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 Sala dos Doutrinadores - Monografias
Autoria:

Felipe Augusto Rocha Santos
Graduado em Direito pelas Faculdades de Vitória - FDV, tem interesse no diálogo do Direito com outras áreas do conhecimento pertinentes, tais quais a sociologia jurídica e a filosofia.

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Monografias Direito Ambiental

A função estética da paisagem urbana: o direito fundamental à beleza paisagística

A função estética da paisagem urbana é valor essencial para a qualidade de vida almejada pelo texto constitucional e digna de ser reconhecida como verdadeiro direito fundamental, corolário do direito à vida e do princípio da dignidade humana.

Texto enviado ao JurisWay em 29/11/2013.

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo precípuo analisar a função estética da paisagem urbana como valor essencial para a qualidade de vida almejada pelo texto constitucional e, por conseguinte, digna de ser reconhecida como verdadeiro direito fundamental, corolário do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana. Para tanto, recorremos ao pensamento de juristas ambientais, ecologistas, autores da filosofia e da sociologia do direito e do constitucionalismo brasileiro, com o intuito de mostrar a relevância da beleza paisagística para a qualidade de vida da coletividade, considerando os benefícios que o desfrute do belo traz para a saúde mental e espiritual do ser humano. Assim, o estudo se inicia a partir da contemplação do direito enquanto fenômeno social e da característica da historicidade dos direitos fundamentais, segundo a qual a sociedade elege, em cada contexto histórico, valores considerados indispensáveis à sua existência plena e que se tornam vetores da convivência social e orientadores dos ordenamentos jurídicos. Nessa linha, a paisagem urbana surge como elemento ínsito ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito de terceira geração, e revela a sua importância diante dos impactos negativos causados pela poluição visual nos cenários urbanos. Sua tutela decorre da redescoberta do valor estético e da capacidade da beleza paisagística de resgatar a conexão do homem com a natureza, proporcionando alívio psicológico e elevando o espírito em meio ao caos do dia a dia, de modo que o belo deixa de ser somente uma noção subjetiva e revela que a paisagem urbana não pode mais ser enxergada sob o rótulo de direito supérfluo, uma vez que se trata de um bem essencial à vida sadia e ao bem estar coletivo, alicerçado no princípio da dignidade da pessoa humana e, portanto, verdadeiro direito fundamental.


INTRODUÇÃO

Atualmente, um rápido lançar de olhos sobre as médias e grandes cidades brasileiras evidencia os resultados prejudiciais que o intenso processo de urbanização, decorrente do crescimento populacional verificado no país nas últimas décadas, trouxe à paisagem urbana.

O urbanismo moldado à feição da racionalidade econômica promoveu a construção de um modelo de cidade eminentemente funcionalista e subserviente ao discurso desenvolvimentista, desapegado da valorização do aspecto estético e visualmente aprazível e, com isso, infenso à proteção da paisagem como corolário da qualidade de vida contemplada no texto constitucional.

Grandes empreendimentos imobiliários, proliferação de placas de publicidade, poluição luminosa e a verticalização das cidades a partir da construção de edifícios cada vez mais imponentes e destoantes do cenário natural de outrora, que permitia ao ser humano o desfrute dos espaços ainda imunes à sua intervenção potencialmente nociva.

Essas são algumas das consequências da voracidade capitalista que recai sobre o espaço urbano e que acaba por privar o indivíduo da contemplação sensorial e do potencial conectivo da natureza, conferindo uma flagrante primazia aos desideratos da ordem econômica e relegando a segundo plano a proteção da beleza paisagística das cidades, elemento ínsito à noção de paisagem urbana.

Diante desse contexto, torna-se imperativa a melhor proteção da paisagem urbana e sua função estética, uma vez que se trata de um microbem ambiental indispensável à persecução do desenvolvimento sustentável, dada a necessidade de preservação da beleza paisagística para as gerações porvindouras.

Por isso, é de extrema importância abdicarmos do pensamento estritamente econômico e desenvolvimentista para nos aproximarmos de uma visão compatível com a tutela dos direitos transindividuais de natureza indivisível que representam direitos fundamentais da própria humanidade, intitulados como direitos de terceira geração.

Neste tocante, diante da percepção de que a valorização do aspecto estético das cidades é elemento intrínseco da proteção da paisagem urbana e essencial para a qualidade de vida da sociedade, buscamos nesta pesquisa responder a seguinte indagação: quais são os fundamentos jurídicos que permitem atribuir à paisagem urbana e sua função estética a natureza de um direito fundamental?

Neste sentido, trilharemos um percurso que se inicia com a análise da evolução dos direitos fundamentais, suas características e gerações, com o intuito de tocar a sua essência e entender como determinados valores são alçados a essa nobre categoria protetiva, sob o olhar fenomenológico do direito enquanto expressão social, permeado por valores caros aos indivíduos em determinado contexto histórico.

Em um segundo momento, será abordado o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como os microbens ambientais que o compõem, a partir da ótica dos direitos e deveres fundamentais, revelando-se os impactos deletérios da poluição visual sobre a paisagem urbana (microbem) e consequentemente sobre a qualidade de vida da sociedade.

Por fim, daremos enfoque à essência da paisagem urbana como bem jurídico tutelável e à legislação que a protege, com o posterior destaque da função estética da paisagem e suas implicações psicológicas nos indivíduos, desnudando a fundamentalidade da beleza paisagística para a higidez mental e espiritual de todos os seres humanos.


OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Antes de analisar a premência da inclusão da proteção da paisagem no rol dos direitos fundamentais, é essencial, como primeiro passo desse percurso, que se busque a verdadeira substância do que se entende por um ‘direito fundamental'.

A captação do seu sentido e dos seus motivadores mostra-se indispensável para verificarmos se essa tão nobre categoria será receptiva à beleza paisagística, abraçando-a como um novo direito fundamental ou mesmo declarando-a como um já implicitamente reconhecido e abarcado pela proteção ao meio-ambiente, mas ainda não protegido em suas especificidade e plenitude.

Se conseguirmos identificar a essência dos direitos fundamentais, poderemos nos aproximar da tentativa de elevar a beleza paisagística ao mesmo e efetivo patamar de proteção da saúde, do trabalho, das igualdades, liberdades, dentre tantos outros. Isto porque muito embora o meio ambiente equilibrado figure entre eles, reconhecido como um direito fundamental de terceira geração, falta-lhe alcance para proteger elementos fundamentais à sua higidez, tal qual é o caso da paisagem e das belezas naturais.

Isso ocorre em boa parte pelo fato de que o caráter ainda embrionário da proteção do meio ambiente, somado aos subjetivismos e pluralidade conceitual que ainda o cercam, acabam por tornar a sua abordagem um tanto generalista, de modo que microbens ambientais como a paisagem e seu valor estético acabam analisados sob um olhar muito superficial, quase como se fossem elementos extrínsecos à proteção ambiental, e não parte indissociável dela.

O resultado é um modelo protetivo que propugna a persecução do equilíbrio ecológico - macrobem ambiental -, mas que muitas vezes negligencia, de forma contraproducente, aspectos celulares de sua composição e essenciais para a sadia qualidade de vida. A beleza das cidades, cada vez mais sobrepujada pelos imperativos econômicos e desenvolvimentistas, é um desses aspectos subestimados pelo olhar perfunctório lançado aos microbens da questão ambiental.

Assim, elevá-la ao status explícito de direito fundamental parece uma forma de lhe conferir efetiva e inabalável notoriedade, atrelando-a de forma inseparável à já reconhecida promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Tendo em vista, portanto, que o objetivo primordial desse primeiro capítulo é revelar o conteúdo precípuo dos direitos fundamentais, fertilizando o seu terreno para a inclusão da paisagem, far-se-á agora uma breve análise das suas matrizes, funções e características.

A DIALETICIDADE DO FENÔMENO JURÍDICO E O DESPONTAR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A fim de responder a pergunta principal deste trabalho, é de indispensável importância analisarmos o plano não tão cristalino dos direitos fundamentais. Só assim, poderemos seguir nosso percurso rumo à elucidação da possibilidade de se inserir a beleza paisagística no rol desses direitos tão nobres; baluartes do nosso ordenamento jurídico.

Antes, contudo, de adentrarmos aquilo que se entende por direito fundamental, é interessante perguntarmos o que é o Direito, despido dessa fundamentalidade ou de qualquer outro adjetivo. Cientes de que essa indagação pode levar a divagações e estudos intermináveis, optemos pelo recorte de Miguel Reale, cuja excelência nos brinda com a seguinte conceituação da palavra Direito, pertinente e suficiente às pretensões deste trabalho:

uma análise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito veio demonstrar que eles correspondem a três aspectos básicos, discerníveis em todo e qualquer momento da vida jurídica: um aspecto normativo (o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência); um aspecto fático (o Direito como fato, ou em sua efetividade social e histórica) e um axiológico (o Direito como valor de justiça) (REALE, 1995, p.65, grifamos).

Com esteio no ideário do brilhante autor, podemos concluir que o Direito se sustenta sobre o trinômio fatovalor e norma, revelando a sua função em relação à sociedade. "Essa função é a de coordenar os interesses diversos emanados das relações sociais, bem como das relações entre o Estado e a sociedade" (MATTOS JÚNIOR, 2009).

Nesse tocante, Dinamarco (2009, p.25), preleciona:

(...) pelo aspecto sociológico o direito é geralmente apresentado como uma das formas – sem dúvida a mais importante e eficaz dos tempos modernos – do chamado controle social, entendido como o conjunto de instrumentos de que a sociedade dispõe na sua tendência à imposição dos modelos culturais, dos ideais coletivos e dos valores que persegue, para a superação das antinomias, das tensões e dos conflitos que lhe são próprios.

Nota-se, portanto, que nessa perspectiva sociológica (que nos parece a mais satisfatória possível), o Direito é entendido como um conjunto de normas que, orientado por valores, tem por finalidade precípua reger a vida em sociedade.

Essa noção emana da própria natureza humana, mormente se considerarmos o homem como o ser portador da dádiva da razão. O homem raramente procede de forma plenamente instintiva, de modo que, segundo Reis Marques (2007, p.14), essa pobreza instintiva que deixa o ser humano em desvantagem em termos adaptativos lhe confere enorme vantagem em termos de entendimento e consequente possibilidade de alteração do meio circundante.

Dotado, portanto, da capacidade de superar o estado incerto dos seus instintos para ser regido pela razão, o homem se torna livre e apto a criar e recriar o curso dos fatos, tentando moldar o futuro à sua feição. De toda sorte, conforme assevera Reis Marques (2007, p.15) essa capacidade de modificar o curso natural das coisas e de inová-las acaba por gerar um estado de incertezas, ao que se fazem necessárias as regras de conduta e, por conseguinte, o Direito.

O brilhante professor coimbrense, o qual tive a honra de conhecer e cujas aulas tive o prazer de assistir, vai além na sua exposição acerca do direito enquanto produto apto a equilibrar e harmonizar as relações sociais, apresentando duas teses bem antagônicas no que concerne à relação do direito com a sociedade.

Reis Marques (2007, p.18) nos mostra que, para uns, o direito é entidade autônoma, independente de raízes culturais e sociológicas, prendendo-se com um complexo de normas. Deste ponto de vista estritamente legalista, a realidade jurídica tem início e fim no direito positivo. Do lado diametralmente oposto, onde de certa forma incidiu com mais força a luz da sabedoria, o direito é absolutamente dependente da sociedade, exprimindo-a, em vez de dominá-la. Enquanto produto constante dos fatos sociais, seria nada mais do que uma secreção social oriunda de uma coletividade.

O mencionado autor lusitano, contudo, ciente de que tais teses são por demais extremas, defende uma posição intermediária, na qual o direito não é um conjunto de normas isoladas da dimensão social, mas tampouco é simples resultado das condutas sociais.  Nos dizeres do autor:

Se o direito é parte da sociedade, não poderá deixar de exprimir o contexto político, económico e cultural de uma determinada época. [...] No entanto, as regras e as instituições jurídicas não deixam, por sua vez, de influenciar a vida política, económica e cultural. De facto, a relação entre o direito e os factores políticos, econômicos e culturais é de interdependência, isto é, de dependência recíproca (MARQUES, 2007, p.20)

Haveria, pois, em verdade, uma autonomia relativa do direito, reconhecendo-se que “nem sempre uma mudança social implica uma mudança jurídica, nem sempre uma mudança jurídica conduz a uma mudança social” (MARQUES, 2007, p. 21).

Essa noção é indispensável ao nosso trabalho, pois de fato não pretendemos fazer prevalecer nem a tese que confere ao direito uma posição isolacionista, nem aquela que lhe nega qualquer autonomia. É absolutamente imperativo enxergarmos o direito como uma expressão dos anseios sociais, sem, contudo, retirar-lhe por completo o protagonismo na organização e coordenação do corpo social.

Nesse ponto de vista intermédio, habitam justamente as palavras comedidas de Santos (2009):

Impõe-se valorizar o que Celso Bandeira de Mello sugeriu, quando indagado sobre quem muda antes, a lei ou a sociedade. No seu feliz entendimento, ambas se inter-relacionam; quando a sociedade muda, os legisladores tendem a fazer leis em harmonia com essas mudanças. Por outro lado, às vezes, sem quaisquer mudanças, os legisladores agem no sentido de promover a mudança.

Neste sentido, Ehrlich (1986, p.27-29), é preciso quando concebe e reitera o Direito como um produto social espontâneo, mas no sentido de que cada sociedade cria internamente a sua própria norma jurídica em conformidade com os valores e paradigmas dominantes em determinado espaço e tempo. É precisamente esse o "Direito vivo" sugerido pela sociologia jurídica, um Direito proveniente também da vida concreta dos indivíduos e desapegado dos grilhões estritamente dogmáticos e burocráticos das teorias que insistem em sugeri-lo como instrumento estático e indiferente ao infrene dinamismo social.

Sugerir que o direito é nada mais do que um conjunto de normas positivadas é compactuar com a imagem de um direito asséptico e insensível à influência da realidade circundante. Da mesma forma, considerá-lo simples produto dos anseios sociais também nos parece um equívoco, porquanto essa visão nega que as instituições jurídicas podem influenciar a realidade, em todos os seus aspectos.

Fiquemos, pois, com a concepção intermediária que fornece uma visão multiangular e divide o protagonismo entre as instituições jurídicas e a sociedade. Para além de dimensões estanques, estritamente normativistas ou sociológicas, preferimos seguir a seguinte noção, a mais pertinente possível ao presente estudo: “o direito é uma ordem de convivência humana e social, orientada pela realização dos direitos fundamentais do homem, susceptível de ser imposta pela coação” (MARQUES, 2007, p. 243).

De posse dessa concepção sobre o que é o Direito, o próximo passo é apresentar uma apreciação do horizonte da evolução e sedimentação dos direitos ditos fundamentais; vetores da convivência social, pressupostos da proteção da dignidade humana e orientadores dos ordenamentos jurídicos contemporâneos.

Pois bem. Conforme observou Jeaveaux (2008, p. 38) com acerto, em determinado momento do protagonismo humano na Terra a urbanização da sociedade e o recrudescimento populacional fizeram com que as demandas do tecido social se tornassem de massa, revelando um anacronismo e egocentrismo da então vigente titularidade individual dos direitos - também, diga-se, conquistada de forma árdua, edificando a proeminência do indivíduo sobre o Estado absoluto.

Como todas as outras mudanças que flagram o sistema jurídico, o desnudamento do obsoletismo do direito individual corrobora com a eminente dialeticidade do Direito; absolutamente sensível às evoluções e involuções da sociedade. Muito mais do que conformar a realidade circundante, repisa-se, o Direito também é transformado por ela, refletindo os anseios e desideratos dos indivíduos, numa eterna e dinâmica relação dialética.

Evidentemente, os direitos individuais provenientes do iluminismo racionalista adequavam-se ao contexto de uma sociedade urbana ainda incipiente, cujas reivindicações de grupos eram escassas. Tais direitos representaram, pois, a primeira geração de direitos, distantes da terceira geração - que é o nosso principal objeto de enfoque.

Originários do liberalismo clássico, os direitos individuais aproximam-se das chamadas prestações negativas do Estado na esfera da liberdade das pessoas, com vistas a salvaguardar precipuamente a economia e a propriedade privada, valores absolutos no crepúsculo do século XVII e nos alvores do século XVIII. Conforme observado com plena sagacidade por Marques (2007, p.211), “são os diretos de um homem circunscrito num corpo público de inspiração liberal”.

O egocentrismo característico dessa geração de direitos é parcialmente explicado pelo fato de que os direitos individuais seriam reconhecidos como algo anterior ao próprio Estado e dotados, portanto, da capacidade de limitar a sua ação com o prestígio das chamadas prestações negativas. Contudo, o não tão vagaroso caminhar da sociedade revelou que o liberalismo exacerbado, assente no Estado quase invisível, dava sintomas de cansaço.

A robustez dos direitos individuais começou a desfalecer diante do natural processo histórico-dialético da conjuntura econômica, de onde emanaram, no seio do desenvolvimento industrial, novas relações que clamaram pela elevação de direitos fundamentais com outras feições, adequados ao novo contexto social vigente - não mais aquele do combate da burguesia ao absolutismo.

Marques (2007, p. 212) lembra-nos que, neste período,

amplifica-se a luta pelos direitos humanos no espaço econômico e no mundo do trabalho, o que se traduz na reivindicação de direitos sociais. O Estado passa a assumir o compromisso de reparar os excessos do individualismo econômico-liberal, conferindo um conjunto de créditos (direitos créditos) ao homem perante a sociedade.

Ao que Cappelletti (apud JEVEAUX, 2008, p.39) arremata:

As atividades e relações se referem sempre mais frequentemente a categorias inteiras de indivíduos, e não a qualquer indivíduo, sobretudo. Os direitos e os deveres não se apresentam mais, como nos Códigos tradicionais, de inspiração individualística-liberal, como direitos e deveres essencialmente individuais, mas metaindividuais e coletivos.

O individualismo clássico daqueles direitos de orientação liberal passou, então, a conviver com aqueles direitos que não pertencem a ninguém em particular e cujo objeto, diferentemente dos direitos individuais, é indivisível, permitindo o florescer de novos valores que logo a sociedade exigiria que se revestissem com o manto da proteção jurídica.

É o caso do meio ambiente, bem difuso representativo desses direitos que se desprendem do individualismo exacerbado e se voltam para toda a comunidade social, afeitos à noção de coletividade e marcados por caracteres especiais, conforme elenca Jeveaux (2008, p.42): "a) indivisibililidade do objeto de direito; b) ilimitação do número de titulares; c) indisponibilidade do direito; d) co-titularidade exclusivamente para a proteção difusa; e) titulares indeterminados em particular".

Nas preleções de Bulos (2009, p. 428), o desenvolvimento da teoria geral desses direitos não nasceu da noite para o dia, mas, sim, foi “fruto de lenta e gradual maturação histórica, das lutas, dificuldades, alegrias e tristezas que circundam a própria existência terrena”, confirmando que o Direito não paira impávido sobre a sociedade; ele caminha de mãos dadas com ela, seguindo seus passos ora vagarosos e claudicantes, ora céleres e resolutos.

A BUSCA DA ESSÊNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM MEIO À DIVERSIDADE CONCEITUAL DE SUA TEORIA

Dito isto, é imperioso questionarmos o que são, afinal, os direitos fundamentais da forma como eles são hoje conhecidos e de onde deriva a sua imponência no nosso ordenamento jurídico. Tentaremos responder a essa indagação em breves linhas, para então tentar enquadrar (ou reconhecer) a paisagem nessa que é a mais nobre das categorias do nosso Direito e que abarca justamente os direitos mais caros à existência digna do homem.

Como bem preleciona Jeveaux (2008, p.65), formou-se uma miríade de conceitos a respeito da teoria dos direitos fundamentais, tamanha a complexidade que a permeia.

Para o autor, a expressão "direitos fundamentais" surge na França, em 1770, e coincide historicamente com a ascensão dos direitos individuais liberais clássicos, nos idos do século XVIII. Neste viés, porém, o insigne autor espanhol Perez Luño (apud JEVEAUX, 2009, p.65) defende que a origem filosófica da expressão é ainda mais antiga, remontando às doutrinas

a) estóica (unidade universal dos homens); b) católica (igualdade perante Deus); c) jusnaturalista medieval (postulados suprapositivos como critério de legitimidade); d) tomistas (direito positivo submetido ao direito natural). Essas últimas doutrinas permitiam extrair um direito de resistência contra o arbítrio. Já a expressão "direito natural" se transmuda para "direito humano" na segunda metade do século XVIII [....] e, no mesmo período, para direito fundamental, com o objetivo de constitucionalizar/positivar os direitos naturais (JEVEAUX, 2008, p.65)

Nas anotações precisas de Silva (2010, p.175), “a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no evolver histórico dificulta definir-lhes um conceito sintético e preciso”, de modo que nos deparamos ainda com uma coleção de expressões para designá-los[1].

Na mesma toada, Mendes e Branco (2012, p.158) lembram que o rol dos direitos fundamentais avoluma-se em conformidade com as exigências específicas de cada momento histórico e de cada sociedade e suas idiossincrasias políticas, ideológicas, filosóficas e tantas outras.

Sua imposição, conforme nos lembra Dimoulis e Martins (2011, p.14), deu-se politicamente em meio a ferozes lutas, revoluções, guerras civis e outros acontecimentos de “ruptura”. Compreensível, portanto, que a classe dos direitos fundamentais não tangencie a homogeneidade, dificultando, assim, uma definição ampla o suficiente que percorra toda a sua extensão. De toda sorte, importante anotar que

As diversas acepções relativas à noção de direitos fundamentais não restringem sua dimensão de abrangência. Muito pelo contrário, o que se verifica é que os direitos fundamentais tornaram-se as diretrizes inspiradoras dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, nos quais se reconhecem a supremacia da pessoa humana, como destinatário de todo o poder constituído (MATTOS JUNIOR, 2009).

