912, Tribunal Pleno, Relator Ministro Néri da Silveira, j. 2.2.83).

 

Sentença homologatória de arbitragem comercial proferida pela Justiça Inglesa num processo em que o réu, domiciliado no Brasil, não foi citado. é indispensável, no caso, a citação por meio de rogatória com exequatur do presidente do STF. As exigências impostas pelo art. 212 do Regimento Interno desta Corte constituem direito absoluto, que deve ser observado até mesmo por tribunal ou autoridade que, num país estrangeiro, profira sentença que produza efeitos no Brasil. Ação homologatória improcedente. (Sentença Estrangeira Contestada 2424, Tribunal Pleno, Relator Ministro Antônio Neder, j. 14.12.79).

 

O Supremo Tribunal Federal em algumas oportunidades, chegou a recusar a homologação de sentença na qual a citação se deu por via postal, justamente a hipótese introduzida pelo art. 39, parágrafo único da Lei de Arbitragem:

 

Sentença estrangeira. Irregularidade da citação por via postal, com dispensa de rogatória. Homologação denegada. Agravo regimental não provido (Agravo Regimental na Sentença Estrangeira 2736, Tribunal Pleno, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, j. 14.5.81)

 

Em outros julgados, todos anteriores à edição da lei 9.307/96, nosso Corte Suprema deferiu a homologação por considerar atendida a exigência de citação pessoal do réu domiciliado no Brasil por meio de rogatória:

 

Sentença estrangeira. Pedido de homologação. Decisão de juízoarbitral inglês homologada pela "high court of justice - queen´´s bench division - commercial court". 2. Alegações de nulidade da decisão arbitral, de falta de fundamentação da sentença da corte que deu "exequatur" à decisão arbitral, bem assim de inexistência de prova do trânsito em julgado da sentença cuja homologação é pleiteada. 3. Pressuposto para homologação de sentença estrangeira, que concede "exequatur" à decisão arbitral, é que exista, no país de origem, procedimento jurisdicional assegurando às partes o contraditório. precedentes do STF. 4. Citação da requerida, mediante carta rogatória regularmente processada no Brasil. Juiz competente. A requerida, anteriormente, já comparecera ao procedimento arbitral, ao qual se sujeitara, indicando árbitro. 5. Decisão arbitral devidamente fundamentada, o mesmo sucedendo com a sentença homologanda. Recurso desprovido. 6. Trânsito em julgado da sentença comprovado, atendida, assim, a exigência da Súmula 420. 7. Requisitos do art. 217 do RISTF satisfeitos. 8. Deferimento do pedido de homologação da sentença estrangeira (Sentença Estrangeira Contestada 3897 – Inglaterra, Tribunal Pleno, Relator Ministro Néri da Silveira, j. 9.3.95).

 

Homologação de sentença estrangeira. Laudo arbitral que recebe "exequatur" do Tribunal de grande instância de Paris. Citação por carta rogatória de empresa sediada no Brasil. 2. A sentença arbitral adquire a autoridade de coisa julgada quando recebe o "exequatur", não impugnado mediante apelação. 3. Homologação de sentença estrangeira julgada procedente" (Sentença Estrangeira Contestada 3236, Tribunal Pleno, Relator Ministro Alfredo Buzaid, j. 22.2.84).

 

Sentença estrangeira. Pedido de homologação. Decisão de juízo arbitral inglês homologada pelo Tribunal de Alçada da Rainha (queen´´s bench division). Pressuposto para homologação de sentença estrangeira, que dá o ´´exequatur´´ a laudo arbitral, e que exista, no país de origem, procedimento jurisdicional assegurando às partes o contraditório. Precedentes do STF. Citação da requerida, mediante carta rogatória regularmente processada no Brasil. A requerida, anteriormente, já comparecera ao procedimento arbitral, indicando arbitro. Hipótese em que a decisão inglesa homologatória do laudo arbitral examinou, inclusive, aspectos de mérito do arbitramento e alegações da requerida. Assegurado o contraditório, não cabe, aqui, apreciar os fundamentos da decisão estrangeira de ´´exequatur´´ do laudo arbitral. Pedido de homologação de sentença estrangeira que se defere" (Sentença Estrangeira Contestada 3707, Tribunal Pleno, Relator Ministro Néri da Silveira, j. 21.9.88).

 

Com a edição da Lei de Arbitragem, os reflexos da novidade trazida no seu art. 39, paragrafo único já podem ser percebidos a partir da análise de julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal. Conforme se demonstra no seguinte acórdão:

Sentença arbitral estrangeira. Pedido de homologação. Contrato de afretamento. Requisitos previstos no regimento interno do STF e na Lei nº 9.307/96 (Lei da Arbitragem).

Tendo as normas de natureza processual da Lei nº 9.307/96 eficácia imediata, devem ser observados os pressupostos nela previstos para homologação de sentença arbitral estrangeira, independentemente da data de início do respectivo processo perante o juízo arbitral. Pedido que cumpre os requisitos dos arts. 37 a 39 da mencionada lei, bem como dos arts. 216 e 217 do RISTF. Homologação deferida.

