Em que pese haver certa divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da tipicidade criminal da subtração, interceptação ou captação não autorizada de TV a Cabo, é de se referir que o STF, ao julgar o HC-97261 (Informativo do STF nº 623, de 11 a 15 de abril de 2012), entendeu que se trata de conduta atípica. Constando inclusive da ementa do respectivo acórdão, que teve por relator o Min. Joaquim Barbosa, o bastante ilustrativo esclarecimento: “O sinal de TV a cabo não é energia, e assim, não pode ser objeto material do delito previsto no art. 155, § 3º, do Código Penal. Daí a impossibilidade de se equiparar o desvio de sinal de TV a cabo ao delito descrito no referido dispositivo. Ademais, na esfera penal não se admite a aplicação da analogia para suprir lacunas, de modo a se criar penalidade não mencionada na lei (analogia in malam partem), sob pena de violação ao princípio constitucional da estrita legalidade”.
O cerne da polêmica reside na aplicabilidade ou não do art. 155, caput do Código Penal que tipifica o crime de furto como o ato de “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”, além do respectivo § 3º que equipara à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. Dispositivo que, sistematicamente, pode muito bem ser analisado em conjunto com o art. 83, I do Código Civil que equipara as energias que tenham valor econômico a bens móveis para os efeitos legais. Embate impassível de ser resolvido exclusivamente à luz do direito, mas por conceitos científicos extraídos da Física.
Perceba que na decisão referida restou expressa e fundamentadamente descartado o entendimento de que os sinais de TV a Cabo representam espécie de energia dotada de valor econômico, equiparável à coisa móvel, tal como a energia elétrica, reitere-se posicionamento derivado de conceitos técnico-científicos e que, portanto, extrapolam os limites do livre convencimento.
Em tempo, é de se referir que, ao contrário do que diversos artigos reproduzem, a lei que trata do serviço de TV a Cabo no Brasil é a 8.977/95 e não a 9.472/97, que dispõe sobre os serviços de telecomunicações, ao passo que a norma específica, em seu art. 35, dispõe que “constitui ilícito penal a interceptação ou a recepção não autorizada dos sinais de TV a Cabo”. Logo, somando-se à impossibilidade de realização de analogia incriminadora in pejus, o uso clandestino do sinal de TV a Cabo não pode ser tratado à luz do art. 155, §3º do Código Penal, mas da norma específica e posterior constante no art. 35 da Lei nº 8.977/95.
O que, mais do que solução traz um novo problema, uma vez que para a conduta descrita como ilícito penal, não há qualquer cominação de pena. Logo, punir penalmente pela prática de furto àquele que pratica a moralmente reprovável conduta de desviar sinais de TV a cabo, corresponderia, dentre outros fatores, a uma afronta aos princípios da estrita legalidade e da reserva legal.
Assim sendo, inadmissível, sob a égide do Estado Democrático de Direito, que ao Judiciário fosse possível impor sanção, sobretudo a privativa de liberdade, a quem o legislador, ainda que por visível falha omissiva, senão incompetência, deixou de penalizar. De sorte que, mais do que esperar que o Judiciário passe a praticar uma espécie de Ativismo Judicial às avessas suprindo as falhas e lacunas legislativas em desfavor ao direito fundamental à liberdade, mais razoável que as empresas afetadas busquem exercer e estimular a legitima pressão sobre o Legislativo para que este, reconhecido como um dos mais onerosos do planeta, venha a corrigir tal aberração, cominando respectiva pena a ser aplicada contra aqueles que, de forma clandestina, imoral e reprovável, captam sinais de TV a Cabo gerando sérios e robustos prejuízos ao setor. A sociedade só teria a agradecer!
Por fim e em tempo, que não se confunda a impossibilidade de prisão, neste caso, com total garantia de impunidade, uma vez que não há dúvidas de que estamos diante de um ilícito civil a ser enfrentado na perspectiva do art. 186 do Código Civil e não como ação civil ex delicto, por mais que isso doa em nossa cultura penalizadora por excelência.