Certos, destarte, de que a divergência não limita a abrangência, podemos verificar que Jeveaux (2008, p.65) reconhece essa grande diversidade conceitual e apresenta algumas das várias expressões cunhadas para designar o tema, permeado de complexidade:

1) direitos humanos positivados internamente (Blanca Martínez de Vallejo Juster); 2) direitos constitucionais (François Terré); 3) objeto de uma mera descrição, constituindo-se em direitos humanos positivados (Pérez Luño); 4) constitucionalização dos direitos humanos (Hans Peter Schneider); 6) direitos exercidos por meio do Estado, mais do que contra ele (José Carlos Vieira de Andrade) (NOGUEIRA, apud JEVEAUX, 2008, p. 66).

Essa última definição chama especial atenção, pois denota que o exercício dos direitos fundamentais viabiliza-se pela prestação estatal, seja ela negativa ou positiva, conforme a especificidade de cada dimensão (geração) de direitos, permitindo assim que o particular reivindique do Estado tanto o cumprimento de prestações sociais quanto a proteção contra atos de terceiros - onde se inclui a própria abstenção estatal.

Bulos (2009, p.429) opta inclusive pela expressão "liberdades públicas em sentido amplo" para definir os direitos fundamentais, justamente por se tratarem eles de um "conjunto de normas constitucionais que consagram limitações jurídicas aos Poderes Públicos".

Para José Afonso da Silva, entretanto, a expressão mais adequada é mesmo “direitos fundamentais do homem”, visto que

além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados (SILVA, 2010, p.178, grifo nosso).

No mesmo sentido, Dimoulis e Martins (2011, p.48) reconhecem a ausência de uma única terminologia correta e adotam a expressão direitos fundamentais por ser o vocabulário escolhido pela Constituição Federal de 1988, além de ser um termo genérico, podendo abranger os direitos individuais e coletivos, os direitos sociais e políticos, de liberdade e os de igualdade, e, por fim, por indicar os direitos que gozam de proteção constitucional e peculiar força jurídica que lhes garantem a supremacia das normas constitucionais, inexistindo a possibilidade de o legislador ordinário tencionar a sua abolição.

Quanto ao termo “fundamental”, prestigiado por esses autores, Mattos Junior (2009) destaca precisamente que

a expressão – fundamental, traz, em seu bojo, a noção de essencial, básico, indispensável; fundamental é aquilo que se une ao elementar, à necessidade primeira que propiciará a superação e aquisição de necessidades outras, não tão importantes, contudo também indispensáveis à humanidade.

Fiquemos, portanto, com a terminologia “direitos fundamentais”, certos de que a busca pela essência desses direitos é tão mais importante que a escolha de um nome único, lógico e sintético que encerre toda a sua riqueza. É também, por que não, uma forma de privilegiar a expressão adotada por José Afonso da Silva, cuja definição abarca, a nosso ver, tudo aquilo que há de mais “fundamental” nesses direitos - prerrogativas protetoras de todos os indivíduos, indistintamente, naquilo que eles elegeram de maior relevância para o seu convívio social e, mais do que isso, para o exercício da sua própria humanidade.

Dito isto, em meio ao pluralismo conceitual que perpassa a teoria dos direitos fundamentais, de posse das considerações de grandes nomes do nosso constitucionalismo, é possível encontrarmos pontos de convergência que levem a definições precisas sobre a essência desses direitos, tendo em mente que “descobrir características básicas dos direitos fundamentais [...] não constitui tarefa meramente acadêmica e pode revelar-se importante para resolver problemas concretos” (MENDES e BRANCO, 2012, p. 158).

Eis que a busca por essas características, sobre a qual nos debruçaremos logo mais, é absolutamente pertinente para o nosso estudo, já que identificá-las pode levar à consequente identificação de direitos fundamentais que (ainda) não figuram no catálogo expresso da nossa Constituição. Antes disso, vejamos algumas definições adotadas por autores consagrados, já tentando achar similitudes entre os conceitos formulados.

Uadi Lammêgo Bulos (2009, p.428), cujo ideário muito se aproxima dos ensinamentos de José Afonso da Silva, sugere que os direitos fundamentais são

o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive.

Dessa definição, é evidente a correlação entre os direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana, local em que, segundo Vieira de Andrade (apud MENDES e BRANCO, 2012, p. 158) residiria a verdadeira fundamentabillidade dos direitos humanos. Para Mendes e Branco, de fato é esse princípio o marco de inspiração dos direitos fundamentais,

[...] atendendo à exigência do respeito à vida, à liberdade, à liberdade, à integridade física e íntima de cada ser humano, ao postulado da igualdade em dignidade de todos os homens e à segurança. É o princípio da dignidade humana que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça (2012, p. 159, grifamos).

A dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, assinala valores segundo os quais o homem, num sentido kantiano, existe como fim em si mesmo, e não tão só como meio para atender à vontade do Estado ou de outra força arbitrária, de modo que

toda e qualquer ação do ente estatal deve ser avaliada, sob pena de inconstitucional e de violar a dignidade da pessoa humana, considerando se cada pessoa é tomada como fim em si mesmo ou como instrumento, como meio para outros objetivos (SANTOS, 2001).

Dessa forma, a se considerar a pessoa como valor primeiro e supremo da democracia, impondo-se, por conseguinte, a proteção indelével de sua integridade física, psíquica e espiritual no núcleo de toda e qualquer ação estatal, torna-se absolutamente compreensível e lógica a sua associação inexorável aos direitos fundamentais, cuja fundamentabilidade, repisa-se, emana da primazia do valor da pessoa humana.

Neste sentido, conclui-se sem muito esforço que "os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana" (SARLET, 1998, p. 109). Da mesma forma, a dignidade da pessoa humana desnuda-se como "a fonte ética, que confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais" (MIRANDA, apud SANTOS, 2001).

Dessa análise, decorre o conceito utilizado por Mendes e Branco (2012, p.159, grifamos), cuja síntese é diretamente proporcional à precisão que encerra:

Os direitos e garantias fundamentais, em sentido material, são, pois, pretensões que, em cada momento histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana.

Evidentemente, a Constituição é o local mais adequado para positivar pretensões de tão robusta importância, transformando em normas valores tão caros, e, por que não, indispensáveis à existência plena do homem, conferindo-lhes guarida no mais poderoso instrumento normativo de uma nação. Não à toa, o preâmbulo da nossa Carta Maior proclama que a Assembleia Constituinte teve como um de seus sustentáculos a instituição de um "Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança".

Essas linhas, firmemente marcadas na Constituição Federal, revelam os traços fundamentais do novo paradigma estatal que então despontava - o Estado democrático de direito[2], assente na ideia de que o Estado deve ser regido pelo Direito e por normas democráticas, conforme proclamado pelo caput do artigo 1º da Lei Suprema: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Neste tocante, Ferreira Filho (1988, p. 16) é preciso quando dispõe que, na visão ocidental de democracia, governo pelo povo e limitação de poder estão indissoluvelmente combinados. O poder delegado pelo povo aos seus representantes conhece uma série de limitações, trazendo em si um gravame irretocável: ‘não sou absoluto; sou limitado por uma vastidão de direitos que o povo entende por fundamentais’.

Assim, para o brilhante mestre lusitano Gomes Canotilho (1995, p.517), os direitos fundamentais representam

A função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).

Nesta mesma trilha, Jeveaux (2008, p. 67) aduz, a respeito do caráter dúplice assumido pelo direito fundamental:

A reunião dessas características dá conta de uma multifuncionalidade do direito fundamental, tanto na dimensão subjetiva quanto objetiva, que assume duas formas: a) direito de defesa, no sentido de evitar ingerências indevidas do Estado na esfera individual e de conferir poderes de exercício concreto ou de suprimir omissões; b) direito a prestações, no sentido de acessar as prestações estatais e de participar dos procedimentos democráticos de sua criação.

Novamente, a vedação ao leviatanismo do Estado é marcante, associado à proteção das liberdades positivas e negativas do indivíduo traduzidas em normas devidamente positivadas, sacramentando-se, com efeito, o primado da lei e a fórmula “deter o poder com o poder”, de Montesquieu, para combater a onipotência do Estado.

Alexandre de Moraes (2002, p.39) aglutina essa premissa de limitação das ingerências estatais com a perspectiva da dignidade da pessoa humana como o nascedouro dos direitos fundamentais, considerando estes como

o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.        

Em outra obra, mais uma vez destacando a essencialidade dos direitos fundamentais, indispensáveis à vivência e à convivência dos seres humanos, o autor assinala que o termo

vem a sinalizar aqueles direitos e garantias, sem os quais, a convivência humana poderia se tornar impossível. Dada a dimensão de essencialidade dos direitos fundamentais, sobretudo em uma sociedade capitalista, esses direitos são imprescritíveis, inalienáveis, irrenunciáveis, invioláveis, universais, efetivos, interdependentes e complementares (MORAES, 2002, p.41)

Revela-se, então, a finalidade de impor limites ao poder político, com a concomitante positivação desses direitos que traduzem verdadeiras exigências da dignidade humana, doravante sustentáculos de determinado ordenamento jurídico concreto.

Dimoulis e Martins (2011, p.49) também perspectivam os direitos fundamentais na ótica da limitação do Estado e da primazia das necessidades básicas dos indivíduos positivadas na Lei Suprema, conceituando-os como

...direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.

Nesta mesma esteira, Mendes e Branco (2012, p.154) mencionam que os direitos fundamentais assumem posição de definitivo destaque na sociedade justamente

quando se inverte a tradicional relação entre Estado e indivíduo e se reconhece que o indivíduo tem, primeiro, direito, e, depois, deveres perante o Estado, e que os direitos que o Estado tem em relação ao indivíduo se ordenam ao objetivo de melhor cuidar das necessidades dos cidadãos.

Mais uma vez, as preleções do constitucionalista colocam em relevo a ruptura da tradicional prevalência do Estado sobre o cidadão, uma vez que as teorias contratualistas dos séculos XVII e XVIII romperam com o paradigma do indivíduo subserviente à figura imponente do Estado e edificaram a submissão das autoridades políticas aos anseios do homem - detentor de direitos preexistentes à figura estatal, cuja atuação deve se voltar precipuamente a garantir-lhe o desfrute dos direitos básicos.

Se outrora esses direitos limitavam-se a aspirações políticas e filosóficas, carecendo de meios para a sua efetiva persecução, a positivação dos direitos tidos como inerentes ao homem (MENDES e BRANCO, 2012, p.154) municiou-os com normas jurídicas enfim obrigatórias, exigíveis judicialmente. São os casos da Petição de Direitos, de 1628; da Declaração de Direitos, de 1688; da Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776; e especialmente da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

Importante consignar que essas declarações de direitos não tiveram uma única fonte de inspiração, como sugerem algumas doutrinas. Na verdade, conforme anota Silva (2010, p. 173)

houve reivindicações e lutas para conquistar os direitos nelas consubstanciados. E quando as condições materiais da sociedade propiciaram, elas surgiram, conjugando-se, pois, condições objetivas e subjetivas para sua formulação.

Norberto Bobbio (apud MENDES e BRANCO, 2012. p.154), com o brilhantismo e lucidez que lhe são peculiares, corrobora com essa visão e afirma que

a afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical inversão da perspectiva, característica da formação do Estado moderno, na representação da relação política, ou seja, na relação Estado/cidadão ou soberano/súditos: relação que é encarada, cada vez mais, do ponto de vista dos direitos dos cidadãos não mais súditos, e não do ponto de vista dos direitos do soberano, em correspondência com a visão individualista da sociedade (...) no início da idade moderna.

Neste espeque, essa inversão representa, nas palavras de Silva (2010, p.178), mais do que mera contraposição da esfera privada à atividade pública, uma verdadeira “limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dela dependem”, situando a sua fonte e desvelando o entrosamento desses direitos com a conjuntura econômica e social de determinado momento, o que revela a sua historicidade e dinamismo - substantivos que, não é despiciendo dizer, perpassam todo o fenômeno jurídico.

CARACTERÍSTICAS NUCLEARES

Descortinada a busca da essência dos direitos fundamentais, a despeito da divergência de nomenclaturas, é conveniente a abordagem, de forma destacada, das características expressamente adotadas pelos constitucionalistas como essenciais à teoria. Muito embora todas elas já tenham sido direta ou indiretamente tocadas pelas definições apresentadas nas linhas anteriores, a análise dos caracteres identificados como inerentes aos direitos fundamentais nos aproxima ainda mais da sua substância.

Com amparo na doutrina dominante, as características principais dos direitos fundamentais são a historicidade; a inalienabilidade; a imprescritibilidade; e a irrenunciabilidade. Deixaremos a historicidade por último, por entendermos ser a característica mais importante para a abordagem da premência da análise da paisagem enquanto direito fundamental.

Justamente por serem fundamentais à existência humana, esses direitos são também universais, ultrapassando todos os limites territoriais para beneficiar os indivíduos independentemente de raça, credo, cor, sexo ou filiação (BULOS, 2009, p.434).

A inalienabilidade que os perpassa diz respeito ao fato de se tratar de direitos intransferíveis e inegociáveis, uma vez que não são de conteúdo econômico-patrimonial. “Isso significa que um direito inalienável não admite que o seu titular o torne impossível de ser exercitado para si mesmo, física ou juridicamente” (MENDES e BRANCO, 2012, p.165).  

Do ponto de vista prático, pode-se dizer que "o caráter inalienável entrevisto em alguns direitos fundamentais conduziria à nulidade absoluta, por ilicitude de objeto, de contratos em que se realize a alienação desses direitos" (MENDES e BRANCO, 2012, p. 166).

De maneira próxima, a irrenunciabilidade estabelece que os direitos fundamentais são irrenunciáveis, de modo que, mesmo não exercidos, não podem jamais ser renunciados. Seu exercício é uma faculdade, mas a sua tutela jurídica se mantém intacta, porquanto não passível de renúncia.

São também direitos imprescritíveis, ou seja, são sempre exercíveis e não perdem a sua eficácia com o decurso do tempo. Não se tratando de direitos de caráter patrimonial, sua exigibilidade não prescreve, de modo que são sempre passíveis de serem exigidos perante o Estado responsável pela sua garantia.

Quanto à historicidade, trata-se da característica mais interessante para o desenvolvimento do presente trabalho. Já mencionamos que esses direitos são tracejados de acordo com o panorama histórico que os circunda - como qualquer direito. Eles nascem, modificam-se e eventualmente desaparecem. Conforme aponta Silva (2010, p. 181), eles surgem com a revolução burguesa e evoluem paralelamente com a recém-adquirida centralidade da pessoa humana, erigindo-se como forma de garantir melhores condições de existência do indivíduo.

Os direitos fundamentais não são, portanto, obra da natureza (embora, ao longo do nosso trabalho, pretendamos mostrar que são, já, uma exigência dela), mas das necessidades humanas num determinado contexto histórico. Mendes e Branco (2012, p. 163) complementam que "o recurso à História mostra-se indispensável para que, à vista da gênese e do desenvolvimento dos direitos fundamentais, cada um deles se torne mais bem compreendido".

Essa índole evolutiva dos direitos fundamentais leva Bobbio (2004, p.6) a concluir que os direitos

nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitação de poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor.

E não poderia ser de outra forma, entendemos. Os direitos não nascem de uma só vez porque proveem de pretensões e feições sociais pontuais, de onde deriva justamente o seu incontornável dinamismo e o seu ritmo evolutivo impulsionado pela sociedade. Isso explica, em boa parte, a razão pela qual a desmesurada proliferação normativa promovida pelos legisladores muitas vezes não leva à mudança na realidade que se pretendia, em virtude da impossibilidade de se introjetarem "a fórceps" aqueles valores no corpo social.

Novamente, reiteramos o caráter dúplice do Direito: ele não é mera secreção do tecido social - visão que lhe despoja de sua autonomia - e tampouco é mero fruto da atividade legislativa. A via de mão dupla estabelece que os direitos conformam a sociedade, mas de igual modo são conformados por ela, o que revela o direito como um instrumento dotado de autonomia e permeado por valores que emanam do cenário em que ele está inserido e que o condicionam profundamente.

É esse caráter-histórico evolutivo que revela o vínculo inquebrantável entre o direito e as demandas criadas pelo homem.

Outra característica de destaque é trazida por Mendes e Branco (2012, p.166) e nos parece indispensável ao estudo do tema, que é a vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais, de modo que esses direitos não são passíveis de serem alterados ou suprimidos ao livre alvedrio dos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário. Destarte, “nenhum desses poderes se confunde com o poder que consagra o direito fundamental, que lhes é superior” (MENDES e BRANCO, 2012, p.166).

Essa superioridade implica que os atos dos Poderes Públicos devem estar em plena conformidade com os direitos fundamentais, sob pena de serem expostos à invalidade caso atentem contra qualquer um deles.            

No capítulo seguinte, dedicaremos análise particular e pormenorizada à vinculação do Poder Legislativo aos direitos fundamentais, especificamente no que toca ao nobre e ainda menosprezado princípio da vedação ao retrocesso ambiental, originário da chamada proibição de retrocesso legislativo.

Por fim, com especial importância, devemos acrescentar, ainda, uma última característica mencionada por Mendes e Branco (2012, p.166): a constitucionalização. Em que pese já termos abordado de forma ampla a positivação desses direitos, a constitucionalização é responsável por promover a indispensável distinção conceitual entre as expressões “direitos fundamentais” e “direitos humanos”, que esmiuçaremos a seguir.

DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS

A diferenciação entre os conceitos “direitos humanos” e “direitos fundamentais” é essencial, sobretudo a se considerar que esses direitos, guardadas certas similitudes, divergem na forma de proteção e no seu grau de efetividade. Isto porque as ordens jurídicas internas dispõem de ferramentas de implementação mais céleres e eficazes do que a ordem internacional, o que explica a conveniência e o particular interesse em reconhecermos a paisagem no rol dos direitos fundamentais brasileiros.

Muito embora as expressões sejam convizinhas e oriundas do mesmo contexto histórico de emergência dos direitos individuais, conforme anota Jeveaux (2008, p. 65), a análise do seu conteúdo e conceitos logo revela diferenças substanciais, conforme se pode aferir da síntese de Alberto Nogueira (apud JEVEAUX, 2008, p. 65, grifamos):

I - os direitos humanos são considerados como: 1) direitos positivados no plano internacional (Blanca Martínez de Vallejo Juster e a tradição anglo-saxã); 2) originados do direito natural (George Vedel, Jean Rivero); 3) direitos subjetivos (François Terré); 4) algo pré-social (Jacques Robert e Jean Duffar); 5) objeto de uma prestação (valor), somente fundamentais quando positivados (Pérez Luño); 6) insertos nos princípios gerais de direito, sendo um direito subjetivo (Ignácio Ara Pinilla); 7) originados do liberalismo, mais especificamente do direito de propriedade (Serge-Christophe Kolm); 8) característicos da “mundialização”, porque espraiados para além dos limites dos Estados (Jacques Robert e Jean Duffar); II - os direitos fundamentais são encontrados como: 1) direitos humanos positivados internamente (Blanca Martínez de Vallejo Juster); 2) direitos constitucionais (François Terré); 3) objeto de uma mera descrição, constituindo-se em direitos humanos positivados (Pérez Luño); 4) constitucionalização dos direitos humanos (Hans Peter Schneider); 6) direitos exercidos por meio do Estado, mais do que contra ele (José Carlos Vieira de Andrade)

Essa vastidão de conceitos, se colocadas num quadro comparativo, evidencia os pontos distintivos principais entre as duas expressões, que acaba por levar à constatação de que as duas categorias guardam relação quase simbiótica: Enquanto os direitos humanos são positivados no plano internacional e são originários do direito natural; os direitos fundamentais são positivados na ordem jurídica interna de cada Estado e são originários do próprio conceito de direito humano, transmutado em direito fundamental a partir da sua constitucionalização.

Reis Marques (2007, p. 227), corroborando com essa noção da fundamentação dos direitos humanos, preleciona que

os direitos do homem, tendo alcançado o estatuto de verdades universais, são hoje uma realidade na maior parte dos países. Como ‘depositários de uma certa ideia de homem’ que é necessário preservar ‘contra os excessos do Estado’, estes direitos são hoje reconhecidos nas constituições como ‘direitos fundamentais’, irradiando das normas constitucionais para todas as restantes áreas do direito.

Enquanto os direitos fundamentais são positivados na Constituição, os direitos humanos designam direitos suprapositivos, cuja nascente remonta às teorias dos direitos naturais e divinos do período medieval.

A expressão direitos humanos, ou direitos do homem, é reservada para aquelas reivindicações de perene respeito a certas posições essenciais ao homem. São direitos postulados em bases jusnaturalistas, contam índole filosófica e não possuem como característica básica a positivação numa ordem jurídica particular (MENDES e BRANCO, 2012, p.166)

Nesta concepção, pois, se os direitos humanos têm esteio em valores universais e atemporais, anteriores ao próprio Estado e ao direito positivo e inseridos em documentos de direito internacional, podemos dizer que os direitos fundamentais são aqueles que vigem numa ordem jurídica concreta, limitados a um determinado Estado e aos seus elementos constitutivos (povo, território, soberania).

Ademais, os “direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (...); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-intencionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente” (CANOTILHO, apud MARQUES, 2007, p. 239).

Dito isto, a conclusão lógica que se afeiçoa à análise das duas expressões é que os direitos fundamentais gozam de instrumentos de proteção mais sólidos e dispõem de maior efetividade em virtude de seu status constitucional na ordem jurídica interna, muito embora o art. 5º, § 2º da Constituição estabeleça que os direitos e garantias expressos em suas páginas não excluem outros que decorrem “os tratados interacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Essa previsão, contudo, baseada no princípio da complementaridade, esbarra em discussões doutrinárias ainda insistentes e em requisitos que fragilizam a efetividade dos direitos humanos na ordem jurídica pátria. Não raro, esses direitos são até mesmo ridicularizados por indivíduos que certamente desconhecem a sua verdadeira robustez e nobreza irrefutáveis.