(...) Alega a requerida, em sua contestação, que a requerente não prestou a necessária caução (...). Sustenta, ainda que se tendo iniciado o processo de arbitragem antes da edição da Lei nº 9.307/96, não poderia ela ser utilizada no presente pedido homologatório, acarretando a nulidade da citação, procedida por via postal (...).

O fato de o processo de arbitragem que resultou na sentença arbitral homologanda haver se iniciado meses antes do advento da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1.996, não afasta a aplicação desse diploma legal no presente feito. (...) Assim, a questão levantada pela requerida quanto à nulidade da citação feita por via postal, antes da vigência da Lei nº 9.307/96, perde sua eventual relevância, posto configurado o comparecimento e a conseqüente aceitação do juízo arbitral inglês" (Sentença Estrangeira Contestada nº 5.828-7 – Noruega, Tribunal Pleno, Relator Ministro Ilmar Galvão, j. 6.12.2000).

 

Após a transferência da competência da homologação da sentença arbitral estrangeira do STF para o STJ, nos termos do artigo 105, I, i, da Constituição Federal, em recentes julgados do STJ, é feito o reconhecimento da homologação das sentenças arbitrais cujas citações tenham se dado pela via postal. Eis alguns recentes julgados neste sentido:

 

SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA. CONDENAÇÃO DE EMPRESA BRASILEIRA AO CUMPRIMENTO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. REQUISITOS FORMAIS PARA O DEFERIMENTO DO PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO OBSERVADOS. RECONHECIMENTO DA ARBITRAGEM COMO MEIO LEGAL DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE DIREITOS DISPONÍVEIS. LEI N. 9307/96. AUSÊNCIA, IN CASU, DE AFRONTA A PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA.

I - Não viola a ordem pública brasileira a utilização de arbitragem como meio de solução de conflitos, tanto que em plena vigência a Lei n. 9307/96 (Lei de Arbitragem), não se podendo afirmar, de outro turno, ter a ora requerida eleito esta via alternativa compulsoriamente, como sugere, até mesmo porque sequer levantou indício probatório de tal ocorrência.

II - Ex vi do parágrafo único do art. 39 da Lei de Arbitragem brasileira, "não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira tempo hábil para o exercício do direito de defesa."

III - Ademais, é farto o conjunto probatório, a demonstrar que a requerida recebeu, pela via postal, não somente a citação, como também intimações objetivando o seu comparecimento às audiências que foram realizadas, afinal, à sua revelia.

IV - Observados os requisitos legais, inclusive os elencados na Resolução n. 9/STJ, de 4/5/2005, relativos à regularidade formal do procedimento em epígrafe impossibilitado o indeferimento do pedido de homologação da decisão arbitral estrangeira.

V - Pedido de homologação deferido, portanto.

(STJ - SEC 874/EX, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19.04.2006, DJ 15.05.2006 p. 142)

 

 

SENTENÇA ESTRANGEIRA. HOMOLOGAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À ORDEM PÚBLICA, À SOBERANIA NACIONAL E AOS BONS COSTUMES.

1. Sentença arbitral que decorreu de processo sem qualquer vício formal.

2. Contestação da requerida no sentido de que não está obrigada a cumprir o seu encargo financeiro porque a requerente não atendeu à determinada cláusula à contratual. Discussão sobre a regra do exceptio non adimpleti contractus, de acordo com o art. 1.092 do Código Civil de 1916, que foi decidida no juízo arbitral. Questão que não tem natureza de ordem pública e que não se vincula ao conceito de soberania nacional.

3. Força constitutiva da sentença arbitral estrangeira por ter sido emitida formal e materialmente de acordo com os princípios do nosso ordenamento jurídico.

4. Homologação deferida. Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

(STJ - SEC 802/EX, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, CORTE ESPECIAL, julgado em 17.08.2005, DJ 19.09.2005 p. 175)



[1]    Conhecida como UNCITRAL, do inglês United Nations Commission on International Trade Law.

[2]    Segundo a definição de Victor Cole (2003, p.5) “a arbitragem resulta de um acordo de vontade entre as partes. Contudo dentre de um sistema legal. A legislação e instituições jurídicas de um Estado não só asseguram um precedimento arbitral justo como também a executividade dos laudos arbitrais. Então, uma definição meramente privatista ou jurisdicional carecem de elementos essenciais  encontrados na outra. Juntas, elas formam um todo simbiótico. Uma definição mais apropriada deverá advir duma combinação de ambas” (“Arbitration results from the agreement of the parties. It however functions within a legal framework. State laws and institutions do not only ensure that arbitral proceedings are fair, but that their awards are enforced. Therefore a mere contractual or juridictional definition devoid of each other cannot stand. Together, they form a symbiotic whole. A proper definition can only embody a combination of both”)

[3]    Informação extraída do seu site na internet: http://www.adr.org/about_aaa.

[4]    Como exemplo daqueles que são adeptos a este posicionamento, poderemos citar Alexandre Freitas Câmara, Cláudio Vianna de Lima e Carlos Alberto Carmona.

[5]    Instituto Internacional para a unificação do direito privado, concluído em Roma, em 1940.

[6]    “Art. 483. A sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal. Parágrafo Único: A homologação obedecerá ao que dispuser o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal”.

[7]    “Art. 484. A execução far-se-á por carta de sentença extraída dos autos da homologação e obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da mesma natureza”.

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