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Propnho uma rápida análise do tratamento dado pelo governo aos médicos cubanos do ponto de vista jurídico e ético.
Texto enviado ao JurisWay em 06/03/2014.
Médicos cubanos e o direito a injustiça
O escritor francês do século XIX Victor Hugo afirmara que quando se está caindo até mesmo os mais finos galhos servem para nos agarrarmos, inequívoco o quão frágeis são os argumentos em defesa do financiamento de Cuba sob o manto moral e populista chamado de mais médicos, uma amostra de galhos tão finos é uma crítica feita pelo colunista da Folha de São Paulo Hélio Schwartsman, Médicos no pelourinho 01/03/2014, ao jurista Ives Gangra da Silva Martins graduado em Direito pela USP e doutor em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pelo seu texto também a Folha, O neoescravagismo cubano publicado em 17/02/2014, no qual este, em espaço limitado, aponta com maestria a miríade de irregularidades na contratação dos médicos cubanos.
Hélio é bacharel em Filosofia, e seus textos são agradáveis por nos fazer refletir sobre temas importantes, sem dúvida é imprescindível abordarmos na arena pública os problemas interdisciplinarmente, do ponto de vista filosófico, ético, econômico, mas convenhamos, é preciso ter cautela, isso foi o que faltou no texto de nosso colunista. Seus argumentos se resumem basicamente na limitação em observar o caso do ponto de vista apenas jurico-positivo, na falibilidade de nosso direito positivo, numa ética utilitarista como alternativa, na autonomia dos indivíduos, e na comparação entre a situação social entre Cuba e o Brasil.
Sem duvida todas as questões não só podem como devem ser examinadas além do ponto de vista jurídico, e Ives Gangra poderia fazê-lo, dada sua bagagem teórica e larga experiência, no entanto o que Hélio não se atentou foi para o fato do texto do famoso doutrinador ter sido escrito do ponto de vista de um jurista, seu escopo era propositalmente, até pelas limitações de ordem objetiva, a abordagem meramente legal do tema, o que já derrubou incontestavelmente o castelinho petista, mais linhas e uma abordagem mais ampla sobre outros aspectos não sobraria pedra sobre pedra, nem um tijolo ficaria de pé. O que em parte nosso crítico reconhece.
A segunda argumentação é uma crítica a nosso legislação trabalhista, quem sem dúvida é legítima, afinal nada está mais longe do Direito como de outros campos do conhecimento do que a pretensão há exatidão, o Direito em sentido amplo é fruto da cultura, do tempo, é um instrumento com escopo de alcançar a justiça, e não a justiça, para alguns, para outros mais um mecanismo pérfido a serviço de uma classe, deixando a querela doutrinaria e filosófica de lado, abstrações, teorias de gabinete e voltando ao mundo real, de pessoas reais, o Direito é o que temos, creio, para domar os indivíduos e proporcionar a paz social, quando tudo acabar não mais precisaremos dele, ou quando inventarem algo melhor. Não obstante, se há criticas aos direitos trabalhistas, no que não discordo, é o que temos para o momento, e ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece, assim diz o Direito, e nem alegando que não concorda ou não gosta, diz o bom senso, ao menos num Estado Democrático de Direito, os socialistas que fiquem, infelizmente, com seus líderes messiânicos, desde tempos primitivos antes mesmo de Aristóteles já se vislumbrava a necessidade da Lex se sobrepor ao Rex, no entanto apesar das críticas, que não são unânimes, creio que poucos discordariam, de direitos tão caros como a igualdade, a liberdade, e ideais como a dignidade humana, erigidos por nosso Estado, e ultrapassado o período em que as Constituições eram sinônimo de cartas de boas intenções, meros papeis pintados, devem ser respeitadas, e plena e imediatamente efetivados dentro dos limites da realidade, nenhum médico cubano discordaria penso.
Para Hélio a alternativa mais viável do ponto de vista ético ao invés de um sistema deontológico, que pressupõe que seria o defendido por Ives Gangra, é um consequencialismo, um termo mais chique para o utilitarismo, o fato é que assim como uma ética fundada no dever, o utilitarismo também encontra seus obstáculos na realidade, na prática este sistema encontra como óbice, questões como, útil a quem? Como? Ao maior número ou o máximo possível? Em quais casos? Não obstante os entraves, estes intrínsecos a Ética, o Direito no seu conjunto de leis, princípios e postulados, mediante a atividade legislativa e jurisdicional já tem estado atento a esta visão consequencialista na interpretação, produção e aplicação das leis aos casos concretos, podemos confirmar analisando os julgados mais importantes do STF e a jurisprudência, onde, porém, os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade irão balizar os limites em que o útil será justo, ou ao menos razoável, já no caso em tela, o que teria pérfidas consequências fugindo do razoável e abraçando a desproporcionalidade, seria a descriminação injustificada, o desrespeito a direitos fundamentais, ou a abertura de exceções casuísticas e populistas aos direitos humanos.
Outro ponto seria a autonomia da vontade dos indivíduos, no caso dos cubanos, que se submeteram a tal tratamento, o fato é que apesar da importância da liberdade dos cidadãos na ceara privada, estamos falando de direitos indisponíveis, fundamentais, inalienáveis, intrasferíveis, irrenunciáveis, o Estado não pode sob qualquer pretexto, inclusive a anuência de seus súditos, achar-se legitimado a desrespeitar os direitos erigidos precipuamente para proteger estes do poder daquele, e se olhássemos por um prisma ético, com que grau de liberdade os cubanos se submeteram a tal escolha? Daqui nos ligamos ao seu ultimo argumento, na comparação entre o estado dos cubanos em seu país e no Brasil, aqui é melhor, o que não é novidade- talvez difícil fosse é encontrar um lugar pior- aqui a tentativa de justificar o tratamento discriminatório dos cubanos é o galho mais fino que nos deparamos, a lógica seria a seguinte: se lá era ruim, e aqui, mesmo sendo desrespeitados seus direitos é melhor, então tudo bem, não há nem um problema, a consequência lógica é que poderíamos buscar uma mulher de um país fundamentalista islâmico e desrespeita-la em seus direitos aqui, não votar, não estudar, afinal lá era pior, ainda que desrespeitados seus direitos fundamentais seria menos pior do que onde estava, como vemos a defesa de Hélio Schwartsman ao tratamento dado aos médicos cubanos é insustentável tanto juridicamente- o que ele reconhece- como do ponto de vista Ético, a não ser que adotássemos um utilitarismo cego e irracional.
Assim como Dostoievski cunhou em Crime e Castigo a premissa, direito ao crime, para referir-se a indivíduos cujo espírito lhes permite passar por cima das convenções em prol de si e de seus ideais, para defender tal tratamento discriminatório dado aos médicos cubanos em detrimento dos direitos fundamentais a eles assistidos teríamos que conceber uma nova e paradoxal ideia, ao arrepio da Constituição e do Estado Democrático de Direito, o direito a injustiça, como vemos os galhos são demasiadamente frágeis, o governo no seu desespero tem até voltado atrás em pontos do programa, ainda assim não chega a 25% o salário dos médicos cubanos em relação aos de outras nacionalidades, a queda é iminente.
ALEX SANDRO ARAUJO DA SILVA, 24, acadêmico de Direito do Instituto Unificado de Ensino Superior Objetivo.
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