De toda sorte, em que pese a progressiva positivação interna dos direitos humanos, no plano prático devemos mesmo concluir que, pelo fato de os direitos fundamentais estarem consagrados no plano interno, garantidos e limitados num espaço e num tempo particulares, sua proteção e efetividade é mais imediata, como bem assevera Mendes e Branco (2012, p.167):

No direito brasileiro, como nos sistemas que lhe são próximos, os direitos fundamentais se definem como direitos constitucionais. Essa característica da constitucionalização dos direitos fundamentais traz consequências de evidente relevo. As normas que os obrigam impõem-se a todos os poderes constituídos, até ao poder de reforma da Constituição.

Com efeito, considerando que um dos atributos de maior destaque dos direitos fundamentais consiste na sua posição privilegiada no sistema jurídico, definida pela supremacia constitucional, é indubitável que, por razões instrumentais, os direitos humanos não são acessíveis no mesmo grau dos direitos fundamentais, em que pese a sua correlação íntima, o que leva Sarlet (1998, p.40) a arrematar com precisão que:

Além disso, importa considerar a relevante distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais (direito interno) e dos direitos humanos (direito internacional), sendo desnecessário aprofundar, aqui, a idéia de que os primeiros que – ao menos em regra – atingem (ou, pelo menos, estão em melhores condições para isto) o maior grau de efetivação, particularmente em face da existência de instâncias (especialmente as judiciárias) dotadas do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos.

AS GERAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

O constitucionalismo contemporâneo e a doutrina pátria já há muito tempo adotaram o termo “gerações” de direitos fundamentais, sendo muito comum encontrar a afirmação de que a história desses direitos é marcada por uma escala gradativa em que direitos sucedem uns aos outros.

De toda sorte, partilhamos do pensamento de que essa opção terminológica é questionável, uma vez que, consoante Dimoulis e Martins (2011, p.31), ela sugere uma substituição de cada geração pela posterior, embora inexista a abolição de direitos das “gerações” anteriores. Conforme preleciona Tavares (2006, p.418), a Constituição de 1988 inclui indiscriminadamente todas elas, prevalecendo, pois, o caráter cumulativo, e não substitutivo[3].

Dito isto, a perspectiva histórica da teoria dos direitos fundamentais situa a evolução dessas exigências sociais em três gerações (muito embora hoje já se fale em outras, o que não será objeto de estudo deste trabalho).

A primeira geração abrange os direitos individuais clássicos e políticos, referidos nas Revoluções liberais francesa e americana. Como visto em linhas anteriores, esses direitos traduziam o individualismo exacerbado que flagrava o período da ascensão burguesa perante o pretenso poder absoluto do Estado. Conforme destaca Mendes e Branco (2012, p. 320), “daí esses direitos traduzirem-se em postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo”.

Esses direitos representam o paradigma clássico do homem considerado individualmente, sem a preocupação com desigualdades sociais ou outros direitos convenientes à coletividade. A manutenção da propriedade e a conservação dos valores mercantilistas eram o sustentáculo do Estado de Direito liberal e não davam espaço aos direitos sociais.

[...] direitos fundamentais do homem-indivíduo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado; por isso são reconhecidos como direitos individuais, como é de tradição do Direito Constitucional brasileiro (art. 5º), e ainda por liberdades civis e liberdades-autonomia (França); [...] (SILVA, 2001, p.182).

Posteriormente, em meio à derrocada do “ideal absenteísta do Estado liberal” (MENDES e BRANCO, 2012, p.320), surgiu uma nova gama de direitos afeitos à intervenção positiva do Estado, que agora deveria agir proativamente para garantir direitos sociais, de modo a conter as mazelas estruturais que recaíam sobre a sociedade naqueles tempos de crise do Estado invisível.

Eis que os direitos sociais representam a segunda geração de direitos fundamentais, responsável por tentar “estabelecer uma liberdade real e igual para todos, mediante a ação corretiva dos Poderes Públicos. Dizem respeito a assistência social, saúde, educação, trabalho, lazer, etc”. Nota-se que o individualismo exacerbado de outrora cede lugar à reivindicação de justiça social, o que traduz uma efetiva mudança de paradigma prontamente refletida na ordem jurídica.

Por fim, chegou-se aos direitos chamados de terceira geração, dentre os quais habita o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Esses direitos tem como traço marcante justamente a sua titularidade coletiva ou difusa, orientados não para o homem considerado de forma isolada, mas para a coletividade (MENDES e BRANCO, 2012, p.322).

Paulo Bonavides leciona:

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já o enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade (BONAVIDES, 2006, p. 563-569).

Esses direitos representam uma preocupação mais holística, tendo como essência o próprio ser humano, mas agora considerado como parte de uma coletividade, e não mais individualmente considerado. São os direitos transindividuais, afetos à solidariedade e fraternidade e a preocupações mais maduras da sociedade, em consonância com o que pontua Moraes (2006, p.60):

Por fim, modernamente, protege-se, constitucionalmente, como direitos de terceira geração os chamados direitos de solidariedade e fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos [...]

O direito ao meio ambiente é o exemplo claro dessa perspectiva de solidariedade, voltado inclusive para uma preocupação intergeracional (pedra de toque da sustentabilidade), inserido nesse novo cenário de preocupação da humanidade com a ampliação dos horizontes protetivos do Direito, agora sensível aos anseios de toda a coletividade.

[...] a aparição dessa terceira dimensão dos direitos fundamentais evidencia uma tendência destinada a alargar a noção de sujeito de direitos e do conceito de dignidade humana, o que passa a reafirmar o caráter universal do indivíduo perante regimes políticos e ideologias que possam colocá-lo em risco, bem como perante toda uma gama de progressos tecnológicos que pautam hoje a qualidade de vida das pessoas, em termos de uso de informática, por exemplo, ou com ameaças concretas à cotidianidade da vida do ser em função de danos ao meio ambiente [...] (ALARCÓN, 2004, p.81).


O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO SOB A ÓTICA DOS DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS E O PROBLEMA DA POLUIÇÃO VISUAL

MEIO AMBIENTE - MACROBEM E OS MICROBENS AMBIENTAIS

Antes de contemplarmos diretamente o conceito de paisagem urbana - notadamente um microbem ambiental -, é forçoso analisarmos o macrobem ambiental no qual ela se insere, qual seja, o equilíbrio ecológico, e, claro, o sentido da expressão meio ambiente; direito fundamental de 3ª geração.

No que concerne ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, consagrado em nossa doutrina como o macrobem ambiental e referenciado no art. 225, caput, de nossa Constituição, LAITOS (apud CANOTILHO, 2008, p.107) diz se tratar da ideia de que "todos os organismos vivos estão de algum modo inter-relacionados no meio ambiente natural".

A partir dessa noção de inter-relações e interdependência dos diversos elementos vivos como fundamento da busca pelo equilíbrio, temos a Ecologia enquanto a ciência que estuda as relações dos seres vivos entre si e com o seu meio físico, sendo este último o cenário natural em que esses seres se desenvolvem e que compreende elementos abióticos, tais quais o solo, relevo, recursos hídricos e ar (MILARÉ, 2011, p.138).

Cunhado pelo biólogo alemão Ernst Heinrich Haeckel, a palavra abrange os radicais gregos oikos (casa) e logia (estudo), representando, pois, o estudo da casa, ou seja, do entorno, do meio circundante. Além disso, como bem sugere Milaré (2011, p.138), o termo passou a ser empregado na linguagem corrente para designar a natureza, o paisagismo e mesmo o movimento ativista orientado para a proteção ambiental.

Uma pluralidade de significados que corrobora com a amplitude semântica do vocábulo, que abrange ainda um vasto espectro de outras denominações, como Ecologia Humana, Ecologia Social, Ecologia Urbana, etc. Numa tentativa justamente de amenizar as imprecisões conceituais que circundam o termo, Souza (2000, p. 86) sugere uma nova definição de Ecologia:

Ecologia é a ciência que estuda as relações entre o sistema social, o produtivo e o de valores que lhe serve de legitimação, característicos da sociedade industrial de massas, bem como o elenco de conseqüências que este sistema gera para se manter, usando o estoque de recursos naturais finitos, dele se valendo para lograr seu objetivo econômico. O campo de ação da ecologia, como ciência é o estudo das distorções geradas na natureza pela ação social deste sistema; seu objetivo maior é identificar as causas, no sentido de colaborar com as políticas no encaminhamento das soluções possíveis à nossa época.

Essa definição chama especial atenção pelo seu caráter holístico, uma vez que extrapola o tradicional enfoque da “casa”, do “meio” e confere papel proeminente ao ser humano, reconhecendo de uma vez por todas a influência dos indivíduos sobre o cenário natural, o que viabiliza o debate em busca de soluções profícuas para a intervenção constante e prejudicial promovida pela espécie humana. Esse novo conceito revela que a Ecologia tem de se ocupar das relações entre a sociedade e a natureza, como forma de apresentar as consequências das ações humanas sobre esta última e incentivar a busca por medidas que restaurem o equilíbrio ecológico.

À luz desta nova visão da Ecologia, os projetos educativos deverão ser ajustados à realidade analisada, de modo a contribuir para a transformação radical da consciência e das práticas relacionadas com a preservação do mundo natural (MILARÉ, 2011, p.140)

Tal entrelaçamento entre sociedade e espaço natural consagrado nessa nova visão da Ecologia é consentâneo com a reconhecida necessidade de persecução do equilíbrio ecológico, notadamente o macrobem ambiental, representativo da condição em que ocorrem relações harmoniosas entre os seres vivos e entre estes e o meio ambiente; noção ínsita à sustentabilidade e que deve ser o eixo da transformação do ideário coletivo.

Neste tocante, se exprime com exatidão o pensador Luc Ferry (apud MILARÉ, 2011, p. 141):

Pois é exatamente disso que trata essa última versão da ecologia, em que se presume que o antigo “contrato social” dos pensadores políticos dê lugar a um “contrato natural” no qual o universo inteiro se tornaria sujeito de direito: não mais o homem, considerado o centro do mundo e precisando antes de mais nada ser protegido de si mesmo, mas o cosmos em si é que deve ser defendido dos homens. O ecossistema - a 'biosfera' - é desde logo investido de um valor intrínseco bem superior ao de uma espécie em última análise perniciosa, a espécie humana.

O autor nos apresenta a verdade inconveniente/irrefutável que passa a permear o estudo da Ecologia, a de que a biosfera terrestre deve ser protegida da interferência perniciosa da espécie humana, acostumada a ser o centro do universo e único sujeito de direitos. Essa visão egóica ainda predominante nos distancia da constatação de que somos apenas uma ínfima parte componente de um todo.

Sem dúvida, a evolução conceitual do termo cunhado no século XIX nos proporciona um conhecimento muito mais profundo e holístico do espaço natural que nos circunda, além de nos lembrar de que somos protagonistas na manutenção do equilíbrio ecológico e diretamente responsáveis pelas desarmonias que surgem na nossa casa.

Quanto à expressão “meio ambiente”, Milaré (2011, p.141) sugere que a sua primeira utilização remonta também ao século XIX, desta vez pelo naturalista francês Geoffroy de Saint-Hilaire. Trata-se de uma expressão que encerra igualmente uma vastidão de significados, muito por conta da subjetividade deixada por cada um daqueles que se aventuram a defini-la.

Fiorillo (2012, p. 77) faz coro a essa constatação ao concluir que

a definição de meio ambiente é ampla, devendo-se observar que o legislador optou por trazer um conceito jurídico indeterminado, a fim de criar um espaço positivo de incidência da norma.

Diante dessa amplitude conceitual, é interessante notar que Milaré (2011, p.142) apresenta uma passagem em que se explica o porquê da expressão “meio ambiente” ter prevalecido sobre o vocábulo “natureza”. Enquanto este último evoca justamente o que ele designa, o “meio ambiente” atende à visão antropocêntrica, uma vez que coloca o homem como centro rodeado por tudo o que está em volta[4]. O homem é a referência única e exclusiva, circundado por um espaço natural anterior à sua própria chegada na Terra.

Evidentemente, a despeito do sentido antropocêntrico que a etimologia da expressão revela, é inquestionável que nós não somos meros seres espectadores inertes no centro de todo o cenário que nos envolve. O mero exercício de nossas funções vitais já seria suficiente para caracterizar a nossa interação com o meio ambiente.

Este, contudo, é um interagir natural, imposto pela condição humana. Bem diferente é a interação negativa representada pelas nossas constantes práticas nocivas à natureza e que nos coloca, de fato, numa triste posição de centralidade, como os seres capazes de deteriorar e atentar contra a manutenção do próprio planeta.

Nessa perspectiva, Nebel (apud Milaré, 2011, p.143), preleciona que o meio ambiente é “a combinação de todas as coisas e fatores externos ao indivíduo ou população de indivíduos em questão”. Mais do que constituído por seres bióticos e abióticos, é composto por todas as relações que os envolvem.

Dito isto, podemos partir para o conceito jurídico de meio ambiente, que, segundo Milaré (2011, p.143), divide-se em duas perspectivas principais: uma estrita e uma ampla. A perspectiva estrita se aproxima do que discutimos anteriormente, restringindo o meio ambiente ao patrimônio natural e as relações com os seres vivos e entre eles. A percepção ampla, porém, transcende o meio natural e alcança o meio artificial. Vejamos:

...de um lado, com o meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora; e, do outro, com o meio ambiente artificial (ou humano), formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidos pelo homem, enfim, os assentamentos de natureza urbanística e demais construções (MILARÉ, 2011, p.143)

O constitucionalista José Afonso da Silva (2011, p.20) arremata essa noção com precisão ao aduzir que o meio ambiente é “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.

De maneira muito similar, Ávila Coimbra (apud Milaré, 2011, p.144) nos brinda com uma definição que contempla de forma aguda justamente as consequências da relação da espécie humana com todo o espaço que a circunda:

Meio ambiente é o conjunto dos elementos abióticos (físicos e químicos) e bióticos (flora e fauna), organizados em diferentes ecossistemas naturais e sociais em que se insere o Homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro das leis da natureza e de padrões de qualidade definidos.

Essa definição é especialmente interessante, vez que abandona a concepção restritiva que contempla tão somente os ecossistemas naturais e coloca em relevo a interação entre a sociedade humana e todos os ecossistemas, além de trazer claramente a noção de microbens ambientais e da sustentabilidade como indispensável sustentáculo das relações do homem com o espaço circundante.

A partir da certeza, portanto, de que essas relações definem o meio ambiente e de que a interação deletéria promovida pela voracidade humana não encontraria limites, o Direito, instrumento social que é, interveio para conferir proteção ao meio ambiente e tentar harmonizar o desenvolvimento das atividades humanas com a proteção da nossa oikos (casa).

Como vimos, o Direito é dotado de autonomia e, de igual forma, é permeado e definido pelos anseios e receios que emanam do corpo social a todo tempo. Esse caráter histórico-evolutivo foi confirmado pela positivação da defesa do meio ambiente em nossa legislação diante da crescente e desenfreada interferência da espécie humana no planeta Terra.

Paulo Affonso Leme Machado (2012, p. 63), ocupando-se do conceito de meio ambiente nas legislações estaduais, elenca:

A legislação fluminense considerou como meio ambiente ’todas as águas interiores ou costeiras, superficiais ou subterrâneas, o ar, e o solo’ (art. 1º, parágrafo único do Decreto-lei 134/75). Em Alagoas dispôs-se que ‘compõem o meio ambiente: os recursos hídricos, a atmosfera, o solo, o subsolo, a flora e a fauna, sem exclusão do ser humano’ (art. 3º da Lei 4.090/79). Em Santa Catarina conceituou-se meio ambiente como a ‘interação de fatores físicos, químicos e biológicos que condicionam a existência de seres vivos e de recursos naturais e culturais’ (art. 2º, I, da Lei 5.793/80). Em Minas Gerais ‘meio ambiente é o espaço onde se desenvolvem as atividades humanas e a vida dos animais e vegetais’ (art. 1º, parágrafo único da Lei 7.772/80). Na Bahia ‘ambiente é tudo o que envolve e condiciona o homem, constituindo seu mundo e dá suporte material para a sua vida biopsicossocial’ (art. 2º da Lei 3.858, de 3.11.80). No Maranhão ‘meio ambiente é o espaço físico composto dos elementos naturais (solo, água, e ar), obedecidos os limites deste Estado’ (art. 2º, parágrafo único, a Lei 4.154/80). No rio Grande do Sul é ‘o conjunto de elementos – água interiores ou costeiras, superficiais ou subterrâneas, ar, solo, subsolo, flora e fauna -, as comunidades humanas, o resultado do relacionamento dos seres vivos entre si e com os elementos nos quais se desenvolvem e desempenham as suas atividades’ (art. 3º, II da Lei 7.488, de 14-1-81).

Os conceitos trazidos pelas legislações estaduais na década de 70 e início da década de 80 demonstram o abandono da restrição do campo ambiental ao homem em favor da consideração de todas as formas de vida, antecipando a definição federal inaugurada em nosso ordenamento jurídico na Lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente/PNMA), que o conceitua como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".

Machado (2012, p. 63) enfatiza que “a definição federal é ampla, pois vai atingir tudo aquilo que permite a vida, que a abriga e rege”, de modo que abrange não só a vida, mas todos os demais elementos que a propiciam e a dignificam, dentre os quais figura, sem sombra de dúvidas, a paisagem natural.

Posteriormente, a Constituição Republicana de 1988 esboçou um novo conceito, ao enfim consagrar, em seu célebre art. 225, caput, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; corolário do direito à vida e pressuposto da consolidação da dignidade da pessoa humana:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1998, p. 11-12)

O dispositivo constitucional inaugurou, portanto, a existência de um direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sobretudo nos países que modificaram suas Constituições após a Conferência de Estocolmo de 1972. Nessa linha, Benjamin (2008, p.58), menciona que “para J. J. Canotilho e Vital Moreira, o direito ao ambiente é um dos ‘novos direitos fundamentais’; ou ainda, nas palavras de Álvaro Luiz Valery Mirra, trata-se ‘direito humano fundamental’”.

Como direito fundamental, bem lembra Cristiane Derani (1998, p.92), o meio ambiente ecologicamente equilibrado é "resultado de fatores sociais que permitiram e até mesmo impuseram a sua cristalização sob forma jurídica, explicitando a sua relevância para o desenvolvimento das relações sociais".

A definição da autora é irretocável e se alicerça profundamente na noção sociológica do fenômeno jurídico que defendemos no primeiro capítulo deste trabalho, revelando o meio ambiente ecologicamente equilibrado como nítido produto social espontâneo, reflexo da emergência de novos valores ambientais que a sociedade exigiu que se revestissem com a força dos direitos fundamentais e que adotassem, por conseguinte, todos aqueles atributos especiais que são intrínsecos a essa categoria - indisponibilidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade, etc.

Pois bem. Feito esse recorte indispensável, podemos perceber que a Constituição dispensou especial atenção àquele que chamamos de macrobem ambiental, isto é, o equilíbrio ecológico, que além de ser reconhecido de forma geral pela doutrina como direito fundamental, é também base principiológica do Direito Ambiental e conceituado por Machado (2012, p.66) como “uma igualdade, absoluta ou aproximada, entre forças opostas”.

Considerando-se que a estabilidade absoluta é uma quimera, e que o equilíbrio ecológico mencionado pela Constituição é um sistema dinâmico, Canotilho (2008, p. 108) explica que o que se busca é “assegurar que tal estado dinâmico de equilíbrio, em que se processam os fenômenos naturais, seja conservado, deixando que a natureza siga seu próprio curso”.

Assim, a tarefa que incumbe à coletividade e ao Direito é evitar um desequilíbrio significativo que atente contra as diversas manifestações de vida na Terra e inviabilize a coexistência entre a espécie humana e a natureza.

O Direito Ambiental tem entre suas bases a identificação das situações que conduzem as comunidades naturais a uma maior ou menor instabilidade, e é também sua função apresentar regras que possam prevenir, evitar e/ou reparar esse desequilíbrio. Alessandro Andronio acentua que o conceito de "equilíbrio" é, de fato, um conceito fundamental, capaz de fundamentar uma definição holística de "ambiente", mais correta, no plano teórico, e mais fecunda, no plano prático da tutela: o ambiente é e deve ser considerado, também pelo jurista, como um conjunto de fatores naturais em equilíbrio entre eles. (MACHADO, 2012, p. 67, grifamos)

Novamente, a noção do “holístico” é colocada em destaque, uma vez que o ambiente deve ser contemplado de maneira global, com todos os seus elementos e interações, e não de forma compartimentada como definições anteriores sugeriam. Somente a partir dessa abordagem é possível verificar as forças antagônicas e, então, almejar a situação de equilíbrio essencial à sadia qualidade de vida, tal qual assinala a Constituição Republicana.

Como visto em linhas anteriores, o meio ambiente é composto por diversos outros bens cuja interação propicia justamente o equilíbrio ecológico e o desenvolvimento harmonioso da vida em todas as suas faces. São esses os microbens ambientais (expostos previamente no conceito de Ávila Coimbra), partes integrantes do todo que é o meio ambiente em sua maior amplitude.

Numa escalada, pode-se dizer que se protegem os elementos bióticos e abióticos e sua respectiva interação, para se alcançar a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, porque este bem é responsável pela conservação de todas as formas de vida. Possui importância fundamental a identificação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como sendo um bem autônomo e juridicamente protegido, de fruição comum (dos elementos que o formam), porque, em última análise, o dano ao meio ambiente é aquele que agride o equilíbrio ecológico, e uma eventual reparação deve ter em conta a recuperação desse mesmo equilíbrio ecológico (RODRIGUES, 2002, p. 58)

Na mesma toada, Marchezini (2009) caracteriza os microbens ambientais, ao lado do macrobem:

Como macrobem abstratamente caracterizado, o meio ambiente pode ser compreendido como o conjunto de interações físicas, químicas e biológicas que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Paralelamente, têm-se os bens ambientais, caracterizados em especificidade e concretude. São os elementos ambientais (microbens) bióticos (fauna e flora), abióticos (água, solo, ar), culturais (bens materiais e imateriais de valor histórico, artístico ou estético) e artificiais (conjunto de edificações, ruas, praças, jardins e espaços livres e equipamentos urbanos em geral).

A autora ainda enfatiza que

O Meio Ambiente como macrobem não se confunde com o somatório dos microbens ambientais. Ele é universalmente considerado, ao passo que os bens ambientais são específicos e individualmente examinados, não obstante haja permanente inter-relação entre os mesmos (MARCHEZINI, 2009, grifamos).

Os microbens ambientais são, pois, esses elementos cuja interação forma exatamente o macrobem ambiental - o equilíbrio ecológico. Muitos desses elementos possuem uma proteção jurídica própria, tal qual a água, a flora, a fauna e o solo. A paisagem urbana, entretanto, ainda padece diante de uma proteção generalista conferida pelo legislador ao meio ambiente, carecendo de amparo jurídico mais sólido e eficiente.

O certo é que, seja diante da definição insculpida na Política Nacional do Meio Ambiente ou do novo conceito consagrado pela Carta Republicana, é clarividente que ambos abrangem a paisagem, verificada tanto como elemento que permite e rege a vida (consoante a definição da PNMA), quanto como pressuposto do meio ambiente ecologicamente equilibrado (de acordo com a definição da Constituição).

A POLUIÇÃO VISUAL E O IMPACTO NA QUALIDADE DE VIDA DA SOCIEDADE

Em meio ao regramento infraconstitucional que tutela o nosso Meio Ambiente (normas às quais dedicaremos melhor cuidado no próximo capítulo), coube à Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - Lei nº 9.638/91 inserir, em seu artigo 3º, III, a paisagem como um dos atributos do macrobem ambiental; isto é, do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Porém, como bem destaca Benjamin (2005), o dispositivo não trouxe precisamente um reconhecimento direto ao direito da paisagem, mas sim revelou a sua incorporação no conceito de poluição, já desnudando a relação simbiótica e entre esses dois elementos absolutamente antagônicos:

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

A Lei da PNMA traz no rol das atividades nocivas ao meio ambiente, e caracterizadoras da poluição, aquelas que afetam as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente, o que revela a preocupação com o aspecto estético e o associa diretamente com a qualidade ambiental, razão pela qual daremos especial enfoque à poluição visual, por se tratar da forma de degradação que atinge os aspectos centrais do presente trabalho.

Ao lado das mais conhecidas formas de agressão ao meio ambiente conhecidas pela coletividade (poluição atmosférica, resíduos sólidos, poluição das águas, etc.) encontra-se aquela denominada poluição visual, que pode ser definida como a degradação ao que a doutrina chama de meio ambiente construído ou artificial, este resultante da interação do homem com o meio ambiente através das normas e das ações ligadas ao urbanismo, zoneamento, paisagismo, patrimônio cultural, etc. (MONTEIRO, 2005)

Para Santos (2004), a poluição visual pode ser definida como:

Os efeitos danosos resultantes dos impactos visuais causados por determinadas ações e atividades, a ponto de: prejudicar a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criar condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetar desfavoravelmente a biota; afetar as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente.

Por sua vez, Bechara (2004) diz que a poluição visual é

um tipo de impacto que está mais afeto ao ambiente urbano e que se origina a partir de várias práticas: pichações nos muros de casas e edifícios, anúncios publicitários veiculados por meio de placas, cartazes, outdoors e luminosos, propaganda eleitoral, lixo espalhado pela cidade, dentre outras.

Neste sentido, podemos caracterizar a poluição visual como uma “ofensa à integridade psíquica dos indivíduos que numa determinada cidade residem ou transitam, violando diretamente o preceito garantidor de uma vida com qualidade” (FIORILLO, 2012, p. 341).

Da articulação dos conceitos, extrai-se que a poluição visual é a alteração decorrente de atividades que causam degradação de determinado espaço ambiental, ferindo-lhe a estética original e, com efeito, comprometendo, de forma direta ou indireta, o bem-estar, a saúde[5] e a qualidade de vida da população.

Nos dizeres de Benjamin (2008, p. 108), a expressão qualidade de vida tão explorada pela doutrina no direito pátrio designa justamente uma preocupação com “a manutenção das condições normais (= sadias) do meio ambiente, condições que propiciem o desenvolvimento pleno (e até natural perecimento) de todas as formas de vida”. E prossegue, de forma precisa:

Em tal perspectiva, o termo é empregado pela Constituição não no seu sentido estritamente antropocêntrico (a qualidade da vida humana), mas com um alcance mais ambicioso, ao se propor - pela ausência da qualificação humana expressa - a preservar a existência e o pleno funcionamento de todas as condições e relações que geram e asseguram a vida, em suas múltiplas dimensões.

Dito isto, conforme nos ensina Silva (2008, p.307), a paisagem urbana é como se fosse “uma roupagem por meio da qual as cidades se apresentam para os indivíduos, sendo que uma de suas funções é apaziguar os efeitos psíquicos desgastantes que a movimentada rotina nas cidades provoca em seus habitantes e, assim, contribuir decisivamente para a sua qualidade de vida - vida que é sustentáculo e fundamento da proteção à paisagem ou a qualquer outro microbem ambiental; vida que é a matriz de todo o direito ao meio ambiente.

É o que preleciona, sem retoques, nosso constitucionalista:

O que é importante – escrevemos de outra feita – é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida. (SILVA, 2011, p.70)

A poluição visual, portanto, atenta contra a vida em sua plenitude, já que malfere a essência da paisagem. Consoante Minami e Júnior (2001), ela é resultado de desconformidades e efeito da deterioração dos espaços da cidade pelo acúmulo exagerado de anúncios publicitários em determinados locais, fazendo com que o campo visual do cidadão se encontre de tal maneira limitada que a sua percepção dos espaços da cidade é impedida ou dificultada.

Importante anotar que Monteiro (2003) destaca que a proteção contra essa degradação recai tanto sobre o meio ambiente urbano quanto sobre as paisagens naturais, concluindo que a degradação ambiental, neste aspecto,

é fruto da violação estética de um padrão paisagístico médio a ser aferido em cada caso, seja afetando uma paisagem naturalmente bela, ou portadora de outro predicado relevante, ou alterando uma paisagem urbana de maneira desarmônica e agressiva.

A Convenção Europeia da Paisagem, de 2004, também nos apresenta o seu conceito de poluição visual, dizendo se tratar de

[...] degradação ofensiva à visualidade resultante ou de acúmulo de instalações ou equipamento técnico (torres, cartazes de propaganda, anúncios ou qualquer outro material publicitário) ou da presença de plantação de árvores, zona florestal ou projetos construtivos inadequados ou mal localizados.

Na Constituição Federal, a questão da poluição visual está inclusa no § 1º, inciso IV do artigo 225, que menciona a exigência de um estudo de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade publicitária apta a causar degradação do espaço urbano, o que denota a preocupação do constituinte com a proteção paisagística. Além disso, diversos municípios da Federação já contam com legislação a respeito do tema (no capítulo seguinte, os principais instrumentos normativos de proteção à paisagem serão analisados).

Esse inadiável despertar legislativo[6] se fez imperioso uma vez que, com o recrudescimento do espaço urbano, as cidades tornaram-se palco de uma vastidão de informações, sinais e mensagens que "são percebidas e 'lidas', porém nem sempre compreendidas pelos cidadãos" (WILHEIM, 2000). Nesse cenário turvo, as palavras de Meneses (1992, p. 49) pontuam que a cidade tem sido reduzida ao jogo da "pura imagem", com íntima vinculação à lógica do consumo e à venda de estilos de vida: "Ver a cidade hoje não pode escapar de ver um enorme, pulsante e atraente espaço de venda".

Veja-se que há tempos a importância do tema é flagrante, o assustador crescimento (desordenado) das cidades e a ineficácia (ausência) do controle administrativo sobre tal processo sempre contribuíram para o caos paisagístico hoje existente na maioria das localidades brasileiras. (MONTEIRO, 2003)

Neste diapasão, destacando a necessidade de limitação das atividades ofensivas à estética urbana, Marchesan (2006, grifamos) preleciona:

A propaganda de rua pode ser limitada quanto à zona de uso, local de exposição, dimensões, luminosidade, condicionantes esses que devem ser criteriosamente controlados pela municipalidade garantindo um mínimo de estética urbana. Não uma estética meramente formal, mas a que consegue influenciar na conduta social dos indivíduos e na maneira como a cidade afeta suas faculdades estéticas, ao impedir seu completo desenvolvimento como pessoas humanas. É dessa estética que falam autores como Édis Milaré , Rodolfo Camargo Mancuso , Hely Lopes Meirelles   e José Afonso da Silva , ao reconhecerem que a colocação de mensagens publicitárias de forma desordenada do espaço urbano caracteriza a poluição visual e, como tal, é enquadrável no conceito vazado pelo art. 3º, inc. III, alínea “d”, da lei n. 6.938/81.

Evidente, pois, que é preciso que se restabeleça o direito do cidadão à fruição plena da paisagem urbana. Para tanto, impende o entrosamento entre os instrumentos normativos já à disposição da sociedade e um esforço incansável desta no sentido de cobrar dos entes políticos o combate à poluição visual imoderada, considerando a sua potencialidade lesiva a um microbem ambiental intimamente relacionado com a higidez psicológica e com a qualidade de vida de toda a coletividade.

O campo jurisprudencial no cenário de combate à poluição visual é robusto. Em longínquo acórdão do início da década de 60, Hely Lopes Meirelles já demonstrava sua preocupação com o tema:

[...] a preservação das paisagens constitui perene preocupação dos povos civilizados e se acha integrada nos objetivos do urbanismo contemporâneo... O assunto é detal magnitude do ponto de vista urbanístico, que já mereceu um congresso especial realizado na Itália, em 1957, sob o patrocínio do 'Instituto Nazionale di Urbanistica', para estudo do tema 'Difesa e valorizzazione del paesaggio urbano e rurale', e no qual se afirmou a necessidade de proteção paisagística da cidade e de seus arredores [1º TACivSP - Apelação cível nº 62.393 - Revistade Direito da Procuradoria Geral - RJ - 14/192]

O mesmo autor, tratando mais especificamente do assunto em uma de suas obras, afirmou com exatidão que

nada compromete mais a boa aparência de uma cidade que o mau gosto e a impropriedade de certos anúncios em dimensões avantajadas e cores gritantes, que tiram a vista panorâmica dos belos sítios urbanos e entram em conflito estético com o ambiente que os rodeia (MEIRELLES, 1987, p.116).

Na mesma linha, tantos outros julgados elucidativos sobre a questão da poluição visual:

Ao Município compete, por força constitucional, legislar sobre assuntos de seu peculiar interesse local[7]. A publicidade urbana, abrangendo os anúncios de qualquer espécie e forma expostos ao público, deve ficar sujeita à regulamentação e polícia administrativa do Município, por ser tema e questão competencial de seu interesse próprio e autônomo, objetivando coibir a poluição visual e evitar abusos de empresários que violam aspecto primordial da regulamentação edilícia, que é a estética urbana. Isto porque nada mais compromete a boa aparência de uma cidade que o mau gosto e a impropriedade de certos anúncios em dimensões avantajadas e cores gritantes, que tiram a vista panorâmica de belos sítios urbanos e entram em conflito estético com o ambiente que os rodeia [Ap 7109835500 SP, Relator: Guerrieri Rezende, Data de Julgamento: 03.03.2008, 7ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 19.03.2008]

MANDADO DE SEGURANÇA - LEI 14.223/06 - INCONSTITUCIONALIDADE - INEXISTÊNCIA AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO AO DIREITO DE VEICULAR PROPAGANDA - LEGISLAÇÃO QUE PROMOVEU APENAS A READEQUAÇÃO DOS ANÚNCIOS DE MODO A ORDENAR A PAISAGEM URBANA COIBINDO A POLUIÇÃO VISUAL EM NÍTIDA PREVALÊNCIA DO INTERESSE COLETIVO SOBRE O PARTICULAR - RECURSO DESPRO VIDO. I.14.223 [994070552247 SP, Relator: Ferraz de Arruda, Data de Julgamento: 14/04/2010, 13ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 04/05/2010]

MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO - "Totens" para vinculação de atividade - Lei Municipal 14 223/06 - Legitimidade do poder de polícia no controle da poluição visual - Ataque, tn casu, à lei em tese - Súmula 266, do STF [Apelação Cível 6787615000 SP, Relator: Francisco Vicente Rossi, Data de Julgamento: 03.03.2008, 11ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 18.03.2008]

Publicidade urbana - Interpretação da Lei Municipal n° 14 223/06 ~ Ao Município compete, por força constitucional, legislar sobre assuntos de seu peculiar interesse locai A publicidade urbana, abrangendo os anúncios de qualquer espécie e forma expostos ao público, deve ficar sujeita à regulamentação e polícia administrativa do Município, por ser tema e questão compeíencial de seu interesse próprio e autônomo, objetivando coibir a poluição visual e evitar abusos de empresários que violam aspecto primordial da regulamentação edilícia, que é a estética urbana. Isto porque nada mais compromete a boa aparência de uma cidade que o mau gosto e a impropriedade de certos anúncios em dimensões avantajadas e cores gritantes, que tiram a vista panorâmica de belos sítios urbanos e entram em conflito estético com o ambiente que os rodeia Sentença que concedeu a segurança. [Apelação 7109835500 Relator: Guerrieri Rezende 7º Câmara de Direito Público Data julgamento: 03.03.2008 Data registro: 19.03.2008]

ADMINISTRATIVO. POLUIÇÃO VISUAL. PROPA¬GANDA EM MEIO ABERTO (FRONTLIGHTS, MOVING SIGNS, OUTDOORS). ILEGALIDADE.

1. Cabe ao Município regular e policiar a propaganda em meio aberto, seja qual for o veículo (frontlights, moving signs, outdoors), pois tal atividade é altamente nociva ao meio ambiente artificial e, no caso da cidade de Porto Alegre, provocou grosseira poluição visual, de acordo com a prova técnica. É necessária prévia licença para expor propaganda no meio aberto e a prova revelou que as empresas exploradoras dessa atividade econômica não se ocuparam em cumprir a lei. Demonstrado o dano ao meio ambiente, devem os responsáveis indenizá-lo, fixando-se o valor da reparação pecuniária em valor módico. Por outro lado, mostra-se prematura a fixação de multa ante a necessidade de examinar caso a caso as hipóteses de remoção na execução. 2. APELAÇÕES DAS RÉS DESPROVIDAS E APELAÇÃO DO MUNICÍPIO PROVIDA EM PARTE. [Ap. 70011527215 Quarta Câmara Cível de Porto Alegre Des. Araken de Assis.  Julgado em 30/11/2005]

Como se pode ver, o ordenamento jurídico pátrio paulatinamente começa a conferir maior importância ao combate à poluição visual[8], reconhecendo-a como um dos algozes da qualidade de vida da sociedade. Todavia, a consciência coletiva sobre a premência de se frear a degradação da estética da paisagem ainda é tímida, talvez pelo desconhecimento acerca dos efeitos que a percepção visual tem sobre o ser humano.

Deve-se ter em mente que "o aperfeiçoamento da legislação, visando banir a poluição visual, só virá com a consciência de que toda atividade econômica deve estar pautada no respeito a princípios éticos" (AMARAL, 2006), com a valorização indelével dos valores ambientais como condicionantes da qualidade da vida humana.

Não há legislação no mundo que possa compensar a falta de vontade política. Enquanto a poluição visual for tratada como a paciente que ainda não inspira cuidados, a paisagem urbana continuará sofrendo de doença terminal. Retardar o tratamento poderá inviabilizar a cura. (RAMOS, 2004)

OS DEVERES FUNDAMENTAIS

Muito embora a temática dos deveres fundamentais venha sendo objeto de poucos estudos, se comparada às incessantes reflexões doutrinárias e jurisprudenciais sobre os direitos fundamentais, é muito claro que ambas as categorias são interdependentes e correlatas, não podendo uma ficar à sombra da outra, até porque não é possível, “atualmente, conceber o indivíduo como portador apenas de direitos, devendo-se observá-lo também como sujeito de deveres - em relação a si próprio, á sociedade e às gerações futuras" (SIQUEIRA, 2010).

A ideia de os seres humanos serem ao mesmo tempo sujeitos de direitos e de deveres era muito comum no mundo antigo, mas que se perdeu com o passar dos anos na história da sociedade ocidental, de maneira que a noção do ser humano detentor de um compromisso com sua comunidade ou sociedade foi perdendo valor, sobretudo a partir da necessidade de se proteger a pessoa das ingerências estatais. (SIQUEIRA, 2010).

Verifica-se, portanto, que ambos, direitos e deveres, pertencem ao mesmo sujeito. Assim, é conveniente notar, em consonância com Nabais (2004, p.65), que, enquanto os direitos fundamentais exprimem o aspecto ativo dos indivíduos perante o Estado e a sociedade, os deveres expressam o aspecto passivo da mesma relação, emanando daí a coexistência entre os direitos e os deveres.

Então, os direitos não vivem sem que se realizem os deveres que os sustentam. Em outras palavras, quando se observa a crise dos direitos em uma sociedade, deve-se ter em conta que esse sintoma ou essa doença tem uma causa muito bem definida: a desvalorização dos deveres. (MALIZIA, 2012)

Conforme nos ensina Ruschel (2007, p.231), em obra específica sobre o tema, o instituto dos deveres fundamentais existe em nossa ordem constitucional desde a Carta de 1824, quando o texto previa a responsabilidade de todos os brasileiros pegarem em armas para a defesa do país, como forma de assegurar a soberania nacional. As Constituições subsequentes, todas elas, também trouxeram deveres fundamentais a serem observados pelos cidadãos, ao que se pode constatar

que os deveres acompanharam a evolução cronológica dos direitos fundamentais nas Constituições brasileiras, ou seja, à medida que os indivíduos se tornavam destinatários de direitos de liberdade e igualdade, amadureciam o Estado Democrático e adquiriam obrigações para com o Estado e a coletividade (FRANÇA, 2011).

Contudo, Ruschel (2007, p.237, grifamos) destaca que

[...] somente na última Constituição Federal Brasileira, de 1988, é que apareceu o dever de solidariedade, representado, principalmente, pelo dever de proteção ao meio ambiente no seu artigo 225, que ‘impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de protegê-lo e preservá-lo’, bem como o dever de proteção ao patrimônio comum da humanidade, mencionado no artigo 216, no qual o ‘Poder Público, com a colaboração da sociedade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro’.

A Constituição Republicana de 1988, portanto, inaugurou a regulamentação do dever fundamental atinente aos ideais de solidariedade, cuja essência pressupõe a participação de toda a sociedade na busca pela efetividade de direitos e garantias de natureza transindividual, sendo que, como bem destaca MEDEIROS (2004, p.95), “os deveres fundamentais devem ser entendidos não como limites dos direitos individuais, mas como obrigações positivas perante a comunidade”.

O resultado imediato dessa regulamentação foi a redação de um capítulo específico direcionado à tutela do meio ambiente, com a atribuição à coletividade e ao Poder Público da condição de sujeitos titulares desta obrigação (FRANÇA, 2011), de modo que é possível, ainda, classificar o dever de defender o meio ambiente como um dever “fruto da própria organização e sobrevivência da sociedade” (RUSCHEL, 2007,p.243).

Como se pode notar, o dever fundamental de proteção do meio ambiente está expresso no art. 225 da Constituição Republicana, imediatamente ao lado do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ilustrando bem a mencionada correlação entre direitos e deveres na ordem constitucional.

Nesse sentido, assevera-se que o dever do Poder Público e dos indivíduos de manter o equilíbrio do ecossistema está explicitamente previsto na Constituição em seu artigo 225 e decorre do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo, portanto, um dever fundamental.(FRANÇA, 2011)

Para Canotilho (2007, p.847), esses deveres ambientais se materializam em três vertentes: o dever de abstenção de práticas nocivas ao meio ambiente; a obrigação de ações efetivas para a sua preservação; e a obrigação de impedir que terceiros danifiquem o meio ambiente.

Na perspectiva da também lusitana Carla Amado Gomes (2009, p.178), trata-se de um dever de caráter pluriforme, porquanto oscila entre diversos fatores e agentes, contando com alguns direitos que lhe são instrumentais, como o direito à informação. A autora também defende se tratar de um dever reflexo de uma verdadeira ecocidadania.

A consequência prática é o próprio reflexo da literalidade do dispositivo constitucional de proteção ao meio ambiente, qual seja, a imposição ao Poder Público e à coletividade do dever de proteção (persecução) do meio ambiente (ecologicamente equilibrado), diante da sua reconhecida função de corolário do direito constitucional à vida e como forma de aplicação da solidariedade intergeracional.

Nas palavras sintéticas e precisas do magistrado Marcelo Malizia Cabral (2012),

O direito ao meio ambiente equilibrado certamente depende do cumprimento dos deveres de preservação e de não degradação por particulares, empresas e poder público; bem como o direito a uma cidade aprazível carece, igualmente, do cumprimento de obrigações comunitárias (educar, preservar, respeitar, não poluir) e do Estado (construir, regulamentar, fiscalizar, etc).

De forma semelhante, Ferreira (2008, p.233, grifamos), anota:

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence a todos, cabendo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Visando a assegurar a efetividade desse direito, a Constituição atribuiu ao Poder Público deveres específicos, os quais deverão ser cumpridos em um espaço de democracia ambiental

Eis que, diante das ponderações vistas acima, podemos concluir que, aliado às discussões sempre recorrentes acerca do direito fundamental ao meio ambiente, é imperativo, neste percurso de amadurecimento do Direito do Meio Ambiente, o incremento das reflexões sobre os deveres fundamentais, enquanto pressupostos para a consolidação da tutela ambiental.

Benjamin (2008, p.65, grifamos) alerta para esse certo menosprezo no tratamento dos deveres ambientais:

quando falamos em proteção constitucional, a primeira expressão que nos vêm à mente é o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ora, tão importante - mas desprezada em comentários - é a previsão de deveres constitucionais direcionados à tutela ambiental, em favor dos próprios cidadãos e futuras gerações, ou ainda da própria natureza.

E na mesma linha, leciona também França (2011), com acerto:

A defesa do meio que o homem habita passou a ser obrigação dos indivíduos para garantir a efetividade do direito ao meio ambiente equilibrado reconhecido constitucionalmente. Desta forma, o indivíduo, em sua condição de cidadão, tornou-se não apenas destinatário desse direito, mas também sujeito ativo do dever fundamental de proteger a natureza.

Destarte, a proteção ambiental é um dever fundamental estampado em nossa Constituição, de maneira que o seu reconhecimento pela sociedade retira o cidadão da posição passiva de mero destinatário de direitos e se revela, portanto, imprescindível para a consolidação das normas de proteção ao meio ambiente. Esse entendimento requer a compreensão de que, mais do que simples receptáculo passivo de um aglomerado de direitos, o indivíduo é força ativa na sua efetivação.

Como bem destaca Benjamin (2008, p.66), "a Constituição de 1988 impõe ao Poder Público e particulares um ‘caderno de encargos’ - para usar a expressão de Canotilho e Moreira". Nela, ainda segundo o autor, vamos identificar um dever geral de não degradar (= núcleo obrigacional), além de deveres derivados e secundários, de caráter específico, todos elencados no § 1º do art. 225, além do leque de deveres explícitos e especiais, exigíveis de particulares ou do Estado, previsto no art. 225, §§ 2º e 3º.

De toda sorte, não se pode jamais perder de vista que a construção de um cenário de sustentabilidade é tarefa que não cabe de forma absoluta ao Estado, sendo só dele exigível.

Ao contrário, os deveres associados a essa mudança de paradigma devem ser cobrados de qualquer pessoa, em especial dos agentes econômicos. Daí que não basta dirigir a norma constitucional apenas contra o Estado, pois a defesa do meio ambiente há de ser dever de todos - aliás, como bem disposto no art. 225. Acertou a Constituição, pois, ao afastar-se do modelo político do Liberalismo, fundado na cisão Estado/sociedade civil. Em especial no art. 225 fica clara esta opção legislativa do constituinte, que, ao tratar da questão ambiental, reconhece a "indissolubilidade entre Estado e sociedade civil". (BENJAMIN, 2008, p.66, grifamos)

Atribuir esse protagonismo ao Estado é incorrer em um erro grave que ofusca a proeminência de toda a coletividade na luta pela consolidação da tutela ambiental e pela eficácia de suas normas. Conforme aduz Benjamin (2008, p.67), é preciso ter sempre em mente que, além de ditar o que o Estado deve fazer (deveres positivos) e o que não deve fazer (deveres negativos), a norma constitucional se lança sobre todos os cidadãos, convicta de que essa é a única forma de se a atingir a sustentabilidade.

Enquanto uns detêm o dever de preservar, outros detêm poder de fiscalizar essa obrigação, ou ainda, para que se possa ter o poder de usufruir de um meio ambiente saudável e equilibrado, tem-se o dever de ser sujeito ativo em sua preservação. Assim, no que concerne à proteção ambiental, a coletividade e o Estado possuem o poder e, sobretudo, o dever de preservar e, nele, o de proteger o meio ambiente (MEDEIROS, 2004, p.102)

Na mesma toada, França (2011):

Desta forma, o cuidado e a obrigação de cuidado são de toda a sociedade, isto é, as pessoas têm o dever de preservar o ambiente planetário, no entanto, é essencial para a consolidação da tutela ambiental o reconhecimento pelo homem de que além de reclamar direitos, possui a obrigação social de prestar deveres.

Nessa linha, o dever de zelar pelo meio ambiente e proteger a dignidade da pessoa humana é tarefa que recai sobre todos os indivíduos, indistintamente, promovendo, assim, a nova perspectiva de solidariedade intergeracional, cuja essência preconiza a necessidade de zelar pelo meio ambientes com vistas a elevar a qualidade de vida das sociedades atuais e, mais que isso, como forma de salvaguardar a vida das gerações porvindouras.

O zelo e o dever de cuidado é de toda a sociedade, todas as pessoas tem o dever de preservar o ambiente de nosso planeta adequado para a sadia qualidade de vida das presentes e das futuras gerações, aplicando, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana em conexão com um princípio muito maior, qual seja, a dignidade da própria vida. (MEDEIROS, 2004, p.125)

Desse modo, é chegada a hora de a sociedade tomar consciência do seu papel de absoluta proeminência na proteção ambiental, incumbida de deveres fundamentais para a construção do modelo sustentável almejado pela Constituição. A postura passiva e resignada em nada se coaduna com a essência proativa do art. 225 e acaba por transferir para o Poder Público uma responsabilidade que não pode ser só dele, tanto pela sua leniência vez ou outra demonstrada, quanto por sua própria ausência de forças para, sozinho, zelar pelo bem ambiental.

Os resultados serão sempre mais satisfatórios se houver o apoio das pessoas envolvidas. Não é possível colocar um guarda ambiental a cada 200 metros em nosso país, vigiando permanentemente todos os brasileiros. É necessário que todos participem da defesa do nosso ambiente [...]. (FREITAS, 2000, p.145, Grifo Nosso)

O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO AMBIENTAL

No estudo das características nucleares dos direitos fundamentais, verificamos que os Poderes Públicos estão vinculados a essa categoria de direitos, sendo que, no âmbito da vinculação do Poder Legislativo, temos a chamada proibição do retrocesso, que na seara ambientalista deu origem ao princípio da vedação do retrocesso ambiental[9].

Quem admite tal vedação sustenta que, no que pertine a direitos fundamentais que dependem de desenvolvimento legislativo para se concretizar, uma vez obtido certo grau de sua realização, legislação posterior não pode reverter as conquistas obtidas. A realização do direito pelo legislador constituiria, ela própria, uma barreira para que a proteção atingida seja desfeita sem compensações (MENDES e BRANCO, 2012, p).

O constitucionalista Luis Roberto Barroso também deu significativa contribuição à elucidação do tema, doutrinando que

por este princípio, que não é expresso mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido. Nessa ordem de idéias,uma lei posterior não pode extinguir um direito ou garantia, especialmente os de cunho social,sob pena de promover um retrocesso, abolindo um direito fundado na Constituição. O que se veda é o ataque à efetividade da norma,que foi alcançado a partir de sua regulamentação (BARROSO, 2001, p. 158).

Trata-se, contudo, de princípio longe de ter aceitação uníssona na doutrina pátria e na sociedade, vitimado pelo menosprezo e constantes ataques do pensamento economicista, ao qual é conveniente defender que o legislador goza de plena liberdade e autonomia para rever e, de quando em quando, expurgar esses direitos da ordem jurídica.

Em sentido oposto, é-nos claro como água que, uma vez concretizada a efetivação de um direito fundamental, não se pode admitir que legislação superveniente regresse ao estado em que o direito ainda não era constitucionalmente garantido. Admitir o retrocesso legislativo quanto ao que já foi conquistado representa teratologia que fere de morte um dos alicerces inabaláveis dos direitos fundamentais, qual seja, a limitação do poder do Estado, em todas as suas esferas de poder.

Notadamente na seara ambiental, essa possibilidade de recuo ao bel-prazer do legislador representa um abalo significativo no já insuficiente patamar de proteção jurídica alcançado pelo meio ambiente, ao que se torna premente a consolidação do princípio da vedação do retrocesso ambiental num contexto em que a proteção dos cada vez mais devastados recursos naturais só pode caminhar a passos firmes para frente, jamais retrocedendo. É nesse sentido que se posiciona Michel Prieur (2007, p.11, grifamos):

O ambiente é uma política-valor que, por seu peso, traduz uma busca incessante de um melhor ser, humano e animal, em nome do progresso permanente da sociedade. Assim, em sendo as políticas ambientais o reflexo da busca de um melhor viver, de um respeito à natureza, elas deveriam vedar todo tipo de regressão.

Isso porque ao almejar a preservação do bem ambiental, cada vez mais degradado pela ação humana, o Direito Ambiental deveria, segundo o autor, revestir-se de certa irreversibilidade, de modo a se blindar contra modificações ou extinções normativas que minoram ou simplesmente eliminam a proteção outrora obtida, sendo que o retorno ao estado de desamparo jurídico muitas vezes leva à destruição de todo o progresso alcançado, já que voltam a exploração imoderada, a poluição, etc...

Para Prieur (2007, p.12), no momento presente diversas ameaças sugerem esse retrocesso da proteção jurídica ambiental, tais como a vontade de simplificar o direito, o que leva a uma "deslegislação" do direito ambiental, e o discurso econômico-desenvolvimentista que propugna a regressão das obrigações jurídicas na seara ambiental e solidifica a subserviência do direito à economia.

Por esta razão, impõe-se preservar a noção de que "há distintos graus de proteção ambiental e que os avanços da legislação consistem em garantir, progressivamente, uma proteção a mais elevada possível, no interesse coletivo da Humanidade" (PRIEUR, 2007, p.15).

O autor prossegue e sugere a importância de se construir uma argumentação jurídica que seja capaz de promover a não regressão como princípio balizador do Direito Ambiental. Segundo ele, essa argumentação jurídica se baseia em três pilares:

A própria finalidade do Direito Ambiental, a necessidade de se afastar o princípio de mutabilidade do direito e a intangibilidade dos direitos humanos. Constataremos, então, que, do direito internacional ao direito nacional, encontram-se já várias ilustrações do princípio de não regressão, o que abarca, inclusive, a jurisprudência (PRIEUR, 2007, p.16)

A elevação do princípio é, pois, de relevância imensurável, uma vez que é incansável a atuação daqueles que tencionam extirpar uma norma ambiental ou reduzir a sua efetividade, sacramentando uma regressão que representa afronta direta à norma inicial. Essa atuação é normalmente feita mediante um discurso velado que se escora na mutabilidade do Direito e na ideia de que ele deve "se submeter, necessariamente a uma regra de adaptação permanente, reflexo da evolução das necessidades da sociedade" (PRIEUR, 2007, p.19).

De fato, nas linhas iniciais de nosso trabalho apresentamos essa máxima como uma das premissas da compreensão do fenômeno jurídico, já que o Direito é marcado por um infrene dinamismo que o coloca atento às evoluções e involuções da sociedade que o rege e é regida por ele.

No entanto, lembramos o conceito intermediário proposto por Mário Reis Marques, no sentido de que o Direito, mais do que somente um produto dos anseios sociais, goza também de autonomia própria, ao que nos é muito claro que a questão ambiental se crava como uma exceção evidente à mutabilidade apregoada pelos avessos ao princípio da não regressão ambiental. Ademais, mesmo na ótica do Direito estritamente condicionado à evolução das necessidades da sociedade, não restam dúvidas de que a necessidade premente que emana do tecido social é a da proteção ambiental, e não o retrocesso buscado por interesses espúrios e infensos à sustentabilidade e à vida sadia das gerações futuras.

Por esta razão, Fiorillo (2012) arremata que se uma norma infraconstitucional

estabelecer ou mesmo regulamentar um mandamento constitucional ambiental, instituir determinado direito, ele se incorporará ao patrimônio jurídico de brasileiros e estrangeiros residentes no País em face do que estabelecem os princípios fundamentais constitucionais que estruturam o direito ambiental constitucional brasileiro, a saber, os artigos 1º a 3º da Carta Magna bem como Art.225 da Lei Maior.

Essas normas não podem ser suprimidas ao livre alvedrio do legislador, sem que haja uma medida substitutiva ou equivalente, por terem sua matriz estampada nos princípios fundamentais da Constituição Federal e por darem concretude e efetividade ao art. 225.

Trata-se de reconhecer que o fundamento do direito ambiental constitucional brasileiro, no atual Estado Democrático de Direito, guarda absoluta e explícita compatibilidade com a dignidade da pessoa humana (Art.1º, III da CF) (FIORILLO, 2012).

Sarlet (2004, p.35) também assinala que "o princípio da vedação do retrocesso decorre implicitamente do ordenamento constitucional brasileiro", uma vez que ele emana da essência e substância dos princípios do Estado Democrático de Direito, da segurança jurídica, da dignidade da pessoa humana e da máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais (art.5º, § 1º da CR)[10].

Embora (o princípio da proibição de retrocesso social) ainda não esteja suficientemente difundido entre nós, tem encontrado crescente acolhida no âmbito da doutrina mais afinada com a concepção do Estado democrático de Direito consagrado pela nossa ordem constitucional (STRECK, 1999, p.31)

Inexistente qualquer hesitação para incluir os direitos ligados ao meio ambiente no rol dos direitos fundamentais, a Constituição Republicana de 1988 traz ainda em seu art. 60 § 4º a vedação de emendas tendentes a abolir direitos e garantias individuais - as chamadas "cláusulas pétreas", nas quais podemos reconhecer, igualmente sem titubeios, a proteção constitucional do meio ambiente, que logo se reveste do mesmo caráter pétreo e, portanto, revela-se impassível de revisão.

Eis que o escopo de não retrogradação ínsito ao princípio guarda, consoante Prieur (2007, p.24), total harmonia com o caráter finalista e voluntarista do direito ao meio ambiente e é consentâneo com a ideia de garantir um desenvolvimento contínuo e sempre progressivo da efetividade da proteção do ambiente. Para o autor, o recuo hoje não seria o mesmo recuo de ontem, como se pode extrair das palavras de Naim Gesbert (APUD Prieur, p.25), quando diz que a proibição de retrocesso permite a necessária adaptação "evolutiva, em espiral ascendente" do Direito Ambiental.

Como bem assinalou o Senador Rodrigo Rollemberg, presidente da CMA, "é hora, pois, de caminhar para a frente, nunca para trás". Urge consagrar o princípio da proibição do retrocesso ambiental como forma de promover o incremento contínuo da salvaguarda do meio ambiente e impedir que o Direito regresse a tempos em que era (ainda mais) silente na proteção desses direitos imprescindíveis à permanência da vida na Terra.


A PAISAGEM URBANA

A ESSÊNCIA DA PAISAGEM URBANA - A PAISAGEM COMO BEM JURÍDICO TUTELÁVEL

Podemos, então, enfrentar as definições e buscar a essência da paisagem, este microbem ambiental tão amplo e que cada vez mais clama pela atuação infatigável do Direito Ambiental. A tarefa da sua conceituação, contudo, requer a mesma serenidade e paciência com que se lança um olhar sobre um bosque verde e florido, quando a pressa pode distrair os olhos e privá-los de detalhes que só a contemplação atenta permite enxergar.

Os ordenamentos e a doutrina divergem no tratamento conceitual dado à paisagem. Para Ramón Martin Mateo, a paisagem nos “remete a conjuntos visualmente percebidos e culturalmente apreciados, integrados exclusiva, ou predominantemente, por elementos naturais”. Outros preferem vê-la como sinônimo de beleza natural, o “belo da natureza”, com a característica de “beleza incomum”. Mesmo na Itália, onde a Constituição nacional protege, expressa e diretamente, a paisagem, as interpretações do seu sentido variam. (BENJAMIN, 2005)

Sobre essa multiplicidade de impressões e conceitos, Maximiano (2004, p.84) anota que

em cada época, a compreensão deste tema foi influenciada pela filosofia, busca da estética, política, religião, ciência, dentre outros aspectos. Além destes fatores, é bem provável que as características naturais, dominantes em cada paisagem, tenham estimulado, ou desencorajado, a relação dos diferentes grupos humanos sobre a face da terra com o seu entorno. Assim, sociedades como a oriental e a ocidental, bastante distintas em termos geográficos e culturais, desenvolveram suas noções de paisagem sobre fundamentos também diferentes.

Ao que complementa Benjamin (2005), de forma similar:

Poucas áreas da regulação jurídico-ambiental conseguem superar o perfil rebelde da paisagem, avessa aos esforços de delimitação, que recusa as fronteiras do teoricamente objetivo e do juridicamente palpável.

O autor nos lembra de que a noção do belo, onde subjaz a essência da paisagem, vem já há milênios despertando o interesse de filósofos, religiosos e, claro, artistas, porém numa percepção essencialmente subjetiva.

Conforme ensina Neto (2010):

Etimologicamente, paisagem vem dos artistas, decorre da percepção individual e subjetiva. Apenas nos séculos XIX e XX a paisagem tornou-se objeto científico. A imagem passou, então, para uma percepção objetiva da análise dos seus elementos. 

De fato, Benjamin (2005) confirma que foi somente nos últimos séculos que a paisagem saiu do plano meramente subjetivo para ser analisada objetivamente, a partir do momento em que a estética despontou para chamar a atenção de cientistas políticos, sociólogos e, em tempos mais recentes, do jurista ambiental na proteção da beleza paisagística.

Uma das justificativas iniciais para a proteção da natureza foi o reconhecimento de que ela, em si mesma, na sua complexidade e diversidade de formas e cores, poderia ser bela, extraordinariamente bela. Eis o berço da paisagem, como noção cultural, mas também jurídica. Ao contrário da acirrada disputa sobre o significado da Natureza, em relação à paisagem, mesmo na sua acepção de beleza natural, ninguém põe em dúvida o seu matiz de construção social, conquanto dependente da apreciação humana (BENJAMIN, 2005).

No alvorecer do Direito Ambiental, convencionou-se que o foco da proteção do meio ambiente deveria ser os processos ecológicos necessários à manutenção da vida, o que razoavelmente afastava um pouco a veneração da beleza natural, enxergada como uma percepção extrínseca não absolutamente essencial à qualidade de vida (BENJAMIN, 2005).

Pouco a pouco, porém, o redescobrimento da beleza natural ao redor do mundo propiciou um alargamento e amadurecimento da tutela do meio ambiente a partir do diálogo do Direito Ambiental com outras áreas do conhecimento, tais quais a filosofia e a psicologia, o que fez com que ele despertasse para a proteção da paisagem e para a consagração da essencialidade do belo[11].

Nesta esteira, Benjamin (2005) preleciona com sensibilidade ímpar:

No presente, já não adoramos, no sentido religioso, a Terra, embora não consigamos ficar insensíveis às suas belezas visíveis, enquanto outros começam a apreciar os segredos íntimos de sua organização e estrutura, de inigualável complexidade. Numa palavra, pouco importa a fé ou religiosidade, todos hoje se sentem, de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, vinculados aos destinos da Terra e, a partir dela, às belezas que ela oferece. Eis a importância da paisagem, no discurso político, cultural, ético e jurídico da proteção do meio ambiente.

E não poderia mesmo ser de outra forma, já que, com o crescimento irrefreável das cidades, associado à explosão demográfica e a demanda crescente por alimentos e matérias primas, houve um forte choque entre a natureza e o processo de urbanização assente no modelo de desenvolvimento essencialmente econômico e de satisfação das necessidades do capitalismo.

Marchezini (2009) ilustra bem esse cenário de gigantesco movimento de construção urbana:

O Brasil, como os demais países da América Latina, apresentou intenso processo de urbanização, especialmente na segunda metade do século XX. Em 1940, a população urbana era de 26,3% do total. Em 2000, passou para 81,2%. Esse crescimento se mostra mais impressionante ainda se lembrarmos os números absolutos: em 1940, a população que residia nas cidades era de 18,8 milhões de habitantes, e em 2000, ela era de aproximadamente 138 milhões [02]. Constatamos, portanto, que em 60 anos os assentamentos urbanos foram ampliados de forma a abrigar mais de 125 milhões de pessoas.

Neste cenário, segundo Odum (1988, p.47), embora as cidades ocupem apenas de 1 a 5% da superfície terrestre, elas alteram “a natureza dos rios, florestas e campos, naturais e cultivados, para não falar na atmosfera e nos oceanos, por causa do seu impacto, sobre os extensos ambientes de entrada e saída”, o que escancara o potencial destruidor de uma ocupação urbana em pleno descompasso com a proteção ambiental. 

Por esta razão, Marchezini (2009) assinala, a respeito do conveniente exacerbamento da proteção paisagística na seara ambiental:

A preocupação com a paisagem, em especial com a paisagem urbana emerge da necessidade de se ajustar o território e as ocupações urbanas de modo que propiciem qualidade de vida aos seus habitantes, e de preservar os espaços verdes e demais áreas de interesse ambiental que sobreviveram ao processo de ocupação.

Felizmente o Direito Ambiental trouxe a paisagem de volta para a agenda política de diversos países ao redor do mundo, resgatando a valorização do belo e alçando a beleza das cidades a um patamar protetivo de destaque, enquanto microbem ambiental essencial à manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

É o que leva Antônio Herman Benjamim a refletir:

Realmente, quando imaginávamos que o Direito ambiental já havia se consolidado em um espaço mais ou menos definido, eis que, recentemente (re)surge a paisagem como um dos seus temas centrais, tanto no Direito Internacional (e aí está a convenção européia da Paisagem), como no Direito Interno. Apropriadas aqui as palavras de Lewis Mumford, em sua obra clássica, quando lembra que "felizmente a vida tem um atributo previsível: é cheia de surpresas. A paisagem é uma delas” (BENJAMIN, 2005).

Assim, a paisagem passa a ser contemplada como um elemento essencial à sadia qualidade de vida da sociedade (tal qual preconiza o art. 225 da CF/88), muito por conta de suas funções estéticas e implicações psicológicas (o que veremos adiante), reconhecida, destarte, como componente indissociável da concepção holística do meio ambiente e do bem-estar coletivo e individual.

Não é outro o entendimento de Benjamin (2005), com a precisão e senso crítico habituais:

A paisagem é sempre uma experiência humana, na medida em que o belo, pelo menos como o compreendo, é uma realidade apenas aos olhos de quem vê. Não deixa de ser uma noção de caráter antropocêntrico, mas que nem por isso perde seu valor, pois não rejeita influências biocêntricas e até ecocêntricas. É nessa ultima acepção que se pode falar em beleza do “meio ambiente ecologicamente equilibrado”, para usar a expressão da Constituição Federal de 1988. Consciente ou inconscientemente, para muitos a paisagem deixa de ser a relevância da beleza de um fragmento natural e ressurge como um atributo holístico da própria natureza, de toda a natureza.

Essa percepção desfragmentada e holística explica o fato de a paisagem ter ingressado, nos últimos anos, na agenda da proteção ambiental de vários ordenamentos, o que se deve, “entre outras causas, às mudanças significativas da percepção que o público tem do nosso meio ambiente natural. Sentimento esse que acaba por refletir-se no trabalho legislativo e no funcionamento dos tribunais” (BENJAMIN, 2005).

Marchezini (2009) corrobora com esse entendimento ao dispor que essa crescente proteção “decorre da necessidade humana de conviver com elementos sensoriais que lhes proporcionem bem estar físico e psíquico, intimamente relacionados com a proteção à qualidade de vida a que alude o texto constitucional”.

Contudo, se o redespertar do interesse em relação à paisagem e à valorização do belo é uma grata surpresa para aqueles que pensavam que o Direito Ambiental já havia definido todos os seus limites de atuação, este é só o início de uma longa caminhada, uma vez que o inegável valor das belezas naturais enfrenta ainda uma série de desconfianças e desperta o antagonismo de tantos outros que consideram a sua proteção dispensável.

A paisagem da cidade, então, passa a ser percebida como um bem ambiental de extrema importância e que já conta com algum regramento jurídico no plano internacional, nacional e local, mas que ainda padece com pré-conceitos relacionados à concepção de beleza e com a ausência de ações mais efetivas de prevenção e reparação (MARCHEZINI, 2009, grifamos).

Dessarte, trilhado esse breve percurso sobre a ascensão da paisagem no ideário coletivo e no cenário jurídico, podemos dizer, num primeiro e mais simples conceito extraído do léxico da língua portuguesa, que ela é “a extensão de território que se abrange com o lance de uma vista”.

Já para o reconhecido geógrafo brasileiro, Milton Santos, a paisagem é “um conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza”. De maneira bem próxima, Maximiano (2004, p.90) diz que a “paisagem pode ser entendida como o produto das interações entre elementos de origem natural e humana, em um determinado espaço”.

Marchezini (2009) complementa ao afirmar que ela abrange, portanto, na grande maioria dos casos, “elementos naturais e culturais, sendo cada vez mais rara, em nosso planeta, a existência de paisagens absolutamente livres de quaisquer interferências humanas”.

De forma bastante similar, Fiorillo (2006) apresenta sua definição da paisagem como sendo

o conjunto de componentes de determinado espaço  que pode ser apreendido pelo OLHAR DA PESSOA HUMANA. A função do olhar, para a pessoa humana, é exercer o sentido da VISÃO, a saber, perceber o mundo exterior pelos órgãos da vista.

Para Brasil Pinto (2003, p.90), a expressão surgiu no Renascimento para indicar “uma nova relação entre os seres humanos e seu ambiente, representando a continuidade entre a natureza e os olhos do espírito, como comovente articulação entre imagem e pensamento, capaz de provocar sedução ou repulsa”.

No que toca à paisagem urbana, Ernest Burden (2006), assinala que ela é "representada pela silhueta de grupos de estruturas urbanas que formam um perfil, incluindo marcos e elementos naturais, como colinas, montanhas ou grandes corpos de água".

De maneira análoga, mas dando ênfase particular aos elementos artificiais, o renomado arquiteto Gordon Cullen (1971, p.1) dispõe que a paisagem urbana “é um conceito que exprime a arte de tornar coerente e organizado, visualmente, o emaranhado de edifícios, ruas e espaços que constituem o ambiente urbano”.

Na legislação infraconstitucional, a Lei 14.223/06 do Município de São Paulo também apresenta a sua definição da paisagem urbana, para fins de aplicação da lei:

Art. 2º. [...] considera-se paisagem urbana o espaço aéreo e a superfície externa de qualquer elemento natural ou construído, tais como água, fauna, flora, construções, edifícios, anteparos, superfícies aparentes de equipamentos de infra-estrutura, de segurança e de veículos automotores, anúncios de qualquer natureza, elementos de sinalização urbana, equipamentos de informação e comodidade pública e logradouros públicos, visíveis por qualquer observador situado em áreas de uso comum do povo.

Já para o nosso insigne constitucionalista José Afonso da Silva (2008, p.307), a paisagem urbana representa “a roupagem com que as cidades se apresentam a seus habitantes e visitantes”; roupagem esta que influi decisivamente para a qualidade de vida nas cidades, razão pela qual se torna imperativa a proteção de seu aspecto estético e, sem dúvida, dos cenários naturais remanescentes ainda intocados pelo ser humano.

Não é outra a posição de Marchezini (2009, grifamos), ao definir que

A paisagem é o conjunto de elementos visuais que dão testemunho das relações entre o homem e a natureza. A sua proteção, embora possa se identificar de modo individual diante de algum caso concreto em especial, encerra inegável interesse difuso por relacionar-se diretamente com a qualidade de vida e com o bem-estar da população. [...] É de toda a população, portanto, o interesse de morar em uma cidade ornamentada, plasticamente agradável e, por que não dizer, bela.

Maximiano (2004, p. 90), ao confirmar a relação simbiótica entre o homem e a paisagem, dirime qualquer dúvida subsistente a respeito da inquestionável necessidade de abraçarmos e protegermos esse bem jurídico que, de tão coincidente que é com a manifestação da vida em todas as suas formas, revela-se tão imprescindível à vida da espécie humana.

Como ambiente vivido e/ou captado pela consciência humana, a paisagem, de alguma maneira,sempre existiu junto com os seres humanos, levando ora à utilização prática de seus recursos, ora à contemplação e encantamento.

A sua proteção, pois, é tarefa do cidadão e do operador do Direito, protagonistas e maiores interessados na elevação da qualidade de vida proporcionada pela salvaguarda da paisagem. Conforme bem preleciona Minami e Júnior (2001), “a manutenção dos padrões estéticos no cenário urbano encerra inegável interesse difuso por relacionar-se diretamente com o bem-estar da população”, revelando o direito coletivo, de natureza indivisível, à preservação da estética urbana.

A PROTEÇÃO JURÍDICA DA PAISAGEM URBANA

Ao contrário de outros países, em que a tutela da paisagem alcançou um nível tal que já se fala até mesmo em um "Direito de Paisagem"[12] (BENJAMIN, 2005), veremos que infelizmente no Brasil a legislação atinente ao tema ainda é insuficiente e esparsa, muito embora sinalize uma mudança alentadora no pensamento coletivo pouco a pouco refletida na estrutura jurídica.

No plano internacional, a Convenção Europeia da Paisagem, cujo início da vigência na ordem internacional data de 01/03/2004, tornou-se a principal referência em matéria de proteção à paisagem, inclusive no tocante à profícua apresentação de conceitos, tarefa delicada, mas sem dúvida necessária para uma abordagem precisa da tutela paisagística, dada a multiplicidade conceitual que, como vimos, permeia o tema:

Art. 1º - Para os efeitos da presente Convenção:

a) Paisagem designa uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações, cujo carácter resulta da acção e da interacção de factores naturais e ou humanos;

b) Política da paisagem designa a formulação pelas autoridades públicas competentes de princípios gerais, estratégias e linhas orientadoras que permitam a adopção de medidas específicas tendo em vista a protecção, a gestão e o ordenamento da paisagem;

c) Objectivo de qualidade paisagística designa a formulação pelas autoridades públicas competentes, para uma paisagem específica, das aspirações das populações relativamente às características paisagísticas do seu quadro de vida;

d) Protecção da paisagem designa as acções de conservação ou manutenção dos traços significativos ou característicos de uma paisagem, justificadas pelo seu valor patrimonial resultante da sua configuração natural e ou da intervenção humana;

e) Gestão da paisagem designa a acção visando assegurar a manutenção de uma paisagem, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, no sentido de orientar e harmonizar as alterações resultantes dos processos sociais, económicos e ambientais;

f) Ordenamento da paisagem designa as acções com forte carácter prospectivo visando a valorização, a recuperação ou a criação de paisagens.

A Convenção, que também apresenta um importante catálogo referente à Educação Ambiental, contribuiu para a busca do desenvolvimento sustentável, visando estabelecer uma relação harmoniosa entre as necessidades da espécie humana - sobretudo no que toca ao desenvolvimento econômico - e a proteção do meio ambiente. Com efeito, o encontro privilegiou a valorização da paisagem enquanto elemento de substancial relevância para a qualidade de vida da sociedade.

No que diz respeito à sua eficácia, Marchezini (2009) destaca que

embora a Convenção Européia da paisagem tenha eficácia apenas no continente europeu, produzindo efeitos entre seus signatários, ela vem se transformando em referência mundial no campo das legislações de proteção, tanto que é referida pela grande maioria dos doutrinadores que abordam o tema, tendo influenciado até mesmo alguns julgados no Brasil.

Pois bem. No ordenamento jurídico pátrio, primeiramente no âmbito do que estabelece a Constituição Federal de 1988, Fiorillo (2006) destaca com clareza que "a paisagem (conjunto paisagístico) é um bem ambiental incluído explicitamente no art. 216, V, merecendo proteção em face de quaisquer danos ou ameaças, na forma do que estabelece o art. 216, § 4º, da Magna Carta".

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

[...]

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Enquanto o art. 225 assim dispõe:

Art. 216. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Dessarte, com base nos conceitos já apresentados neste trabalho e nas preleções da melhor doutrina, podemos dizer que a Constituição prevê a proteção à paisagem como elemento indissociável da garantia da qualidade de vida mencionada no caput do art. 225. Vejamos:

O art. 182, caput, observa que a garantia do bem-estar dos indivíduos é um dos objetivos da política de desenvolvimento urbano das cidades:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei,tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes

Com base nesse dispositivo, Fiorillo (2002, p. 130-131) doutrina:

As cidades devem cumprir sua função social, propiciando a seus habitantes bem-estar. As metrópoles, em que pesem ser grandes focos comerciais, não podem ser entendidas como um espaço destinado somente à vida econômica, de modo que se faz imprescindível privilegiar outros aspectos, a fim de permitir a coexistência de atividades econômicas e o desfrute do bem-estar dos habitantes daquela localidade.

Nota-se, pois, que o entendimento do autor é consentâneo com a noção de que as metrópoles não podem ser condicionadas exclusivamente pelo aspecto econômico, cujo pragmatismo e ímpeto desenvolvimentista atentam de formal frontal contra a garantia do bem-estar insculpida no art. 182, caput, e contra a sadia qualidade de vida consagrada no art. 225, além, de claro, entrar em rota de colisão com o princípio da dignidade da pessoa humana que fundamenta a proteção ambiental.

Uma cidade não é um ambiente de negócios, um simples mercado onde até a paisagem é objeto de interesses econômicos lucrativos, mas é, sobretudo, um ambiente de vida humana, no qual se projetam valores espirituais perenes, que revelam às gerações porvindouras a sua memória. (SILVA, 2008. p.307)

É o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal Federal:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. [Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 3540 / DF. Pleno do Supremo Tribunal Federal. Relator(a):  Min. Celso de Mello]

Não é divagação dizer que esse entendimento esposado pelo Excelso Pretório[13] coaduna-se com a certeza de que é preciso combater a qualquer custo a tendência de se impor a subserviência do meio ambiente aos desideratos econômicos. Afinal de contas, com amparo no que pontuou (com brilhantismo) o professor Reis Marques (2007, p.78), "se o Direito é condicionado pelas estruturas económicas (estas são as que existem na realidade dos factos), a vida económica é também determinada pelo direito", numa relação de entrelaçamento e complementariedade a que o autor alude como uma “dependência recíproca”.

Neste espeque, Marina Silva (2003) assevera que "é chegada a hora de tomar consciência da realidade, sair da esquizofrenia que opõe o romantismo naturalista ao pragmatismo economicista", sendo certo que a importância da paisagem vai muito além de devaneios românticos que por vezes habitam o ideário dos ambientalistas, porquanto não restam dúvidas de que a sua tutela é inseparável da persecução da melhor qualidade de vida assegurada pela Constituição da República.

O uso dos bens ambientais está condicionado a uma perfeita integração dos fundamentos constitucionais indicados no art. 1º da Carta Magna, no sentido de compatibilizar a ordem econômica do capitalismo aos interesses de brasileiros e estrangeiros residentes no País portadores do direito ao piso vital mínimo (arts. 1º, III, e 6º da Constituição Federal) considerando claramente as especificidades da República Federativa do Brasil (art. 3º da Carta da República) [...] Assim, é a tutela jurídica da paisagem urbana que deverá regrar a atividade econômica de publicidade externa, por exemplo, e o "direito de informar" será necessariamente limitado pelas normas de ordenação do território. (MARCHEZINI, 2009, grifamos)

A proteção da paisagem se revela inquestionável por força do comprometimento do nosso ordenamento jurídico com a qualidade de vida expressa no art. 225 e em virtude da inserção da dignidade da pessoa humana entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, no art. 1º, III da Carta Republicana. A exegese combinada dos arts. 182, caput, do art. 216 e do art. 225 evidencia o vigor desse bem jurídico cuja salvaguarda se encontra em diversos dispositivos infraconstitucionais[14].

Conforme preconiza Marchezini (2009), na visão dos antropocentristas, toda essa “proteção tem por princípio basilar a dignidade da pessoa Humana, e eventual lesão à paisagem urbana se insere na gama de proteções desse supra princípio constitucional" - que, como vimos, é um dos fundamentos primeiros da teoria dos direitos fundamentais.

Se passarmos à análise do regramento infraconstitucional brasileiro sobre a proteção da paisagem, destaca-se inicialmente a lei 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e apresenta, em seu artigo 3º, III, a definição da poluição (grifamos):

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

Percebe-se no conceito trazido pela Lei a abrangência das degradações que afetam as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente, o que revela a preocupação com o aspecto estético e o associa diretamente com a qualidade ambiental.

Oportunamente, Benjamin (2005, p.12, grifamos) pontua que

Coube à Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - Lei n° 6.938/81 - ecologizar a noção de paisagem, isto é, enxertá-la como um dos atributos do “meio ambiente ecologicamente equilibrado”. A rigor, não se tratou propriamente de um reconhecimento direto da paisagem, mas de incorporação, no conceito de poluição, de degradação da condições estéticas do meio ambiente37. Ou seja, as condições estéticas (= o belo, a paisagem) integram a estrutura da “qualidade ambiental”, referida pela lei.

No que tange à propaganda eleitoral e seu contumaz potencial poluidor, tanto a Lei 4.737 de 1965 (Código Eleitoral), quanto a Lei 9.504 de 1997, que versa sobre a propaganda eleitoral, vedam a propaganda que prejudique a estética urbana nos períodos eleitorais.

Art. 243. Não será tolerada propaganda:

VIII - que prejudique a higiene e a estética urbana ou contravenha a posturas municipais ou a qualquer restrição de direito.

Diante do intenso movimento de propaganda eleitoral que agride a estética das cidades, Fiorillo (2002, p.136) pondera com acerto que

sendo os candidatos alheios ao dispositivo legal, em busca de votos, penduram faixas, picham muros, fixam cartazes, tomando para si um espaço de uso comum do povo com o propósito de divulgar suas candidaturas.

Esquecem-se os candidatos, pois, de seu compromisso com a estética urbana e com a qualidade de vida do eleitorado, furtando-se de um compromisso ético com a sociedade e com o postulado da dignidade da pessoa humana ínsito à proteção paisagística.

Enquanto isso, a Lei 9.605/98, que trata dos crimes ambientais, define como criminosas as condutas que atentem contra o valor paisagístico:

Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.

O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97) veda, ainda, a utilização de publicidade e iluminação que possam comprometer a segurança do trânsito, conforme se extrai do teor dos artigos 81 e 82 do referido diploma legal.

Art. 81. Nas vias públicas e nos imóveis é proibido colocar luzes, publicidade, inscrições, vegetação e mobiliário que possam gerar confusão, interferir na visibilidade da sinalização e comprometer a segurança do trânsito.

Art. 82. É proibido afixar sobre a sinalização de trânsito e respectivos suportes, ou junto a ambos, qualquer tipo de publicidade, inscrições, legendas e símbolos que não se relacionem com a mensagem da sinalização.

Também na Legislação Federal, é digna de nota a proteção paisagística que o Decreto-lei 25/37 confere aos imóveis tombados contra anúncios ou cartazes que lhe impeçam ou reduzam a visibilidade. Mais do que isso, o instrumento normativo explicita a tutela aos elementos naturais dotados de feição notável e aprazível para o espírito humano.

Art. 1º [...]

§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana.

Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibílidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se nêste caso a multa de cincoenta por cento do valor do mesmo objéto.

Temos também a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, de número 9.985/00, que insere em seu art. 4°, inc. VI o objetivo de “proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica”.

Outrossim, a Função Social da Cidade cravada no art. 182 da Constituição Federal deu azo à criação da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), que, nos dizeres de Marchezini (2009), inaugurou

uma proteção adicional à paisagem urbana, vez que determina, em seu art. 2º, que a política urbana tenha por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, tendo como uma das diretrizes gerais a "proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico", de acordo com o inciso XII do art. 2º.

No plano da legislação municipal, há também uma série de diplomas que merecem ser destacados. Em concordância com Marchezini (2009), embora os os PDU's (Planos Diretores Urbanos), Códigos de Posturas e Legislação Ambiental Local sempre tenham sido a referência na tutela do meio ambiente no âmbito dos municípios, recentemente muitos deles editaram leis específicas, a exemplo da Lei nº 14.223/2006 de São Paulo, conhecida como "Lei Cidade Limpa".

O Poder Executivo Municipal de São Paulo exerceu sua competência legislativa concorrente (CF, art. 30, II e II) ao promulgar a Lei 14.223/06 e está legitimado ao exercício do poder de polícia (Lei 5.172/66, art. 78) para ordenar os elementos que compõem a paisagem urbana, preservando, melhorando e recuperando as paisagens dos espaços para contribuir à sadia qualidade de vida. (NETO, 2010)

Criada contra a poluição visual que assola e já há tempos estigmatiza a capital paulistana, a Lei tem por escopo preservar e recuperar as paisagens da cidade como uma forma de contribuição à sadia qualidade de vida dos cidadãos. Desta forma, ao proibir a propaganda em outdoors e regular o tamanho de letreiros e placas de estabelecimentos comerciais, A Lei n. 14.223/2006, em concordância com Fiorillo (2006)

indica como objetivos de ordenação da paisagem do Município de São Paulo o atendimento ao interesse público em consonância com os direitos fundamentais da pessoa humana E AS NECESSIDADES DE CONFORTO AMBIENTAL, COM A MELHORIA DA QUALIDADE DE VIDA URBANA, assegurando, dentre outros os seguintes:

1) o bem-estar estético, cultural e ambiental da população;

2) a segurança das edificações e da população;

3) a valorização do ambiente natural e construído;

4) a segurança, a fluidez e o conforto nos deslocamentos de veículos e pedestres;

5) a percepção e a compreensão dos elementos referenciais da paisagem;

6) a preservação da memória cultural;

7) a preservação e a visualização das características peculiares dos logradouros e das fachadas;

8) a preservação e a visualização dos elementos naturais tomados em seu conjunto e em suas peculiaridades nativas;

Eis que, com o advento da Lei n. 14.233/2006 em São Paulo, foram edificadas diretrizes a serem observadas na colocação dos elementos que integram a paisagem urbana, dentre as quais o combate à poluição visual e à degradação ambiental e "a proteção, preservação e recuperação do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico, de consagração popular, bem como do meio ambiente natural ou construído da cidade” (Fiorillo, 2006).

No município de Vitória, Espírito Santo, Marchezini (2009) lembra que a Lei 5.954/2003, responsável por regular a instalação de elementos de publicidade externa na cidade, foi drasticamente alterada pela Lei 7.095/2007, com a ampliação de prazos e com a flexibilização de normas relevantes para a tutela paisagística, em razão de determinação judicial que acabou por ‘revogar liminarmente (sic)’[15] alguns dispositivos da norma, de modo que o efeito repristinatório trouxe novamente à vigência o antigo Código de Posturas que não regulava a matéria, deixando o Município de Vitória carente de proteção normativa nesse sentido e refém das conveniências dos empresários-especuladores.

No campo das garantias, temos como instrumentos profícuos para a tutela jurídica do meio ambiente visualmente sadio a ação popular e a ação civil pública, disciplinadas respectivamente pela Lei 4.717/65 e pela Lei 7.347/85. Marchezini (2009) defende, ainda, a possibilidade de utilização do Mandado de Segurança, individual ou coletivo, “quando o ato lesivo se caracterizar como ato de autoridade e não houver necessidade de dilação probatória, vez que o direito à paisagem urbana configura-se como direito líquido e certo".

A Lei da ação popular (4.717/65) consagra expressamente em seu art 1º “os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico", da mesma forma que a Lei da ação civil pública (7.347/85) dispõe sobre os "bens e direitos do valor estético".

Nesse mesmo sentido, a Lei Orgânica do Ministério Público (8.625/93), em seu art. 25, IV, "a", prevê a legitimidade do parque para promover a ação civil pública para a

proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.

Destarte, podemos perceber um recrudescimento significativo de diplomas legais de proteção à paisagem, o que decerto denota o amadurecimento jurídico do Brasil na seara da tutela paisagística e na valorização da estética urbana. Contudo, conforme alerta Marchezini (2009), o problema maior reside no plano da efetivação desses direitos, talvez pela ausência de um projeto sólido de educação ambiental[16], dando maior aplicabilidade à Lei 9.795 de 1999, e pela postura ainda vacilante dos nossos tribunais no momento de solidificar o direito à paisagem frente aos argumentos economicistas.

A FUNÇÃO ESTÉTICA DA PAISAGEM URBANA E SUAS IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS NO INDIVÍDUO

Trilhado o percurso da proteção da paisagem urbana no ordenamento jurídico brasileiro, é chegado o momento de analisar o seu aspecto estético e demonstrar os efeitos perniciosos que o menosprezo da beleza paisagística traz para a incolumidade psicológica dos indivíduos. Mais do que atributo, a estética é um dos valores nucleares da paisagem e, por tal, desejado pelo ser humano. “O valor é da essência humana. Assim como o conhecer e o querer. Todo o querer pressupõe um valor. Só queremos aquilo que no parece valioso e digno de ser desejado” (HESSEN, 1980, p.40).

Etimologicamente, a palavra estética provém do grego aisthetiké (perceber, sentir) e, no dicionário, é definida como a "ciência que trata do belo em geral e do sentimento que ele desperta em nós; beleza", semelhante ao campo da filosofia, onde, conforme aduz ARANHA (apud MARCHESAN, 2006), "a estética é o estudo racional do belo em relação ao sentimento que suscita nos homens".

Percebe-se que todos esses conceitos tem como essência a constatação de que o belo efetivamente desperta sentimentos nos indivíduos. De posse dessa premissa e sendo a estética um valor intrínseco à paisagem, revela-se a influência direta desse microbem ambiental no sentir de cada ser humano, que, "ainda que de forma involuntária, é cotidianamente impactado pelas paisagens urbanas, sofrendo as influências dessa percepção e ajuizando sobre o que vê" (MARCHESAN, 2006).

Reis (2011) preleciona que “a experiência estética nasce desse encontro sensível entre sujeito e objeto, em que o sentido não está em nenhum dos polos isoladamente, mas na interação estabelecida entre eles via percepção”. E neste plano sensorial, Benjamin (2005) destaca que a nossa visão prepondera sobre todos os outros sentidos, de modo que “nós somos profundamente marcados pelas associações visuais e sensoriais. Seres visuais, muito mais informação nos alcança pelos olhos do que pelos outros sentidos".

O homem do século XX e, consequentemente, o deste século, elabora 85% das informações do meio ambiente através do sistema visual. Esse hiper-desenvolvimento do sistema visual provocou uma certa atrofia no funcionamento dos outros órgãos dos sentidas, ou seja, do paladar, da audição, do olfato e, sobretudo, do tato. Ver é fundamental. Ver para crer parece ter se tornado o mote de vida do homem do século da comunicação. E exatamente por ser essa via de entrada na integridade interior de nosso organismo, uma das mais importantes para o ser humano moderno, convém que se exerça aqui redobrados cuidados, visto que tudo que penetrar à membrana do receptor visual traz em si e consigo determinado potencial para desencadear um processo de stress lá dentro do corpo. (BENJAMIN, 2005, grifamos)

Destarte, são inegáveis os efeitos que o belo exerce sobre os indivíduos, o que leva Minami e Júnior (2001) a concluir que o culto ao belo faz parte da cultura humana: “Não é por outra razão que cerca-se de ornamentos, valoriza a harmonia da forma e da cor dos objetos e suas qualidades plásticas e decorativas”. Por esta razão é que a proteção da beleza paisagística é decorrente justamente da necessidade humana de conviver com elementos sensoriais capazes de proporcionar bem-estar físico e psíquico, intimamente relacionados com a proteção à qualidade de vida a que alude o texto constitucional (MARCHEZINI, 2009). O belo alenta a visão, apazigua a mente e nutre o espírito, elevando, assim, a plenitude física, mental e espiritual do ser humano.

Quando Silva (2008, p.208) destaca a função estética da paisagem urbana, enxergada a partir da variedade de formas, do desenho urbano e da relação contrastante das construções com os elementos naturais, ele imediatamente menciona uma função psicológica que lhe é conexa, uma vez que esta remete aos efeitos da harmonia ou desarmonia desse cenário paisagístico sobre o equilíbrio psíquico dos cidadãos ali inseridos.

Nesse viés, Marchezini (2009) pontua:

Por ser dinâmica, não-estagnada, a paisagem teria por função a renovação e, com isso, a quebra na monotonia visual. Carregada de valor estético, a paisagem urbana exterioriza ambiências que permitem ao ser humano um conforto emocional, o apreço pelo belo, harmonia, paz de espírito. A beleza das paisagens é, nessa linha, fonte de inspiração para o indivíduo e interfere positivamente em seu processo produtivo e nas relações interpessoais, com reflexos sociais imediatos.

Percebe-se, com isso, que a beleza paisagística é capaz de atenuar as tensões cotidianas e devolver um pouco da paz e serenidade perdidas para os compromissos e frustrações diárias. Afora isso, o reconhecimento da importância da paisagem na higidez mental do indivíduo é pertinente até mesmo aos desideratos econômicos da sociedade capitalista moderna, pois, ao dar certo conforto emocional para o indivíduo, reoxigena-lhe os ânimos e lhe dá novo fôlego para produzir com mais qualidade.

A boa aparência das cidades surge efeitos psicologicos importantes sobre a população, equilibrando, pela visão agradável e sugestiva de conjuntos e de elementos harmoniosos, a carga neurótica que a vida citadina despeja sobre as pessoas que nela hão de viver, conviver e sobreviver. (SILVA, 2008, p.273)

Além de evocar atividades turísticas e equilibrar o incontornável processo de industrialização e crescimento econômico, "a beleza, associada aos valores estéticos, compõe a paisagem e atende a um anseio natural do ser humano pelo belo. Ajuda a reduzir o estresse e conforta emocionalmente os indivíduos" (MARCHEZAN, 2006).

A paisagem acaba por reduzir o caos da vida moderna que afasta os indivíduos de sua conexão intrínseca com a natureza, devolvendo-lhe a interação do "eu" com o todo, numa perspectiva holística, e permitindo a superação, ainda que momentânea, do egocentrismo. "Ela tem como nenhum outro ente a aptidão para relacionar o homem à natureza" (MARCHESAN, 2006) e para lhe resgatar a sensação de pertença e vinculação com elementos construídos por mãos que não as suas, sentimento abafado pelo advento da modernidade, conforme ilustra Limonad[17] (2001, p.101):

As imagens da natureza, onde o homem e suas cidades se perdem em vastidões infinitas, onde o horizonte é vislumbrado e os ritmos da vida cotidiana são regulados pelo ritmo natural entre o nascer e o pôr do sol são substituídos, com o advento da modernidade, pelas frias formas da paisagem urbana moderna, uma paisagem não natural, um espaço que perdeu a profundidade, frio, limpo, estéril e pasteurizado que em suas formas arquitetônicas procura recriar a natureza e capturar o seu vigor. Na paisagem “moderna” constituída de espaços-formas restritos por outdoors, paredes de aço, vidro e concreto, por túneis, iluminada perenemente, dia e noite, o cotidiano se alarga além do nascer e do pôr do sol. Esta é uma paisagem onde as distâncias são suprimidas pelos transportes, alta velocidade e redes de comunicações, onde a profundidade perde-se nas fachadas espelhadas dos arranha-ceús.

Na mesma toada, Santos (2005, p.479), em artigo sobre o “direito de ver estrelas”, constata que a inigualável beleza proporcionada por uma noite estrelada tem se perdido em meio à poluição que obstrui a visão humana e acaba por privar o indivíduo da contemplação e do desfrute do céu, bem como dos efeitos positivos que eles trazem à sua esfera psíquica:

Não existe beleza comparada à uma noite estrelada. Anos, séculos, milênios, gerações de homens olhando as estrelas, investigando seus segredos. A contemplação do céu foi um dos motores da história da humanidade tal como a conhecemos. Fica uma pergunta que não quer calar: Será que nossos filhos, netos e a geração que está por vir terá o mesmo direito de contemplar o céu noturno, com sua infinita beleza? Infelizmente não. Com a modernidade essa beleza tem desparecido. (SANTOS, 2005, p.679)

Percebe-se que o crescimento acelerado das cidades, com o incremento da industrialização nas áreas urbanas, leva à inexorável destruição das áreas verdes no perímetro urbano, além de edificar um cenário frio, estéril, marcado por uma forte verticalização das cidades (RAMIRES, 1998, p.97), que promove a obstrução da paisagem e da contemplação e promove aquilo que o autor chama de "estandardização da fisionomia urbana". Conforme atesta Andreotti (2012, p.13), essa é a mesma modernidade que desfigura o perfil da paisagem urbana e dissemina “intervenções banais, incoerentes e desordenadas, que criam condições paisagísticas inaceitáveis[18]”.

Essa situação por muito tempo se escorou no fato de que a noção de belo era usualmente tratada com certa vagueza, com a adoção de um valor relativo da estética que descambava para o argumento de que a análise do belo figura no plano da subjetividade e seria, portanto, sempre variável. Contudo, Minami e Júnior (2001) prelecionam com acerto que, a despeito de percepções subjetivas, pode haver um mínimo de consenso em relação à beleza de elementos naturais em geral, tais quais a vegetação, o céu, lagos, rios e praias, e até mesmo de elementos artificiais, como monumentos, prédios históricos dotados de características marcantes de determinado estilo e fachadas visualmente desobstruídas, desnudando o valor absoluto da estética, a despeito de critérios de gosto.

No Direito Comparado, os juízes, por muitos anos, fraquejaram, quando chamados a decidir conflitos atinentes a valores estritamente estéticos. Nos Estados Unidos, p. ex., antes de 1950, os tribunais freqüentemente viam os valores estéticos como um luxo, em vez de uma necessidade, negando-lhes proteção legal. Ou, então, os consideravam subjetivos em demasia, recusando-se a virar “árbitros de gosto”, já que o prazer de um bem poderia ser a perturbação do outro, e vice-versa. (BENJAMIN, 2005)

Em via oposta, Benjamin (2005) menciona que felizmente é possível verificar, em tempos mais recentes, que vários países vem redescobrindo a essencialidade da paisagem, atentando para o belo em seu valor absoluto, como atributo da própria natureza, de modo que o autor indaga:

Uma das dificuldades que o legislador e o aplicador freqüentemente encontrarão é que os valores estéticos, mesmo quando juridicizados, são baseados na beleza, uma noção que desafia qualquer definição rígida em si mesma. Os valores estéticos são inevitavelmente subjetivos. Mas também o são outros atributos da vida humana, levados amiúde aos tribunais, como vergonha, dor e risco." Como, então, negar proteção ao belo?

E acresce, de maneira elucidativa:

O belo deixa de ser somente uma percepção extrínseca (= cultural e visualmente perceptiva), em proveito de uma percepção intrínseca, que valoriza os “segredos” da natureza: a apreciação estética vai do que vemos, sem grande esforço (as montanhas, o verde exuberante das florestas, a vitalidade dos rios), ao que não vemos, só sentimos intuitivamente, ou só notamos com o auxílio dos especialistas (os serviços ecológicos, a qualidade da água, a diversidade das florestas). É a posição do observador mais sensível, que compreende e aceita que ‘somos da natureza e estamos na natureza (BENJAMIN, 2005, grifamos).

A partir da superação da ideia de estética como algo passível de simples apreciação subjetiva, resgata-se, portanto, o referido sentimento de pertença, de conexão e unidade com a natureza. “A natureza não nos traz somente sua presença, ela nos ensina que estamos presentes nessa presença. A experiência estética que ela suscita nos dá uma lição de estar no mundo” (DUFRENNE, 2008, p. 76)

Mais do que isso, o equilíbrio do cenário urbano atrelado à harmonia estética viabiliza o equilíbrio psíquico e é, desta forma, essencial para a qualidade de vida dos cidadãos. Segundo aduz Benjamin (2005), "povos primitivos já enalteciam aspectos ou componentes da paisagem, por razões espirituais principalmente, a eles atribuindo características ou representações divinas", sensíveis que eram à capacidade que a apreciação da paisagem tem de reconectar o homem com aspectos transcendentais e sutis da existência.

Hoje, embora o ser humano não reverencie a Terra da mesma forma que outrora, ele se sente, a despeito da sua orientação ideológica ou religiosa, vinculado às belezas oferecidas pelo planeta (BENJAMIN, 2005), o que evidencia a proeminência da paisagem no discurso da tutela do meio ambiente[19]. “A experiência estética se situa na origem, naquele ponto em que o homem, confundido inteiramente com as coisas, experimenta sua familiaridade com o mundo” (DUFRENNE, 2008, p. 30-31).

Maximiano (2004, p.84) ilustrou, sobre essa experiência de familiaridade:

durante a dinastia I’ang, o paisagista Wang Wei descreve o jardim como uma miniatura do Universo, com elementos chave que são os montes e a água. Esta forma de paisagem também aparece nos jardins japoneses, que acompanham as residências. São concebidos para proporcionarem contato com a natureza, paz e conforto espiritual.

O potencial conectivo da paisagem é novamente colocado em destaque, pois é por intermédio dela que o ser humano consegue abstrair dos aspectos desgastantes da vida moderna e do stress cotidiano para buscar a serenidade que o seu valor estético proporciona. Afinal, conforme pontua Delfino (2002, p.82), “um ambiente rico em valor estético aumenta o sentimento de bem-estar, reduz a incidência de doenças mentais e físicas e males sociais”.

Ainda mais além, Marchesan (2006) lembra que é paisagem quem propicia,

uma nova relação entre os seres humanos e seu ambiente, representando a continuidade entre a natureza e os olhos do espírito, como comovente articulação entre imagem e pensamento, capaz de provocar sedução ou repulsa.

Neste passo, Minami e Júnior (2001) concluem com precisão irretocável que “é de toda a população, portanto, o interesse de morar em uma cidade ornamentada, plasticamente agradável e, por que não dizer, bela”, ao que Silva (2008, p.273, grifamos) reitera que

a boa aparência das cidades surte efeitos psicológicos importantes sobre a população, equilibrando, pela visão agradável e sugestiva de conjuntos e elementos harmoniosos, a carga neurótica que a vida citadina despeja sobre as pessoas que nela hão de viver, conviver e sobreviver.

Naquilo que importa ao Direito, Benjamin (2005) destaca que a beleza que lhe interessa pode ser tanto natural quanto artificial, o que reflete na organização do ordenamento. O autor destaca que já há algum tempo os urbanistas dão atenção à estética das cidades, onde se integra a paisagem artificial, isto é, uma criação estritamente humana, ao passo que "tendência bem mais recente é juridicamente valorizar a beleza natural, no seu complexo mosaico de integração do espaço físico, da flora e da fauna".

É mister destacar que o redescobrimento da beleza natural ao redor do mundo propiciou um alargamento e amadurecimento da tutela do meio ambiente a partir do diálogo do Direito Ambiental com outras áreas do conhecimento, tais quais a filosofia e a psicologia, o que fez com que ele despertasse para a proteção da paisagem e para a consagração da essencialidade do belo[20], certo de que “a natureza por vezes nos brinda com seu espetáculo natural, podendo ser convertida em objeto estético pelo olhar humano” (DUFRENNE, 2008).

A partir do reconhecimento das funções estéticas da paisagem e das suas implicações psicológicas, ela pôde enfim ser reconhecida como componente indissociável da concepção holística do meio ambiente e do bem-estar coletivo e individual, sentimento que acabou refletido na produção legislativa e na orientação dos tribunais. Avanços não suficientes, mas que contribuem para que se supere, pouco a pouco, o famigerado rótulo de direito supérfluo que ainda ronda o direito à paisagem.

Observa-se um surpreendente crescimento de casos nessa área, na medida em que os planejadores empregam ferramentas criativas e complexas para identificar e proteger recursos estéticos. Há apenas alguns anos, seria difícil encontrar-se leis de proteção da paisagem, principalmente no plano nacional, muito menos a salvaguarda da paisagem como componente de uma mais ampla tutela do meio ambiente. (BENJAMIN, 2005)

Hoje, há um rol significativo de diplomas legais que tratam da paisagem e refletem a preocupação crescente da sociedade com a beleza estética das suas cidades, o que mostra que o direito, enquanto fenômeno social, vem gradativamente se afeiçoando ao valor estético e reconhecendo os efeitos nocivos que a degradação visual tem sobre a psiquê humana e, por conseguinte, sobre a qualidade de vida protegida pela Constituição.

A paisagem que interessa ao direito é sensitivo-espiritual. Carregada de valor estético, exterioriza ambiências que permitem ao homem um conforto emocional, apreço pelo belo, pela harmonia, paz de espírito. Uma paisagem bem estruturada contribui indubitavelmente para a elevação espiritual do ser humano, em oposição ao caos, cenário que conduz à opressão, ao estresse, à total ausência de qualidade de vida.  (MARCHESAN, 2006, grifamos)

Na mesma toada, Marchezini (2009) propõe, como critério de responsabilização dos sujeitos violadores da paisagem, a análise da função estética, cuja agressão trará como consequência jurídica a reparação dos danos materiais e morais decorrentes “da perda ou deterioração do elemento visual de conexão entre o homem, suas criações e a natureza, bem como de seus reflexos sobre o macrobem ambiental”.

a Administração Pública e os tribunais não podem deixar de ter uma função de prevenção, vigilância e interdição de efeitos anti-estéticos, sendo-lhes interdito que se refugiem em razões de subjectividade laxistas, dado que há critérios normativos suficientemente expressivos, mesmo que assentes em conceitos indeterminados, que lhes cumpre densificar casuisticamente a exigência de respeito pela estética urbanística. (CONDESSO, 2010, p.55, grifamos)

Diante desse cenário, diversos instrumentos jurídicos têm se mostrado fundamentais na elevação da função estética ou da proteção das paisagens naturais, segundo bem lembra Delfino (2002, p.71). No plano internacional, a Convenção para a Proteção da Herança Mundial Cultural e Natural, de 16 de novembro de 1972, menciona o ponto de vista estético como critério para se considerar elementos naturais como herança natural; a Convenção para a Conservação dos Habitats Naturais e da Vida Selvagem Europeia, de 1979, reconhece que "a flora e a fauna selvagens constituem um patrimônio natural que reveste valor estético"; o Protocolo ao Tratado da Antártida sobre Proteção Ambiental, de 1991, se refere expressamente aos valores estéticos como vetor de proteção do ambiente da Antártida. Vários instrumentos que sinalizam a imensa importância da proteção dos valores estéticos.

É importante destacar que, conforme visto em linhas anteriores, a estética é um dos valores ínsitos à paisagem e é, por isso, desejada pelo ser humano, mas ao seu lado reside um outro valor, conforme Marchesan (2006), que é a funcionalidade, elemento intimamente relacionado com o valor estético. Afinal, não se pode perder de vista que a paisagem deve propiciar que a cidade viabilize as suas funções sociais de forma satisfatória. Para que isso seja alcançado, o equilíbrio urbano-ambiental precisa ser resguardado, “sob pena de afetar a saúde psíquica e física dos indivíduos, fenômeno cada vez mais crescente nos dias de hoje, especialmente concentrado nos grandes centros urbanos” (MARCHESAN, 2006).

Feita essa ressalva, resta claro que a função estética da paisagem urbana deve ser preservada em virtude da sua vinculação com a incolumidade psíquica do ser humano e, portanto, da sua essencialidade para a manutenção da qualidade de vida da sociedade. Nesse prisma, a beleza paisagística não pode ser tratada como mero valor efêmero e de trato subjetivo, mas sim como valor absoluto e atributo indissociável da paisagem - que se pretende revelar como direito fundamental e corolário da própria dignidade da pessoa humana.

A PAISAGEM URBANA E SUA FUNÇÃO ESTÉTICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Muito embora o meio ambiente ecologicamente equilibrado, macrobem ambiental, figure no rol dos direitos fundamentais, sendo a doutrina uníssona nesse sentido, a paisagem urbana, enquanto microbem ambiental essencial à higidez do equilíbrio ecológico, padece diante de uma abordagem generalista, talvez vitimada pela ausência de um consenso acerca do seu núcleo conceitual, mormente no que tange ao seu valor estético.

Como resultado, a paisagem e sua função estética acabam analisadas sob um olhar superficial, quase como se fossem elementos extrínsecos à tutela ambiental, e não parte indissociável dela e, por conseguinte, da qualidade de vida da espécie humana.

À colação, nesse sentido, as ideias de Teixeira (2006, p. 67):

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no Brasil, a exemplo de outros países, é apresentado e estruturado como direito fundamental por ser essencial à sadia qualidade de vida; e tem como meta, entre outras, a defesa dos recursos ambientais de uso comum, ou seja, o patrimônio da humanidade, necessários para uma vida digna. Este direito é portador de uma mensagem de interação entre o ser humano e a natureza para que se estabeleça um pacto de harmonia e de equilíbrio. Ou seja, um novo pacto: homem e natureza. Fixada sua importância, passa a ser reconhecido como direito fundamental, embora não conste como tal no catálogo destes direitos.

Mazzuoli (2004, p. 109), na mesma esteira, examinando o art. 225 da Constituição Federal de 1988, sustenta:

Este dispositivo do texto constitucional consagra também o princípio segundo o qual o meio ambiente é um direito humano fundamental, na medida em que visa a proteger o direito à vida com todos os seus desdobramentos, incluindo a sadia qualidade de seu gozo. Trata-se de um direito fundamental no sentido de que, sem ele, a pessoa humana não se realiza plenamente, ou seja, não consegue desfrutá-lo sadiamente, para se utilizar a terminologia empregada pela letra da Constituição.

Verifica-se, pois, que a fundamentalidade do macrobem ambiental mencionado reside no fato de ele ser essencial à sadia qualidade de vida, com todos os seus desdobramentos. Já restou claro que a paisagem urbana, com sua função estética, é essencial à vida sadia e tem como sustentáculo a dignidade da pessoa humana, princípio que sustenta e orienta a teoria dos direitos fundamentais.

Conforme destacado no capítulo inicial do presente trabalho, os direitos fundamentais possuem como um de seus caracteres especiais a historicidade, pois surgem dentro de um determinado contexto histórico-social, quando certas necessidades humanas se revelam prementes e passam a clamar por juridicidade. Essa característica reflete a concepção do direito enquanto fenômeno social, reflexo dos interesses que emanam a todo momento da sociedade[21].

Bobbio (2008, p. 05) confirma essa assertiva, reconhecendo os direitos fundamentais como direitos históricos, isto é, surgidos em determinadas circunstâncias, "caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas", ao que arremata: "O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído".

Eis que a paisagem urbana, microbem ambiental, desponta como elemento também essencial à sadia qualidade de vida e ao bem-estar da população, com efeito, digna de ser reconhecida como verdadeiro direito fundamental, uma vez que são notórios os efeitos perniciosos que a poluição visual traz para a incolumidade psíquica dos seres humanos.

A importância cada vez mais evidente de se proteger a paisagem urbana se coaduna com a referida noção de entrelaçamento entre valores imperativos que nascem do tecido social e a sua respectiva positivação como direitos fundamentais, a partir do momento em que esses valores se revelam indispensáveis e essenciais para a vida digna dos indivíduos.

Em que pese o sistema protetivo do ordenamento jurídico pátrio seja referência planetária no que toca à persecução do equilíbrio ecológico consagrada na Constituição, a beleza das cidades, no embate constante com os desideratos economicistas, carece de uma proteção mais sólida, condizente com o crescente reconhecimento da sua proeminência na proteção da qualidade de vida humana.

Nessa direção, como bem lembra Mendes e Branco (2012, p.307), fundamental destacar que

A sedimentação dos direitos fundamentais como normas obrigatórias é resultado de maturação histórica, o que também permite compreender que os direitos fundamentais não sejam sempre os mesmos em todas as épocas, não compreendendo, além disso, invariavelmente, na sua formulação, a imperativos de coerência lógica.

A essencialidade da paisagem desponta da redescoberta da sua vinculação direta com a higidez mental de todos os seres humanos e do seu papel indispensável na persecução da qualidade de vida estampada na Constituição, tratando-se de um bem ambiental de rara importância, decorrente da necessidade humana de convivência com elementos sensoriais que propiciam o bem estar físico, psicológico e espiritual.

Nessa toada, Silva (2010, p.70) rememora que o direito à vida, enquanto matriz de todos os demais direitos fundamentais do ser humano, é que deve orientar todas as formas de atuação no plano da tutela ambiental, razão pela qual ele paira sobre qualquer objetivo de desenvolvimento. A paisagem urbana, com seu valor estético, é elemento essencial à ampla proteção do meio ambiente e, por isso, esse microbem ambiental deve ser reconhecido como verdadeiro direito fundamental.

As palavras de Marchezini (2009) dão força a tais assertivas:

Todos sabem que a paisagem urbana é um microbem ambiental essencial para a qualidade de vida. A beleza das cidades deve ser considerada como um direito fundamental, corolário do direito à vida, sendo que função social da cidade está estritamente vinculada à harmonia dos cenários urbanos.

A capacidade que a paisagem tem de atenuar os efeitos psicológicos desgastantes provocados pelo cotidiano dos indivíduos revela o seu caráter indispensável à qualidade de vida dos cidadãos, que necessitam desfrutar do potencial conectivo proporcionado pela contemplação da beleza paisagística, capaz de confortar a mente e elevar o espírito, atenuando os dissabores da vida cotidiana.

O crescimento desordenado dos centros urbanos incrementa cada vez mais o cenário de caos paisagístico, de modo que estamos no momento mais oportuno possível para a elevação da paisagem urbana ao nobre status de direito fundamental, sendo ela atributo do direito à vida e cada vez mais ameaçada pela poluição visual desmedida que assola as nossas cidades.

O ordenamento jurídico brasileiro revela em diversos dispositivos sua preocupação com a tutela da estética da paisagem. Não se pode, todavia, afirmar que o combate à poluição visual no Brasil ganhou o status merecido. As empresas de comunicação externa avançam sobre nossas cidades instalando painéis de grandes dimensões. A consciência sobre a importância de deter esse avanço ainda é fraca e a reação da sociedade é tímida. Talvez seja necessário chegar a um grau insuportável de poluição visual para que se desencadeie uma reação (MINAMI, 2001).

Neste contexto, deve-se ter em mente que não se trata de mera questão legislativa, uma vez que, consoante Ramos (2004), a paisagem urbana só terá a importância devida quando deixar de ser tratada como paciente que não inspira cuidados, isto é, quando for superada a noção de direito supérfluo, orientado tão somente por critérios subjetivos. Já foi demonstrado que a estética urbana tem seu valor absoluto, objetivo, para além de uma apreciação meramente subjetiva.

O alento maior é que, se outrora a paisagem urbana sequer era considerada um bem jurídico tutelável, a sociedade já há algum tempo despertou para a essencialidade do belo, reconhecendo-o como um valor indispensável à vida em sua plenitude, afinal, "todos hoje se sentem, de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, vinculados aos destinos da Terra e, a partir dela, às belezas que ela oferece" (BENJAMIN, 2005).

Esse microbem ambiental influencia diretamente o sentir de cada ser humano, que todos os dias é impactado pelas paisagens urbanas que testemunha e sofre as influências dessa percepção. O potencial conectivo da beleza paisagística afasta, ainda que momentaneamente, o indivíduo das agruras do dia a dia e lhe propicia uma interação reconfortante com o meio ambiente, resgatando a serenidade perdida a todo tempo para os cenários urbanos feios e desarmonizados.

Se destacamos no início deste trabalho que o direito é um conjunto de normas que, orientado por valores, tem por função precípua reger a vida em sociedade, a estética paisagística é sem dúvida um desses valores, sobretudo pelas suas reconhecidas implicações psicológicas e por ser um dos elementos integrantes da percepção holística do meio ambiente e do bem-estar coletivo.

O mencionado "Direito vivo" proveniente da sociologica jurídica e presente nos estudos de Ehrlich (1986, p.27) concebe o direito como produto social espontâneo, proveniente dos valores e paradigmas que emergem da sociedade em determinado contexto espaço-temporal. Nesse cenário, os direitos fundamentais, enquanto vetores da convivência social e sustentados pela proteção da dignidade humana, orientam os ordenamentos jurídicos contemporâneos e traduzem os valores mais caros à sociedade, pois, no qualitativo fundamentais, conforme leciona Silva (2010, p.178), "acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive".

Em meio à necessidade de se adequar o cenário das ocupações urbanas e do desenvolvimento econômico à preservação dos espaços verdes e da harmonia visual das cidades, a paisagem passa a ocupar posição de extremo destaque na abordagem ambientalista, considerada um bem ambiental essencial à sadia qualidade de vida, diante da sua cada vez mais valorizada função estética.

Os entraves conceituais que permeavam o tema foram reduzidos pelos estudos doutrinários e pelo rol de diplomas legais que passaram a cuidar da paisagem. Ademais, a sociedade e a comunidade científica já reconheceram os efeitos que a interação sensorial com a paisagem provoca nos indivíduos, além de a proliferação legislativa e o tratamento dos tribunais já terem sinalizado a essencialidade da paisagem para o bem-estar coletivo.

Essa convergência de fatores demonstra que a paisagem é um verdadeiro direito fundamental de terceira geração, reflexo de uma exigência específica da sociedade moderna, atenta ao potencial conectivo e revigorante da paisagem.

Seria mais producente buscar, em cada caso concreto, as várias razões elementares possíveis para a elevação de um direito à categoria de fundamental, sempre tendo presentes as condições, os meios e as situações nas quais este ou aquele direito haverá de atuar. Não basta, assim, que um direito encontre bons motivos filosóficos, aceitos no momento, para ser positivado; é indispensável, ainda, o concurso de condições sociais e históricas favoráveis para que se incorpore aos estatutos vinculantes. (MENDES e BRANCO, 2012, p.321)

A função estética da paisagem já demonstrou ser portadora de valor absoluto, de modo que a beleza da paisagem urbana se revela como um verdadeiro direito fundamental, vinculado à sadia qualidade de vida das gerações presentes e também das porvindouras, numa perspectiva de solidariedade intergeracional que é indispensável ao direito ambiental. A beleza paisagística é interesse de todos os que habitam o planeta nos dias de hoje e de todos os que ainda virão, pois a vida não alcança a plenitude quando privada da essencialidade do valor estético.

Conforme destaca Delfino (2002, p.84)

Apesar das dificuldades de conceptualização, o tema deverá ser objecto de tratamento sistemático e integrado (recorrendo à colaboração de todos os sectores da população) para que a estética e a paisagem se tornem numa preocupação política principal, pelo seu papel no bem estar dos cidadãos, que já não pretendem tolerar a alteração do espaço que os rodeia, por desenvolvimentos técnicos e económicos, sem que a sua opinião seja ouvida. A estética e a paisagem enquanto preocupações generalizadas são propícias ao tratamento democrático, particularmente ao nível local e regional.

Dito isto, como verdadeiro direito fundamental, está-se diante de um direito de aplicação direta, em

sentido preceptivo e não apenas programático; vale por si mesmo, sem dependência da lei. A ulterior regulamentação ou desenvolvimento pelo legislador ordinário ajudará somente a densificar a sua exeqüibilidade. E vincula, desde logo, todas as entidades públicas e privadas (RAPOSO, Mário, 1994, p.115).

Nesse tocante, Benjamin (2008, p. 60) lembra que a Constituição, no seu art. 5º, § 1º, é clarividente ao dispor: "As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". Debruçado sobre esse dispositivo, lembra Eros Roberto Grau (2004, p.287):

Isso significa que tais normas devem ser imediatamente cumpridas pelos particulares, independentemente da produção de qualquer ato legislativo ou administrativo. Significa, ainda, que o Estado também deve prontamente aplicá-las, decidindo pela imposição do seu cumprimento, independentemente da produção) de qualquer ato legislativo ou administrativo, e as tomando jurídica ou formalmente efetivas.

Destarte, a fundamentalidade da paisagem urbana e seu valor estético é inquestionável, dotada, assim, de aplicabilidade direta e revestida com a mesma robustez jurídica dos demais direitos fundamentais, detentores da supremacia na ordem constitucional e blindados contra a possibilidade de o legislador ordinário tentar aboli-los, seja qual for o motivo. A paisagem já demonstrou o seu caráter elementar, de necessidade primeira, tratando-se de um direito de relevância maior para a consagração da dignidade da pessoa humana.

A se considerar a pessoa como valor nuclear da democracia, impondo-se, por conseguinte, a proteção absoluta de sua integridade física, psíquica e espiritual no núcleo de toda e qualquer ação estatal, torna-se absolutamente compreensível e lógica a sua associação inexorável aos direitos fundamentais, cuja fundamentalidade, repisa-se, emana da primazia do valor da pessoa humana. A beleza paisagística tem relevância irrefutável na existência plena dos indivíduos e no bem viver da coletividade, não restando dúvidas, sem qualquer subjetividade, que o desfrute do belo é fundamental, tamanhos os benefícios que traz à saúde psicológica e espiritual de todos os seres humanos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

De tempos em tempos, o Direito se sensibiliza ante os anseios mais urgentes que pulsam do eterno dinamismo social e os positiva sob o manto dos direitos fundamentais, reconhecendo esses valores como pressupostos da proteção da dignidade da pessoa humana e, com efeito, norteadores da ordem jurídica.

Enquanto conjunto de normas que, orientado por valores, tem por objetivo maior reger a vida em sociedade, o Direito tem se deparado com um valor indispensável à persecução da qualidade de vida humana, qual seja, o valor estético da paisagem, capaz de resgatar o indivíduo das agruras citadinas e proporcioná-lo um alívio revigorante, mesmo que momentâneo.

Por essa razão, é impositivo que a paisagem urbana, microbem ambiental, seja reconhecida com a peculiar proteção e robustez jurídica própria dos direitos fundamentais, dotados de posição de supremacia entre as normas constitucionais, vetores da convivência social e blindados contra qualquer tentativa do legislador de aboli-los.

Gradativamente, o ordenamento jurídico brasileiro começa a atribuir maior relevância ao combate à poluição visual, enxergando-a como um dos algozes da qualidade de vida almejada pelo texto constitucional. Contudo, ainda é necessária a conscientização mais sólida de toda a coletividade acerca da premência de se conter a degradação estética da paisagem, a partir do conhecimento dos efeitos significativos que a percepção visual tem sobre o ser humano.

Assim, é dever de todos, coletividade e Poder Público, lutar pela contenção do modelo de cidades orientadas essencialmente pelo urbanismo funcionalista que negligencia o valor estético e as suas implicações na saúde psíquica e espiritual do ser humano, razão pela qual o incremento legislativo deve vir associado também a uma mudança de paradigma social, de maneira que os interesses econômicos não mais prevaleçam absolutos sobre a tutela ambiental.

Para tanto, não é preciso propugnar uma cisão entre o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental, sob pena de se incorrer numa percepção romantizada que por vezes retira a credibilidade do discurso ambientalista, mas sim tentar buscar a conjugação simbiótica e pragmática dos dois elementos, a fim de alcançar o imprescindível entrosamento entre crescimento econômico e valorização da paisagem urbana.

A paisagem urbana, com sua função estética, já se provou verdadeira exigência da dignidade humana, corolário do direito à vida e pilar da noção de sustentabilidade, uma vez que não se pode viver em plenitude sem a interação que só o belo é capaz de promover entre o indivíduo e os aspectos mais sutis da existência, num tempo em que a modernidade verticalizou o cenário urbano e afastou o homem da sua primordial conexão com a natureza.

Sendo a estética um valor intrínseco à paisagem, resta evidente a influência da beleza paisagística no sentir de cada ser humano, que cotidianamente é impactado pelas paisagens urbanas, sofrendo as influências diretas dessa percepção. Assim, o belo revela sua essencialidade na medida em que é capaz de atenuar o desgaste psicológico e devolver a paz e a serenidade perdidas para as frustrações cotidianas.

A importância cada vez mais evidente de se proteger a paisagem urbana e seu valor estético se coaduna com o dinamismo e o caráter social que perpassam todo o fenômeno jurídico, porquanto estamos diante de um bem já revelado indispensável e essencial à ampla proteção do meio ambiente e, consequentemente, à proteção da vida em todas as suas formas.

As cidades atreladas à harmonia estética viabilizam o equilíbrio psíquico e são, desta forma, essenciais para a qualidade de vida dos seus cidadãos, que podem, a partir daquilo que seus olhos contemplam, usufruir da sua familiaridade com a natureza e das belezas que só a Terra foi capaz de construir.

A presença é necessária para tomarmos consciência da beleza, da majestade, do aspecto sagrado da natureza. Você alguma vez contemplou o espaço infinito em uma noite clara, estarrecido por sua calma absoluta e incrível vastidão? Já escutou, de verdade, o som de um riacho numa montanha na floresta? Ou o som de um melro ao cair de tarde em uma tranquila tarde de verão? Para perceber tudo isso a mente tem que estar serena. Você tem que se despojar por um momento da sua bagagem pessoal de problemas, do passado e do futuro e também do seu conhecimento. Do contrário, você olhará mas não verá, ouvirá mas não escutará. Estar totalmente presente é fundamental. (TOLLE, p.97)


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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, v. 3, n. 11, out. 2005. Disponível em: . Acesso em: 9 mar. 2013.

SIQUEIRA, Julio Pinheiro F. H. Deveres fundamentais e a constituição brasileira. In: Revista de Filosofia do Direito, do Estado e da Sociedade. v.1, n.1, agosto 2010. Disponível em: . Acesso em: 24 abr. 2013.

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______. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2011.

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SOUZA, Nelson Mello e. Educação Ambiental: dilemas da prática contemporânea. Rio de Janeiro: Thex, 2000.

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WILHEIM, Jorge. Intervenções na Paisagem Urbana de São Paulo. São Paulo: Instituto Florestan Fernandes de Políticas Públicas, 2000.


NOTAS

[1]  Como afirmou José Afonso da Silva, são os direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem... Algumas das várias expressões que designam o que convencionamos chamar, em nosso ordenamento jurídico, de direitos fundamentais.

[2] Nos idos do século XIX, sob as bases ideológicas da Revolução Francesa e com a separação dos poderes, o Estado é submetido ao império da lei. O liberalismo inaugura o Estado de direito em oposição ao Estado absoluto. Esse novo paradigma organiza-se a partir da garantia dos direitos dos cidadãos, com a limitação do poder a partir da submissão ao direito e consequente derrocada da arbitrariedade. 

[3] Por essa razão, uma parte crescente da doutrina refere-se às categorias de direitos fundamentais a partir do termo “dimensões”, com o objetivo de evitar a ideia de substituição de uma geração por outra.

[4] A palavra ambiente é composta de dois vocábulos do latim: amb, que significa ao redor, à volta, e ire, que significa ir. O ambiente seria, pois, tudo o que cerca, o que rodeia determinado sítio ou ser.

[5] Não se pode olvidar que a Organização Mundial de Saúde - OMS conceitua a saúde não como a simples ausência de doenças ou agravos, mas como o estado de completo bem-estar físico, mental e social.

[6] O Projeto de Lei 3188/12, do parlamentar Rogério Carvalho (PT-SE), que objetiva a inclusão do direito à paisagem urbana entre os já previstos no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01) traz, dentre outros vários artigos, o combate à poluição visual, bem como à degradação ambiental.

[7] Nesse julgado podemos verificar o grau de comprometimento do Poder Executivo Municipal com a prevenção da poluição visual, que deve ser garantido através da criação e aperfeiçoamento de normas locais relacionadas ao tema.

[8] O Projeto de Lei 3188/12, do parlamentar Rogério Carvalho (PT-SE), que objetiva a inclusão do direito à paisagem urbana entre os já previstos no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01) traz, dentre otros vários artigos, o combate à poluição visual, bem como à degradação ambiental. Esse PL será retomado no próximo capítulo, no tópico dedicado aos instrumentos legislativos de proteção à paisagem urbana.

[9] Ciente da urgência desse debate, ante as crescentes ameaças que tencionam o abatimento da legislação de proteção ao meio ambiente, no dia 29 de março de 2012 a Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) do Senado Federal promoveu o primeiro Colóquio Internacional sobre o Princípio da Proibição do Retrocesso Ambiental, cujas discussões entre insignes especialistas renderam um livro fundamental acerca do tema, disponível no portal do Senado.

[10] Algumas decisões do Supremo Tribunal Federal que tratam do tema são a ADI nº 1.946/DF, a ADI nº 2.065-0/DF (tida como a primeira manifestação da Corte Suprema sobre a matéria, datada de 17.02.2000), a ADI nº 3.104/DF, a ADI nº 3.105-8/DF, a ADI nº 3.128-7/DF e o MS nº 24.875-1/DF.

[11] Antonio Herman Benjamin destaca que essa preocupação com a paisagem, mesmo na arte, é relativamente recente, atribuída às elites europeias no período do Renascimento. O desbravamento dos mares com as grandes navegações e a exploração de novas terras propiciada pelas atividades mercantis redespertou no homem o sentimento bucólico e o prazer da contemplação das belezas da Terra.

[12] No Direito Comparado, a preocupação com a paisagem despontou muito antes do que ocorreu no Direito Brasileiro, conforme se verifica nas Convenções Regionais que tratam da sua proteção, com destaque para a Convenção de Washington, de 1940; a Convenção de Argel, de 1968; a Convenção de Bruxelas, de 1982 e a Convenção de Salzburgo, de 1991.

[13] Sobre o embate entre a incolumidade do meio ambiente e os interesses economicistas, é indispensável a leitura completa da referida ADI-MC 3540, de relatoria do Ministro Celso de Mello.

[14] Destaca-se também que a Constituição atribuiu competência material concorrente à União, Estados, Distrito Federal e Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição “em qualquer de suas formas” (art. 23, inc. VI).

[15] Ref. Processo nº 024.040.035.180 – Vara dos feitos da fazenda pública Municipal de Vitória.

[16] A Convenção Europeia da Paisagem traz expressamente em seu art. 6º a sensibilização da sociedade e a educação entre as medidas específicas de proteção à paisagem.

[17]  A autora faz uma breve e interessante exposição do vislumbre hollywoodiano sobre a degradação da paisagem urbana, mencionando filmes como "Brazil, the movie" (Embassy, Universal, 1985) e Blade Runner (Columbia Tri-Star, Warner Bros, 1982), em que o horizonte e o nascer e o pôr do sol já não podem ser vistos e dão lugar a infindáveis de outdoors e luzes artificiais, consubstanciando-se o distanciamento e a alienação máxima do homem com a natureza.

[18]  Segundo CONDESSO (2010, p.46), são várias as causas do processo histórico que deu origem à banalização da estética, desde a necessidade urgente de reconstrução das cidades ao fim das guerras europeias do século XX, até as relações de ruptura operadas no mesmo século entre a estética e a arquitetura, o que fez com que os novos conceitos de estética funcional, com a invasão do mundo da arte pelo novo ambiente tecnológico e industrial, sobrepujasse os postulados clássicos da estética. "A cultura de massas e supremacia do económico-social em detrimento da estética e do cultural, caindo-se num resvalar para uma concepção essencialmente utilitarista e funcional da cidade".

[19]  Esse redespertar da preocupação com a paisagem, a partir do resgate da vinculação do homem à Terra, é apontado por BENJAMIN (2005) como reflexo do início das empreitadas europeias para o além-mar, quando a mobilidade dos povos e a exploração de horizontes antes desconhecidos ampliou a percepção do ser humano antes restrito ao seus domínios e desconhecedor dos atributos estéticos fora do seu alcance.

[20] Sobre os reflexos legislativos dessa atenção do direito à paisagem, ver o item 3.2, específico sobre os instrumentos normativos de proteção ao valor paisagístico.

[21] Não se pode esquecer do já destacado no primeiro capítulo, a respeito da visão intermediária que se deve lançar sobre o fenômeno jurídico. Com amparo na doutrina de Reis Marques (2007, p.19), o direito não pode ser enxergado somente como uma secreção social, uma vez que essa tese, oposta à concepção também extremista que vislumbra o direito sob as lentes estritamente normativistas, como mero sistema de regras, é igualmente extrema e unilateral. A defesa da teoria de que o direito é simples expressão social lhe retira todo o protagonismo na coordenação da própria sociedade, além de permitir, por exemplo, que a economia (enquanto fato social) possa condicionar o direito por completo. Segundo Marques (2007, p.19), “concebido como facto social, a sua compreensão resultaria exclusivamente da abordagem da sociedade a partir de um modo específico de ver” – esse modo específico de ver poderia ser perfeitamente o modo econômico, o que explica a temeridade dessa concepção extrema.

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